Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2644/17.5 T8LSB.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CESSAÇÃO DO CONTRATO
PARTICIPAÇÃO DO SINISTRO
TEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:

O regime jurídico do contrato de seguro (Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril), que consagrou um regime imperativo, nomeadamente, no domínio da “falta de participação do sinistro”, não permite a perda da cobertura do risco, pelo facto, apenas, de o sinistro ter sido participado, após a cessação do contrato; as cláusulas constantes das condições gerais, que consagram tal perda, são nulas, por violarem preceitos imperativos.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


BB, residente na …, intentou a presente ação declarativa de condenação contra CC, S.A., com sede na avenida …, nº …, Lisboa, e DD, S.A., com sede na …, Palmela, pedindo a condenação das demandadas no pagamento da importância de €29.764,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento - a segunda, no caso de o pedido improceder, relativamente à primeira -, articulando factos que, em seu critério, conduzem à sua procedência, a qual culminou com a condenação da demandada seguradora, no pagamento da referida quantia.


Inconformada com o decidido, apelou a demandada condenada, com as seguintes conclusões[1]:


- o contrato de seguro a que aludem os autos vigorou entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2016;


- foi convencionado, no dito contrato, “que o tomador do seguro obriga-se a comunicar CC dentro do prazo de vigência do contrato de seguro as situações de invalidez de que tenha conhecimento, para efeitos de financiamento das coberturas acordadas”;


- foi, igualmente, convencionado que “qualquer comunicação de invalidez efetuada após a cessação do contato ou da cobertura individual, a qualquer título, não está abrangida pelo presente contrato, ainda que os factos a que se reporta tenham ocorrido durante a vigência deste”;


- a Ré DD, S.A. apenas comunicou o sinistro (a invalidez do Autor BB) à Ré CC, S.A., no dia 16 de maio de 2016;


- acresce que, em data anterior a 12 de outubro de 2015, já a Ré DD, S.A. conhecia que a situação clínica do Autor BB “indiciava um caso de invalidez”;


- Ao não comunicar a Ré DD, S.A. ou o Autor BB à Ré CC, S.A. durante a vigência do contrato de seguro, o sinistro, o seguro não foi acionado, “deixando que os efeitos do mesmo se extinguissem”;


- assim, deveria a recorrente CC, S.A. ter sido absolvida do pedido;


- foram violados os artigos 405º., 406º. e 762º., nº 2 do Código Civil.


Contra - alegaram o Autor BB e a Ré DD, S.A., votando pela manutenção do decidido.


O recurso tem por objeto a seguinte questão: saber se ocorreu ou não erro de julgamento, na aplicação do direito aos factos.


Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


A - Os factos


Na sentença impugnada, foram considerados assentes os seguintes factos:


1 e 2 - No âmbito do procedimento público promovido pela EE, S.A., tendente à contratação de seguros e prestação de serviços de corretagens para as empresas do Grupo EE, foi celebrado, em 24 de maio de 2013, entre as Rés CC, S.A. e DD, S.A., enquanto entidades adjudicante (a segunda demandada) e co-contratante (a primeira demandada) um acordo quadro para a contratação de seguros, cujo prazo de vigência foi estabelecido por 2 anos, com início em 1 de maio de 2013;


3 - Mais declararam as partes que a vigência do acordo quadro poderia ser prorrogado pelo prazo de 3 meses até ao limite máximo de um ano, mediante prévio acordo entre as entidades adjudicante e o co-contratante de cada grupo de seguros;


4 - Em 30 de julho de 2015, foi celebrada uma adenda ao acordo quadro referido, em que se alteraram os limites do prazo de prorrogação, sendo que, no caso da Ré DD, S.A., o período mínimo de prorrogação foi fixado em 6 meses, com possibilidade de prorrogar por mais 6 meses, mediante comunicação da Empresa FF, S.A.);


5 - Em 30 de julho de 2015, a Empresa FF, S.A., representante de algumas entidades adjudicantes, entre as quais a Ré DD, S.A.,, veio manifestar o propósito de prorrogar o acordo por um período de 6 meses, ou seja, até 30 de abril de 2016;


6 - No âmbito do referido acordo quadro, foi celebrado entres as Rés CC, S.A. e DD, S.A. um contrato de seguro (Vida Grupo), titulado pela apólice 912780, que garantia a invalidez profissional das pessoas indicadas pelo tomador do seguro, aí figurando como pessoas seguras;


7 - A cobertura deste contrato abrangia o Autor BB, porquanto este constava da lista de pessoas seguras indicadas pelo tomador de seguro;


8 - O referido contrato vigorou entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2016;


9 - A Ré CC, S.A. emitiu um documento, designado “Seguro de Vida Grupo” - … Vida Segura, Condições Gerais, com referência à data de 1 de maio de 2013;


10 - No indicado documento, declarou que as condições são aplicáveis às apólices constituídas em nome das empresas do Grupo EE;


11- Do referido documento, constam, ainda, as seguintes declarações escritas da Ré CC, S.A., aceites pela Ré DD, S.A.:


Cláusula 1ª - Definições


1.1 Partes no contrato


Segurador - CC, S.A.;


Tomador do seguro - a entidade que celebra o contrato de seguro com a CC e que assume a obrigação de pagamento do prémio;


Pessoas seguras - as pessoas indicadas pelo tomador do seguro e aceites pela CC e relativamente às quais se terão por assumidas as coberturas;


Beneficiário - pessoa ou pessoas singulares ou coletivas, designadas pelo tomador do seguro ou pelas pessoas seguras, assim indicados ou determináveis, segundo declarações exaradas nas condições particulares ou nos boletins de adesão ou nas alterações supervenientes, a favor de quem revertem os benefícios garantidos no presente contrato;


1.2 Documentos contratuais


Condições particulares - Disposições e declarações que identificam cada contrato de seguro e individualizam as suas condições;


Cláusula 2ª - Objeto do Contrato


Poderão ser acordadas, desse que assim se declare nas condições particulares, as seguintes coberturas complementares.


Invalidez total e definitiva


Pela presente cobertura a CC obriga-se a pagar o capital seguro, indicado nas condições particulares, se a pessoa segura for atingida por invalidez antes dos 65 anos de idade, cessando por isso a cobertura do risco de morte para esta pessoa segura;


O capital seguro será pago imediatamente após a comprovação, se for resultante de acidente, ou um ano depois da comprovação pela CC, se for resultante de doença, prazo que é elevado para três anos nos casos de alineação mental.


Entende-se por invalidez total e definitiva a incapacidade de trabalho física ou mental que coloque a pessoa segura na impossibilidade permanente e definitiva de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro, necessitando de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida.


A CC garante todos os casos de invalidez total e definitiva, exceto se esta for consequência de qualquer dos factos mencionados nas exclusões de garantia em caso de morte.


Cláusula 7ª - Incontestabilidade


1. A CC não poderá contestar o contrato ou cada adesão, com fundamento em omissões ou inexatidões negligentes na declaração inicial de risco, decorridos que estejam dois anos contados, desde a celebração do contrato ou data da adesão, consoante seja o caso.


Cláusula 11ª - Obrigações e direito


2. Do tomador do seguro


2.1 Salvo disposição ou convenção em contrário, pertencerá ao tomador do seguro informar as pessoas seguras sobre as coberturas e exclusões contratuais, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações contratuais posteriores;


2.7 O tomador do seguro obriga-se a comunicar à CC dentro do prazo da vigência do contrato de seguro as situações de invalidez de que tenha conhecimento, para efeitos de acionamento das coberturas acordadas;


Cláusula 13ª - Pagamentos de benefícios


Para pagamento de qualquer benefício, o beneficiário deverá apresentar fotocópia do respetivo bilhete de identidade e documento de identificação fiscal, bem como;


1.3 Em caso de invalidez - relatórios pormenorizados do médico assistente da pessoa segura, emitidos há menos de 3 meses, com indicação da data inicial, etiologia e evolução da doença ou lesão determinantes da invalidez e outros elementos que a CC considere necessários, todos obtidos sem encargos para a CC. Com base nos elementos a apresentados a CC decidirá sobre o reconhecimento da invalidez e a data em que ela produz efeitos para atribuição dos benefícios.


1.3.1 Para efeitos de reconhecimento da situação de invalidez considera-se:


i) A incapacidade como completa desde que:


Atinja um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, no caso da cobertura de invalidez profissional de acordo com a tabela de avaliação de incapacidades permanente em direito civil.


Atinja um grau de desvalorização igual a 100%, no caso da cobertura de invalidez total e definitiva, de acordo com a tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil


ii) A incapacidade definitiva, desde que:


A incapacidade completa tenha durado, ininterruptamente, durante pelo menos um ano, a contar do dia em que ela tenha sido constatada por um médico acordado com a CC, sendo este prazo mínimo de um ano alargado para 3 anos se a incapacidade completa resultar de alienação mental ou de perturbações psíquicas e de um certificado médico, aceite pela CC, que precise que da constituição do tratamento médico não é possível esperar melhoras sensíveis do estado da pessoa segura.


1.3.3 Caso o tomador do seguro não concorde com a avaliação clínica, relativamente ao reconhecimento da situação de invalidez, poderá pedir, no prazo de 60 dias, a contar da data em que tome conhecimento da decisão da CC, a constituição de um comissão arbitral que decidirá, em definitivo, sobre a questão.


1.3.4 A data da liquidação do benefício é a data de reconhecimento da invalidez pela CC, acrescida dos prazos previstos em ii) para a incapacidade ser considerada definitiva e não poderá ser anterior à data de apresentação à CC do pedido de reconhecimento. Até à data de liquidação do benefício mantém-se inalterável a obrigação de pagamento do prémio. Qualquer comunicação de invalidez após a cessação do contrato ou da cobertura individual, a qualquer título, não está abrangida pelo presente contrato, ainda que os factos a que se refere tenham ocorrido durante a vigência deste.


12- A Ré CC, S.A. emitiu um documento, designado “contrato de seguro de grupo”, onde declara ter estabelecido entre DD, S.A. e CC, S.A., indicando, como anexos - Condições Gerais … Vida Seguros;


13 - No referido documento, com referência a condições particulares, mostram-se apostas as seguintes declarações: 1-Tomador do seguro - O tomador do seguro no âmbito da apólice V-912780, é a empresa DD, S.A.. 2- Início - O contrato de seguro produz efeitos a partir das 0 horas do dia 1 de maio de 2013. 3. Capital seguro - o capital base seguro corresponde a 28 salários mensais por pessoa segura;


14 - No dia 16 de agosto de 2000, o Autor BB foi admitido ao serviço da Ré DD, S.A., com a categoria de operador de veículos especiais;


15 - Em outubro de 2015, a remuneração mensal (vencimento) do Autor BB, suportada pela Ré DD, S.A. ascendia a €1.063,00;


16 - O Autor BB esteve de baixa médica desde 12 de outubro de 2015 até à data em que foi reformado por invalidez, tendo tido um período de baixa anterior àquela data;


17 - No período compreendido entre 25 de agosto de e 5 de setembro de 2015 foi metido certificado de incapacidade temporária para o trabalho do Autor BB, com fundamento em doença incapacitante para a atividade profissional, sendo a situação classificada como doença natural;


18 - A Ré DD, S.A. sempre teve conhecimento da situação clínica do Autor BB;


19 - Sendo que, durante os períodos de incapacidade temporária para o trabalho do Autor BB deslocava-se às instalações da Ré DD, S.A., acompanhado da sua mulher, para apresentar os certificados de incapacidade e, após o falecimento desta, acompanhado pelo seu filho;


20 - Em face dos sucessivos períodos de baixa médica do Autor BB, considerando a Ré DD, S.A. que este deveria cessar, em definitivo a sua relação contratual, em data anterior a 12 de outubro de 2015, em reunião mantida nas suas instalações, foi o mesmo informado, confrontado, com a possibilidade de reforma, por invalidez, tendo a acima referida Ré reportado à cobertura da apólice identificada nos autos;


21 - O Autor BB anuiu e apresentou junto do ISS - Centro Nacional de Pensões o requerimento com vista ao reconhecimento da sua situação de invalidez, convencido que iria receber o valor coberto pela apólice de seguro;


22 - Salvo exceções pontuais, era a Ré DD, S.A. quem, através da corretora de seguros “M…”, desenvolvia todas as iniciativas de participação de situações enquadráveis no âmbito da cobertura da apólice de seguros identificada nos autos;


23 - Com data de 6 de maio de 2016, sob o assunto “passagem à situação de pensionista de BB”, o ISS comunicou à Ré DD, S.A., com referência ao disposto no artigo 88º. Nº 1,do DL 187/2007, de 10 de maio, que ao trabalhador acima indicado, foi deferida a pensão de invalidez com data de início em 2015-10-12”;


24 - No dia 18 de maio de 2016, tendo conhecimento da decisão do ISS, a Ré DD, S.A. apresentou uma comunicação à corretora nos seguintes termos: “Serve o presente para participar ao abrigo da apólice ramo Vida nº 912780 da seguradora CC, a reforma por invalidez do nosso trabalhador Sr. BB. Mais se informa que a empresa teve conhecimento dessa decisão da segurança social pelo trabalhador, na sequência de uma baixa prologada, no entanto os seus efeitos reportam-se a 12 de outubro de 2015”;


25 - Em data anterior, a Ré DD, S.A. não havia feito à Ré CC, S.A. qualquer participação relacionada como o Autor BB, ao abrigo da identificada apólice;


26 - No dia 19 de maio de 2016, a corretora remete à Ré CC, S.A. a seguinte comunicação escrita: ”Junto remetemos participação de sinistro ao abrigo da apólice nº 912780 da DD”;


27 - No dia 29 de junho de 2016, a Ré CC, S.A. apresenta à corretora de seguros a seguinte comunicação “em referência ao processo em epígrafe somos a informar que não podemos dar seguimento ao pedido de invalidez ao abrigo da apólice de seguro vida porquanto a mesma só vigorou até 30.04.2016 e o sinistro foi participado em 19.05.2016”;


28 - No dia 29 de maio de 2016, a corretora de seguros remete à Ré CC, S.A. um escrito (correio eletrónico) onde refere agradeço a fundamentação para a decisão tomada, dado que foi decretada pensão pela segurança social a 06/05/2016, é um facto, mas com efeitos a partir de 12/10/2015. Consequentemente, antes de 06/05/2016 não havia possibilidade de participar”;


29 - Em resposta de 5 de julho de 2016, comunica a Ré CC, S.A. à corretora de seguros ”Após reanálise do processo foi decidido manter a decisão transmitida na nossa mensagem de 29 de junho. A verificação da situação de invalidez não tem qualquer relação com a decisão da segurança social, já que poderá a situação ser reconhecida no âmbito da apólice e não na segurança social ou vice-versa. Por esse motivo e sendo a situação de invalidez. Por esse motivo e sendo a situação de invalidez teria que existir, pelo menos a data da entrada do processo na segurança social, logo era perfeitamente possível ter iniciado o processo na CC”


30. A Ré CC, S.A. não avaliou a situação do Autor BB do ponto de vista clínico.


B - O direito/doutrina/jurisprudência


- “A liberdade contratual, no entanto, é reconhecida (…) “dentro dos limites da lei”. E são cada dia mais numerosas e intensas as limitações que a lei põe à autonomia privada” [2];


-“Nesta reforma foi dada particular atenção à tutela do tomador do seguro e do segurado - como parte contratual mais débil -, sem descurar a necessária ponderação das empresas de seguros (…); Em suma, em especial nos seguros de risco de massas, importa alterar o paradigma liberal da legislação oitocentista, passando a reconhecer explicitamente a necessidade de proteção da parte contratual mais débil. Não obstante se assentar na tutela da parte contratual mais débil, como resulta do que se indicou, cabe atender ao papel da indústria de seguros em Portugal. Pretende-se, por isso, evitar ónus desproporcionados e não competitivos para os seguradores, ponderando as soluções à luz do direito comparado próximo, mormente de países comunitários” [3];


-“Superando o regime do Código Comercial, mas sem por em causa o princípio da liberdade contratual e o caráter supletivo das regras do regime jurídico do contrato de seguro, prescreve-se a designada imperatividade mínima com o sentido de que a solução legal só pode ser alterada em sentido mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário. Regula-se, assim, numa secção autónoma, a imperatividade das várias disposições que compõem o novo regime. Merece destaque a reafirmação da autonomia privada como princípio diretor do contrato, mas articulado com limites de ordem pública e de normas de aplicação imediata (…)”[4];


-“ Quanto ao ónus de participação do sinistro, comparativamente com o disposto no artigo 440º. do Código Comercial, há uma maior concretização, seja da previsão do dever, seja da sanção pelo seu incumprimento, que pode ser a perda da garantia em caso de incumprimento doloso acompanhada de prejuízo significativo do segurador” [5];


- A perda da cobertura do seguro, devido à falta de participação do sinistro ou ao seu incumprimento incorreto, por parte, nomeadamente, do tomador do seguro ou do beneficiário, está condicionada à violação dolosa do referido dever de participação e, também, à circunstância de o dito incumprimento ou o seu cumprimento defeituoso ter causado dano significativo à seguradora; por outro lado, a redução da prestação da seguradora ou a perda da cobertura não se aplica aos casos em que o obrigado à participação do sinistro prove “que não poderia razoavelmente ter procedido à comunicação devida em momento anterior àquele em que o fez” [6];


- As regras referentes ao dever de participação do sinistro gozam de imperatividade relativa, só podendo ser estabelecido, por convenção, um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro[7];


- Em princípio, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carater imperativo são nulos[8];


- Esta disposição “não significa que que o contrato não se mantenha, se não se fizer a prova de que ele não seria celebrado sem a referida cláusula” [9];


- A cessação do contrato de seguro não prejudica a obrigação da seguradora efetuar a prestação decorrente da cobertura do risco, desde que o sinistro seja anterior seja anterior à cessação[10];


-“Decorre do disposto no art. 106º., nº 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL. nº. 72/2008, de 16-04 (aplicável ao caso por força do art. 2º., nº 1, do mesmo diploma), que o que releva para que a seguradora fique obrigada a efetuar a prestação decorrente da cobertura do risco, caso o contrato de seguro tenha cessado, é que o contrato estivesse em vigor na data da ocorrência do sinistro, e não que o esteja no momento em que o seguro é acionado e/ou em que se certifica a verificação daquele (como sucede com a situação de incapacidade permanente atestada em momento posterior mas reportada a momento anterior)” [11];


- “Uma coisa é a verificação do sinistro cujo risco está coberto pelo seguro, cuja determinação no tempo é certa, e outra o processo de verificação dessa ocorrência e das suas consequências, cuja duração no tempo será maior ou menor e dependerá de múltiplas variáveis, em boa parte alheias à pessoa segurada e que poderão prolongar-se até data posterior à cessação do contrato de seguro” [12];


- “3. Verificado o sinistro no período de vigência do contrato, os deveres contratuais mantêm-se mesmo depois da cessação do contrato. 4. A postergação no tempo da verificação e reconhecimento do direito às garantias decorrentes do seguro e que se pode prolongar até data posterior à da cessação do seguro não exclui essa garantia. 5. O incumprimento do prazo de participação do sinistro não confere à segurador o direito de se eximir a cobrir o risco cuja materialização constitui o sinistro verificado na vigência do contrato” [13].


C - Aplicação do direito aos factos

O contrato de seguro a que aludem os autos - celebrado entre as Rés CC, S.A. e DD, S.A. - vigorou entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2016.


Como tal, ficou sujeito ao novo regime de contrato de seguro, introduzido pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril, diploma que alterou “o paradigma liberal da legislação oitocentista, passando a reconhecer explicitamente a necessidade de proteção da parte contratual mais débil”- o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário.


De salientar, também, neste diploma, a consagração da “ imperatividade das várias disposições que compõem o novo regime”, nomeadamente, as referentes à “falta de participação do sinistro”.


A Ré CC, S.A. não deu “seguimento ao pedido de invalidez ao abrigo da apólice de seguro vida porquanto a mesma só vigorou até 30.04.2016 e o sinistro foi participado em 19.05.2016”. Nada mais.


Não parece a esta Relação que o antes referido “não seguimento” seja de acolher. Na verdade, a circunstância da “invalidez” do Autor BB ter sido participada à dita Ré/seguradora, 19 dias após a cessão do contrato, não conduz, de acordo com o regime jurídico da participação do sinistro - de natureza imperativa -, à perda da cobertura do mencionado risco, efeito reservado, quando muito, ao incumprimento doloso do dever de participação, ”acompanhado de prejuízo significativo do segurador”, o que, manifestamente, não é caso dos autos.


Acresce, também, que a Ré DD, S.A. “não poderia razoavelmente ter procedido à comunicação devida em momento anterior àquele em que o fez”, uma vez que, somente, em 6 de maio de 2016, a Segurança Social a informou que “ao trabalhador acima indicado, foi deferida a pensão de invalidez com data de início em 2015-10-12”.


Equivale isto dizer que, no critério desta Relação, não ocorreu qualquer irregularidade na participação do sinistro, sendo de desconsiderar as cláusulas de sentido contrário - como os pontos 2.7 da cláusula 11ª e 1,3.4 (parte final), da cláusula 13ª, das condições gerais -, porque nulas, na medida em que violam preceitos imperativos, introduzidos pelo citado diploma de 2008.


Não é, pois, de subscrever a pretensão da recorrente CC, S.A..


Em síntese[14]: O regime jurídico do contrato de seguro (Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril), que consagrou um regime imperativo, nomeadamente, no domínio da “falta de participação do sinistro”, não permite a perda da cobertura do risco, pelo facto, apenas, de o sinistro ter sido participado, após a cessação do contrato; as cláusulas constantes das condições gerais, que consagram tal perda, são nulas, por violarem preceitos imperativos.


Decisão:


Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando a apelação improcedente, manter a sentença impugnada.


Custas pela recorrente.


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Évora, 11 de julho de 2019
Sílvio José Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo
Manuel António do Carmo Bargado
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[1] Conclusões elaboradas por este Relação, a partir das prolixas “conclusões”, da recorrente.
[2] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 356, e artigo 405º.,nº 1 do mesmo diploma.
[3] Preâmbulo do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril.
[4] Preâmbulo do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril.
[5] Preâmbulo do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril.
[6] Artigos 100º., nº 1 e 101º., nºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril.
[7] Artigo 13º., nº 1 do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril.
[8] Artigo 294º. do Código Civil.
[9] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 268, e artigo 292º. do mesmo diploma.
[10] Artigos 106º., nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril.
[11] Acórdão do STJ de 12 de outubro de 2017 (processo nº 19505/15.2 T8LSB.L1.S1/2ª secção), in www.dgsi.pt..
[12] Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de janeiro de 2017 (processo nº 19505/15.2 T8SLB.L1.2), in www.dgsi.pt..
[13] Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de março de 2017 (processo nº 2121/12.8 TVLSBB.L1.2), in www.dgsi.pt..
[14] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil.