Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
180/11.0GEALR.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA UNITÁRIA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Na determinação da medida concreta da pena única, dentro da moldura do concurso, e em casos que não fogem à normalidade, deve fazer-se acrescer à pena parcelar mais grave 1/3 das demais, oscilando para mais ou para menos consoante as específicas circunstâncias do caso e a personalidade do agente. Trata-se de um critério orientador, não vinculativo, moldável às especificidades do caso concreto, mas que serve como auxiliar e merece ser ponderado.
II - Apesar de o arguido possuir várias condenações anteriores, pela prática de crimes da mesma natureza (condução sem habilitação legal), dada a sua juventude e, sobretudo, olhando ao facto de, entretanto, ter obtido carta de condução, é de aplicar ao mesmo a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º, nº 1, do Código Penal).
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


1. Relatório
No Tribunal Judicial de Almeirim, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido JPR, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença que decidiu condená-lo, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, ps. e ps. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, na pena única de 27 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico de duas penas de 18 meses de prisão cada uma correspondente a um daqueles crimes.
Inconformado com a sentença, na parte em que o condenou em pena de prisão efectiva, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que reduza a medida da pena e a suspenda na sua execução, para o que formulou as seguintes conclusões:
O arguido, ora recorrente foi condenado, pelo cometimento, em autoria material, de dois crimes de condução sem habilitação legal, previstos e punidos pelo artigo 3º, nº s 1 e 2, do Decreto Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única de 27 meses de prisão.
Considera o arguido que na sua medida a pena é excessiva, demasiado penalizante para a sua vida pessoal e profissional, bem como para o seu agregado familiar
O tribunal a quo valorizou em demasia todas as condenações anteriores do arguido, “(…) compulsado o registo criminal do arguido, no ano de 2008, o arguido praticou o crime objecto dos presentes autos, três vezes, no ano de 2009, cinco vezes, e, em 2011, duas vezes (…)”
O Tribunal a quo sustenta a decisão relativa à medida da pena, à não aplicabilidade do Regime Penal Especial para Jovens, à não suspensão da execução da pena de prisão e relativa às exigências de prevenção geral e especial, no facto do arguido/ora recorrente manter “(…) desde o ano 2008, uma conduta ilícita reiterada, brincando com as condenações sofridas, mostrando um total desrespeito pelos valores jurídico-penais subjacentes à norma jurídica violada” e “revelar não ter ainda interiorizado o desvalor da sua conduta (…)”.
Na própria decisão o tribunal a quo refere que “(…) face ao percurso criminógeno do arguido não é defensável que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade satisfaça as necessidades de prevenção e de punição que no caso concreto se fazem sentir porquanto, até ao momento, foram ineficazes”.
O arguido interiorizou as sanções aplicadas anteriormente, sendo de concluir que, presentemente, são inexistentes as exigências de prevenção especial da pena e diminuídas as de prevenção geral.
O interesse da comunidade e o da manutenção da vigência das normas não se alcança em casos que estão em causa delitos de circulação com a aplicação de penas de prisão.
Deve prevalecer a reeducação e aculturação do infractor às regras de convivência e observância dos parâmetros regulamentadores em que se expressa o tecido comunitário organizado segundo modelos sociais devidamente estabilizados e aceites.
Verifica-se que o arguido, entre a data da prática dos factos (28/02/2011 e 13/04/2011), e a data da sentença modificou o seu comportamento, deverá ser-lhe especialmente reduzida a pena aplicada, nomeadamente, por via da aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, e por essa via, suspender-se a execução da pena reduzida.
10º
A simples censura do facto e a ameaça de prisão bastam para afastar o arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção.
11º
Em boa verdade, a ameaça da aplicação de uma pena já surtiu efeitos, sendo que o arguido alterou a sua postura de comportamento e respeito pelo Direito.
12º
Foi dado como provado a condução de veículo sem habilitação legal, sem que esta actuação tenha sido agravada pela colocação em perigo de quaisquer bens jurídicos individualizados.
13º
Quer isto significar a baixa perigosidade da acção e um reduzido desvalor do resultado.
14º
Resulta dos autos, que o arguido é, desde Fevereiro de 2012 titular de licença de condução.
15º
O tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. (cfr. art. 71º nº 2 do CP). O disposto no art.º 72º do CP, por seu lado, estabelece que o Tribunal atenua especialmente a pena quando exista alguma circunstância referida no seu nº 2, nomeadamente a referida no ponto d) (“Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”) que, salvo o devido respeito, se encontra preenchida.
16º
O arguido encontra-se profissional e familiarmente integrado. “Reside com a irmã, em casa arrendada, distribui publicidade de escola de condução, auferindo € 250 por três semanas de trabalho, e realiza trabalhos esporádicos na construção civil, auferindo € 25 a € 30 diários (…)”.
17º
À data da prática dos factos o arguido possuía 20 anos.
18º
Deverá ter-se em atenção e consideração, a redução da pena aplicada, que se considera excessiva, em que o arguido foi condenado, para uma pena correspondente ao mínimo legal atenta a culpa diminuta e os limites da pena segundo o disposto nos artigos 72º e 73º do Código Penal, suspendendo-se a execução da mesma
19º
A Douta sentença viola os critérios definidos no artigo 40º e ss e 70º e ss do Código Penal, bem como DL nº 401/82, de 23 de Setembro.

O recurso foi admitido.
O Mº Pº apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, concluindo como segue:

I - O recorrente JPR foi, por sentença proferida nos presentes autos, condenado na pena única de 27 meses de prisão, pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal previstos e punidos pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro;
II - In casu, as exigências de prevenção geral são acentuadas, na medida em que são cada vez mais os condutores que, sem serem titulares de carta de condução legal, adoptam uma postura indiferente ao facto de o legislador ter exigido a frequência de aulas teóricas de código, e práticas de condução, bem como a aprovação em exame de condução, para ser titular de carta de condução, colocando, desta forma, em perigo a vida, a integridade física e bens alheios;
III - Concomitantemente, também as exigências de prevenção especial são elevadas, em virtude de o recorrente ter dez antecedentes criminais pela prática do mesmo ilícito penal, tendo sido condenado em penas de multa, em penas de prisão substituídas por trabalho a favor da comunidade, em penas de prisão, suspensas na sua execução e em pena de prisão efectiva (esta ainda não transitada em julgado);
IV - De igual forma, a obtenção de carta de condução por parte do recorrente, não tem a virtualidade de atenuar ou de mitigar a sua culpa, não só porque tal obrigação lhe foi imposta como condição da suspensão da execução da pena de prisão, que lhe foi aplicada por sentença proferida no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 401/09.9PBSTR, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Santarém, como também porque, como bem refere a Mmª Juíza a quo, À data da prática dos factos objecto destes autos - i.e. Fevereiro e Abril de 2011 - o arguido contava já com sete condenações pelo mesmo ilícito, a última das quais, proferida em 29.03.2011, que condenou o arguido na pena de treze meses de prisão substituída por 390 horas de trabalho a favor da comunidade”;
V - Tendo presente a ilicitude elevada dos factos; o dolo directo do recorrente; a existência de dez condenações (sendo que a última ainda não transitou em julgado) pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal (revelador da absoluta ausência de interiorização, por parte do recorrente, do desvalor da sua conduta); o hiato temporal entre a prática dos dois ilícitos em apreço nos autos (três meses) o que, aliado aos antecedentes criminais vindos de referir, revela a propensão do recorrente para a prática de crime; a sua inserção familiar e a titularidade de carta de condução desde o dia 6 de Fevereiro de 2012, obtida por imposição judicial no âmbito do processo Comum Colectivo nº 401/09.9PBSTR e a idade do recorrente, bem andou a Mmª Juíza a quo ao não suspender a execução da pena de prisão que aplicou ao recorrente;
VI - O legislador consagrou o regime penal aplicável aos jovens, previsto no DL 401/82, de 23 de Setembro, tendo em vista instituir um direito mais educador, e não sancionador sem, contudo, perder de vista os interesses fundamentais da sociedade, procurando, assim, equilibrar, por um lado, os interesses fundamentais da comunidade onde os delinquentes se inserem e, por outro, a reinserção dos delinquentes nessa mesma comunidade, cujos interesses fundamentais violaram;
VII - Sucede que, in casu, nunca aquele regime legal poderia ser aplicado pois, como bem fundamenta a Mmª Juíza a quo, atentos os factos provados, a ausência de um projecto de vida delineado e consistente por parte do recorrente, a personalidade que este revelou nos presentes autos e a sua conduta criminal reiterada, o tribunal não tem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena, nos termos do disposto nos artigos 73º e 74º, ambos do Código Penal, resultem vantagens para a reinserção social do jovem;
VIII - Deve, por isso, ser mantida, na íntegra, a douta sentença recorrida, por não ter sido violado o disposto nos artigos 40º e seguintes e 70º e seguintes, todos do Código Penal, nem o regime previsto no DL 401/82, de 23 de Setembro.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual, sufragando a resposta do MºPº na 1ª instância e o teor da decisão recorrida por considerar que estas peças evidenciam a falta de razão do recorrente, também se pronunciou no sentido da improcedência do recurso e confirmação daquela decisão.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta.
Determinada a notificação do recorrente para dizer se aceita a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, veio o mesmo, a fls. 227, responder afirmativamente.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre decidir.


2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:

1. No dia 28 de Fevereiro de 2011, cerca das 14 horas, na Rua de Timor, nesta cidade e comarca, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (….), sem ser titular de carta de condução, ou de qualquer outro documento legal para o efeito.
2. No dia 13 de Abril de 2011, cerca das 22 horas, na Estrada Nacional 118, no sentido Quinta da Alorna/Rotunda, nesta cidade e comarca, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (….), sem ser titular de carta de condução, ou de qualquer outro documento legal para o efeito.
3. O arguido agiu sempre, bem sabendo que não podia conduzir o referido veículo na via pública ou equiparada, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer outro documento legal para o efeito.
4. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
5. O arguido é titular de carta de condução desde o dia 6 de Fevereiro de 2012.
Mais se provou:
6. O arguido reside com a irmã, em casa arrendada.
7. O arguido distribui publicidade de escola de condução, auferindo € 250,00 por três semanas de trabalho, e realiza trabalhos esporádicos na construção civil, auferindo €25,00 a € 30,00 diários.
8. Por sentença proferida em 01.07.2008, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo sumário n.º 381/08.8GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 05.06.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 55 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
9. Por sentença proferida em 05.11.2008, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo sumário n.º 696/08.5GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 07.10.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
10. Por sentença proferida em 20.07.2009, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo sumário n.º 676/09.3GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 08.07.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 210 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
11. Por sentença proferida em 18.09.2009, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo sumário n.º 595/09.3GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 13.09.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento, por decisão proferida em 04.05.2011.
12. Por sentença proferida em 17.02.2010, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo comum singular n.º 653/08.1GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 24.09.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período.
13. Por sentença proferida em 14.06.2010, pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém, no âmbito do processo comum singular n.º 71/09.4PTSTR, o arguido foi condenado pela prática, em 16.06.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período.
14. Por sentença proferida em 21.03.2011, pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior, no âmbito do processo sumário n.º 34/11.0GTSTR, o arguido foi condenado pela prática, em 26.02.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 13 meses de prisão, substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade.
15. Por sentença proferida em 29.03.2011, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo sumário n.º 221/11.0GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 14.03.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 13 meses de prisão, substituída por 390 horas de trabalho a favor da comunidade.
16. Por acórdão proferido em 28.06.2011, transitado em julgado em 05.09.2011, pelo 1.º Juízo Criminal de Santarém, no âmbito do processo comum colectivo n.º 401/09.9PBSTR, o arguido foi condenado pela prática, em 29.04.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro e um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita à obrigação de obter licença de condução e com regime de prova.
17. Por sentença proferida em 02.10.2012, ainda não transitada em julgado, pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito do processo comum singular n.º 760/09.3GEALR, o arguido foi condenado pela prática, em 16.09.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e de uma contra-ordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, 138.º, n.º 1, 146.º, al. l) 147.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada, na coima de € 500,00 (quinhentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 9 (nove) meses.


3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas prendem-se com a medida das penas e a suspensão da sua execução.

O recorrente insurge-se contra a medida em que a pena foi fixada, reputando-a de excessiva por, em seu entender, terem sido sobrevalorizadas as condenações anteriormente sofridas e defendendo a sua redução para o mínimo legal, por via da aplicação do Regime Especial para Jovens já que tinha 20 anos à data da prática dos factos, e tendo em consideração a modificação operada no seu comportamento, o facto de não ter colocado em perigo quaisquer bens jurídicos individualizados com a condução que exerceu e ser já titular de carta de condução, devendo a pena ser especialmente atenuada em face do disposto na al. d) do nº 2 do art. 72º do C. Penal por já ter decorrido muito tempo sobre a data da prática do crime e ter mantido desde então boa conduta, encontrando-se profissional e familiarmente integrado, e suspensa na sua execução por a simples censura do facto e a ameaça da pena serem suficientes para o afastarem da criminalidade e satisfazerem as necessidades de reprovação e prevenção.
Aponta como violado os critérios definidos arts. 40º e 70º do C. Penal, bem como o DL nº 401/82 de 23/9.

Comecemos por perscrutar o regime instituído pelo diploma aludido em último lugar.
De acordo com o disposto no art. 9º do C. Penal, “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”. Essas normas constam do DL nº 401/82 de 23/9, que instituiu o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, interessando-nos aqui em particular o seu art. 4º que, com a epígrafe “Da atenuação especial relativa a jovens”, dispõe que “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”
A interpretação deste preceito e a sua articulação com os princípios e as finalidades político-criminais subjacentes ao regime especial instituído pelo diploma acima referido não é consensual: “a jurisprudência divide-se entre uma corrente mais restritiva que entende que a atenuação especial da pena só deve ter lugar, quando for possível concluir pela existência duma objectiva vantagem dessa atenuação para a ressocialização do arguido e uma outra que, numa visão mais humanista, tem afirmado que a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 deve ser tida como regra, só não havendo lugar à atenuação extraordinária quando sérias razões levem a crer que tal medida não vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente. Se é verdade que a primeira interpretação colhe sugestivo apoio na letra do texto legal, todavia, a leitura do preâmbulo do diploma, que constitui um elemento interpretativo de grande alcance, favorece a interpretação mais abrangente, a qual, contudo, jamais pode desproteger os interesses fundamentais da comunidade.”[3] Entre um e outro, parece-nos que o entendimento que mais se coaduna com o espírito da lei é o de que “a atenuação especial da pena de prisão - quando (concretamente) aplicável – apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”[4] Por outro lado, as vantagens justificativas da aplicação da atenuação “terão que ser devidamente concretizadas caso a caso, o que significa que não podem constituir uma pura ficção judicial. Hão-de ser «reais», ancoradas naturalmente na circunstância do facto envolvente, sob pena de a aplicação do instituto se volver facilmente em actuação mais ou menos subjectiva, incontrolável e, até, arbitrária, do tribunal (…)”[5], o que implica que as circunstâncias de facto que favorecem o jovem delinquente ultrapassem a vulgaridade, o lugar comum, pois, se assim não suceder, devem ser apenas valoradas em sede de medida da pena, e não mais do que isso.
Esclarecidas pelas linhas gerais que se acabam de traçar, as directrizes fundamentais que presidem à aplicação deste regime podem-se resumir nestas proposições[6]:
“I - «A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, constante do DL 401/82, de 23-09 - regime regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos» (Ac. do STJ de 11-06-03, Proc. n.º 1657/03 - 3.ª).
II - Para negar essa atenuação, não basta, pois, que se possam colocar reservas à capacidade de ressocialização do jovem. Assim, se «o comportamento que vinha manifestando puder, por si e nas circunstâncias em que ocorreu (…), ser considerado (…) apenas uma manifestação de delinquência juvenil, de carácter transitório, como episódio próprio do período de lactência social propiciador de condutas desviantes» (Ac. do STJ de 11-06-03, cit.), bastará, para a conceder, a presença de «sérias razões para crer» que, da atenuação, resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
III - «A atenuação especial da pena p. art. 4.º do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente”, nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar - a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cf. Ac. do STJ de 27-02-03, Proc. n.º 149/03 - 5.ª). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem).
IV - Tanto mais que, «tratando-se de jovens delinquentes, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral». Efectivamente, se, quanto a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado - impor, independentemente da sua (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» (Ac. do STJ de 29-01-04, Proc. n.º 3767/03- 5.ª).”
Sendo a aplicação deste regime um poder-dever vinculado que o juiz deve/tem de usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, impõe-se que, relativamente a todo e qualquer arguido que ainda não haja completado 21 anos, o juiz pondere, oficiosamente, a possibilidade de o aplicar e que fundamente expressamente a decisão, num ou noutro sentido. Quando a decisão evidencie que tal ponderação não foi feita, verifica-se omissão de pronúncia, geradora da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 374º do C.P.P.[7]

No caso, e porque o recorrente tinha apenas 20 anos à data da prática dos factos, a decisão recorrida ponderou, como se impunha, a aplicabilidade do RJD. E afastou-a, considerando que “no caso dos autos, atentos os factos provados, e à ausência de um projecto de vida delineado e consistente, bem como à personalidade do arguido revelada nos factos dos presentes autos e à sua conduta criminal reiterada, o tribunal não tem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 73.º e 74.º, do Código Penal, resultem vantagens para a reinserção social do jovem, tal como não se vislumbra a adequação das medidas de correcção previstas no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.”.
Não sobram grandes dúvidas acerca da correcção da conclusão alcançada. De facto, a história pregressa do recorrente, tal como vem espelhada no seu CRC, não permite considerar que estamos perante episódios isolados, simples manifestações de delinquência juvenil de carácter transitório, e nem tão pouco se vislumbram circunstâncias tão distantes do normal que justificassem como vantajoso para a sua reinserção social a aplicação de um regime mais favorável. Assim, a juventude, tal como as demais circunstâncias que possam pesar a seu favor, devem ser apenas valoradas como circunstâncias atenuantes de carácter geral na determinação da medida concreta das penas.

Passemos a apreciar a pretendida atenuação especial da pena por aplicação do disposto na al. d) do nº 2 do art. 72º do C. Penal.
A moldura penal que o legislador faz corresponder a um determinado tipo de crime envolve a previsão das “mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis”[8] de modo a que entre os respectivos limites mínimo e máximo seja possível encontrar a pena concreta que corresponda ao grau de culpa do agente e satisfaça as exigências preventivas que se verifiquem no caso.
Reconhecendo, porém, os limites da sua capacidade de previsão perante a “riqueza e multiplicidade das situações reais da vida”, o próprio legislador antecipou a verificação de hipóteses especiais em que “a prevenção geral não imponha e a prevenção especial não exija uma pena a encontrar nos limites da moldura penal do tipo, e em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo”[9]. Assim, e correspondendo a “mandamentos irrenunciáveis de justiça, adequação (ou «necessidade») da punição”, para além de prever especificadamente algumas situações que merecem um tal tratamento, dotou o sistema de um instituto destinado a funcionar como válvula de segurança para aquelas hipóteses especiais em que “existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva”[10].
Surge deste modo o instituto da atenuação especial da pena, previsto e regulado nos arts. 72º e 73º do C. Penal.
O nº 1 deste art. 72º contém “uma verdadeira cláusula geral de atenuação especial da pena”, formulada nos seguintes termos: “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, enquanto que o seu nº 2 enumera exemplificativamente as circunstâncias que podem[11] ser consideradas para aquele efeito: “a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.”
Através destas circunstâncias que a lei expressamente considera relevantes para este efeito, resulta evidente que o “princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção”[12].
Por outro, a exigência de que tal diminuição seja acentuada requer necessariamente que “a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, (…) a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.”[13]

Não tendo sido impugnada a decisão da matéria de facto, é com base na factualidade considera definitivamente como assente que cumpre ponderar da viabilidade desta pretensão do recorrente. Ora, o acervo fáctico assente não evidencia um circunstancialismo excepcional do qual emirja uma diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente, que aponte para exigências de prevenção de grau inferior àquele que é suposto pela norma incriminadora, e que, nessa medida, justificasse que a pena a aplicar ao recorrente fosse encontrada dentro de uma moldura penal de severidade inferior àquela que, em termos de normalidade, corresponde aos ilícitos criminais por ele praticados e que, no caso, é de 1 mês a 2 anos de prisão. De facto, não se vislumbra sequer a radical inflexão no comportamento do recorrente que este invoca e nem a demora processual destoa significativamente da normalidade dos processos com idênticos contornos, sendo certo que não foi possível o julgamento em processo sumário porque o recorrente se esquivou aos militares da GNR quando estes lhe deram ordem de paragem. Inexiste, pois, qualquer fundamento para que as penas sejam encontradas em moldura penal diferente da que vem prevista para os ilícitos criminais praticados pelo recorrente.

Chegamos, então, à medida concreta das penas, começando por frisar que, como é entendimento generalizado[14], a intervenção correctiva do tribunal de recurso na medida da pena só colhe justificação quando se registem desvios aos princípios, operações e critérios que regem a sua dosimetria, não abrangendo a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena que não se revele de todo desproporcionada.
Na sentença recorrida, feita que foi a opção por pena privativa da liberdade em termos cuja correcção não sofre dúvidas ( e nem mesmo o recorrente fundadamente contesta ) já que a pena de multa sempre seria manifestamente insuficiente para satisfazer as necessidades de prevenção e de punição face à comprovada ineficácia das que ao recorrente foram anteriormente aplicadas, fixaram-se as duas penas parcelares, pela prática de outros tantos crimes de condução sem habilitação legal, cada uma em 18 meses de prisão, ponderando, por um lado, o elevado grau de ilicitude dos factoos, o dolo directo, a existência de várias condenações pela prática de ilícitos da mesma natureza, o curto hiato temporal entre a prática dos dois crimes, revelador de uma propensão do recorrente para tal prática, as elevadas exigências de prevenção geral e as de prevenção especial, também tidas como intensas em face daqueles antecedentes criminais, e, por outro, a inserção familiar, a titularidade de carta de condução desde 6/2/12, mas obtida na sequência de uma condição imposta para suspensão da execução de pena de prisão em que o recorrente havia sido condenado e a sua juventude.
Conquanto as exigências de prevenção especial se mostrem muito mitigadas pelo facto de, entretanto, o recorrente ter obtido a carta de condução ( sendo, para este efeito, irrelevante o motivo que o determinou a obtê-la ), tornando assim muito remota a eventualidade de vir a tornar a praticar ilícitos da mesma natureza, que representam a “parte de leão” do seu “cardápio” registal, ainda assim não se consideram desproporcionadas as penas parcelares que foram fixadas.

Mas já outro tanto não se dirá no que concerne à pena única resultante do cúmulo jurídico, que tem como moldura abstracta, como foi correctamente assinalado, 18 meses a 36 meses de prisão.
Refira-se, em primeiro lugar, que, embora a lei não estabeleça nenhum critério rígido a seguir na determinação da medida concreta da pena única dentro da moldura do concurso, a prática jurisprudencial tende no sentido de, em casos que não fogem à normalidade, fazer acrescer à pena parcelar mais grave 1/3 das demais, oscilando para mais ou para menos consoante as específicas circunstâncias do caso e a personalidade do agente[15]. Trata-se, na verdade, de um critério orientador, não vinculativo, moldável às especificidades do caso concreto, mas que serve como auxiliar e merece ser ponderado.
Ora, não escamoteando o elevado grau de culpa do recorrente, a tendência que revelou pra a prática de crimes da mesma natureza e a personalidade que se surpreende na prática dos factos, há que ter em consideração que o seu percurso criminal conhecido se estendeu durante os anos de juventude, que é francamente improvável que torne a delinquir por conduzir sem carta e que o crime em questão, como se evidencia pela própria moldura penal cominada, não é, em termos de gravidade, dos mais preocupantes.
Entendemos, por isso, que não existe justificação para nos afastarmos do critério acima aludido, de cuja aplicação resultará a redução da pena única e a sua fixação em 24 ( 18+6 ) meses de prisão.

Quanto à suspensão da sua execução, não ultrapassando a pena única os 5 anos de prisão, impunha o disposto no nº 1 do art. 50º do C. Penal, que se ponderasse a possibilidade de suspender a sua execução. De acordo com o disposto nessa norma, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O tribunal deve, assim, fazer um juízo de prognose, reportado ao momento da decisão, acerca do comportamento futuro do arguido e, se concluir que se pode esperar que ele não voltará a adoptar novas condutas desviantes, deve[16] suspender a execução da pena. Mas isso não basta porque, mesmo quando o tribunal concluir por um prognóstico favorável, assente exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização, ainda assim “a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”
Por outro lado, na formulação do juízo de prognose, “o que (…) está em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.”[17]
Nesta linha vem também decidindo o STJ, como por amostragem se colhe dos segmentos a seguir transcritos:
“Não são considerações de culpa que interferem na decisão relativa à execução da pena, mas somente razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, acentuadamente tidas em conta no instituto em questão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligada à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas”.[18]
“É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
(…) De um lado, cumpre assegurar em que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.”[19]
Quando se conclua pela adequação e suficiência desta pena de substituição, poderá a mesma ficar subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, podendo ser imposto ao condenado o cumprimento de regras de conduta destinadas a facilitar a sua reintegração na sociedade, podendo também a suspensão ser acompanhada de regime de prova – obrigatoriamente “quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos” ( cfr. nº 3 do art. 53º do C. Penal ), o que não se verifica no caso presente -, assente num plano individual de readaptação, se tal regime se mostrar conveniente e adequado a facilitar a reintegração do condenado na sociedade ( cfr. arts. 51º, 52º, 53º e 54º do C. Penal ).
A decisão recorrida equacionou esta questão, concluindo, à semelhança do que sucedeu quanto às outras penas de substituição, pelo seu afastamento, com base nas seguintes considerações:

“(…) no caso em apreço, o arguido já possui nove condenações anteriores, transitadas em julgado, e uma outra ainda não transitada em julgado[20], pela prática do mesmo ilícito.
Conforme já referido, as sete últimas condenações do arguido por ilícito da mesma natureza, a última das quais ainda não transitada em julgado, por factos 2008, 2009 e 2011, datam de 2009, 2010, 2011 e 2012 e aplicaram ao arguido penas de prisão suspensas na execução, penas de prisão, substituídas por trabalho a favor da comunidade, pena de prisão suspensa na sua execução com sujeição à condição de o arguido obter licença de condução e regime de prova e pena de prisão de um ano e seis meses (esta última ainda não transitada em julgado).
À data da prática dos factos objecto destes autos – i.e. Fevereiro e Abril de 2011 – o arguido contava já com sete condenações pelo mesmo ilícito, a última das quais, proferida em 29.03.2011, que condenou o arguido na pena de treze meses de prisão substituída por 390 horas de trabalho a favor da comunidade.
Conforme também referido, o arguido mantém, desde o ano de 2008, uma conduta ilícita reiterada, brincando com as condenações sofridas, mostrando um total desrespeito pelos valores jurídico-penais subjacentes à norma jurídica violada.
Não obstante o decurso dos anos e as penas de prisão já aplicadas, ainda que suspensas, e sem prejuízo da carta de condução obtida em Fevereiro de 2012, o arguido revelou não ter ainda interiorizado o desvalor da sua conduta, voltando a incorrer na prática de dois crimes de condução sem habilitação legal revelando absoluto desrespeito e despreocupação quanto às condenações sofridas.
Podemos agora afirmar com segurança que uma pena de prisão suspensa é insuficiente para evitar que o arguido volte a praticar o crime em apreço.

Considerando que o recorrente já havia sofrido, antes da data da prática dos factos, duas condenações em penas de prisão cuja execução foi suspensa e que, ademais, praticou os factos durante o período em que tais suspensões decorriam, não vemos como seria possível ancorar um juízo de prognose positiva acerca do seu comportamento futuro de tal forma que a simples censura do facto e a ameaça da pena se apresentassem como suficientes para que, doravante, se mantenha afastado da criminalidade ( e note-se que o risco não foi totalmente eliminado com a obtenção da carta de condução, já que o recorrente tem duas condenações pela prática de crimes de furto ). Estamos, pois, em total sintonia com o tribunal recorrido ao decidir pelo não preenchimento dos pressupostos da aplicação desta pena de substituição.

Não obstante, as particularidades do caso não demandam necessariamente o cumprimento da pena de prisão, havendo que ponderar uma outra pena de substituição que, embora não tenha sido aludida no recurso, e nem fosse admissível em face da medida da pena única fixada na sentença recorrida, agora se planteia como admissível.
Dispõe o nº 1 do art. 58º do C. Penal que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, enquanto que o nº 5 do mesmo preceito faz depender a aplicabilidade desta pena substitutiva da aceitação do condenado.
No caso sub judice, a pena de prisão, após a redução acima determinada, foi fixada em medida que consente a substituição, e a aceitação do recorrente foi colhida e prestada já na pendência do recurso.
Preenchidos que se mostram os pressupostos formais, vejamos se através da prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC) se consegue a realização adequada e suficiente das finalidades da punição, a protecção do bem jurídico tutelado e a reintegração do agente na sociedade ( cfr. nº 1 do art. 40º do C. Penal.
São inegáveis as vantagens que vêm sendo reconhecidas à PTFC, sendo esta “a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo, mas assume cariz social-positivo”[21]. Enquanto, de um passo, previne o contacto do ( pequeno ) delinquente com o meio prisional e com os vícios que lhe andam associados, decorrentes da ociosidade e do contacto com outros delinquentes, favorece a manutenção dos seus laços familiares e sociais, e poupa à sociedade encargos de natureza económica derivados do encarceramento, de outro, permite que ele contribua de modo positivo para a comunidade, assim a compensando pela violação de bens jurídicos que lhe são caros, ao mesmo tempo que interioriza o desvalor da sua conduta e se redime da culpa através do trabalho, factor decisivo de produção de riqueza e essencial ao funcionamento de qualquer sociedade. Para além de “ser das mais adequadas em sede de reinserção social (…), sendo muito vivamente recomendada pela moderna penologia”[22], a PTFC tem registado reacções favoráveis por parte do próprio público em geral.
Ademais, com as revisões do C. Penal operadas pelo DL nº 48/95 de 15/3 e pela Lei nº 59/2007, o legislador deu claros sinais de incentivo à aplicação desta reacção penal, ao alargar o seu campo de aplicação, ampliando sucessivamente de 3 meses para 1 ano, e de 1 ano para 2 anos, o limite máximo da pena passível de substituição.
Isto dito, há que salientar que ao recorrente já foram por duas vezes substituídas as penas de prisão em que foi condenado por PTFC, tendo tais condenações sido proferidas em datas não muito distantes da prática dos presentes factos e inexistindo quaisquer indicadores no sentido de que não estejam a alcançar os resultados almejados. A juventude do recorrente, afastada que parece estar a principal razão que o impelia a prevaricar, com o reforço positivo de um trabalho benévolo em prol dos outros, ainda se pode perspectivar como factor de regeneração e incentivo para que se mantenha afastado dos caminhos da delinquência.
Entendemos, por isso, que ao recorrente ainda é possível conceder-lhe uma oportunidade de se manter afastado do meio prisional, na expectativa de que, através da PTFC, ainda será possível a realização das finalidades da punição, sendo certo que a frustração desta expectativa poderá conduzir à revogação da pena substitutiva e ao cumprimento da pena de prisão que foi determinada ( cfr. nº 2 do art. 59º do C. Penal ).
Cumpre, finalmente e em face da substituição decidida, fixar o número de horas de trabalho a cumprir, bem como os dias em que a prestação deve ser efectuada.
Nos termos do nº 3 do art. 58º do C. Penal, “Para efeitos do disposto no n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, podendo o trabalho a favor da comunidade ser prestado aos sábados, domingos e feriados, e mesmo nos dias úteis dentro do condicionalismo estabelecido no nº 4 do mesmo preceito.
Tendo em conta os critérios definidos nesta norma, e, ainda, que a pena de prisão que se substitui foi fixada em 24 meses de prisão e que apenas se sabe que o recorrente não tem competências específicas nem ocupação definida, fixa-se a PTFC em 480 horas, a cumprir aos sábados, domingos e feriados e/ou eventualmente aos dias úteis, conforme as suas disponibilidades.
Com o que se deverá alterar o decidido no tocante à pena aplicada ao recorrente.


4. Decisão
Por todo o exposto, e embora por fundamentos distintos dos invocados, julgam parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
a) reduzem a pena única aplicada ao recorrente para 24 ( vinte e quatro ) meses;
b) determinam a substituição dessa pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, que vai fixada em 480 (quatrocentos e oitenta ) horas, nos termos acima discriminados;
mantendo-se, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Sem tributação.

Évora, 7 de Abril de 2015

Maria Leonor Esteves

António João Latas

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[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] cfr. Ac. STJ 8/10/08, proc. nº 08P589.
[4] cfr. Ac. STJ 15/2/07, proc. nº 06P4681.
[5] cfr. Ac. STJ 7/12/06, proc. nº 06P4077.
[6] Retiradas do sumário do Ac. STJ 21/9/06, proc. 06P3062.
[7] cfr., entre outros, Acs. STJ 23/11/04, proc. nº 05P896, 19/11/08, proc. nº 08P3776, 16/5/07, proc. nº 1492/07-3ª Secção e 23/5/07, proc. nº 1405/07-3ª Secção ( os dois últimos em www.stj.pt ).
[8] cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 302.
[9] cfr. Ac. STJ 25/5/05, proc. nº 05P1566.
[10] cfr. Fig. Dias, ob. e loc. cit.
[11] “não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, mas só o possuirão se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido”; no entanto, “verificados os pressupostos respectivos (…), a concessão da atenuação especial é um dever ou uma obrigação – é uma autêntica «consequência jurídica» - a que o tribunal não pode furtar-se, mas que cabe antes na sua discricionariedade vinculada”, como salienta Fig. Dias, ob. cit., págs. 306 e 308.
[12] cfr. Fig. Dias, ob. cit., pág. 306.
[13] cfr. Fig. Dias, ob. cit., págs. 306-307.
[14] A título de exemplo, cfr. Acs. STJ 14/5/09, proc. nº 19/08.3PSPRT:
“(…) na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores) como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.”;
RP 2/6/10, proc. nº 60/09.9GNPRT.P1:
“(…) no recurso dirigido à reacção penal aplicada, a pretensão recursiva apenas incidirá sobre os seus critérios fundamentais (culpa, prevenção especial ou geral) ou mesmos em relação às demais circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, sejam pretéritas, contemporâneas ou posteriores a essa ocorrência, de tal modo que a pena aplicada se mostre inadequada quanto à escolha ou desajustada no que concerne ao seu quantitativo.
Nesta conformidade, esse desajustamento quantitativo terá que ser relevante, mostrando-se desproporcionado em função da culpa relevada ou das exigências de prevenção que se fazem sentir, impondo-se a sua correcção por via de recurso.
Mas já não passa pela precisão ou exactidão da reacção penal aplicada, definidos que estejam correctamente os respectivos parâmetros legais e judiciais, salvo, como já referimos, na falta de razoabilidade ou desproporcionalidade da reacção penal aplicada.
Assim, no recurso sobre a medida da pena o que poderá ser objecto do mesmo são a correcção dos critérios legais e judiciais de determinação da pena, de modo que seja aplicada uma reacção penal justa, mas não aquela pena exactamente justa.”
e RE 30/9/14, proc. nº 344/08.3 GAOLH.E1 ( em que a ora relatora interveio como adjunta)::
“(…) os recursos (quer em matéria de facto, quer em matéria de direito) não são re-julgamentos da causa mas tão só remédios jurídicos.
Assim, também em matéria de pena, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal da Relação deve intervir na pena, alterando-a, tão só quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação ou aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena.
A Relação não decide da pena como se o fizesse ex novo, como se inexistisse decisão de 1ª instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito aos princípios que norteiam a pena ou de um desvio nas operações de determinação impostas por lei.
Daí que não abranja a determinação/fiscalização dum quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionado.”
[15] Disso são exemplo, entre outros, os Acs. STJ 11/2/02, proc. nº 02P1259 e 27/11/08, proc. nº 08P2149.
[16] Trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” – cfr. Maia Gonçalves, C. Penal Anotado e Comentado, 14º ed. – 2001, pág. 191
[17] cfr. Fig. Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344.
[18] Ac. STJ 30/6/99, proc. nº 99P566
[19] Ac. STJ 27/11/08, proc. nº 08P1773.
[20] É do nosso conhecimento funcional que o recurso interposto já foi decidido, tendo procedido em parte com a suspensão da execução da pena aplicada ( de 1 ano e 6 meses de prisão ) pelo mesmo período de tempo e acompanhada de regime de prova assente em plano de reinserção social.
[21] Maia Gonçalves, Código Penal Português, anotado e comentado, 14ª ed., pág. 208.
[22] Idem, ibidem.