Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3774/18.9T8STB.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DÉFICE FUNCIONAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – No âmbito da responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação incluiu-se a atribuição de indemnização pelo dano biológico, independentemente da sua qualificação como dano de natureza patrimonial ou não patrimonial e da existência de perda efetiva de rendimentos salariais, desde que as lesões sofridas determinem um esforço acrescido no desempenho das suas atividades habituais, sejam estas profissionais, domésticas ou de outra natureza.
II – Na determinação da indemnização devida em virtude de um défice funcional permanente da integridade física, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta a idade do(s) lesado(s) à data do acidente, o tempo provável da sua vida ativa, o salário auferido e, sendo caso disso, o que passou(aram) a auferir, a depreciação da moeda e, evidentemente o grau de incapacidade sofrido em consequência do acidente e a sua repercussão na respetiva vida profissional, concretamente na limitação à progressão ou mudança de carreira.
III – Ademais, há de ainda ter-se em atenção que findo o período de vida ativa do(s) lesado(s), não é possível ficcionar que desapareçam instantaneamente todas as necessidades decorrentes da sua vida física, sendo ainda de considerar a respetiva esperança média de vida, a expetativa de um aumento do seu vencimento, e ter presente que o acidente de que foi(ram) vítima(s) não se deveu a qualquer conduta que lhe(s) fosse imputável, sendo-o antes e apenas à conduta da condutora do veículo segurado na Ré, que no exercício da respetiva condução não observou as regras estradais a que se encontrava sujeita.
IV – Em face da matéria de facto provada, e considerando o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, relativamente aos danos sofridos pelos AA. em consequência do acidente de viação de que foram vítimas, cuja responsabilidade pela ocorrência é de imputar da exclusivamente à condutora do veículo segurado na Ré, reputa-se adequado: quanto ao Autor, o arbitramento da indemnização de 90.000,00€, para ressarcimento do dano biológico e a indemnização de 40.000,00€, para compensação dos danos não patrimoniais; e relativamente à Autora, o arbitramento da indemnização de 30.000,00€, para ressarcimento do dano biológico e a indemnização de 25.000,00€, para compensação dos danos não patrimoniais.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3774/18.9T8STB.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I. – RELATÓRIO
1. AA, BB e CC, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra GENERALI SEGUROS, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar:
a) - Ao A. AA:
1. A quantia de 166.595,34€, a título de danos patrimoniais;
2. Quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao custo com intervenções cirúrgicas futuras, incapacidade para o trabalho emergente das mesmas, perdas salariais;
3. Quantia a liquidar em execução de sentença, referente a despesas de medicação futura;
4. Quantia a liquidar em execução de sentença, referente a despesas com tratamentos futuros de fisioterapia;
5. Quantia a liquidar em execução de sentença, referente a despesas futuras com meias elásticas;
6. A quantia de 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais;
7. Juros de mora sobre todas as quantias reclamadas, à taxa legal desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento.
b) - À A. BB:
1. A quantia de 21.137,34€, a título de danos patrimoniais;
2. Quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente a despesas com medicação futura;
3. Quantia a liquidar em execução de sentença, referente a despesas futuras com tratamentos e consultas de psiquiatria;
4. A quantia de 15.000,00€ a título de danos não patrimoniais;
5. Juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias reclamadas, desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento.
c) - À A. CC:
1. A quantia de 148,95€, a título de danos patrimoniais;
2. A quantia de 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais;
3. Juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias reclamadas, desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento.
Em fundamento da sua pretensão, os Autores invocaram, em síntese, terem sido vítimas de um acidente de viação, ocorrido no dia 2 de setembro de 2016, por culpa exclusiva do condutor segurado na ré, tendo esta assumido a responsabilidade civil decorrente desse acidente, que lhes provocou aqueles invocados danos patrimoniais e não patrimoniais.

2. A R. contestou, admitindo a responsabilidade do seu segurado na produção do embate, assumindo que o mesmo foi violento, tendo resultado ferimentos graves para o A. e ligeiros para as AA.. Mais invocou que oportunamente comunicou aos AA. os danos que assumia, considerando não ser “de atender à grande maioria dos danos invocados, os quais já foram parcialmente pagos pela Ré, não são consequência do acidente e/ou estão exageradamente elencados”, e quanto à Autora que a mesma assinou as atas de liquidação do sinistro, sem qualquer reserva, tendo declarado que se considerava totalmente ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do sinistro, tendo dado plena quitação à Ré.

3. Na audiência prévia, a A. BB pronunciou-se a respeito da matéria de exceção, dizendo, em suma, ter reclamado atempadamente as despesas à Ré, e que assinou o recibo junto como doc. 41 da contestação (fls. 236) sem o ler, e na convicção de que se tratava de pagamento parcelar conforme todos os anteriores, invocando ainda a má-fé da Ré.
Por seu turno, a R. invocou que transmitiu oportunamente à A. a sua posição, e que emitiu recibos parciais e o recibo final de quitação, não lhe sendo imputável que a A. tenha assinado um documento que agora invoca não ter lido devidamente. Conclui pela improcedência do pedido da sua condenação como litigante de má fé.

4. Na sequência da realização de perícia médico-legal, pelos AA. BB e AA, foi apresentado articulado com ampliação e liquidação parcial do pedido, nos seguintes termos:
4.1. - pela A. BB, em: a) 15.000,00€, a titulo de danos patrimoniais emergentes de IPG (a acrescer aos 15.000,00€ inicialmente peticionados); b) 10.000,00€ a titulo de danos não patrimoniais (a acrescer aos 15.000,00€ já peticionados), pelo maior padecimento da A. por força das sequelas emergentes do sinistro dos autos.
4.2. - pelo A. AA, em: a) 10.706,02€ a titulo de perdas salariais (no período entre 09.10.2019 e 16.06.2020); e a liquidação em 1800,00€ do peticionado a título de tratamentos de fisioterapia já realizados até à presente data, desde a entrada da petição inicial em juízo; e em 28.800,00€ a título de tratamentos de fisioterapia futuros.
Em ambos os casos, peticionam que às referidas quantias acresçam os juros à taxa legal, desde a data da notificação do articulado até integral pagamento dos valores ampliados e liquidados.

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Em face de todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência decide-se:
1.) Condenar a R. Companhia de Seguros Generali SA a pagar ao A. - pela perda de capacidade de ganho a quantia de € 115.000,00, acrescida dos juros de mora devidos calculados à taxa de 4% contados desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento;
2.) - a título de danos não patrimoniais a quantia de € 20.000,00 acrescida dos juros de mora devidos calculados à taxa de 4% contados desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento;
3.) - a título de perdas salariais a quantia de € 13.240,91 acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a citação da R. até integral pagamento; e a quantia de € 10.706,02 acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a notificação da R. do pedido de ampliação até integral pagamento;
4.) – a título de tratamentos de fisioterapia realizados a quantia de € 1.800,00 acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a notificação da R. do pedido de ampliação até integral pagamento;
5.) – a título de tratamentos de fisioterapia futuros a quantia de € 28.800,00 acrescida dos juros de mora devidos calculados à taxa de 4% contados desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento;
6.) - a título de tratamentos, consultas, medicação a quantia de € 2478,38 acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a citação da R. até integral pagamento;
7.) – a título de danos do veículo, do parqueamento da viatura em oficina e privação de uso a quantia de € 33.406,05 (29.395,00 +2.011,05+2.000,00) acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a citação da R. até integral pagamento;
8.) - Condenar a R. Companhia de Seguros Generali SA a pagar à A. BB pela perda de capacidade de ganho a quantia de €30.000,00, acrescida dos juros de mora devidos calculados à taxa de 4% contados desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento;
9.) - a título de danos não patrimoniais a quantia de € 10.000,00 acrescida dos juros de mora devidos calculados à taxa de 4% contados desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento;
10.) - a título de despesas com alojamento e contratação de prestador de serviços de contabilidade a quantia de € 760,00 (110,00+650,00) acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a citação da R. até integral pagamento;
11.) - a título de tratamentos, consultas, medicação a quantia de € 5177,34 acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a citação da R. até integral pagamento;
12.) - Condenar a R. Companhia de Seguros Generali SA a pagar à A. CC a título de danos não patrimoniais a quantia de € 2.000,00 acrescida dos juros de mora devidos calculados à taxa de 4% contados desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento;
13.) - a título de despesas com tratamentos a quantia de € 148,95 acrescida dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 4%, contados desde a citação da R. até integral pagamento;
14.) - Condenar a R. Companhia de Seguros Generali SA no pagamento ao A. da quantia a liquidar em execução de sentença referente ao custo com intervenções cirúrgicas futuras, incapacidades para o trabalho respetivas perdas salariais e despesas medicamentosas futuras;
15.) Condenar a R. Companhia de Seguros Generali SA no pagamento à A. BB da quantia a liquidar em execução de sentença referente ao custo com despesas medicamentosas futuras, tratamentos e consultas de psiquiatria;
16.) Absolver a R. do restante peticionado.
17.) Declarar improcedente o pedido de condenação da R. em litigância de má fé.
18.) Custas a cargo de AA. e R. na proporção do decaimento.».

6. Inconformados, os AA. e a Ré apelaram, finalizando a respetiva minuta recursória com as seguintes conclusões:
6.1. A Ré Generali Seguros, S.A.:
«1) No caso sub judice não ficou provado que o défice funcional permanente dos AA. atingiu, de modo directo e imediato, a capacidade de ganho dos lesados, tendo, ao contrário, resultado provado que mantiveram a remuneração, sendo o défice funcional compatível com a actividade profissional habitual de ambos, envolvendo, porém, esforços acrescidos. Neste sentido os pontos 156, 203, 259 e 295 dos factos provados.
2) Em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica).
3) Andou mal o Tribunal a quo, porquanto, aplicou uma fórmula matemática ainda que com adaptação do resultado ao pedido dos AA., ao invés de ter feito uma avaliação em função da equidade, tendo em consideração, conforme a jurisprudência, e ainda, os parâmetros previstos na sobredita Portaria n.º 377/2008 – neste sentido o douto Acórdão do STJ de 03-02-2022 (Proc. n.º 24267/15.0T8SNT.L1.S1), “I. Nas situações em que é atribuído ao lesado um défice funcional genérico compatível com a sua actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços suplementares, estará em causa o chamado dano biológico, que pode envolver uma vertente patrimonial ou uma vertente não patrimonial. II. No que respeita à vertente patrimonial, não será ajustado calcular a indemnização com base no rendimento anual do lesado, devendo esse cálculo assentar em juízos de equidade. (…)”
4) Assim, e ressalvado o devido respeito que é muito, ao invés de aplicar uma fórmula matemática ainda que com adaptação do resultado ao pedido dos AA., deveria o Tribunal a quo ter feito uma avaliação em função da equidade, tendo em consideração, conforme a jurisprudência, e ainda, os parâmetros previstos na sobredita Portaria n.º 377/2008.
5) Quanto a esta temática vejamos a seguinte jurisprudência:
- Acórdão do STJ de 29-10-2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1 - atribui-se ao lesado, com 34 anos, com um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de €36.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 18-03-2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45 000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 26/05/2021, Proc. n.º 763/17.4T8GRD.C1.S1 – “I - Tendo a autora (de 51 anos de idade e auferindo o salário líquido de € 515,00 x 14), em consequência de acidente de viação, sofrido lesões que, para além do coeficiente de incapacidade de que ficou afectada (13 pontos), lhe provocam sérias dificuldades no desempenho da sua actividade profissional habitual ou outra qualquer actividade similar (que implique força, agilidade e mobilidade) e mesmo para as tarefas normais e mais básicas do seu dia-a-dia (vestir-se, calçar-se, higiene pessoal); que essas dificuldades, só atenuadas pelo recurso permanente a ajudas (colete dorso lombar), medicação e tratamentos médicos, para além do esforço acrescido que exigem, se traduzem numa redução acentuada da possibilidade de adaptação e de escolha da actividade profissional, mesmo como trabalhadora indiferenciada, é adequado para ressarcir este dano patrimonial futuro o montante de € 50.000,00.”
- Acórdão do STJ 03/02/2022 (Proc. 24267/15.0T8SNT.L1.S1) em que foi atribuído ao lesado com 50 anos, afetado de uma incapacidade permanente parcial de 10 pontos, com sequelas resultantes do evento compatíveis com o exercício da profissão habitual, mas que implicam esforços suplementares o montante de €35 000,00.
- Acórdão do TRL de 15-09-2022, Proc. 5986/18.6T8LRS.L1-2 “(…) V–Provando-se que a Autora, com 23 anos de idade, ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos, sendo as lesões sofridas e as sequelas que apresenta compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, é equitativamente ajustado quantificar o dano biológico em 50.000€, fixando-se a respetiva parcela indemnizatória, face à aludida redução (25%), em 37.500€.”
- Acórdão do TRL de 09-06-2022, Proc. 10849/17.0T8SNT.L1-6, “(…) IV - Na comparação jurisprudencial orientada pelo artigo 8º nº 3 do Código Civil, é conforme a fixação de uma indemnização de quarenta mil euros a título de perda da capacidade de ganho a um lesado de 43 anos, que ficou com défice funcional de 15 pontos em 100 que apenas o obrigam a esforços suplementares na sua profissão habitual. (…)”.
6) Ao não o fazer o Tribunal a quo afastou-se, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.
7) Ao decidir nos termos em que o fez, e conforme supra alegado, violou a douta Sentença recorrida, entre outros, o disposto nos arts. 4º, 483º e 566º do Cód. Civil, Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, e o art. 13º da CRP.».
6.2. Os Autores AA e BB:
«1- O valor das compensações arbitradas aos AA. AA e BB a título de danos não patrimoniais mostram-se insuficientes para os ressarcir dos danos que sofreram, passados, presentes e futuros.
2- A matéria de facto dada como provada e que aqui se dá por integralmente reproduzida, manifestamente clara e extensa, afigura-se demonstradora da elevadíssima gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelos A.
3- O julgador para determinar o valor da compensação por danos não patrimoniais por um lado deve atender à factualidade dada como provada, por outro tem que atender também à culpa do agente causador, à sua situação económica e, bem assim à função do capital seguro.
4- No tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil).
5- A ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (artº 8º, nº 3 do Código Civil).
6- Deve assim, ser alterada a douta sentença nesta parte, atribuindo-se:
a) à A. BB uma compensação a título de Danos Não Patrimoniais nunca inferior a 25.000,00€
b) Ao A. AA uma compensação a título de Danos Não Patrimoniais nunca inferior a 40.000,00€
7- A douta sentença, entre outros, viola o disposto nos artigos 495,496, 506, 562, 564, 566, todos do CC.».

7. Autores e Ré apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação da contraparte.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. – O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, atentas as conclusões apresentadas pelos Recorrentes, as únicas questões a apreciar respeitam ao quantum indemnizatório a atribuir aos Autores AA e BB a título de indemnização pelo dano biológico (recurso da Ré), e de compensação pelos danos não patrimoniais (recurso dos Autores[4]).
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III. – Fundamentos
III.1. – De facto
Os factos considerados provados na sentença recorrida foram os seguintes:
«1. No dia 02 de setembro de 2016, pelas 17:00, na EN5, ao Km 62,200, em Alcácer do Sal, Setúbal, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-OU-.., propriedade de DD e, na altura, pela mesma conduzido;
2. (…) o veículo ligeiro Autocaravana de matrícula ..-BI-.., propriedade do primeiro A. e, na altura, pelo mesmo conduzido;
3. (…) e veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-IJ-.., propriedade de EE, Soc. Unip., Lda e, na altura conduzido por FF;
4. A proprietária do veículo ..-OU-.., havia transferido para a R. a responsabilidade civil por danos causados na condução por aquele veículo, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...35;
5. No veículo ..-BI-.., conduzido pelo primeiro A., seguiam como passageiras transportadas, as AA. BB e CC;
6. O veículo BI seguia pela EN5, no sentido Sul / Norte;
7. A via referida em 1) apresenta três filas de transito, sendo uma no sentido Sul / Norte e duas no sentido oposto;
8. No local, a via configura uma reta de boa visibilidade e os sentidos de trânsito encontram-se divididos por linha longitudinal contínua inscrita no pavimento;
9. As duas vias destinadas ao sentido Norte / Sul, encontram-se divididas entre si por linha longitudinal descontínua inscrita no pavimento;
10. O local encontra-se fora da área delimitada por placas indicadoras de localidade sendo que, no local, o limite máximo de velocidade permitida é de 70 km/hora;
11. O veículo seguro na R. seguia na via referida em 1) no sentido Norte / Sul e, ocupando a via da esquerda das duas permitidas, atento o seu sentido de marcha;
12. Quando o veículo OU se encontrava prestes para se cruzar com o veículo do A., inesperadamente, sem que nada o fizesse prever, guina repentinamente à sua esquerda, pisa e galga a linha longitudinal contínua inscrita no pavimento e que separa os sentidos de trânsito;
13. (…) indo embater com a sua frente esquerda, na frente esquerda do veículo do A..
14. Com este embate, o veículo do A. é impelido para a sua direita, sai da estrada e, acaba imobilizado fora da via, para lá da berma, numa ravina;
15. Após o embate no veículo do A. prosseguiu a sua marcha pela via referida em [6]), acabando por ir colidir com a sua frente esquerda na frente direita do veículo IJ que circulava pela mesma via, no sentido Sul / Norte e atrás do veículo do A.;
16. O embate do OU no veículo do A. ocorreu na hemifaixa de rodagem destinada ao sentido Sul / Norte e, a pelo menos 1,5 metros da linha longitudinal contínua separadora dos sentidos de marcha inscrita no pavimento;
17. Após o embate no IJ, o veículo seguro na R. acaba por virar à direita atento o seu sentido de marcha, atravessando toda a via e acabando imobilizado fora da estrada do lado direito da via atento o sentido Norte / Sul;
18. Atenta a manobra do veículo seguro na R., ao A. apenas restou tempo para se tentar desviar para a sua direita e travar no entanto, atenta a curta distância a que o veículo seguro na R. surgiu à sua frente, foi impossível evitar o embate;
19. A R. assumiu a responsabilidade por carta de 20.10.2016 enviada aos AA. de onde consta que «Efectuadas todas as diligências tendentes ao apuramento das circunstâncias em que o mesmo ocorreu concluímos que a responsabilidade pertence exclusivamente ao condutor do veículo que garantimos, pelo que caberá a esta Seguradora indemnizar V.ª Exª pelos prejuízos sofridos.(…)
20. (…) Nestes termos, agradecemos que nos sejam enviados comprovativos das despesas suportadas em consequência do sinistro para análise e eventual reembolso dos nossos serviços.»;
21. Do sinistro resultou a morte da condutora e passageiro transportado no veículo seguro;
22. Por força do impacto do veículo seguro na R., no veículo do A., ficou este totalmente destruído, tendo a GNR procedido à apreensão do título de propriedade;
23. Vistoriados os danos pelos serviços da R. concluíram os mesmos pela inviabilidade da sua reparação, concluíram pela perda total do veículo ..-BI-..;
24. Após a participação do sinistro, a R. contratou empresa especializada para proceder à averiguação e peritagem, no caso, do veículo do A. com a matrícula ..-BI-...
25. A empresa Nap Portugal, Lda. que procedeu à peritagem do veículo, apurando que o ..-BI-.. apresentava danos cuja reparação ascendia a € 52.890,00;
26. Como o valor da reparação do veículo seguro era superior ao seu valor comercial, foi o mesmo considerado como perda total;
27. O veículo do A. era de Março de 2006, tendo o valor de mercado à data do sinistro de €: 27.000,00;
28. Tendo o salvado o valor de €: 105,00;
29. A Ré transmitiu ao A. AA, através de carta datada de 13 de Outubro de 2016, que o veículo ..-BI-.. tinha sido considerado como perda total, não sendo possível a sua reparação;
30. Tendo transmitido igualmente ao A. AA que, caso se concluísse pela responsabilidade do condutor do veículo seguro na Ré – como veio a ocorrer através de carta de 20.10.2016 – a Ré procederia ao pagamento do montante de «€: 29.395,00, quantitativo este correspondente ao valor venal da viatura antes do sinistro (€29.500,00) deduzido do valor do salvado (€ 105,00)»;
31. Na tentativa de resolução extrajudicial dos danos no veículo do A. AA, a Ré manifestou-se, por email datado de 20.12.201 e dirigido ao A. AA, na disponibilidade de indemnizar o A. no valor de €: 31.500,00, deduzido do valor do salvado (€: 105,00);
32. Tendo ficado a aguardar a resposta do A. para proceder à emissão do valor remanescente de indemnização por perda total do ..-BI-..;
33. Após o sinistro, o BI foi rebocado para oficina mecânica a fim da R. verificar e avaliar os danos.
34. A mesma veio a avaliar os danos nessa mesma oficina e em 20/10/2016 a R. assumindo definitivamente a responsabilidade no sinistro propôs pagar o valor venal real do BI, uma vez deduzido o valor dos salvados.
35. Desde a data do sinistro e até 20/12/2016, permaneceu o BI aparcado nessa mesma oficina a qual, por força da não reparação do mesmo, debitou a título de aparcamento a quantia de 2.011,05€, que o A. teve de pagar para proceder à remoção (e venda) dos salvados;
36. O veículo do A. era uma autocaravana.
37. Era utilizado pelos AA para passear todos os fins de semana e férias, período que se encontrava ainda a decorrer.
38. Por força do acidente, ficaram os AA. impedidos de terminar as suas férias como tinham planeado.
39. Nessa altura era intenção dos AA. deslocar-se ainda a Lisboa em visita a familiares.
40. Ficaram impedidos de passear aos fins de semana e férias como era seu hábito;
41. Até pelo menos 20/10/2016 ficaram os AA. impedidos de utilizar o seu veículo, data em que a R. se propôs pagar o valor comercial do IU;
42. Em consequência do sinistro, o A.. ficou encarcerado no BI designadamente por compressão dos membros inferiores.
43. O A. perdeu o conhecimento com o embate retomando os mesmos com a esposa a gritar, o que sucedeu por diversas vezes;
44. Alguns momentos mais tarde e, por força das dores que estava a sentir,o A.ainda encarcerado voltou a perder o conhecimento;
45. Retomou o conhecimento quando se encontrava já a ser assistido pelos bombeiros que acorreram ao local após o que o voltou a perder, o que sucedeu por diversas vezes;
46. O desencarceramento demorou duas horas durante as quais o A. sentiu fortes dores perdendo o conhecimento por diversas vezes tendo-lhe sido administrada morfina para controlo álgico;
47. Desencarcerado, foi transportado ao Hospital de Santiago do Cacém onde deu entrada pelo Serviço de Urgência pelas 19:44 horas;
48. (…) à entrada apresentava-se com amnésia, apneico e imobilizado por suspeita de fratura femural e com colar cervical;
49. Apresentava ainda discurso lentificado, com abrasões no tórax, doloroso à palpação;
50. Efetuou TAC que revelou fratura ao nível proximal do úmero e, lâmina de líquido intrapleural e contusão pulmonar;
51. Foi-lhe efetuada algaliação e, redução de fratura do pé esquerdo por manipulação e aplicada tala em delta cast.;
52. Por força das fortes dores, foi-lhe ministrada múltipla analgesia;
53. Após mais exames complementares, apresentava:
54. a) fratura acetabular à esquerda;
55. b) Fratura do terço médio proximal do fémur esquerdo com rotura do rotuliano à esquerda;
56. c) Fratura luxação de Lisfranc à esquerda;
57. d) Fratura do Hallux esquerdo;
58. e) Luxação do 2º e 3º raios dígitos;
59. Para estabilização provisória, foi-lhe colocada tração cutânea no membro inferior esquerdo com 4 Kg de tração no plano do leito depois de desinfeção de escoriações na perna esquerda e sutura de ferida de 1 cm localizada na face anterior do terço médio da perna direita;
60. Efetuou novo TAC que revelou:
61. a) Lâmina de derrame pleural bilateral e ateclasia passiva do pulmão adjacente;
62. b) Áreas de contusão parenquimatosas pulmonar no lobo inferior do pulmão esquerdo e lingulares;
63. c) Nódulo heáticono lobo esquerdo com 14 mm;
64. d) Esteatose hepática;
65. e) Densificação dos planos adiposos e líquido / hematoma com localização anterior e interna ao músculo psoas esquerdo e anterior aos vasos ilíacos primitivos à esquerda, estendendo-se à região pélvica lateralizado à esquerda;
66. f) fratura cominutiva proximal do fémur esquerdo com espessamento dos planos musculares adjacentes;
67. g) fratura do teto do acetábulo à esquerda;
68. Foi-lhe assim diagnosticado:
69. a) Contusão torácica;
70. b) Hematuria;
71. c) Fratura coaptada do acetábulo esquerdo;
72. d) Fratura cominutiva proximal da diáfise do fémur esquerdo;
73. e) Rotura do tendão rotuliano à esquerda;
74. f) Fratura de F1 do Hallux esquerdo;
75. g) Fratura Lisfranc do pé esquerdo;
76. h) Fratura de várias falanges do pé esquerdo;
77. i) Luxação MF dos 2º e 3º raios do pé esquerdo.
78. j) Multiplos traumatismos pelo corpo, designadamente ao nível do membro inferior direito, tórax e cabeça.
79. Apresentava ainda múltiplas escoriações no membro superior esquerdo; diversos hematomas nos membros inferiores, esquerdos e direitos;
80. Permaneceu no Hospital do Cacém sempre algaliado; e imobilizado no leito, com fornecimento de oxigénio e soro, tendo efetuado higienização nessas condições, com ajuda total;
81. Em 03/09 retirou o colar cervical sendo que, nesse dia foram-lhe administrados analgésicos e preparado para remoção para o Hospital de Penafiel;
82. Em 03/09/2016 foi transportado de ambulância ao Hospital de Penafiel onde deu entrada pelas 21h30;
83. Após ter dado entrada no Hospital de Penafiel pelo serviço de Urgência, aí ficou internado;
84. Foram efetuados novos exames complementares de diagnóstico pelos quais foi ainda diagnosticado:
85. a) Fratura da diáfise do perónio;
86. b) Fratura de uma costela à esquerda;
87. Nessa altura, apresentava ainda episódios de taquicardia;
88. Foi efetuado novo TAC ao pé esquerdo, que revelou:
89. a) Fratura de Lisfranc;
90. b) fratura cominutiva com multiplas esquírolas ósseas livres da base proximal do 2º e 3º metatarsos, com desvio dorsal;
91. c) Fratura cominutiva do cuneiforme lateral e intermédio com múltiplas esquírolas ósseas livres;
92. d) Traço de fratura na face lateral do cuneiforme medial e na base do 1º metatarso;
93. e) Fratura da cabeça distal do 4º metatarso;
94. f) Fratura da diáfise do terceiro metatarso;
95. g) Fratura da face lateral do cubóide;
96. h) Alterações contusionais pós-traumáticas das partes moles envolventes com múltiplas estrias líquidas hemáticas envolventes;
97. Em 07/09/2016 foi sujeito a intervenção cirúrgica para tratamento das fraturas, designadamente mediante CRIF com Gama Nail Longo 130 acrescida de redução aberta e estabilização da articulação de Lisfranc e ORIF, com aplicação de material de osteossíntese;
98. Foi-lhe aplicada tala gessada no membro inferior esquerdo após o que lhe foi retirado material de osteossíntese, designadamente os fios K do pé;
99. Em 24/10/2016, foi-lhe dada indicação para iniciar mobilização passiva assistida / ativa do joelho e tornozelo conforme tolerância e, bem assim para iniciar carga ligeira do membro;
100. No Hospital de Penafiel, foi observado por oftalmologia tendo-lhe sido diagnosticado:
101. a) Descolamento posterior do vítreo com hemovitreo no olho esquerdo;
102. Permaneceu internado no H. Penafiel entre 03/09/2016 e 21/09/2016;
103. Teve alta para o domicílio em 21/09/2016 com indicação para reabilitar funcionalmente o membro inferior esquerdo incluindo técnica para controlo da dor, controlo da inflamação, mobilização articular passiva com prevenção da rigidez articular;
104. (…) Trabalho muscular isométrico associado a eletroterapia para impedir atrofias musculares e reabilitação da marcha;
105. Foi marcada nova avaliação hospitalar em 28/10/2016;
106. Foi transportado ao domicílio pelos bombeiros de Penafiel que carregaram o A. até à sua habitação por impossibilidade de locomoção;
107. Aí, permaneceu alectuado durante cerca de dois meses;
108. Teve de adquirir uma cama articulada que a R. pagou;
109. Durante esse período permaneceu totalmente dependente de terceiros para as mais básicas atividades do dia a dia, como sendo, deslocar-se, fazer a higiene, vestir e despir;
110. Após o que passou a utilizar canadianas, o que manteve durante cerca de 4 meses;
111. Em 25/09/2016 regressou ao serviço de urgência do Hospital de Penafiel por bloqueio abdominal provocado pela medicação que teve de fazer, designadamente analgésica que teve de abandonar;
112. Medicado, regressou ao domicílio;
113. A partir de 25/10/2016, passou a ser acompanhado pelos serviços clínicos da R. que lhe prestaram cuidados de saúde, tendo prosseguido fisioterapia durante cerca de 5 meses;
114. Em julho de 2017 foi novamente internado no Hospital de Penafiel por TVP do membro inferior direito;
115. Apresentava: diversos abcessos e celulites da perna; febre e hipersudorese; dor, edema e rubor da perna direita; Exantema purpúrico da perna direita; ferida (Flictenas);
116. Avaliado por cirurgia plástica e cirurgia vascular, foi-lhe efetuado Dopller do membro inferior direito que revelou trombose de veia poplítea à direita;
117. Foi-lhe então diagnosticada embolia e trombose venosa de vasos profundos distais do membro inferior direito e, abcessos e celulites da perna direita;
118. Foi-lhe efetuado tratamento a ferida cirúrgica na perna direita;
119. Foi medicado e prescrita elevação do membro inferior direito e utilização de meia elástica após o que lhe foi dada alta com orientação para consulta externa;
120. Foi-lhe dada alta para o trabalho em 25/10/2017 pelos serviços clínicos da R.;
121. Neste momento, apresenta:
122. a) Dificuldade na postura prolongada em bipedestação, nos deslocamentos, sobretudo em subir e descer escadas e na marcha prolongada;
123. b) Dores na anca e joelho à esquerda na marcha prolongada, subir e descer escadas;
124. c) Dores no pé esquerdo na marcha e bipedestação;
125. d) Dores e mau estar ao nível da grade costal esquerda em decúbito ipsilateral, interferindo com o repouso noturno;
126. e) Falta de equilíbrio do membro inferior esquerdo por dor e perda de força do joelho;
127. f) Edema do pé esquerdo com necessidade de utilização de meia elástica;
128. g) Não consegue correr nem andar de bicicleta.
129. h) Não consegue utilizar calçado de proteção, a que se encontra obrigado em termos profissionais;
130. i) Devido às dores e falta de equilíbrio no membro inferior esquerdo, não consegue controlar e observar devidamente os moldes de peças automóvel colocados em planos superiores, no exercício da sua atividade profissional;
131. j) Dificuldade na condução de veículos automóveis.
132. k) Dor nas manobras compressivas da grade costal;
133. l) Necessidade de utilização de meia elástica no membro inferior direito até à raiz da coxa;
134. m) Alterações cromáticas do membro inferior direito designadamente ao longo do terço médio com 8 cm e 1 cm no terço inferior;
135. n) No membro inferior esquerdo, apresenta cicatriz longitudinal estendendo-se ao longo da face anterior do tornozelo e face dorsal do pé de 11cm, aderente e dolorosa ao nível do tornozelo;
136. o) Cicatriz retrátil e pregueada ao longo da face dorsal do segundo raio, com dor e hiperstesia à palpação no membro inferior esquerdo;
137. p) Necessidade de utilização de meia elástica até ao joelho;
138. q) No membro inferior esquerdo apresenta coxofemural dolorosa multiaxial nas amplitudes máximas; Rotação interna 30º, rotação externa 20º;
139. r) Atrofia muscular da coxa e perna esquerdas de 1 cm;
140. s) Pé esquerdo com dor e limitação társica e mediotársica;
141. t) Deformidade em valgo do Hallux;
142. u) Joelho esquerdo doloroso;
143. v) Anca dolorosa à esquerda com limitações funcionais;
144. w) Rigidez da dorsiflexão da tibiotársica esquerda;
145. x) Artrodese de Lisfranc do pé esquerdo;
146. y) Cicatrizes dolorosas do pé esquerdo com hiperestesia, interferindo com marcha e uso de calçado;
147. z) Insuficiência venosa do membro inferior esquerdo necessitando de uso continuado de meia de contenção elástica;
148. aa)Dificuldade em subir e descer escadas;
149. bb)Dificuldade em pegar e transportar pesos;
150. cc) Dificuldade acentuada em deslocações em piso irregular;
151. dd)Claudicação na marcha por dor;
152. ee)necessidade de tomar medicação analgésica e anti inflamatória com caráter regular.
153. ff) hérnia inguinal bilateral.
154. gg) Intolerância à diferença de temperatura na água.
155. Foi-lhe atribuído défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos;
156. O A. trabalhava e trabalha como assistente operacional numa empresa de fabrico de peças automóvel, auferindo uma remuneração anual de 27.361,08€;
157. O A. nasceu em .../.../1974, contando com 42 anos à data do sinistro;
158. O A. terá que ser submetido a tratamentos cirúrgicos futuros nomeadamente para extração de material de osteossíntese de que é portador ao nível do membro inferior esquerdo
159. O A terá que efetuar tratamentos de medicina física e reabilitação para reabilitação funcional após intervenção cirúrgica;
160. O A. ficou obrigado a tomar medicação analgésica e anti-inflamatória com caráter regular, necessidade que perdurará para o resto da sua vida.
161. Terá ainda o A. que efetuar tratamentos de fisioterapia para o resto da vida com vista a manutenção funcional e evitar o agravamento das limitações.
162. Terá que fazer tratamentos de fisioterapia regulares – dois períodos anuais de 20 sessões cada.
163. O A. foi submetido a vários tratamentos de fisioterapia regulares, designadamente nos períodos a) de 02/01/2019 a 29/01/2019; b) de 04/01/2021 a 29/01/2021; c) de 20/09/2021 a 18/10/2021; d) de 03/01/2022 a 28/01/2022;
164. Nestes tratamentos de fisioterapia despendeu o A. até à presente data a quantia de 1.800,00€;
165. Cada tratamento envolve duas consultas de fisiatria à razão de 50,00€ cada e, vinte sessões de tratamento propriamente dito à razão de 17,50€ por sessão, temos que, por tratamento completo despenderá o A. a quantia 450,00€ (50X2 + 17,5X20);
166. Em tratamentos, consultas, exames, medicação, não pagos pela R. despendeu o A. a quantia de 2.478,38€;
167. Durante o período em que permaneceu impedido do exercício da sua atividade profissional, desde a data do acidente e até 14/09/2017, altura em que a R. lhe deu alta definitiva, num total de um ano e 12 dias;
168. (..) deveria o A. ter auferido como rendimento do trabalho, a quantia de 28.260,62€ aí se incluindo férias, subsídio de férias e de natal, assim descriminado:
169. a) Entre 02/09/2016 e 02/09/2017 – 27.316,08€
170. b) Entre 02/09/2017 a 14/09/2017 (27.316,08€ :365 X 12 dias) - 898,06€
171. A R. a título de perdas salariais pagou ao A. a quantia de 15.049,71€
172. O A., na sequência das sequelas do acidente, teve que ser submetido a intervenção cirúrgica, em Outubro de 2019, no Hospital de Penafiel;
173. Em virtude desta intervenção cirúrgica, o A. esteve sem poder trabalhar entre 09/10/2019 a 16/06/2020.
174. Durante este tempo, caso tivesse prosseguido o seu trabalho, deveria ter recebido a título de salários a quantia de 18.128,00€ porquanto o seu salário à data, era de pelo menos 2.266,00€ por mês, a este valor acrescendo ainda os proporcionais de férias e subsídio de férias e natal, no montante de 4.532,00€ (2.266 : 12) X 8) X 3), tudo no montante global de 22.660,00€;
175. Durante este tempo o A. recebeu da segurança social, a título de subsídio de doença, a quantia de 11.953,98€;
176. O A. sofreu fortes dores aquando do sinistro e durante os tratamentos, dores essas que, ainda mantém e manterá para o resto da sua vida;
177. Esteve internado durante longas semanas, durante as quais permaneceu dependente de terceiros;
178. .Perdeu a sua privacidade e viu a sua liberdade restringida por não conseguir deslocar-se;
179. Teve a perceção da iminência do sinistro assim como da impossibilidade de o evitar.
180. Sofreu por saber que também a sua esposa e filha estavam feridas;
181. Sofreu por desconhecer o seu estado de saúde assim como da sua esposa e filha;
182. Durante largas horas pensou que ia morrer.
183. Esteve encarcerado durante pelo menos duas horas.
184. Esteve cerca de um ano em tratamentos;
185. Era uma pessoa sempre bem disposta, alegre e extrovertido.
186. Passou a ser uma pessoa triste, taciturna, evidenciando permanente sofrimento físico.
187. Sente-se diminuído fortemente nas suas capacidades e habilidades, o que se reflete de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais;
188. Não tem equilíbrio, facto que o limita na execução do seu trabalho designadamente ao nível da observação e controlo de produção em planos superiores.
189. Sente dificuldades na condução automóvel.
190. Era seu hábito passear com a família quase todos os fins de semana, o que não mais logrou fazer.
191. Não consegue correr nem andar de bicicleta.
192. Era seu hábito praticar natação, corrida e BTT, atividades que teve de abandonar por agravamento álgico.
193. Também não mais conseguiu fazer caminhadas como era seu hábito;
194. Sabe que o seu estado não melhorará, facto que o desgosta.
195. Sabe que terá que fazer tratamentos para o resto da vida, o que o desgosta e lhe traz angústia.
196. Vê e sente o seu corpo deformado o que lhe traz desgosto e vergonha.
197. Não mais utilizou calções por vergonha, designadamente em razão das cicatrizes e por ter de utilizar meia elástica.
198. Não mais foi à praia ou piscina;
199. Quando sente mais dores e ou limitações na execução de tarefas, irrita-se e procura isolar-se;
200. Tornou-se uma pessoa ansiosa e intolerante;
201. Deixou de sair e de conviver com amigos e familiares;
202. Por receio de circular na estrada, não mais foi de férias como era seu hábito;
203. Resulta das conclusões do Relatório de avaliação medico legal que o A. sofreu: «- Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 33 dias; - Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 1434 dias. - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 400 dias. - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial sendo assim fixável num período total de 1066 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 5/7. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos. - As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares; - Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7; - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7. - Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares»;
204. A Ré acompanhou clinicamente o A., a partir de 25 de Outubro de 2016, por intermédio do Dr. GG e do Dr. HH, que o seguiram em consultas nos dias 25.10.2016, 28.10.2016, 24.11.2016, 22.12.2016, 19.01.2017, 16.02.2017, 16.03.2017, 20.04.2017, 27.04.2017, 04.05.2017, 01.06.2017, 29.06.2017, 03.08.2017, 10.08.2017, 14.09.2017, 24.10.2017; 205. A R. suportou despesas medicamentosas e com fisioterapia de que o mesmo careceu nesse período;
206. Durante o acompanhamento clínico assegurado pela Ré, o A. AA esteve em situação de incapacidade temporária absoluta de 25 de Outubro de 2016 a 4 de Maio de 2017;
207. Em situação de incapacidade temporária parcial de 40% de 05.05.2017 a 01.06.2017;
208. Em situação de incapacidade temporária parcial de 20% de 02.06.2017 a 14.09.2017;
209. (…) em conformidade, procedeu a Ré ao pagamento ao A. de indemnização no montante de €: 15.485,35 (quinze mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos) devida pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e incapacidade temporária parcial;
210. O A. assinou os recibos das «Actas de acordo de liquidação de sinistro»
211. (…) onde consta «com o presente acordo de liquidação a entidade recebedora tem à disposição a quantia em referência a título de indemnização.
Com o recebimento do montante mencionado, considerar-se-á parcialmente ressarcido dos danos patrimoniais e não patrimoniais, despesas e/ou prejuízos resultantes do sinistro a que reporta o processo acima indicado.»;
212. A Ré liquidou ao A. montantes devidos a título de despesas médicas e medicamentosas e despesas de deslocações para exames e consultas relacionados com os presentes autos, no montante de €: 16.127,93 (dezasseis mil, cento e vinte e sete euros e noventa e três cêntimos);
213. Aquando do acompanhamento clínico pela Ré foram prescritos ao A. e pagos pela R. tratamentos de fisioterapia;
214. Em razão do embate, a A. BB sofreu TCE, com hematoma frontal e craniano, contusão da anca, contusão cervical; contusão mamária causada pela tensão do cinto de segurança;
215. Após ter sido assistida no local, foi transportada ao Hospital do Cacém, onde deu entrada pelos Serviços de Urgência com imobilização cervical;
216. Apresentava, na altura, TCE, dor na grade costal esquerda e contusão da parede torácica;
217. Foi submetida a diversos exames complementares de diagnóstico que revelaram:
218. a) Ao nível da anca esquerda: hematoma ao nível do tecido celular subcutâneo e, tendinopatia do tendão glúteo médio;
219. b) Ao nível do crânio: Alargamento dos sulcos refletindo diminuição do volume cerebral;
220. Após observação, foi medicada e foi-lhe dada alta para o domicílio;
221. Posteriormente, passou a ser seguida por psicologia e, mais tarde por psiquiatria, acompanhamento que mantém.
222. Sofreu grave choque emocional pela vivência traumática do evento pois percebeu a iminência do embate, o encarceramento do marido, a situação da filha no meio dos destroços, o falecimento da cadela de estimação e ainda dos ocupantes do veículo seguro na R., a gravidade dos ferimentos do marido;
223. Este quadro de distúrbio de stress pós traumático e a necessidade de acompanhamento do marido, determinaram a impossibilidade do exercício da sua atividade profissional;
224. À data em que começou o acompanhamento por psicologia, apresentava:
225. a) Pensamentos intrusivos e recorrentes do acontecimento;
226. b) Tentativa de evitamento e maior sensibilidade a estímulos associados ao trauma;
227. c) Distúrbios graves do sono;
228. d) Respostas exageradas de alerta;
229. e) Dificuldades de concentração;
230. f) Sonhos recorrentes de conteúdo associado ao evento;
231. g) Estado emocional negativo e persistente;
232. h) Forte sentimento de vulnerabilidade;
233. Efetuou tratamento de psiquiatria, com consultas de intervenção psicoterapêutica direcionada ao trauma e foi medicada;
234. Neste momento, apresenta:
235. a) Dificuldades de concentração;
236. b) Dificuldades de cálculo;
237. c) Perturbações da memória;
238. d) Distúrbio do sono com insónias;
239. e) Pesadelos frequentes, sonhos frequentes associados ao trauma;
240. f) Pensamentos recorrentes do evento traumático;
241. g) estado depressivo permanente;
242. h) Dores de ritmo mecânico ao nível da anca esquerda e cervical;
243. i) Cefaleias e parestesias da face;
244. j) Humor deprimido;
245. k) Alteração do caráter com afetação do relacionamento pessoal e familiar;
246. l) Dificuldade na condução;
247. m) Lentificação intelectual;
248. n) Incapacidade para trabalhar durante períodos prolongados;
249. o) Incapacidade em cumprir horário de trabalho.
250. p) Contratura muscular cervical e escapular acentuadas;
251. q) Rigidez dolorosa multiaxial com limitação das amplitudes máximas;
252. r) Dor à palpação da face externa da anca, ao nível da região trocantérica;
253. s) Contração resistida do médio nadegueiro dolorosa e com diminuição da força muscular;
254. t) Necessidade de tomar medicação com caráter regular;
255. u) necessidade de acompanhamento psiquiátrico regular.
256. v) Irritabilidade fácil.
257. w) Sensação de cansaço permanente;
258. Foi-lhe atribuído um Défice Funcional Permanente da Integridade Fisico Psiquica de 12;
259. A A. trabalhava e trabalha por conta própria como contabilista certificada, auferindo anualmente um rendimento líquido 9.590,53€;
260. A A. nasceu em .../.../1977, contando com 39 anos à data do sinistro;
261. Ficou a A. obrigada a tomar medicação de foro psíquico com caráter regular, necessidade que perdurará para o resto da sua vida;
262. Terá ainda a A. que efetuar tratamentos e consultas regulares de psiquiatria para o resto da vida com vista a manutenção funcional e evitar o agravamento das limitações;
263. Em tratamentos, consultas, exames, medicação, não pagos pela R. e devidamente prescritos despendeu a A. a quantia de 5.177,34;
264. A A. ficou impedida de retomar o seu trabalho até final do mês de Setembro de 2016;
265. Para manter a sua atividade e não perder clientes e bem assim para garantir o cumprimento de prazos e de agenda, porque trabalha sozinha e sem funcionários, durante este período, teve necessidade de contratar os serviços de uma colaboradora a quem pagou a quantia de 650,00€;
266. Na data do sinistro e, porque se viu impedida de regressar a casa, por forma a acompanhar o marido e, ao mesmo tempo garantir o acompanhamento da sua filha menor, teve de contratar alojamento, no que despendeu a quantia de 110,00€;
267. A A. sofreu fortes dores aquando do sinistro e durante os tratamentos, dores essas que ainda mantém e manterá para o resto da sua vida;
268. Viu o seu marido encarcerado e em sofrimento durante duas horas.
269. Viu a sua filha ser-lhe retirada e viu-se afastada de ambos sem conhecer o seu estado de saúde.
270. Pensou que o seu marido iria morrer.
271. Temeu pela vida do marido e da sua filha.
272. Teve de acompanhar o marido durante o período de internamento e durante o período em que este esteve alectuado e dependente de terceiros em casa.
273. Teve a perceção da iminência do sinistro assim como da impossibilidade de o evitar.
274. Era uma pessoa trabalhadora, com capacidade de trabalhar largas horas para lá do normal horário de expediente.
275. Passou a viver em permanente depressão.
276. Sente dores todos os dias;
277. Era uma pessoa sempre bem disposta, alegre e extrovertida.
278. Passou a ser uma pessoa triste, taciturna, ausente.
279. Sente-se diminuída fortemente nas suas capacidades e habilidades, o que se reflete de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais;
280. Não se passa um dia em que não recorde o sinistro e as suas consequências;
281. Tem forte receio de andar de automóvel assim como de conduzir, evitando fazê-lo;
282. Era seu hábito passear com a família quase todos os fins de semana, o que não mais logrou fazer;
283. Tem dores em permanência ao nível da cervical e anca.
284. Tem perdas de memória frequentes, facto que afeta o seu desempenho profissional e pessoal;
285. Viu o seu relacionamento social, familiar e íntimo seriamente prejudicado.
286. Perdeu líbido;
287. Não mais conseguiu fazer caminhadas como era seu hábito.
288. Sabe que terá que fazer tratamentos médicos regulares em consulta de psiquiatria e tomar medicação para o resto da vida, o que a desgosta e lhe traz angústia.
289. Frequentemente tem episódios de choro e desespero, isolando-se de tudo e todos;
290. Tornou-se uma pessoa ansiosa e intolerante;
291. Deixou de sair e de conviver com amigos e familiares;
292. Tem dificuldade em dormir, acordando por diversas vezes;
293. Não consegue descansar devidamente pelo que, vive em estado de cansaço permanente;
294. Resulta das conclusões do Relatório de perícia medico legal de psiquiatria que a A. «padece de perturbação de stress pós traumático em contexto de experiência vivencial do sinistro automóvel com afloração da iminência de morte, encarceramento do marido durante duas horas, angústia quanto ao estado da filha menor envolta em destroços, o óbito dos dois ocupantes do outro veículo e a morte de um animal de estimação.»
295. Resulta das conclusões do Relatório de avaliação medico legal que a A. sofreu: «- P Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 141 dias. - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 141 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 3/7. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 12 pontos. -As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares - Ajudas técnicas permanentes: tratamentos médicos regulares»;
296. A Ré liquidou à A. montantes devidos a título de despesas médicas e medicamentosas, e despesas de deslocações para exames e consultas;
297. A A. assinou vários recibos das «Actas de acordo de liquidação de sinistro»
298. (…) onde consta «com o presente acordo de liquidação a entidade recebedora tem à disposição a quantia em referência a título de indemnização. Com o recebimento do montante mencionado, considerar-se-á parcialmente ressarcido dos danos patrimoniais e não patrimoniais, despesas e/ou prejuízos resultantes do sinistro a que reporta o processo acima indicado.»;
299. A A. assinou os recibos das «Acta de acordo de liquidação de sinistro»
300. (…) onde consta «com o presente acordo de liquidação a entidade recebedora tem à disposição a quantia em referência a título de indemnização. Com o recebimento do montante mencionado, considerar-se-á parcialmente ressarcido dos danos patrimoniais e não patrimoniais, despesas e/ou prejuízos resultantes do sinistro a que reporta o processo acima indicado.»
301. Da «Acta de acordo de liquidação de sinistro» de 27 de Abril de 2017, no montante de €18,00, consta a assinatura de BB
302. (…) e da acta consta «Com o presente acordo de liquidação a entidade recebedora tem à disposição a quantia em referência a título de indemnização. Com o recebimento do montante mencionado considerar-se-á completamente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência do sinistro a que se reporta o processo acima indicado, dando assim plena quitação à Generali-Companhia de Seguros e subrogando-a em todos os direitos, açcões e recursos, contra possíveis responsáveis nos termos da lei.»;
303. O valor de €18,00 da acta indicada em 301) respeita a consulta de oftalmologia cujo pagamento foi requerido pelo A junto da R.;
304. A A. CC, filha dos demais AA. era transportada no veículo dos AA.;
305. Por força do sinistro, ficou no meio dos destroços de onde foi retirada por
terceiros;
306. Sofreu um grave susto quando tinha apenas 8 anos de idade.
307. Do embate resultaram escoriações diversas para a A., designadamente ao nível dos membros, região dorsal e da mama esquerda;
308. Foi assistida no local e depois transportada para o Hospital de Santiago do Cacém onde deu entrada pelo serviço de urgência;
309. Manteve-se em observação medicada com analgésicos;
310. Foi-lhe efetuada lavagem e desinfeção das escoriações e feito penso com inadine na região torácica por perda de substância e penso seco;
311. Foi-lhe dada alta nessa mesma data;
312. Por evidenciar sintomas (tristeza e ansiedade) perturbações de foro psíquico emergentes de vivência de eventos traumáticos (acidente de viação e perda do animal de estimação), passou a mesma ser seguida por psicologia.
313. Em tratamentos, medicação e consultas, despendeu a quantia de 148,95€;
314. A A. sofreu dores aquando do sinistro e durante os tratamentos;
315. Sofreu ao ver-se afastada dos progenitores, rodeada de terceiros e em ambiente hospitalar;
316. Temeu pela vida do pai assim como assistiu ao seu sofrimento quer quando este permaneceu no hospital quer quando regressou a casa;
317. Vivenciou e vivencia alteração no relacionamento familiar por força das sequelas de que padecem ambos os progenitores;
318. Viu o seu animal de estimação falecer, facto que lhe trouxe e ainda traz sofrimento;
319. Viu as suas férias interrompidas;
320. Em virtude do sinistro, ficou a A. CC com uma cicatriz que evoluiu para colóide na mama;
321. A cicatriz é visível e percetível para qualquer pessoa.
322. A A. sente vergonha pela cicatriz de que é portadora;
323. A A.por força da cicatriz procura sempre evitar ir à praia e à piscina e quando vai à praia evita tirar a camisola».
E foram considerados não provados os seguintes factos:
«1)-A condutora do veículo seguro na R. seguia completamente distraída e sem qualquer cuidado quer em relação às condições da via quer em relação ao trânsito que por ali circulava,
2)-imprimindo àquele veículo uma velocidade nunca inferior a 120 Km/hora.
3)-a situação clínica do A. melhorou e desde a alta clínica o A. não carece de fisioterapia,
4)-Em transportes para consultas, exames e tratamentos, em viatura própria, despendeu a A. a quantia de pelo menos 500,00€;
5)-Em transportes para consultas, exames e tratamentos, em viatura própria, despendeu a A. a quantia de pelo menos 200,00€;
6)-O A. terá de utilizar meias elásticas para o resto da vida;
7)-A A. BB não consegue estar mais que 15 minutos na mesma posição, seja, deitada, sentada ou em pé;
8)-A A. BB tem dificuldades em carregar pesos assim como em erguer objetos acima da linha do ombro;
9)-A A. BB tem dores e sente graves dificuldades quando está ao computador, facto que a obriga a intervalos de 30 em 30 minutos;
10)-A A. BB não consegue dar cumprimento a um dia inteiro de trabalho, facto que a desgosta e faz sentir diminuída;
11)-Por a sua mãe ter que cuidar do pai, a A. CC teve que passar a frequentar um ATL;
12)-A A. CC tem medo de andar de automóvel;
13)- A A. CC demonstra uma preocupação exacerbada com o pai;
14)- A A. CC demonstra alterações de comportamento quando, por vezes os progenitores demonstram menos tolerância do que demonstravam antes do sinistro e, sofre com isso;
15) A A. [CC] viu-se obrigada a pernoitar em casa dos avós por várias semanas».
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III.2. – O mérito dos recursos
Na presente ação, intentada com fundamento em responsabilidade civil emergente de acidente de viação, a Ré aceitou na sua contestação que o mesmo ocorreu por culpa efetiva e exclusiva da condutora do veículo seu segurado, bem como a respetiva obrigação de indemnizar os danos decorrentes do evento danoso, em concreto, os danos patrimoniais e não patrimoniais, que viessem a ser demonstrados pelos Autores, para além dos que já havia ressarcido.
Da extensão da obrigação de indemnizar a cargo da Ré estabelecida pela sentença recorrida, verificamos – atento o objeto da respetiva apelação que delimita o âmbito do recurso –, que a mesma não se conforma com os pontos 1. e 8., respeitantes às quantias arbitradas aos AA. AA e BB, “pela perda da capacidade de ganho”, respetivamente, de 115.000,00€ e 30.000,00€, considerando que devem ser substancialmente reduzidos esses valores, aproximando-se dos atribuídos em situações comparáveis, dos quais entende que o tribunal a quo se afastou de modo substancial e injustificado.
Por seu turno, os AA./Apelantes, dissentem unicamente da compensação que a primeira instância lhes atribuiu a título de danos não patrimoniais, respetivamente de 20.000,00€ e 10.000,00€, pugnando para que lhes sejam atribuídos, pelo menos, 40.000,00€ e 25.000,00€.
Portanto, assim circunscrito o âmbito de apreciação deste Tribunal, o presente acórdão cingir-se-á a determinar o quantum da indemnização devida aos Autores AA e BB: i) pelo défice funcional permanente da sua integridade física, ii) pelos danos não patrimoniais sofridos.
Vejamos, então, cada um dos aspetos referidos, seguindo de perto a fundamentação jurídica expendida nos Acórdãos proferidos neste Tribunal da Relação em 06.10.2016, 09.03.2017, e 22.11.2018[5], iniciando a apreciação pela indemnização devida pelo denominado dano biológico, e apreciando seguidamente a compensação a atribuir pelos danos não patrimoniais, à luz da jurisprudência mais recente proferida em casos análogos, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.
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III.2.1. – Da indemnização pelo défice funcional
Cremos ser atualmente entendimento pacífico que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado, danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial[6], sendo em geral reparável (dependendo a ressarcibilidade, em concreto, da gravidade do dano provado), independentemente do seu enquadramento na categoria dos danos patrimoniais ou morais[7].
Assim, a afetação da capacidade funcional de uma pessoa, traduzida pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica constitui um dano que importa reparar, independentemente de se traduzir ou não em perda efetiva ou imediata de salários, isto é, mesmo que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor[8].
Porém, só «há relativamente poucos anos tem vindo a entrar na terminologia da doutrina e da jurisprudência nacionais o conceito de “dano biológico” ou de “dano corporal”. (…) Ao nível da jurisprudência o conceito tem vindo a ser utilizado sobretudo a respeito da fixação de indemnizações em caso de acidentes de viação, suscitando, em primeira linha, a dificuldade da relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais»[9].
Na verdade, sendo inicialmente sempre qualificada como indemnização por danos patrimoniais futuros[10], foi sendo efetuada uma evolução do conceito no sentido de que, quando não existia uma efetiva perda de vencimento e apenas estava em causa indemnizar um esforço acrescido para o desempenho das tarefas do dia-a-dia, quer na vertente da vida profissional quer na vertente da vida pessoal, que a existência de uma incapacidade, por si só representa, melhor se enquadraria a qualificação de tal indemnização como sendo atribuída pelo dano biológico, concluindo-se em alguns casos que este era ainda um dano patrimonial e em outros que constituía um dano não patrimonial.
Exemplificativamente, considerou-se que “nos casos em que a percentagem de IPP se não traduz, na prática, numa efectiva perda de ganhos ou de capacidade de ganho proporcional ao montante dos vencimentos previsivelmente a auferir no futuro, a repercussão negativa da IPP centra-se apenas numa diminuição de condição física, resistência, e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das suas diversas tarefas”.
É por via deste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais da vida do lesado que o nosso mais Alto Tribunal tem vindo a afirmar que «no âmbito da responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação incluiu-se a atribuição de indemnização pelo dano biológico, ou seja, pelo facto de, independentemente da perda de rendimentos do lesado, as lesões sofridas determinarem um esforço acrescido no desempenho das suas atividades profissionais, domésticas ou de outra natureza»[11].
Por seu turno, qualificando o dano biológico, como sendo exclusivamente um dano não patrimonial, afirmou-se que «levando os factos provados a excluir que a incapacidade permanente geral de 5% tenha repercussões funcionais directas ou indirectas, imediatas ou longínquas, não é devida indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial»[12].
Na mesma vertente da qualificação como danos patrimoniais, tem-se entendido que este denominado “dano biológico”, enquanto “diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…); tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”[13].
Ainda nessa perspectiva, autonomizando a indemnização pelo dano biológico, entende-se que «deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal»[14].
Concordamos com a citada autora, quando afirma que «o dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais».
Assim, sendo certo que «a atribuição de uma indemnização a título de danos patrimoniais pela perda de capacidade de ganho, ao abrigo do art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC, não dispensa a prova da existência de danos futuros», mesmo quando não se saiba se «em consequência do acidente de viação de que foi vítima, deixou de trabalhar, ou, trabalhando, qual o grau de dificuldade existente no desempenho das suas tarefas (…), se o seu rendimento laboral deixou de ser o mesmo e em que medida ou se deixou de auferir o mesmo salário e em que montante, não existem elementos fácticos que permitam avaliar a existência de um dano patrimonial futuro»[15], é sempre possível indemnizar, mesmo complementarmente, o dano biológico, quando o lesado «tem de suportar a onerosidade com a execução de tarefas materiais de índole pessoal, mormente no âmbito das suas lides domésticas, a qual representará, para além da respetiva penosidade anímica, uma diminuição da capacidade geral de ganho fora do âmbito profissional», já que «o chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis»[16].
Portanto, como já resulta do sobredito, o dano biológico pode «projectar-se em duas vertentes:
- por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual»[17].
No caso em apreço, com suporte em fundamentos que não se afastam das ponderações que vimos de referir, expendeu-se concretamente a este respeito na decisão recorrida que «…considerando que resultou provado que o A. auferia à data do sinistro rendimento anual de € 27.361,08, tinha 42 anos à data do acidente e foi-lhe atribuída uma incapacidade funcional permanente de 16% e aplicando a modalidade de cálculo mais simples igualmente utilizada pela jurisprudência – (€ 27.361,08 x 28 anos) x 16% – chegaríamos a um resultado de € 122.577,63, pela incapacidade permanente parcial. Tendo o A. peticionado a este título o montante de 115.000,00 o que se afigura adequado e proporcional a título indemnizatório.
Por sua vez, considerando que resultou provado que a A. BB auferia à data do sinistro rendimento anual de € 9.590,53, contando 39 anos à data do sinistro, tendo-lhe sido fixada incapacidade funcional permanente de 12% e aplicando a modalidade de cálculo mais simples igualmente utilizada pela jurisprudência – (€ 9.590,53 x 31 anos) x 12% – chegaríamos a um resultado de € 35.676,77, pela incapacidade permanente parcial. Tendo a A. peticionado a este título o montante de € 30.000,00 o que afigura-se adequado e proporcional a titulo indemnizatório».
Dissente a seguradora, ora Apelante, da indemnização atribuída aos Autores “pela perda da capacidade de ganho”, defendendo, em suma, que não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes perante o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica), distinção que não pode deixar de ser tida em linha de conta para a fixação do montante indemnizatório.
Convoca em favor da sua pretensão o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 03-02-2022 (Proc. n.º 24267/15.0T8SNT.L1.S1), de cujo sumário consta que:
“I. Nas situações em que é atribuído ao lesado um défice funcional genérico compatível com a sua actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços suplementares, estará em causa o chamado dano biológico, que pode envolver uma vertente patrimonial ou uma vertente não patrimonial.
II. No que respeita à vertente patrimonial, não será ajustado calcular a indemnização com base no rendimento anual do lesado, devendo esse cálculo assentar em juízos de equidade. (…)”
Assim, conclui que “ao invés de aplicar uma fórmula matemática ainda que com adaptação do resultado ao pedido dos AA., deveria o Tribunal a quo ter feito uma apreciação em função da equidade, tendo em consideração, conforme a jurisprudência, e ainda, os parâmetros previstos na Portaria n.º 377/2008.
Critérios estes que não foram sequer ponderados pelo douto Tribunal a quo.”
Por seu turno, os Apelados pugnam pela confirmação deste segmento da decisão recorrida, defendendo, em síntese, que “a apelante seguradora reduz por completo a repercussão da incapacidade de que os AA ficaram afetados à sua profissão”. Porém, “a perda de capacidade aquisitiva reconduz-se não apenas às atividades e tarefas desempenhadas no âmbito profissional mas, também às atividades desenvolvidas a título pessoal e social. Assim sendo e, corroborando estas premissas, o entendimento dos nossos tribunais que consideram, no cálculo indemnizatório, não apenas a esperança de vida ativa dos lesados mas a sua esperança de vida propriamente dita pois que, com a entrada na reforma, as sequelas dos acidentes não desaparecem…, bem pelo contrário, até se fazem sentir com cada vez maior acentuação”.
Que dizer?
Em síntese do sobredito, cremos poder afirmar que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação incluiu-se a atribuição de indemnização pelo dano biológico, independentemente da sua qualificação como dano de natureza patrimonial ou não patrimonial e da existência de perda efetiva de rendimentos salariais pelo lesado, desde que as lesões sofridas determinem um esforço acrescido no desempenho das suas atividades habituais, sejam estas profissionais, domésticas ou de outra natureza.
No dizer daquele recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-03-2023[18] «[a] compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas, inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado nomeadamente por este se encontrar já reformado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais uma vez que a esperança de vida não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão».
Assim, e revertendo ao caso em presença, concretamente na vertente profissional, não implicando a incapacidade de que os Autores ficaram a padecer qualquer perda salarial efetiva atual, a determinação da indemnização devida pela redução da capacidade funcional não tem já que ver com a perda de ganho futuro, mas, antes de mais, com o maior esforço que aqueles terão de desenvolver para conseguir desempenho profissional aproximadamente idêntico ao de qualquer outra pessoa não afetada com qualquer grau de incapacidade, como era a sua situação anterior, ou mesmo para obterem desempenho semelhante ao modo como os próprios AA. desenvolviam as suas atividades profissionais antes da incapacidade sofrida em consequência do acidente de viação, da responsabilidade exclusiva da segurada da Ré, e que lhes provocou respetivamente, 16 e 12 pontos de incapacidade funcional permanente, numa escala de 100[19].
Então, como se determina o quantum da compensação devida?
Conforme é jurisprudência pacífica que temos vindo a seguir e a referir, mas não é demais sublinhar, o critério fundamental para a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como especialmente por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade[20].
Por isso a jurisprudência tem vindo sistematicamente a afirmar que os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial[21]. Consequentemente, os mesmos não se sobrepõem ao sobredito critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações, a equidade, nos termos dos artigos 496.º, n.º 3, e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil. Apesar disso, podem evidentemente ser ponderados pelo julgador, mormente porque se lhe impõe a prossecução do princípio da igualdade, o que, sem deixar de atender às especificidades do caso concreto, implica a procura, tanto quanto possível, de uma uniformização de critérios, tarefa para a qual as indicadas tabelas podem contribuir, atenta a objetividade dos fatores ali referidos.
Com efeito, pese embora se considere, como foi entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2022, citado pela Apelante, que em situações como a presente o cálculo da indemnização não pode ter simplesmente por base o rendimento anual do lesado, por via de um mero cálculo que decorra da aplicação automática de tabelas, sendo determinada pela equidade, a verdade é que cremos que nada obsta a que estas sejam usadas, desde que apenas como elementos meramente auxiliares ou indicativos de cálculo, como critérios orientadores que permitam aos tribunais a consideração de elementos objetivos de apreciação, tanto mais quando a lei exige aos tribunais que neste julgamento equitativo tenham presentes os casos análogos, e o julgamento equitativo não é sinónimo de julgamento arbitrário. Talvez por isso, como se refere no citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 07-03-2023, na quantificação da compensação do dano biológico, mesmo em casos em que o lesado não sofre perda ou diminuição de proventos laborais, a Jurisprudência tem essencialmente seguido critérios semelhantes aos que são utilizados na indemnização de tal dano quando dele decorre aquela perda ou diminuição da capacidade de ganho.
Aliás, a validade do recurso meramente auxiliar a estes elementos mais objetivos na determinação da indemnização devida ao lesado, foi expressamente assumida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2019[22], onde se afirmou que «[n]este âmbito, para determinar a indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:
- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;
- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia.
Por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa média de vida».
Assim, na determinação da indemnização devida em virtude de um défice funcional permanente da integridade física, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta a idade do lesado à data do acidente, o tempo provável da sua vida ativa, o salário auferido e, sendo caso disso, o que passou a auferir, a depreciação da moeda e, evidentemente o grau de incapacidade sofrido em consequência do acidente e a sua repercussão na vida profissional do lesado, concretamente na limitação à progressão ou mudança de carreira. Ademais, há de ainda ter-se em atenção que findo o período da vida ativa deste, não é possível ficcionar que desapareçam instantaneamente todas as necessidades decorrentes da sua vida física, sendo ainda de considerar a respetiva esperança média de vida, a expetativa de um aumento do seu vencimento e de progressão na carreira, e ter ainda presente que o acidente de que os autores foram vítima não se deveu a qualquer conduta que lhes fosse imputável, sendo-o antes e apenas à conduta da condutora do veículo segurado na Ré, que no exercício da respetiva condução não observou as regras estradais a que se encontrava sujeita, invadindo inopinadamente a faixa de rodagem por onde o A. circulava conduzindo a autocaravana que ficou destruída em consequência do violento embate sofrido (aliás, assim qualificado pela própria Ré, e que é evidenciado pela morte da condutora e passageiro transportado no veículo seguro).
Revertendo o que vimos de referir ao caso concreto em presença, na ponderação da indemnização a atribuir aos autores pelo dano biológico, deve ter-se em consideração, quanto a ambos, que:
- nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 7.º da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio o termo da vida ativa foi fixado nos 70 anos; porém, «deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma»[23];
- de acordo com os mais recentes dados do INE, no triénio 2018-2020, a esperança média de vida à nascença da população portuguesa foi estimada em 78,07 anos para os indivíduos do sexo masculino, e em 83,67 anos para os indivíduos do sexo feminino.
Agora, concretamente quanto ao Autor AA, na vertente da compensação pelo dano biológico, importa considerar que:
- nasceu em .../.../1974, pelo que, à data em que terminou o período de repercussão temporária na atividade profissional[24], em .../.../2017, tinha 43 anos e 6 meses de idade; ponderando a esperança média de vida biológica o autor teria pela frente àquela data, previsivelmente, cerca de 34 anos e meio de vida biológica e cerca de 26 anos e meio de vida ativa;
- à data do acidente trabalhava como assistente operacional numa empresa de fabrico de peças automóveis, auferindo uma remuneração anual de 27.361,08€ (facto provado 156);
- foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade física de 16 pontos, que se reflete de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais, porque não tem equilíbrio, facto que limita a execução do seu trabalho, designadamente ao nível da observação e controlo da produção em planos superiores (factos provados 155, 187, 188 e 203);
- as sequelas de que o autor é portador e aquele défice funcional são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares.
Assim, efetuámos os cálculos respetivos com vista a alcançar alguma objetividade que possamos seguidamente «temperar» com os referidos elementos em que um juízo equitativo assenta, constatando que se o cálculo for efetuado como foi na decisão recorrida, atinge um valor que, apesar de se ter considerado a partir do final do período de repercussão temporária na sua atividade profissional é ainda superior ao pedido pelo Autor e arbitrado na sentença recorrida. Porém, não pode deixar de ter-se também presente que, pese embora a taxa de juro das aplicações financeiras que não são de risco, esteja longe de ter os valores que anteriormente atingia, o certo é que o recebimento imediato da quantia total que o lesado receberia num período temporal prolongado, não pode deixar de ser ponderado, tanto mais que, por exemplo, aplicações como os certificados de aforro, atingiram já valores superiores a 3%, devendo equilibrar-se aquilo que poderia ser um injustificado benefício do lesado, com os benefícios remuneratórios que eventualmente aquele poderia ter e não tem, designadamente por maiores dificuldades de progressão na carreira decorrentes do reflexo acentuado do défice funcional de que ficou a padecer na sua atividade profissional, atingindo-se o valor aproximado de 90.000,00€.
Importa agora tentar, tanto quanto possível, olhar para os casos análogos, porque é nesses que se colhe a justiça da concreta situação em presença.
A Apelante, visando demonstrar que a indemnização arbitrada ao autor pelo dano biológico se afasta da justiça equitativa encontrada em casos análogos, convocou os seguintes arestos:
«- Acórdão do STJ de 29-10-2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1 - atribui-se ao lesado, com 34 anos, com um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de €36.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 18-03-2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45 000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 26-05-2021, Proc. n.º 763/17.4T8GRD.C1.S1 – “I - Tendo a autora (de 51 anos de idade e auferindo o salário líquido de € 515,00 x 14), em consequência de acidente de viação, sofrido lesões que, para além do coeficiente de incapacidade de que ficou afectada (13 pontos), lhe provocam sérias dificuldades no desempenho da sua actividade profissional habitual ou outra qualquer actividade similar (que implique força, agilidade e mobilidade) e mesmo para as tarefas normais e mais básicas do seu dia-a-dia (vestir-se, calçar-se, higiene pessoal); que essas dificuldades, só atenuadas pelo recurso permanente a ajudas (colete dorso lombar), medicação e tratamentos médicos, para além do esforço acrescido que exigem, se traduzem numa redução acentuada da possibilidade de adaptação e de escolha da actividade profissional, mesmo como trabalhadora indiferenciada, é adequado para ressarcir este dano patrimonial futuro o montante de €50.000,00.
- Acórdão do STJ 03-02-2022 (Proc. 24267/15.0T8SNT.L1.S1) em que foi atribuído ao lesado com 50 anos, afetado de uma incapacidade permanente parcial de 10 ponto, com sequelas resultantes do evento compatíveis com o exercício da profissão habitual, mas que implicam esforços suplementares o montante de €35 000,00.
- Acórdão do TRL de 15-09-2022, Proc. 5986/18.6T8LRS.L1-2 “(…) V–Provando-se que a Autora, com 23 anos de idade, ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos, sendo as lesões sofridas e as sequelas que apresenta compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, é equitativamente ajustado quantificar o dano biológico em 50.000 €, fixando-se a respetiva parcela indemnizatória, face à aludida redução (25%), em 37.500 €.
- Acórdão do TRL de 09-06-2022, Proc. 10849/17.0T8SNT.L1-6, “(…) IV - Na comparação jurisprudencial orientada pelo artigo 8º nº 3 do Código Civil, é conforme a fixação de uma indemnização de quarenta mil euros a título de perda da capacidade de ganho a um lesado de 43 anos, que ficou com défice funcional de 15 pontos em 100 que apenas o obrigam a esforços suplementares na sua profissão habitual. (…)”».
Conforme se acentuou no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-03-2021, citado pela Recorrente, «[e]sta perda de capacidade de trabalho permanente de 13%, que impõe à Autora esforços acrescidos no desempenho da sua profissão é indemnizável como dano patrimonial, conforme entendimento constante da jurisprudência (cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 21.03.2013 (Salazar Casanova), de 13.07.2017 (Tomé Gomes), e o já citado Acórdão de 19.09.2019 (Maria do Rosário Morgado). (…) Na verdade, “concluindo-se pela reparabilidade das consequências patrimoniais do dano biológico, num quadro em que se não provou a perda de rendimentos, o montante indemnizatório devido a esse título não se obtém [apenas] pela aplicação das tabelas financeiras resultantes de IPP para a profissão habitual, devendo antes ser fixada segundo juízos de equidade (art. 566º/3 do CC), em função dos seguintes factores: i) idade do lesado; ii) o seu grau de incapacidade permanente; iii) e outros que relevem casuisticamente” (Ac. STJ de 14.12.2016, Maria da Graça Trigo), bem como o recente acórdão de 21.01.2021, P. 6705/14). Mas como observa este último acórdão, relatado por Maria dos Prazeres Beleza: “A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações: “A prossecução desse princípio implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22.01.2009, P. 07B242). Nas palavras do acórdão deste Supremo de 31.01.2012, P. 875/05, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida de adequação, de relativa previsibilidade, é no campo do direito privado e, mais, precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva consagração do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.”
Vejamos então algumas decisões mais recentes do STJ em matéria de indemnização por dano patrimonial futuro, num quadro em que a incapacidade não impede o exercício da profissão, mas torna o exercício profissional, e a vida, mais penosa em consequência das sequelas do acidente:
- Acórdão de 07.03.2019, (Tomé Gomes): lesada com 35 anos, défice funcional de 19 pontos: indemnização por dano biológico de €40.000,00;
- Acórdão de 29.10.2020, P. 111/17, (Maria da Graça Trigo), lesada com 62 anos de idade, IPP de 9,71%: indemnização por perda de capacidade geral fixada em €32.000,00;
- Acórdão de 21.01.2021, supra citado: sinistrado com 32 anos, défice funcional de 27 pontos: o Supremo confirmou o Acórdão da Relação que fixou a indemnização por dano patrimonial futuro em 90.000,00.
Tendo presente os exemplos citados e as particularidades do caso, a Autora tinha à data do acidente 50 anos, o tempo previsível de vida que lhe resta, tendo em conta a esperança média de vida nas mulheres que aponta para os 83 anos, a IPP de 13%, com repercussões negativas na qualidade de vida e não apenas no exercício da sua profissão …., afigura-se-nos adequada a indemnização de €45.000,00».
Salvo este caso, que cremos ser convocável para os referidos efeitos das situações análogas, já que a ali Autora auferia um rendimento anual superior ao do ora Autor, e sofreu um quadro também muito prolongado de incapacidade permanente parcial, a verdade é que nos demais casos o rendimento dos lesados não era de valor dos respetivos rendimentos não era sequer próximo do recebido pelo aqui Autor, sendo que, mesmo neste caso, à data do acidente a ali Autora tinha já 50 anos enquanto o Autor tinha ainda 42, tendo aquela ficado com um défice funcional de 13 pontos e este de 16.
Ora, se virmos também a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2019, proferido no processo n.º 32/14.1TBMTR.G1.S1, constatamos que no mesmo foi fixada a indemnização de 90.000,00€ pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, a uma lesada cujo quadro pessoal e de afetação funcional apresenta maiores semelhanças com o caso destes autos (e onde foi fixada indemnização por danos não patrimoniais no montante de 60.000,00€). Nessa situação, a lesada padeceu de um défice funcional temporário total entre 30-03-2012 e 04-05-2012 e de 26-09-2013 a 29-09-2013 e de um défice funcional temporário parcial de 05-05-2012 a 25-09-2013 e de 30-09-2013 a 12-11-2013, sendo a repercussão temporária na atividade profissional de 593 dias, tendo ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 19%, compatível com a atividade profissional de enfermeira, atualmente exercida pela autora, ainda que com limitações de atos que exijam esforços físicos maiores, como levantar ou virar doentes. Sendo bem mais nova que o aqui Autor, a verdade é que a retribuição média mensal que a atividade profissional de enfermeira proporciona e que foi considerada foi de cerca de 900,00€ por mês, com a previsão de aumento mediante a progressão na carreira, enquanto o salário que o Autor recebia aquando do acidente, era já superior a 2.200,00€.
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2019, proferido no processo n.º 3710/12.TJVNF.G1.S1, em caso com lesada mais jovem do que o Autor, entendeu-se que «tendo a Relação ponderado a incapacidade geral de que a autora ficou a padecer em virtude do acidente de viação em que foi interveniente o veículo no qual seguia como passageira (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, compatível com o desenvolvimento de actividade profissional mas a implicar esforços acrescidos), o salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem com formação média (dado que na altura do acidente, a vítima era estudante, não tendo ainda ingressado no mercado de trabalho) e a esperança média de vida das mulheres (e não apenas a esperança de vida activa), sem que tais critérios se afastem dos habitualmente usados pelo STJ em casos semelhantes, não merece censura o valor de € 80 000,00, fixado, no acórdão recorrido, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros».
Por seu turno, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017, proferido no processo n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, num caso com Autor de 36 anos, que apesar de afetado de uma incapacidade permanente geral de 30%, não está impedido de exercer a sua atividade profissional de eletricista, embora tal incapacidade implique esforços suplementares nesse exercício, não conseguindo mesmo fazer parte do seu trabalho e realizar certas atividades, como por exemplo, subir escadotes e trabalhar e deslocar-se em altura, tendo em conta todo o circunstancialismo retratado no aresto, em especial a situação em que ficou o A. em consequência das lesões sofridas com o acidente, quando dantes gozava de boa saúde, considerando ainda a sua expetativa de vida acima dos 70 anos, teve-se por ajustada e em linha com os padrões da jurisprudência a valoração do dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, na quantia de 100.000,00€.
Relevantes para a ponderação de casos com alguma similitude com a presente, extraem-se ainda os seguintes exemplos, dos Sumários de Acórdãos elaborados pelo Gabinete de Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça[25]:
«O valor da indemnização por danos patrimoniais futuros, fixado pela Relação em € 85 000, deve ser mantido atento o seguinte quadro provado: (i) o autor tinha 27 anos de idade; (ii) ficou a padecer de um défice funcional permanente de 19 pontos, compatível com a profissão mas implicando esforços suplementares; (iii) auferia rendimento ilíquido mensal de € 841,70; (iv) realizava, em média, 50 espetáculos de música por ano e auferia € 750 por cada um deles.» - Ac. STJ de 04-10-2018, Revista n.º 1267/16.8T8VCT.G1.S1 - 1.ª Secção.
«Tendo o lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (“personal trainer”), é equitativo fixar (por reporte à data da formulação do pedido, ocorrida em 30-03-2014, um ano e meio após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 80 000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.» - Ac. STJ de 30-11-2021,
Revista n.º 1544/16.8T8ALM.L1.S2 - 6.ª Secção.
«Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu diversas fracturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2 010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000».
Revertendo a ponderação efetuada ao caso dos autos, temos de concluir que a indemnização arbitrada ao Autor na sentença recorrida, de 115.000,00€, se afasta do juízo equitativo que tem vindo a ser efetuado em casos de pessoas mais jovens, afetadas com graus de incapacidade semelhantes ou inclusivamente mais graves, devendo proceder parcialmente o recurso da Apelante seguradora.
Porém, a realidade é que o autor sofre de uma limitação funcional que, apesar de não ser muito elevada no seu grau, não se pode olvidar em termos de normalidade da vida, que se centra ao nível do esqueleto, que tende a agravar com a idade, o que demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade da sua saúde no desempenho da atividade profissional e, como tal, na progressão na atividade laboral e mesmo até na própria capacidade de manutenção do posto de trabalho. De facto, “a situação de crise económica que se vive atualmente, e que está a conduzir a totalidade da população que vive do salário do seu trabalho por conta de outrem a níveis de empobrecimento não vistos há muitas dezenas de anos e a elevados níveis de desemprego, constitui fator que leva um sinistrado de acidente de viação, que fique afetado pelas lesões sofridas em incapacidade funcional, a sentir uma angústia mais intensa do que sentiria quanto ao seu futuro se, contrariamente ao que se verifica, vivesse num Estado com níveis de bem-estar e onde uma pessoa incapacitada não sentisse particulares dificuldades de obter emprego ou de manter o emprego ou atividade exercida”[26], sabido que em Portugal estas dificuldades estão comum e recorrentemente presentes e especialmente numa pessoa que à data da sentença já tinha mais de 46 anos de idade, sendo tais dificuldades profissionais acrescidas, apenas e tão somente pela idade que o respetivo documento de identificação atesta.
Assim, em face da sobredita ponderação, tendo o Autor, com 42 anos à data do acidente, saudável e com a profissão de assistente operacional numa empresa de fabrico de peças automóvel, auferindo uma remuneração anual superior a 27.000,00€, ficado com um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 16 pontos, que se reflete de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais já que o Autor não tem equilíbrio, facto que o limita na execução do seu trabalho e naturalmente na possibilidade de progressão na carreira, sendo que apesar de as sequelas de que o autor é portador e aquele défice funcional serem compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, implicam esforços suplementares, igualmente presentes nas tarefas do quotidiano, o que representa uma diminuição da sua capacidade económica, avaliável nesta vertente patrimonial do dano biológico, porquanto o Autor ficou com as sequelas descritas dos pontos 122 a 154, destacando-se pela repercussão na atividade profissional e do dia a dia, a dificuldade em subir e descer escadas, em pegar e transportar pesos, em deslocar-se em pisos irregulares, na claudicação na marcha por dor, e ainda, que o A. sente dificuldades na condução automóvel, terá que ser submetido a tratamentos cirúrgicos futuros, terá que tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e efetuar tratamentos de medicina física e reabilitação para o resto da vida, com vista a manutenção funcional e a evitar o agravamento das limitações de que ficou a padecer, tudo em consequência da conduta culposa unicamente imputável à segurada da Ré.
Tudo sopesado, atendendo a todos os critérios já referidos, e ainda ao que dispõe o artigo 8.º do CC, de acordo com o qual a justiça do caso concreto há de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais, na parcial procedência da Apelação da Ré, entendemos ser consentâneo com os critérios que têm vindo a ser encontrados, fixar a referida indemnização pelo dano biológico sofrido pelo Autor AA, na sua vertente patrimonial, em 90 000,00€.
*****
Vejamos agora a situação referente à Autora BB, a respeito da indemnização pelo dano biológico.
Insurge-se a Recorrente contra a indemnização de 30.000,00€ atribuída pela primeira instância à Autora BB para compensação pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos numa escala de 100, de que a apelada ficou a padecer. Porém, não propõe sequer um valor alternativo e, diversamente do que fez quanto ao Autor AA, não indicou qualquer jurisprudência que suportasse a sua discordância.
Cremos que não o fez porquanto, perdoando-se-nos a antecipação, a ponderação efetuada é correta e adequada ao circunstancialismo de facto demonstrado, estando em consonância com indemnização atribuída em casos que se apresentam com alguma similitude, não merecendo qualquer censura.
Com efeito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-12-2017, proferido no processo n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1, foi confirmada a indemnização pelo dano biológico, arbitrada precisamente em 30.000,00€, num caso em que a A., que tinha 35 anos à data do acidente, e no ano anterior auferira o montante de 15.332,63€, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, sequelas que implicam esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional, em que necessita de mais tempo para a execução das tarefas laborais, tendo o nosso mais Alto Tribunal afirmado que «estamos face a um dano que se irá reflectir no futuro, perfeitamente previsível, porque irá influir directamente na actividade psicossomática da Autora, não só no esforço acrescido para desempenhar a sua função normal, como também, na evolução normal da sua carreira, a qual se ressentirá necessariamente, pois traduz um défice funcional permanente, repercutindo-se na sua qualidade de vida, presente e futura, e, nesta perspectiva, consideramos o dano biológico como dano patrimonial, atendível pelo direito em termos de ressarcimento autónomo, não nos merecendo qualquer ajuste a indemnização fixada pelo segundo grau».
Ora, passaram mais de cinco anos sobre a data daquele aresto sendo que, na situação em apreço, a Autora BB ficou com um défice funcional superior, de 12 pontos, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares.
Importa ainda lembrar que, tendo nascido em .../.../1977, a A. tinha já atingido os 40 anos à data em que terminou o período de repercussão temporária na atividade profissional[27], em final de setembro de 2016, pelo que, ponderando a esperança média de vida biológica a autora teria pela frente àquela data, previsivelmente, cerca de 43 anos de vida biológica e cerca de 30 anos de vida ativa.
Acresce ainda ter presente, por muito relevante no caso da Autora, que esta trabalhava e trabalha por conta própria como contabilista certificada, auferindo anualmente um rendimento líquido 9.590,53€, mas que naturalmente seria variável, sendo que está provado que a A. era uma pessoa trabalhadora, com capacidade de trabalhar largas horas para lá do normal horário de expediente (facto provado 274). Porém, após o acidente, a A. passou a viver em permanente depressão e ficou a tomar medicação de foro psíquico com caráter regular, necessidade que perdurará para o resto da sua vida, tendo ainda que efetuar tratamentos e consultas regulares para o resto da vida, com vista à manutenção funcional e a evitar o agravamento das limitações (factos provados 261, 262 e 275). Sente-se diminuída fortemente nas suas capacidades e habilidades o que se reflete de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais, tem dores em permanência ao nível da cervical e anca, passou a ser uma pessoa triste, taciturna, ausente. Frequentemente tem episódios de choro e desespero, isolando-se de tudo e todos; tem perdas de memória frequentes, facto que afeta o seu desempenho profissional e pessoal (factos provados 279, 283, 284, 289).
Ora, as sequelas de que a Autora ficou a padecer, dificilmente se compatibilizam com a possibilidade de a Autora vir a angariar mais trabalho e suportar uma carga horária maior e consequentemente, sendo profissional liberal, perceber quantias mais elevadas, atenta a natureza da sua profissão. Basta pensar, como aliás esta salientou nas respetivas contra-alegações, que a A. tem uma profissão de elevada responsabilidade e exigência ao nível intelectual, que demanda atualização legislativa frequente, níveis elevados de atenção e capacidade para trabalhar durante longas horas, inclusivamente para cumprir os prazos legais, sob pena de poder incorrer em responsabilidade profissional. Assim, como faz notar, “nesse contexto profissional, não pode deixar de se pensar num elevadíssimo impacto por força das perdas de memória, do cansaço permanente, dificuldades de concentração, dificuldades de cálculo e de raciocínio”, que naturalmente se repercutirão negativamente na sua capacidade de trabalho e consequentemente de angariação de rendimento.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, por justa e equitativa, decidimos confirmar o ponto 8. da sentença recorrida, no segmento atinente à indemnização de 30.000,00€ atribuída à Autora BB, pelo dano biológico.
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III.2.2. Danos não patrimoniais
A este título, como dito, na sentença recorrida fixou-se a compensação devida ao Autor AA, na quantia de 20.000,00€, e à Autora BB, na quantia de 10.000,00€, pretendendo os Autores, que apelaram impugnando este segmento da decisão, que a compensação a esse respeito deve ser fixada, pelo menos e respetivamente, em 40.000,00€ e 25.000,00€, defendendo a Seguradora que os valores arbitrados devem ser mantidos.
Conforme temos vindo a referir, de harmonia com o disposto no artigo 496.º n.º 1 do CC na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.”
O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na mais autorizada doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência.
Assim, “danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[28].
À questão de como serão indemnizáveis estes danos de natureza não pecuniária, responde-nos a lei, afirmando que o cálculo da indemnização devida será efetuado com base na equidade, assim se indemnizando apenas os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – citados n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do CC.
Também para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos recolher o ensinamento de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, que nos dizem que: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”[29].
Como podemos verificar um dos aspetos a ter em conta, a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
Assim, MENEZES CORDEIRO ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”[30].
Por seu turno, GALVÃO TELES, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”[31].
Para MENEZES LEITÃO a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[32].
Nestes moldes, desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[33]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[34], jurisprudência que se mantém atual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ[35], e que pode sintetizar-se nos seguintes termos: «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente».
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física e psicológica dos Autores, que viram o acidente causar-lhe respetivamente danos corporais e psicológicos com muito significativa gravidade, que deixaram sequelas permanentes, a nível físico, psicológico e de afirmação pessoal, componentes que entendemos deverem ser nesta sede objeto de uma avaliação global, porque é globalmente considerados que se refletem na vida daqueles.
Assim, quanto ao Autor, AA:
Dir-se-á, liminarmente, que o mero elenco do quadro factual sofrido pelo Autor em consequência do acidente, revela à evidência que estamos perante dano não patrimonial indemnizável, subtraindo-se, como é evidente, à aplicação do princípio da reposição natural, previsto nos artigos 562.º e 566.º do CC, em virtude da incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por estarmos em planos valorativos diferentes, relevando aqui somente a equidade.
Do que decorre da factualidade supra descrita, e com maior relevância na ponderação das circunstâncias relevantes para a atribuição da compensação por danos não patrimoniais, resulta do relatório de avaliação médico legal que em consequência do acidente, o Autor sofreu: - Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 33 dias; - Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 1434 dias; - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 400 dias. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período total de 1066 dias; - Quantum Doloris fixável no grau 5/7; - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos; - Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7; - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7; - Necessidade de ajudas técnicas permanentes: medicamentosas e tratamentos médicos regulares.
Assim, não podemos olvidar que tendo o Autor 42 anos de idade à data do acidente e sendo então uma pessoa saudável, bem disposta, alegre e divertida, nunca mais recuperará plenamente a sua saúde, entendida como um estado de bem estar físico e psicológico, já que ficou com uma incapacidade funcional geral de 16 pontos, com reflexos na sua vida diária e profissional; naturalmente que politraumatizado, também sofreu dores decorrentes das fraturas, dos tratamentos a que foi submetido e na realização da fisioterapia, esteve acamado durante cerca de 2 meses e não podia fazer deslocações, permanecendo algaliado, e imobilizado no leito, sendo a sua higienização e necessidades básicas efetuada com ajuda total, tendo perdido a sua privacidade e visto a sua liberdade restringida por não conseguir deslocar-se, durante os meses de internamento. Mas, para além do muito significativo padecimento que os factos provados ilustram, e que até à sua consolidação durou cerca de 4 anos, vemos ainda que apesar do grau de incapacidade funcional não ser muito elevado, o autor terá que sofrer nova intervenção cirúrgica, e ser sujeito durante toda a sua vida a medicação analgésica e anti-inflamatória, bem como a sessões de fisioterapia, tudo para mitigar a evolução das limitações de que já padece, sendo do conhecimento comum, que o tipo de sequelas de que padece o Autor tendem a agravar no futuro, com a inerente incerteza quanto à respetiva qualidade de vida que tal previsibilidade encerra.
No caso dos autos, o sofrimento do autor em consequência do acidente e até à consolidação das lesões, ocorreu durante período temporal prolongado, tendo estado cerca de um ano em tratamentos, foi acentuado estando médico legalmente fixado numa escala mais próxima do grau máximo que o mínimo, e continua a estar presente na sua vida nos termos sobreditos, mantendo-se até ao fim da vida, com limitações várias e dores que o fazem inclusivamente claudicar, tendo tido de abandonar atividades que antes fazia, já que sente dificuldades na condução automóvel, tendo deixado de passear com a família quase todos os fins de semana, não consegue correr nem andar de bicicleta, teve que abandonar a prática da natação, corrida, caminhadas e BTT, e, por receio de circular na estrada, não mais foi de férias como era seu hábito.
Acresce que o Autor sabe que o seu estado não melhorará e que terá que fazer tratamentos para o resto da vida, o que o desgosta e lhe traz angústia; vê e sente o seu corpo deformado o que lhe traz desgosto e vergonha, não mais tendo utilizado calções por vergonha, designadamente em razão das cicatrizes e por ter de utilizar meia elástica, não mais foi à praia ou piscina; quando sente mais dores e ou limitações na execução de tarefas, irrita-se e procura isolar-se; tornou-se uma pessoa ansiosa e intolerante; deixou de sair e de conviver com amigos e familiares.
In casu, relevam ainda, de forma acentuada as circunstâncias ocorridas logo no local do acidente, já que o Autor teve a perceção da iminência do sinistro assim como da impossibilidade de o evitar, pela violência do embate provocado exclusivamente pela condutora do veículo segurado na Ré, que determinou a perda total da autocaravana que conduzia, o Autor esteve encarcerado durante cerca de duas horas, por compressão dos membros inferiores, durante as quais sentiu fortes dores, e perdeu o conhecimento por diversas vezes, acordando com a mulher a gritar, e durante largas horas tendo pensado que ia morrer, tendo ainda sofrido nos períodos de conhecimento, por saber que também a sua esposa e filha estavam feridas e desconhecer o seu estado de saúde assim como da sua esposa e filha, tendo-lhe sido ministrada morfina e apresentando-se no hospital com amnésia, apneico e imobilizado com colar cervical, e sido ainda transferido entre unidades hospitalares.
Por tudo o que vem de referir-se, e o muito mais que a extensa factualidade provada inculca, é de concluir que a indemnização arbitrada ao Autor em primeira instância não é de molde a compensar adequadamente o que sofreu e o que sofrerá até ao fim da sua vida mercê das sequelas decorrentes do acidente que sempre o afetarão, sendo para esse fim que deve servir o constante aumento dos prémios dos seguros. Efetivamente, assim tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, como lapidarmente pode ler-se no seguinte sumário: “O objectivo essencial do aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido em Portugal no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação não é o de garantir às companhias seguradoras a obtenção de lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas”[36].
Ora, para encontrar a indemnização adequada «não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC. (…)
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético (…)» e evidentemente o balizamento pelos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, pese embora a constatação de alguma diversificação nos valores fixados, que resulta também da diversidade casuística a que se tem precisamente de atender.
In casu, cremos ser de valorar a comparação do caso em presença com os seguintes, recolhidos no já mencionado caderno de jurisprudência temática do Supremo Tribunal de Justiça, com o mesmo (ou aproximado) grau de défice funcional, dano estético e quantum doloris:
Assim, entendeu-se que «não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de € 50 000, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão corticofrontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7, envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou». - Ac. STJ de 21-01-2016, Revista n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1 - 7.ª Secção.
Também importa convocar o caso decidido no Ac. STJ de 25-05-2017, Revista n.º 394/09.2TVPRT.P1.S1 - 2.ª Secção, no qual o lesado, que contava 30 anos á data do acidente de que foi vítima «(i) sofreu lesões no membro inferior direito e no membro inferior e pé esquerdos, com limitações de mobilidade várias; (ii) ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física de 16 pontos, sendo de perspectivar a existência de dano futuro em mais 3 pontos». «Tendo ainda em conta a natureza das lesões sofridas, os internamentos, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 5 pontos e o dano estético em 3 pontos, ambos na escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo e o tempo entretanto decorrido desde a propositura da acção e a data da sentença final, mostra-se ajustada a fixação da indemnização no valor de € 40 000 a título de danos não patrimoniais».
Igualmente, numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, e tendo presente «(i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto» considerou-se adequado compensar estes danos não patrimoniais com o montante de 30 000,00€, reduzindo-se a indemnização fixada pela Relação. – Ac. STJ de 29-10-2019, Revista n.º 7614/15.2T8GMR.G1.S1 - 6.ª Secção. Num outro caso em que tendo a autora 51 anos de idade, ficou afetada com uma incapacidade de 13 pontos, e «ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afectam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização actividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o da não patrimonial sofrido, o montante de € 35 000,00». – Ac. STJ de 26-05-2021, Revista n.º 763/17.4T8GRDC1.S1 - 6.ª Secção.
Por seu turno, no Acórdão STJ de 14-12-2017, proferido na Revista n.º 589/13.4TBFLG.P1.S1 - 7.ª Secção, considerou-se que «Ficando, ainda, provado que o autor: (i) teve ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; (ii) permaneceu diversos períodos internado; (iii), apresenta um dano estético de grau 3, o quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); (iv) antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; (v) sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas, jogar futebol e andar de bicicleta; (vi) aquando do internamento, e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, tem-se por adequada e quantitativa a indemnização fixada pela Relação a título de danos não patrimoniais no valor de € 30 000».
Já no Acórdão STJ de 10-12-2019, Revista n.º 1886/16.2T8VCT.G1.S1 - 1.ª Secção, julgou-se que «o montante de € 60 000, fixado pelo tribunal recorrido para indemnizar os danos não patrimoniais sofridos por lesado em acidente de viação, mostra-se ajustado ao paradigma habitual da jurisprudência do STJ ante a consideração dos seguintes factos provados: o quantum doloris de 5, o dano estético de 3, a repercussão nas actividades desportivas e de lazer de 2, em escala de 0 a 7; o défice permanente da integridade físico-psíquica de 23 pontos; a idade de 37 anos à data do acidente; as lesões de vários membros; o número de cirurgias e tratamentos a que foi sujeito; o défice funcional total e parcial temporários de 30 e de 1636 dias, e a repercussão temporária na actividade profissional por 1666 dias; a marcha claudicante permanente, a incapacidade de carregar pesos e pegar em motosserra, comprometedoras do exercício da profissão habitual, especialmente lesivos da liberdade pessoal e da sua autonomia».
Finalmente, da publicação em www.dgsi.pt, cremos relevar comparativamente o caso tratado no Acórdão STJ de 07-04-2016, proferido no processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, no qual se decidiu que «Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000 (e não de € 18 000 como foi fixado pela Relação)».
Nestes termos, ponderando a situação que os presentes autos convocam, na comparação com as referidas indemnizações a título de danos não patrimoniais que têm vindo mais recentemente a ser arbitradas, em casos que apresentam similitude bastante com a situação de vida que para o Autor AA decorreu em virtude do acidente, tem-se por condizente e ajustado a esses padrões elevar a indemnização compensatória a atribuir-lhe a este título de danos não patrimoniais, do montante de 20.000,00€, fixado na sentença recorrida, para o valor de 40.000,00€, indicado pelo Apelante nas suas alegações de recurso.
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Vejamos agora se a indemnização de 10.000,00€ atribuída na sentença recorrida para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela autora BB, é ou não adequada para realizar tal compensação, aplicando-se mutatis mutandis todas as considerações de ordem genérica acima referidas.
Em concreto, há a considerar que resulta das conclusões do Relatório de avaliação medico legal que a A. sofreu: - Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 141 dias; - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 141 dias; - Quantum Doloris fixável no grau 3/7; - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 12 pontos; Necessita de ajudas técnicas permanentes e tratamentos médicos regulares.
Concretamente, realça-se que em consequência do embate, a A. BB sofreu TCE, com hematoma frontal e craniano, contusão da anca, contusão cervical; contusão mamária causada pela tensão do cinto de segurança; tendo sido transportada ao Hospital do Cacém, onde deu entrada pelos Serviços de Urgência com imobilização cervical, tendo sido submetida a diversos exames complementares de diagnóstico que revelaram designadamente ao nível do crânio: Alargamento dos sulcos refletindo diminuição do volume cerebral.
Pese embora, após observação, a Autora tenha sido medicada e lhe tenha sido dada alta para o domicílio, posteriormente, passou a ser seguida por psicologia e, mais tarde por psiquiatria, por apresentar os sentimentos descritos do ponto 225 ao ponto 232 da matéria de facto acima transcrita, realçando-se pensamentos intrusivos e recorrentes do acontecimento; distúrbios graves do sono; respostas exageradas de alerta; dificuldades de concentração; estado emocional negativo e persistente; acompanhamento que mantém, por apresentar (pontos 235 a 257), para além das mazelas físicas referidas, designadamente dificuldades de concentração; dificuldades de cálculo; perturbações da memória; distúrbio do sono com insónias; pesadelos frequentes, sonhos frequentes associados ao trauma; pensamentos recorrentes do evento traumático; estado depressivo permanente; humor deprimido; alteração do caráter com afetação do relacionamento pessoal e familiar; dificuldade na condução; lentificação intelectual; irritabilidade fácil, e sensação de cansaço permanente, tendo por isso necessidade de tomar medicação de foro psíquico com caráter regular, necessidade que perdurará para o resto da sua vida, tendo ainda que efetuar tratamentos e consultas regulares de psiquiatria para o resto da vida com vista a manutenção funcional e evitar o agravamento das limitações.
Mais se provou (ponto 222.) que aquando do acidente a Autora sofreu grave choque emocional pela vivência traumática do evento pois percebeu a iminência do embate, o encarceramento do marido, a situação da filha no meio dos destroços, o falecimento da cadela de estimação e ainda dos ocupantes do veículo seguro na R., a gravidade dos ferimentos do marido, sendo que este quadro de distúrbio de stress pós traumático e a necessidade de acompanhamento do marido, determinaram a impossibilidade do exercício da sua atividade profissional (ponto 223)
Com efeito (pontos 267 a 293), a A. sofreu fortes dores aquando do sinistro e durante os tratamentos, dores essas que ainda mantém e manterá para o resto da sua vida; viu o seu marido encarcerado e em sofrimento durante duas horas; viu a sua filha ser-lhe retirada e viu-se afastada de ambos sem conhecer o seu estado de saúde; temeu pela vida do marido e da sua filha; teve de acompanhar o marido durante o período de internamento e durante o período em que este esteve alectuado e dependente de terceiros em casa; passou a viver em permanente depressão, sente dores todos os dias; passou a ser uma pessoa triste, taciturna, ausente; sente-se diminuída fortemente nas suas capacidades e habilidades, o que se reflete de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais; viu o seu relacionamento social, familiar e íntimo seriamente prejudicado; perdeu líbido; não mais conseguiu fazer caminhadas como era seu hábito.
A Autora, que tinha 39 anos antes do acidente, e era uma pessoa sempre bem disposta, alegre e extrovertida, agora tem frequentemente episódios de choro e desespero, isolando-se de tudo e todos; tornou-se uma pessoa ansiosa e intolerante; deixou de sair e de conviver com amigos e familiares; tem dificuldade em dormir, acordando por diversas vezes; não consegue descansar devidamente pelo que, vive em estado de cansaço permanente; sabe que terá que fazer tratamentos médicos regulares em consulta de psiquiatria e tomar medicação para o resto da vida, o que a desgosta e lhe traz angústia.
Por tudo o que vem de referir-se, é igualmente de concluir que a indemnização arbitrada ao Autor em primeira instância não é de molde a compensar adequadamente o que a Autora sofreu e o que sofrerá até ao fim da sua vida mercê das sequelas decorrentes do acidente que sempre a afetarão.
Vejamos, pois, em cumprimento do artigo 8.º, n.º 3, do CC, o que tem sido considerado adequado em casos que apresentam algum grau de similitude quanto ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos, de que a Autora ficou a padecer.
No aresto do STJ de 05-05-2020, Revista n.º 224/13.0T2AND.P1.S1 - 6.ª Secção, julgou-se justa e adequada a indemnização de € 35 000,00 fixada pela Relação, a título de dano não patrimonial a lesada que sofreu um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos, «dentro do seguinte enquadramento factual nuclear, decorrente de acidente de viação: (i) o lesado, que tinha a idade de 37 anos à data do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral, na região cervical e crânio-encefálica, com perda (momentânea) de consciência; (ii) foi conduzido para o hospital, onde ficou em observação (tendo, porém, alta no mesmo dia); (iii) padeceu de cefaleias, náuseas, tonturas e parestesias das mãos; (iv) teve que ser submetido a consultas médicas e a TAC crânio-encefálico e da coluna cervical; (v) foi forçado a usar colar cervical durante cerca de 6 meses; (vi) apresenta sequelas ao nível da coluna cervical; (vii) apresenta um quadro neuropsiquiátrico caracterizado por sintomatologia angodepressiva, humor triste e depressivo, cefaleias, tonturas, desequilíbrios, irritabilidade fácil, tendência de isolamento, labilidade de atenção, sensação de prejuízos mnésicos e alteração do padrão normal do sono; (viii) teve e tem dores, valoradas no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (ix) teve de se submeter a várias consultas e exames médicos, bem como a sessões de fisioterapia, que lhe causaram dores; (x) ficou a sofrer de ansiedade na condução».
Por seu turno, no Acórdão de 30-06-2020, Revista n.º 313/12.9TBMAI.P1.S1 - 1.ª Secção, entendeu-se «adequada a compensação de € 35 000,00 por danos não patrimoniais a lesado de 49 anos na data da alta, que ficou a padecer de incapacidade permanente geral de 12 pontos, teve uma incapacidade temporária de duzentos e quarenta dias até à alta, sofreu dores de grau 5 numa escala de 0 a 7 e dano estético de grau 3 em idêntica escala».
Finalmente, no acórdão de 17-10-2019, Revista n.º 3717/16.4T8STB.E1.S1 - 6.ª Secção, tendo o lesado um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos percentuais, julgou-se não ser «excessivo o montante de € 32 000,00 a título de danos morais do autor que sofreu dores de grau 4/7; foi submetido a 5 intervenções cirúrgicas; sofreu tratamentos de fisioterapia durante 1 ano e 6 meses; só teve alta médica 1 ano e 10 meses após o acidente; ficou com cicatrizes e deformidades quantificáveis como dano estético permanente de grau 3/7; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer que habitualmente praticava fixável em 5/7; tinha 35 anos à data do acidente».
Consequentemente, ponderando a situação que os presentes autos convocam, na comparação com as referidas indemnizações a título de danos não patrimoniais que têm vindo mais recentemente a ser arbitradas, em casos que apresentam alguma similitude com a situação de vida que para a Autora BB decorreu em virtude do acidente, tem-se por condizente e ajustado a esses padrões elevar a indemnização compensatória a atribuir-lhe a este título de danos não patrimoniais, do montante de 10.000,00€, fixado na sentença recorrida, para o valor de 25.000,00€, indicado pela Apelante nas suas alegações de recurso.
Nestes termos, procede totalmente a apelação dos Autores, suportando a Ré/Apelada as custas do recurso interposto pelos Autores/apelantes, atenta a sua integral sucumbência; e procede parcialmente, nos termos expostos, o recurso interposto pela Ré, suportando ambas as partes as custas do recurso, na vertente das custas de parte, na proporção do respetivo decaimento, atento o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 e do CPC.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação interposta pelos Autores, e parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, revogando parcialmente os impugnados pontos n.ºs 1., 2, e 9. da sentença recorrida, e em consequência, condenando a Ré:
1. a pagar ao Autor AA, pelo dano biológico sofrido, a quantia de 90.000,00€ (noventa mil euros);
2. a pagar ao Autor AA, pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros);
9. a pagar à Autora BB, pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros).
No demais, (dos indicados pontos 1., 2. e 9, quanto aos juros, e do ponto 8.), confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso interposto pelos Autores/apelantes, pela Ré/apelada; e do recurso interposto pela Ré/apelante, por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
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Évora, 30 de março de 2023
Albertina Pedroso [37]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Doravante, a menção aos Autores neste aresto deve entender-se como sendo efetuada apenas quanto aos AA. BB e AA, porquanto a sentença recorrida não foi impugnada quanto à Autora CC.
[5] Respetivamente nos processos n.º 866/11.9TBABT.E1, e 81/14.0T8FAR.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda em outros acórdãos mais recentes que não se encontram publicados.
[6] Cfr. Ac. STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, como os demais doravante referidos sem menção de outra fonte.
[7] Assim, Ac. STJ de 13-04-2011, proferido no processo n.º 843/07.4TBETR.C1.
[8] Neste sentido, cfr. Ac. STJ, de 19-11-2009, proferido na revista n.º 585/09.6YFLSB, 1.ª secção e disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde se afirma que “estamos perante danos patrimoniais indirectos quando o dano, atingindo embora valores ou interesses não patrimoniais, se reflecte no património do lesado, daí que possa concluir-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou interesses patrimoniais”.
[9] Cfr. artigo doutrinário de 2011 da autoria de Maria da Graça Trigo, actualmente Juíza Conselheira no Supremo Tribunal de Justiça, com o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet, no qual é efectuada uma análise de Acórdãos significativos do Supremo Tribunal de Justiça a este respeito. Para mais desenvolvimentos, vd. João António Álvaro Dias, in Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Colecção Teses, Set. 2001, sobretudo em págs. 395 e segs.
[10] Veja-se exemplificativamente o acórdão acabado de citar.
[11] Cfr. Ac. STJ de 11-11-2021, proferido no processo n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1.
[12] Cfr. Ac. STJ de 20-01-2010, proferido no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1.
[13] Cfr. Ac. STJ de 20-01-2011, proferido no processo n.º 520/04.8GAVNF.P2.S1.
[14] Cfr. Ac. STJ de 10- 10-2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1.
[15] Cfr. o Ac. STJ de 30-06-2016, proferido no processo n.º 161/11.3TBPTB.G1.S1, decisão em que a citada autora foi adjunta.
[16] Cfr. o acórdão do STJ, de 02-06-2016, proferido no processo n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1.
[17] Cfr. citado Ac. STJ de 16-06-2016.
[18] Proferido no processo n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1, do qual consta uma síntese sobre a evolução da tentativa de identificação e da natureza do dano biológico.
[19] Cfr. neste sentido, o sumário do Ac. do STJ de 11-12-2012 - Revista n.º 857/09.0TJVNF.P1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[20] Cfr. inter alia Ac. do STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, reiterada no citado aresto de 07-03-2023.
[21] Cfr. a título meramente exemplificativo o sumário do Ac. do STJ de 10-01-2017, Revista n.º 1965/11.2TBBRR.L1.S1 - 6.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos. Mais recentemente, em texto integral, Ac. STJ de 19-09-2019, proferido no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1. No mesmo sentido se pronuncia o Conselheiro JOAQUIM JOSÉ DE SOUSA DINIS, no Estudo “AVALIAÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO PATRIMONIAL E NÃO PATRIMONIAL” (no Direito Civil), JULGAR - N.º 9 – 2009, defende mesmo que «os juízes não devem socorrer-se destas tabelas para fixar indemnizações».
[22] Processo n.º 32/14.1TBMTR.G1.S1.
[23] Acórdão STJ de 08-05-2012, processo n.º 3492/07.3TBVFR.P1.
[24] Data que deve ser considerada porque o Autor já foi indemnizado da diferença entre o valor que recebeu da Segurança Social e o valor de salários que deveria ter recebido, e não recebeu, entre o acidente e essa data – cfr. factos provados 174 e 175 e ponto 3. do dispositivo da sentença.
[25] Disponíveis em www.stj.pt, Jurisprudência Temática, Caderno de Danos não Patrimoniais.
[26] Cfr. o acórdão do STJ de 26-06-2012, proferido no processo n.º 631/1999.L1.S1.
[27] Data que deve ser considerada porque a Autora já foi indemnizada do valor que despendeu com a contratação de um prestador de serviços de contabilidade para a substituir entre a data do acidente e enquanto ficou impedida de retomar o seu trabalho – cfr. factos provados 264 e 265 e ponto 10. do dispositivo da sentença.
[28] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, vol. l.°, pág. 571.
[29] In “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.
[30] In “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 288.
[31] In “Direito das Obrigações”, pág. 387.
[32] In “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 299.
[33] Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444.
[34] Cfr. Ac. STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, pág.65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, pág.181.
[35] Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, Proc.º n.º 298/06.0TBSJM.S1, disponível em www.stj.pt.
[36] Ac. STJ de 05-07-2007, Revista n.º 1734/07 - 6.ª Secção.
[37] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos Juízes desembargadores que compõem esta conferência.