Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
416/13.2GBTMR-A.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
REMESSA DAS PARTES PARA OS TRIBUNAIS CIVIS
Data do Acordão: 10/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Embora o processo de adesão represente sobretudo um benefício para o lesado, não deixa de ver-se nele a prossecução de finalidades que o extravasam, como sejam a prevenção de decisões contraditórias e a economia processual, para além de interesses de natureza especificamente penal, nomeadamente ao nível da determinação da pena, na medida em que o apuramento da real extensão das consequências do facto pode influenciar a respetiva medida.

II - O retardamento intolerável do processo penal, como critério da decisão de reenvio das partes para os meios comuns, pode resultar de o atraso provocado pelo processamento conjunto da ação civil pôr em causa a efetividade da pretensão punitiva do Estado, nomeadamente por comprometer a produção de provas essenciais em tempo útil; pode igualmente resultar de o atraso comprometer significativamente o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente do arguido, máxime o seu direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa; por último, pode o atraso colocar em crise a última das finalidades primárias do processo penal, apontadas: o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente relevante em crimes especialmente graves, designadamente quando se trate de crimes contra as pessoas.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos autos de Processo comum com intervenção do tribunal singular que correm seus termos no Juízo Local Criminal de Tomar do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a senhora juíza a quo proferiu o despacho de 29.01.2019 que constitui fls 4 a 6 dos presentes autos de recurso em separado, em que remete as partes para os meios civis ao abrigo do disposto no art. 82º nº3 CPP, nos seguintes termos:

« Do pedido de indemnização civil deduzido nos autos:

Nos presentes autos de Processo Comum Singular, os arguidos JL e JB estão acusados pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelos artigos 137.°, n. 1 do Código Penal e 137.°, n.1 e 2 do mesmo código, respectivamente.

Ao abrigo do princípio da adesão, consagrado no artigo 71.° do Código de Processo Penal, veio TG deduzir pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação dos demandados a:

- Pagar ao demandante o valor de 90.000€ (noventa mil euros), a título de violação do direito à vida de AG;

- Pagar ao demandante o valor de 30.000€ (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos por AG;

- Pagar ao demandante o valor de 25.000€ (vinte e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais;

- Pagar juros à taxa legal a contar da notificação até integral pagamento.

Os arguidos contestaram e requereram a intervenção provocada da A., Companhia de Seguros, SA, intervenção esta que foi admitida.

A referida Companhia de Seguros apresentou contestação ao pedido de indemnização formulado, invocando, de entre o mais, a ilegitimidade do demandante, a prescrição do direito à indemnização e a própria ilegitimidade da demandada, entendendo estarmos perante uma situação de responsabilidade do Estado, requerendo, ainda, a intervenção principal provocada do Hospital Nossa Senhora da Graça.

Notificado, veio o demandante responder, aduzindo extensa argumentação jurídica. Apreciando e decidindo.

De harmonia com o princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71.° do Código de Processo Penal, a acção civil de indemnização fundada na prática de factos que constituam crime deve ser deduzida no processo penal. Não obstante, a segunda parte deste normativo admite que tal princípio da adesão obrigatória sofra excepções previstas na lei.

Assim, para afastar a possibilidade de retardamento do processo penal ou a inviabilidade de uma decisão criteriosa sobre o pedido de indemnização civil, a lei instituiu o mecanismo de reenvio para o tribunal civil, previsto no artigo 82.°, n." 3 do Código de Processo Penal ( "O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal ).

No caso dos autos, temos que a eventual multiplicidade de responsáveis civis (os já demandados e outros ainda não demandados) é uma situação que é, só por si, susceptível de gerar incidentes (designadamente de intervenção de terceiros) que, ou retardariam intoleravelmente o processo penal (no caso de tal intervenção de terceiros ser admissível), ou inviabilizariam uma decisão rigorosa (no caso de tal intervenção de terceiros não ser admissível).

Acresce que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção civil autónoma (ou mesmo na jurisdição administrativa), equipada com um arsenal de institutos jurídico¬processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e que, simultaneamente, fornece os meios de defesa mais adequados às partes em litígio, proporciona uma maior segurança, e justifica por si o recurso ao mecanismo do reenvio.

Na verdade, perante a complexidade que a causa reveste (mesmo do ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes, para além de que a tramitação da acção civil enxertada no processo penal poderia contender, face ao já exposto, com a necessária celeridade deste último.

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, ao abrigo do disposto no artigo 82.°, n. 3 do Código de Processo Penal, remeto as partes cíveis para os meios comuns, prosseguindo os presentes autos apenas para apreciação da responsabilidade penal dos arguidos.

Mais se deixa expresso que o presente reenvio não comporta em si qualquer apreciação ou tomada de posição sobre a questão da competência material (tribunal comum ou tribunal administrativo) para apreciação da acção a interpor pelo aqui demandante.

Em consequência, devem as testemunhas indicadas quanto ao pedido cível, e notificadas para o dia 11.02.2019, ser desconvocadas.

Notifique.
Tomar, 29.01.2019»

2. O Assistente e demandante cível veio interpor recurso daquele despacho, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

« I C - CONCLUSOES
1.O douto despacho de que ora se recorre remete, ao abrigo do art. 82º nº 3 do (PP, por via da segunda parte do art. 71º do (PP, "as partes cíveis para os meios comuns, prosseguindo os presentes autos apenas para apreciação da responsabilidade penal dos arguidos" e, manda "em consequência, as testemunhas indicadas quanto ao pedido de indemnização cível notificadas para o dia 11.02.2019, ser desconvocadas".

2.Para tanto invoca, simplesmente, que "Não obstante" a adesão obrigatória do art. 71º do CC "a segunda parte deste normativo admite ... excepções previstas na lei", e, "No caso dos autos, temos que a eventual multiplicidade de responsáveis cíveis (os já demandados e outros ainda não demandados) é uma situação que só por si, susceptível de gerar incidentes (designadamente de intervenção de terceiros) que, ou retardariam intoleravelmente o processo penal (no caso de tal inervenção de terceiros ser admissível), ou inviabilizariam uma decisão rigorosa (no caso de tal intervenção não ser admissível)".

3.Invoca ainda: "Acresce que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção cível autónoma, ... equipada com um arsenal de institutos jurídico processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e que, simultaneamente fornece os meios de defesa mais adequados às partes em litígio, proporciona uma maior segurança, e justifica por si o recurso ao mecanismo do reenvio."

4.Bem como, "perante a complexidade que a causa reveste (mesmo sob o ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes, para além do que a tramitação da acção cível enxertada em processo penal poderia contender, face ao já exposto, com a necessária celeridade deste último."

5.Ora, o assistente/demandante não se conforma com o douto despacho, entendendo que o mesmo está errado na interpretação e aplicação da lei aos autos concretos supra melhor identificados, mormente do art. 71º segunda parte do CPP e art. 82º nº 3 do CPP, razão do presente recurso.

6.O thema decidendum do presente recurso consiste, fundamentalmente, em saber se a remessa das partes cíveis para os tribunais civis para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes foi bem apreciada pelo Tribunal a quo.

7.O demandante entende tem de discordar-se veementemente, desde logo, não só com base no próprio princípio da adesão obrigatória prevista no art. 71º do (PP como por ser absolutamente contrário ao princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7º do CPP, que impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa, assim consignando que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e que nele se resolvem todas as questões relevantes, independentemente da sua natureza.

8.Sendo muito clara a intenção do legislador com ambas aquelas normas (art. 7º e o art. 71º do (PP), as mesmas ainda são reforçadas pelo art. 4º do CPP para a integração de lacunas no processo penal.

9.O pedido de indemnização cível foi admitido em sede de despacho a fls .... com a referência 78742232 e 78800637 datado de 10.07.2018, precisamente "por ser admissível, estar em tempo, ter o demandante legitimidade para o efeito, estar representado por advogado ", não suscitando incidentes ou produção de prova acrescida (salvo a testemunhal), e sendo aí designada data para audição das testemunhas do pedido cível, ab initio, e em sede das datas designadas para a realização da audiência de julgamento - duas datas para a acusação e respectiva produção de prova e uma data para o pedido de indemnização cível e respectiva produção de prova.

10.A invocação da eventual multiplicidade de responsáveis cíveis pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo, como a possibilidade de eventuais incidentes que existe em todos os processos em abstratos, e que até é algo normal do âmbito do processo crime, daí a sua previsão, não pode, sem mais, vir a fundamentar a remessa das partes para esses tribunais civis.

11.Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário, antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos quando está em causa a boa decisão da causa cível e o julgamento da causa penal num prazo razoável, o que não é de todo o caso, e ser objecto de particular fundamentação, o que também não é o caso.

12.Na consagração de tal principiologia teve em vista obstar à realização de julgamentos contraditórios quando está em causa o cerne da mesma matéria, ... { .. .) ... Para além desta, outras vantagens acrescem como a economia processual e a economia de meios, ... { .. .), o princípio da celeridade processual e o princípio de concentração da actividade probatoria, podendo adjungir-se-lhe outras razões, de índole substantiva e formal, como sejam a necessidade de coerência do sistema, ( .. .), a exigência de unidade do juízo valorativo, ( .. .) e, por fim, a sujeição de um determinado evento a um tribunal que, por competência processual, teve uma actividade investigativa que lhe permitiu congregar o maior número de elementos adjutores na formação de um juízo apreciativo mais completo e de maior amplitude." - Acordão do Tribunal da Relação de Évora de 22-04-2014 no Processo 1646/07.1PCSTB in http://www.dgsi.pt litre.nsf/1349 73 db04f39bf2 302 5 79bf005f030b/d32 76d7fa3949 7bf3025 7cd7004e 1bfc ?OpenDocument

13.De referir que a dedução em separado do pedido cível é sempre uma opção do lesado, face ao elemento literal utilizado no preceito em causa - pode ser.

14.Ainda de lembrar o princípio com consagração constitucional- do. art.º 20.º, n.º 4, da Constituição -, de obtenção de uma decisão num prazo razoável e mediante processo equitativo, bem como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos no seu art.º 6.º, n.º 1, "onde se refere que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela." - Acordão do Tribunal da Relação de Évora de 22-04-2014 no Processo 1646/07.1PCSTB in http://www.dgsi.pt/jtre . nsf /1349 73d b04 f39 bf2802 5 79 bf005f080b/ d82 76d 7fa 3949 7bf80257cd7004e1bfc?OpenDocument entre outros supra elencados.

15. ln casu o preenchimento das alíneas do n.º 3 do art. 82º do CPP não se verificam.

16. No caso concreto temos que está apenas em causa:
- o pedido civil deduzido pelo recorrente, cujas questões são as da acusação, tendo o cerne, precisamente, na mesma matéria da acusação, e nenhum incidente suscitou. - a questão da legitimidade da demandada e a intervenção provocada do Hospital Nossa Senhora da Graça, deduzidas pela demandada seguradora em sede de contestação ao pedido de indemnização cível.

17.O pedido de indemnização só tem por si a prova testemunhal a produzir em sede de audiência, o que não gera incidente nem qualquer retardamento, muito menos intolerável.

18.Quanto à questão da legitimidade e da intervenção suscitada pela demandada, estas só têm, ainda, por si, de ser verificadas porquanto, por um lado, o douto Tribunal a quo notificou os arguidos para contestar marcando data para julgamento a iniciar 6 dias úteis após o fim do prazo para contestar, conforme resulta dos autos, não precavendo prazo razoável para qualquer prova ou meio legal ao seu dispor para exercício integral da defesa do mesmo que aqueles pudessem vir a requerer - única razão do adiamento da primeira data de julgamento agendadas pelo douto Tribunal a quo, em virtude do requerimento da intervenção da seguradora A. pelo arguido JB;

19.Por outro lado, porque o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre essas mesmas questões da legitimidade e da intervenção provocada (suscitadas pela seguradora A. no âmbito do seu legítimo direito de defesa e contraditório, dentro do prazo legal para o efeito e sem recurso a meios dilatórios), no despacho de 14.11.2018 com referência citius 79625481, em que se pronunciou sobre aquela contestação e outras questões nela suscitadas mas já não sobre estas duas outras questões, apesar de agendar, e salvo o mais devido respeito, mais uma vez apressadamente, julgamento.

20. A invocação, em 18.10.2018, na contestação pela demandada cível "seguradora" da questão da legitimidade activa da demandante ou o requerimento por aquela da intervenção principal provocada do Hospital Nossa Senhora da Graça, com o julgamento aprazado para 05.02.2019, relativamente a factos do ano de 2013 não provocaram nem provocam o retardamento intolerável do processo penal.

21.Até porque, invocados aquela ilegitimidade e intervenção requeridas em 18.10.2018, o tribunal a quo já sobre os mesmos poderia, deveria, ter-se pronunciado sobre os mesmos, em 14.11.2018, aquando despachou sobre as remanescentes excepções invocadas pela demandada mas não sobre estas, retardando aí sim, o Tribunal a quo, com a sua omissão, o andamento do processo.

22.Como veio, o Tribunal a quo a retardar o processo quando em 11.12.2018 veio pedir ao demandante para se pronunciar sobre aquelas excepções quando este já se havia pronunciado sobre as mesmas antes daquele seu anterior despacho de 14.11.2018, nomeadamente em 12.11.2018.

23.A marcação apressada de julgamento pelo Tribunal a quo em ambas as situações, e a omissão de pronuncia do mesmo no seu despacho de 14.11.2018, são factos absolutamente alheios ao demandante e que decorrem de retardamentos do próprio Tribunal e não do pedido cível, o que se alega.

24.Ademais, a questão da legitimidade ou da intervenção, se admissível, sempre seria algo absolutamente normal do decorrer de um processo penal e/ou de um pedido de indemnização cível em sede de processo penal, não suscitando nenhuma questão, salvo a pronuncia do Tribunal a quo em termos de direito e da análise dos factos já de si constantes dos autos, e, ainda que o seu processamento possa determinar o adiamento da audiência de julgamento e ao mesmo tempo que seja deduzida oposição, não constitui, um atraso inaceitável na marcha do processo e muito menos faz vislumbrar quaisquer incidentes ou retardamentos intoleráveis ao processo penal.

25.Inclusive a questão da necessidade/ possibilidade de intervenção provocada, e salvo o muito devido respeito pelo Tribunal a quo e pelo Ministério Público, era previsível ab initio, a partir do momento em que existe um ofendido e uma acusação em que os arguidos são funcionários - existindo uma possível relação de comitente/comissário - e têm a qualidade que têm, actuando em representação e interesse daquele terceiro, no presente caso concreto pela practica dos factos de que vem acusados nas circunstâncias melhor descritas nos autos, sendo-lhe inerente a possibilidade de responsabilidade solidária, o que também é facto absolutamente alheio ao demandante.

26.Decorre não do demandante mas da actuação dos próprios arguidos no âmbito da sua defesa, ou seja, são sujeitos passivos na relação material controvertida por via dos próprios arguidos, das respectivas funções e factos ilícitos praticados no âmbito das mesmas nas circunstâncias em apreço, pelo que nem sequer se pode falar de uma especial e imprevista complexidade dos presentes autos por via do pedido cível.

27.Na realidade, e sem entrarmos na análise do tipo de intervenção aqui em causa e da verificação do preenchimentos dos respectivos pressupostos, impõe-se salientar que os interesses dos intervenientes em consequência da prática de um crime só ficam suficientemente salvaguardados se lhes for dada a possibilidade de requererem a intervenção de terceiros.

28.Tivesse o Tribunal a quo se pronunciado sobre aquelas questões e teríamos que, ou, por um lado, a dita intervenção teria sido indeferida, não colidindo com a data de julgamento marcada para 05.02.2019, ou, por outro lado, fosse aquela intervenção admitida, teria tido a interveniente tempo de deduzir a respectiva contestação se assim o entendesse (se notificada na sequência do despacho de 14.11.2018, o prazo de 20 dias para contestar teriam terminado em Dezembro, antes ainda das férias judiciais!) sem colidir com a data de julgamento agendada para este Fevereiro, não fora o retardamento do próprio Tribunal, já poderia e deveria ter sido feito na eventualidade de ter sido aceite, repita-se.

29.Sendo que em 30.01.2019, data do douto despacho recorrido, não tinham ainda sequer saído as notificações para a audiência de julgamento de quaisquer das testemunhas arroladas para 05.02.2019 (acusação), 06.02.2019 (acusação) e 11.02.2019 (pedido cível), o que, além de absolutamente alheio ao demandante e a qualquer incidente do pedido cível, ademais tornará muito difícil por falta da necessária antecedência que o julgamento se venha a realizar naquelas datas.

30.E nem mesmo a pretensão da demandada A. sobre eventuais questões de conflito de competências por via daquela intervenção do Hospital, pois que apesar de ser uma ISS,IP o Hospital, a ser chamado, sê-lo-ia sempre em termos de obrigação de indemnizar por danos causados, baseada na responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, nos termos do art. 483.°, n.º 1, do Código Civil, que se subsume no principio da adesão (não respeitando, como parece ser o receio do Tribunal a quo a qualquer acto de natureza administrativa, mas sim de natureza criminal).

31.Nos termos dos arts. 283.º e 284.° do CPP os factos indiciariamente criminosos são fixados na Acusação deduzida pelo Ministério Público (e/ou pelo Assistente, desde que não importe alteração substancial daqueles), constituindo-se assim como limite nec pus ultra do pedido de indemnização civil emergente desses mesmos factos.

32.No pedido civil deduzido em processo penal, atinente à prática de um crime de dano à vida, a fonte da obrigação é a responsabilidade civil decorrente da prática de um crime.

33.Não é a adequação do meio ao fim visado, nem a natureza da relação jurídica que são pressupostos do pedido de indemnização civil, o que se alega, mas sim a Indemnização pelo valor do dano emergente de crime.

34.O artigo 129º do Código Penal ao referir que «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil» significa de forma clara que permite a indemnização por perdas e danos, quando esta indemnização seja emergente de crime, sendo essa indemnização regulada pela lei civil.

35.Assim, Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013 no Proc. nº 1187/09.2TDLSB.L2-A.Sl- 3ª e acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.05.2012 no processo 1499/08.2TDLSB-A.L1-5, entre outros ¬disponíveis em www.dgsi.pt.

36.Dos presentes autos quando devidamente analisados, resulta ainda clara e inequivocamente que julgar a parte criminal desprovida da parte cível, põe em perigo, aí sim, nas palavras de Maia Gonçalves "uma decisão rigorosa" do pleito a que qualquer arguido tem direito.

37.Se o artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa diz: "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa", consagra ainda o n.º 1 de tal dispositivo o seguinte: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso".

38.Não se pode querer sobrepor uma suposta atempada realização e conclusão da audiência de julgamento e consequente decisão final, aos direitos de defesa que assistem ao arguido e ao demandante, que por sua vez afectam directamente o arguido e a defesa daquele, na realização da tal audiência, sob pena de estarmos então a violar o Princípio do Contraditório, constitucionalmente consagrado, princípio ao qual emerge enquanto corolário das garantias de defesa do arguido e do demandante, o Principio da Adesão, segundo o qual existindo uma dependência funcional e intrínseca entre ambos, tal questão só faz sentido quando apreciada no seu todo.

39.Por outro lado, os factos em apreço remontam há quase seis anos, 26 de Maio de 2013, não se podendo imputar o atraso na realização do julgamento à dedução do pedido de indemnização civil, uma vez que esses quase seis anos decorreram em sede de inquérito e por prova requerida pelo próprio Tribunal a quo, devido à falta de eficácia na utilização dos meios legais adequados a que a diligência fosse ultimada em tempo razoável.

40.In casu, a desvantagem que a lei quis evitar ao excepcionar a remessa para os meios comuns - o retardar do processo penal - já ocorreu, entre 2013 e 2018 donde nada justificaria neste momento a remessa para os meios comuns principalmente quando esse atraso é alheio ao pedido cível.

41.Pelo contrário, traria um prejuízo acrescido para as partes, que, a somar ao retardamento do processo, acresceriam as desvantagens da dedução do pedido em separado como o desperdício de meios e custos e o risco de julgados contraditórios.

42. Finalmente, o processo contém todos os elementos para que se venha a conhecer desse pedido de indemnização cível, cujas questões controvertidas são as mesmas que são objecto da acusação e, consequentemente dizem respeito a uma decisão de cariz criminal cuja causa de pedir são os mesmos factos imputados aos arguidos na acusação pública.

43.Pelo que é falso que existam questões relativas ao pedido cível susceptíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal, o argumento do número de intervenientes processuais é uma falácia, e estes motivos à luz do preceituado no referido dispositivo legal, à falta de fundamentação nos elementos concretos no processo, não constituem critério para afastar o princípio de adesão.

44. O despacho ora recorrido não resolve o problema a jusante ou a montante, servindo apenas para entorpecer ainda mais as pendências da justiça nos presentes autos, além de suscitar eventuais várias novas acções, que na prática já estão intentadas, com a agravante de serem mais pendências, como mais autores, mais réus, mais testemunhas, os quais, na prática estarão sempre na dependência e numa relação de instrumentalidade com aquilo que vier a suceder e a ser dado como provado neste processo-crime.

45. Podendo até levar a situações de graves injustiças com a condenação ou absolvição de situações idênticas, atribuição de quantum indemnizatários diferentes para situações iguais, sendo que estas variáveis podem depender do momento que foram julgados e com os acontecimentos que, entretanto, forem ocorrendo no processo-crime.

46. Ao contrário do que vai plasmado no douto despacho, tem de concluir-se que a matéria constante do pedido de indemnização cível da demandante deve ser analisada em sede do processo penal.

47. Pelo que não existe razão para esse reenvio.

48. Merecendo reparo a sentença, nos termos melhor constantes do presente recurso, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogar-se o despacho em questão e o reenvio aos meios comuns determinados pelo mesmo, determinando-se que seja ordenada a prossecução dos presentes autos penais com apreciação em simultâneo do pedido de indemnização cível, remarcando-se a audiência de julgamento com data para a audição das testemunhas indicadas quanto ao pedido cível, o que se requer.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA OFENDIDN ASSISTENTE, E, CONSEQUENTEMENTE, SER DEVERÃO V. EXAS. REVOGAR O DESPACHO EM QUESTÃO E O REENVIO AOS MEIOS COMUNS DETERMINADO PELO MESMO, BEM COMO DETERMINAR QUE SEJA ORDENADA A PROSSECUÇÃO DOS PRESENTES AUTOS PENAIS COM APRECIAÇÃO EM SIMULTÂNEO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL, REMARCANDO-SE A AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO COM DATA PARA A AUDIÇÃO DAS TESTEMUNHAS INDICADAS QUANTO AO PEDIDO CVEL, FAZENDO-SE ASSIM, COMO É DE USO, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!

3. Admitido o recurso, o MP apresentou a sua resposta, pugnando pela improcedência do recurso.

4. Nesta Relação o senhor Procurador Geral Adjunto, a quem o processo foi com vista nos termos do art. 416º do CPP, pronunciou-se no sentido da irrecorribilidade do despacho que reenviou as partes para os maios civis nos termos do art. 82º/3 CPP.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1.Questão prévia – a admissibilidade do presente recurso.

No que concerne à admissibilidade do presente recurso, entendemos com parte significativa da jurisprudência – vd., por todos, Ac RP de 6.6.2018 (rel. José Carreto) em www.dgsi.pt – que é recorrível a decisão de reenvio das partes para os meios civis, nos termos do art. 82º/3 CPP, por não estar em causa ato discricionário, ou seja, ato dependente da livre resolução do tribunal (art. 400º/1b, CPP), mas antes decisão sujeita a critérios de legalidade, na medida em que o tribunal apenas pode decidir reenviar as partes para os meios civis quando se verifiquem os pressupostos enunciados no art. 82º/3 CPP, isto é, quando as questões suscitadas pelo pedido cível inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, decisão que é sindicável pelo tribunal de recurso.

Por outro lado, entendemos, quanto ao regime de subida do recurso, que este sobe imediatamente e em separado, nos termos do art. 407º/1 e 406º/2,CPP, tal como fixado pelo senhor juiz a quo. Com efeito, a sua retenção para ser julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão final (art. 407º/3 CPP), torná-lo-ia absolutamente inútil no caso de o assistente, ora recorrente, vir a carecer de legitimidade ou interesse em agir para recorrer da decisão penal a proferir a final, sendo certo que a lei processual penal tutela o interesse das partes, máxime do assistente, em ver julgado o pedido cível no processo penal, pelo que a retenção do recurso podia levar à preclusão daquele seu direito processual sem que o tribunal de recurso apreciasse o mérito da decisão de reenvio.

Nada obsta, pois, à apreciação do mérito do recurso.

2. Delimitação do objeto do recurso.
A questão objeto do presente recurso é a de saber se o tribunal a quo violou o disposto nos arts 71º e 82º nº3 do CPP ao remeter as partes civis para os tribunais civis, com fundamento na suscetibilidade de retardamento intolerável do processo penal provocado pelos incidentes decorrentes das questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil.

3.Decidindo

3.1. – Do pedido cível deduzido em processo penal – processo de adesão

No que respeita às relações entre a ação civil e a ação penal derivadas de um mesmo ilícito, são três os sistemas que têm sido adotados nas diversas legislações: a) um sistema de confusão total entre a ação penal e civil ou sistema de identidade [1],próprio de uma conceção histórica do direito penal em que apenas releva o interesse da vítima, não se reconhecendo ainda o interesse da sociedade na punição do culpado, (b) um sistema de absoluta independência, em que para cada um dos tipos de ação há que instaurar o respetivo processo judicial, pelo que o lesado deverá recorrer à jurisdição civil para obter indemnização de perdas e danos que, em caso algum, será arbitrada em processo penal e (c) um sistema de interdependência, que pode ser mais ou menos acentuada, e que se traduz na possibilidade ou obrigatoriedade de fazer aderir a ação civil à ação penal, falando-se neste caso no processo de adesão da ação civil à ação penal.

Era este último sistema ou modelo o adotado no CPP de 1929 e continua a sê-lo no CPP de 1987, cujo art. 71º do CPP consagra o princípio-regra da obrigatoriedade da adesão da ação civil ao processo penal, embora ressalve desde logo a faculdade de o pedido de indemnização civil ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos no art. 72º do CPP, que correspondem, em regra, a situações em que isso será do interesse do lesado, correspondendo a uma faculdade e não a um dever.

No entanto, a amplitude destas exceções e a sua importância é tal, que não obstante a afirmação da regra da obrigatoriedade no art. 71º nº1, pode questionar-se se o modelo do atual CPP deve ainda considerar-se de adesão obrigatória, tantos e tão significativos são os casos em que a adesão ao processo civil constitui antes uma opção ou faculdade posta à disposição do lesado, de forma perfeitamente consentânea, aliás, com a opção clara do legislador penal de 1982 pela natureza civil[2] da reparação dos danos emergentes de crime.

c) Em todo o caso, de acordo com o nº3 do art. 82º do CPP, o tribunal pode – oficiosamente ou a requerimento – decidir interromper a tramitação do pedido de indemnização civil no processo penal, levando a que o lesado tenha que instaurar a respetiva ação nos tribunais civis para ver apreciado e decidido o seu pedido, quer se trate de caso abrangido pela obrigatoriedade de adesão, quer estejamos perante uma das hipóteses em que o lesado podia ter optado pela jurisdição civil.

O art. 82º nº3 do CPP prevê dois tipos de situação em que tal pode ocorrer, atendendo a razões distintas. Por um lado, acolhe a ideia que a adesão do processo civil ao processo penal não pode sacrificar as exigências específicas do processo penal, nem os valores que lhe estão subjacentes, pelo que o reenvio para os tribunais civis visará evitar o retardamento excessivo do processo penal (é este o fundamento em causa nos presentes autos). Por outro, admite que se ponha termo à junção das duas acções, civil e penal, quando as questões suscitadas pelo pedido cível inviabilizem a sua decisão rigorosa no processo penal.

Isto é, conclui Rui Sá Gomes[3], este mecanismo funciona como uma “válvula de segurança”, evitando danos irreparáveis para as duas acções, civil e penal. Ou seja, a adesão … não pode significar o aniquilamento dos valores que cada um dos processos visa assegurar, impedindo-a sempre que ela conduza ao desvirtuamento de um dos processos em causa ou dos seus princípios e valores fundamentais.”

Atribui-se, assim, ao tribunal o poder-dever de assegurar que o processamento conjunto da acção civil e da acção penal não ponha em causa a prossecução das finalidades próprias de cada um dos respectivos processos,[4] independentemente da iniciativa das partes civis ou dos sujeitos do processo penal, máxime o MP ou o arguido.

A atribuição de poderes oficiosos nesta matéria não significa, porém, que o tribunal ignore a natureza dos interesses em conflito e o seu peso relativo, em cada caso concreto, de modo a permitir que o processo de adesão cumpra a sua vocação de harmonização de princípios (da ação civil e da ação penal) e de interesses (do lesado e de sujeitos do processo penal máxime arguido) até onde tal harmonização for possível.

Conforme diz Lopes do Rego, referindo-se aos arts. 82º nº 3 e 72º nº1 e), do CPP,:

- “ Importará …que a prática judiciária estabeleça algumas cautelas no uso deste amplo poder concedido ao tribunal, de modo a não defraudar as legítimas expectativas do lesado, que optou pela via penal para obter o ressarcimento – e que não deverá ver inutilizada toda a actividade processual desenvolvida à primeira dificuldade que o julgamento conjunto das questões civil e penal possa acarretar ao processo…” [5]

3.2. – O critério legal de reenvio das partes para os tribunais civis nos casos previstos na parte final do nº3 do art. 82º do C.P.P. (evitar o retardamento intolerável do processo penal).

Ao referir-se ao intolerável retardamento do processo penal como critério de decisão, o art. 82º nº3 do CPP não dispensa a procura de critérios prático-normativos que orientem a aplicação do direito ao caso concreto. Estando em causa o reconhecimento dos limites da concordância prática pressuposta pelo processo de adesão e a afirmação da prevalência de um dos princípios e interesses em conflito – o da integridade do processo penal – por impossibilidade de continuar o caminho da sua harmonização, impõe-se em primeiro lugar o reconhecimento das finalidades do processo penal que podem ser intoleravelmente postas em causas pelo retardamento do processo penal, provocado pelas incidências da acção civil. Identificadas aquelas finalidades, necessário será ainda ponderar, em concreto, se a medida em que as mesmas se encontram ameaçadas, justificam a sua prevalência sobre os interesses ligados à ação civil, mas também ao processo penal, que vão sacrificar-se com o reenvio para os tribunais civis.

Quanto a estes interesses, embora o processo de adesão represente sobretudo um benefício para o lesado, como aludido, não deixa de ver-se nele a prossecução de finalidades que o extravasam, como sejam a prevenção de decisões contraditórias e a economia processual, para além de interesses de natureza especificamente penal, nomeadamente ao nível da determinação da pena, na medida em que o apuramento da real extensão das consequências do facto pode influenciar a respetiva medida.

Quanto aos fins do processo penal, ensina, por todos, F. Dias:
- “ As finalidades primárias, a cuja realização o processo penal se dirige são, de uma parte a realização da justiça e a descoberta da verdade como formas necessárias de conferir efetividade à pretensão punitiva do Estado; de outra parte a proteção face ao Estado dos direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente do arguido, de outra parte ainda, o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo crime e a consequente afirmação da paz violada.”[6]

O retardamento intolerável do processo penal pode resultar, assim, de o atraso provocado pelo processamento conjunto da ação civil pôr em causa a efetividade da pretensão punitiva do Estado, nomeadamente por comprometer a produção de provas essenciais em tempo útil; pode igualmente resultar de o atraso comprometer significativamente o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente do arguido, máxime o seu direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa; por último, pode o atraso colocar em crise a última das finalidades primárias do processo penal, apontadas: o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente relevante em crimes especialmente graves, designadamente quando se trate de crimes contra as pessoas.

3.3.No caso concreto, está em causa acusação pela prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137 nºs 1 e 2 do CP, contra ambos os arguidos, médicos, por morte de AG, nascida em 1963, mãe do assistente e demandante, ocorrida no dia 27 de maio de 2013, na sequência de duas idas à urgência do Hospital de Tomar em 22 e 26 de maio, de 2013.

Solicitado parecer científico ao Conselho Médico-legal do INMLCF, IP em Abril de 2014, apenas em 31.05.de 2017 o mesmo foi concluído, podendo ler-se do despacho de arquivamento do inquérito que o Hospital de Tomar apenas em 16/3/2016 facultou a documentação clinica relativa à assistência prestada no serviço de urgência, essencial ao apuramento de responsabilidades jurídico-penais, apesar de repetidamente solicitada. Por outro lado, o pedido cível foi recebido em 10.07.2018, o despacho ora recorrido foi proferido em 29.01.2019 e foi designada a data de 05.02.2019 para a audiência de discussão em julgamento. Por último, a tramitação e apreciação do pedido cível suscita específicas questões de índole processual, pois apesar de ter sido admitida a intervenção provocada da A. Portugal, Companhia de Seguros, SA, requerida pelos arguidos, aquela Companhia de Seguros apresentou contestação ao pedido de indemnização formulado, invocando, de entre o mais, a ilegitimidade do demandante, a prescrição do direito à indemnização e a própria ilegitimidade da demandada, entendendo estarmos perante uma situação de responsabilidade do Estado, requerendo, ainda, a intervenção principal provocada do Hospital Nossa Senhora da Graça.

Ora, decorridos já seis anos sobre a data da morte de AG e não obstante o interesse prático-jurídico do demandante em que se mantenha o julgamento conjunto, a verdade é que, independentemente das causas do retardamento do processo penal e das responsabilidades pelo mesmo, a continuação da tramitação conjunta da ação cível é de molde a comprometer os interesses prosseguidos pelo processo penal. Com efeito, antes de mais, os incidentes processuais suscitados unicamente pelo pedido cível podem demorar tempo considerável, atrasando o processo numa altura em que parecem estarem reunidas as condições para finalmente se levar a cabo o julgamento da matéria penal. Em segundo lugar, o atraso que a continuação do processamento conjunto da ação civil venha a provocar, pode comprometer seriamente aspetos relevantes da pretensão punitiva do Estado. In casu, o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente significativa em crimes especialmente graves, designadamente quando estão em causa, como no caso presente, crimes contra as pessoas envolvendo responsabilidade médica e hospitalar, mas também o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente dos arguidos, máxime o seu direito a ser julgados no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. A celeridade do processo penal é um interesse reconhecido no próprio art. 32º nº2 da CRP, relacionado com a presunção de inocência. O direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, que lhe é especificamente reconhecido pelo art. 32º nº2 da CRP e, genericamente, pelo art. 6º nº 1 da C.E.D.H., encontra-se entre os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente do arguido, cuja proteção face ao Estado se conta entre as finalidades do processo penal.

Assim e pese embora a centralidade dos direitos e interesses das vítimas em processos desta natureza, o reenvio para os tribunais civis de modo a discutirem-se aí as questões processuais e substantivas suscitadas pelo pedido cível, não se apresenta como especialmente penalizador da posição processual do lesado, sendo certo que sendo já considerável o retardamento do processo penal até ao momento, a manutenção do julgamento conjunto aumentaria de forma séria o risco de prolongar tal retardamento dadas as incidências inerentes ao pedido cível, com prejuízo para a decisão da questão penal, pelo que concluímos que se mostra juridicamente sustentada a decisão recorrida.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo lesado e assistente, TG, da decisão judicial que nos termos do art. 82º nº3 remeteu as partes para os tribunais civis, mantendo-se integralmente a mesma.

Custas pelo Assistente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC– cfr art. 515º nº1 b) do CPP.
Évora, 22 de Outubro de 2019

(Assinado eletronicamente)
António João Latas
Carlos Jorge Berguete

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[1] Refere-se a sistema de identidade Germano Marques da Silva , Curso de Processo Penal I, Editorial Verbo-2000/ p. 127; J. A. Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, ed. Autor-1997/p. 312, reporta-se a confusão ou integração da problemática civil no processo penal e Luís Nunes de Almeida, Natureza da Reparação de Perdas e Danos Arbitrada em processo Penal in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 29-1969/p. 6, fala em confusão total entre a ação penal e ação civil.

[2] Diz Ribeiro de Faria, depois de elogiar a escolha do novo Código Penal pelo carácter civil da reparação, tal como o fizeram outros ordenamentos jurídicos: “ Mas o que qualquer dessas ordens possui também é um quadro de regulamentação processual que perfaz lógica e funcionalmente a concepção civilista da reparação arbitrada em processo de adesão. Por um laso, abandonando um sistema de adesão obrigatório a favor de um sistema de opção. Por outro lado, e no aspecto que verdadeiramente está em causa, pondo nas mãos do juiz a possibilidade de defender capazmente a integridade do processo penal, mediante uma gama de soluções que atrás fizemos referência detalhada”- cfr Jorge Ribeiro de Faria, Da Reparação do Prejuízo Causado ao Ofendido- Reflexões à luz do novo Código Penal in Para Uma Nova Justiça penal, Liv. Almedina-1983 /p. 170 .

Ora não será despropositado enquadrar nesta linha de pensamento as soluções adoptadas pelo CPP de 1987, de que resultou (face ao CPP de 1929) um alargamento considerável dos casos de adesão facultativa e a possibilidade de o tribunal fazer cessar a adesão, nomeadamente para assegurar que as finalidades próprias do processo penal não sejam postas em causa com o retardamento excessivo ( intolerável) do processo penal, causado pela acção aderente..

[3] Cfr As partes civis (sujeitos secundários ou intervenientes). O pedido de indemnização civil em processo penal. O sistema de adesão in Tereza Pizarro Beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, ed. AAFDL-1992/p. 221

[4] Evoca-se aqui a tensão existente entre a acção civil e a acção penal nos sistemas de adesão, ou a questão da perturbação do processo penal pelo processo de adesão que leva os autores a defenderem soluções distintas para o evitar ou superar. Para uns, “… a definição dos danos resultantes do crime deparará quase sempre com inelutáveis dificuldades, sendo por isso mesmo de renunciar ao processo de adesão.” Para outros, “… não deixando de reconhecer neste domínio a eventualidade de uma colisão processual, e mesmo a relação de subordinação do objecto civil em relação ao penal, se pronuncie no sentido de que nem o juiz deve pautar-se aqui por uma estreiteza de visão nem, por isso mesmo, recusar a decisão sobre o ponto civil sempre que este exija um mais de actividade processual não necessária ou exigida pela pretensão penal.” – cfr Jorge Ribeiro de Faria, est. cit. p. 158-9

[5] Cfr, est. cit. p. 68.
Também Frederico Costa Pinto chama a atenção para os possíveis inconvenientes da utilização menos ponderada da faculdade prevista no art. 82º nº3, quer do ponto de vista do interesse do lesado, quer do interesse na boa administração da justiça. Segundo este autor, “ Verifica-se na prática um recurso nem sempre razoável a este mecanismo, cujo funcionamento implica em regra um ónus de litigância para o lesado e potencia a existência de soluções distintas no processo penal e nos Tribunais civis. Na verdade, o lesado, por via desta, acaba por não beneficiar do regime de comunhão de provas e da (eventual) celeridade do processo penal (em comparação com a hipótese de ter de instaurar, a partir desse momento, uma nova acção junto dos tribunais civis).”. – cfr. Est. cit. p. 704

[6] Cfr F. Dias, Os princípios Estruturantes do Processo e a Revisão de 1998 do Código de Processo Penal in RPCC 8 (1998), Fasc. 2, p. 202.