Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
576/14.5GEALR.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: TRÁFICO DE PESSOAS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 02/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário:
I - Os crimes de tráfico de pessoas são crimes consubstanciados numa prática reiterada de atos, que, por isso, se consumam com a prática do último ato de execução.

II – Tendo o último ato de execução dos crimes ocorrido em Portugal, os tribunais portugueses são competentes para o conhecimento dos mesmos, incluindo os atos praticados no estrangeiro.

III – Tem de ser qualificada como “substancial” a alteração fáctica operada no decurso da audiência de discussão e julgamento, pois com o acervo factíco constante da acusação/pronúncia não era possível proceder à qualificação jurídica, de consequências mais gravosas para os arguidos, feita no acórdão recorrido.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 576/14.5GEALR, da Comarca de Santarém (Juízo Central Criminal de Santarém), e mediante pertinente acórdão, o tribunal decidiu (na parte aqui relevante):

“a) Absolver LM pela prática, em coautoria e concurso real, do crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d), do Código Penal, e do crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, nº 1, alínea d) do Código Penal;

b) Absolver FAO pela prática, em coautoria, do crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d), do Código Penal;

c) Absolver R. SINGH pela prática, em coautoria, do crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d), do Código Penal;

d) Absolver N. SUBEDI pela prática, em coautoria, do crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 160.º, nº 1, alíneas b) e d), do Código Penal e 151º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;

e) Absolver “S, M & G – Produtos Agrícolas, Lda.”, pela prática do crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, n.º 2, alínea a), e 160.º, nº 1, alíneas b) e d), do Código Penal;

f) Absolver “FM, Lda., pela prática do crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, n.º 2, alínea a), e 160.º, nº 1, alíneas b) e d), do Código Penal;

g) Condenar A. BARGIG pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de S. Rimal), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de H. Chetri), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de B. Shrestha), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de A.Bahadur), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de D.Pandey), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de D. Adhikari), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de K. Magar), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de T. Ale), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de J. Rana), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de H.Tamang), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal e pelo artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (perpetrado na pessoa de S. Tamang), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos de prisão e na pena de expulsão pelo período de 8 (oito) anos;

h) Condenar FB pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Rimal), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B. Shrestha), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A. Bahadur), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Pandey), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D.Adhikari), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K. Magar), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T. Ale), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Rana), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Tamang), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, e de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão;

i) Condenar JB pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Rimal), na pena de 5 (cinco) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B. Shrestha), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A. Bahadur), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D.Pandey), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Adhikari), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K.Magar), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T. Ale), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Rana), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H.Tamang), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Tamang), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos de prisão;

j) Condenar AB pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Rimal), na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B.Shrestha), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A.Bahadur), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D.Pandey), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Adhikari), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K.Magar), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T. Ale), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Rana), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Tamang), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão;

k) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a AB pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social;

l) Condenar VS pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Rimal), na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B.Shrestha), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A.Bahadur), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Pandey), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Adhikari), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K. Magar), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T. Ale), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Rana), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Tamang), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão;

m) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a VS pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social;

n) Condenar JJ pela prática, em coautoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão;

o) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a JJ pelo período de 16 (dezasseis) meses, sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social;

p) Condenar S. GURUNG pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Rimal), na pena de 5 (cinco) anos de prisão; e de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena de expulsão pelo período de 5 (cinco) anos;

q) Condenar MM pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Peralta), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

r) Condenar “A. – Serviços Agrícolas, Lda.”, pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Rimal); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B. Shrestha); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A.Bahadur); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Pandey); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Adhikari); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K. Magar); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de Th. Ale); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Rana); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Tamang); na pena de dissolução, em conformidade com o disposto nos artigos 90.º-J e 90.º-M do Código Penal;

s) Condenar “AA – Serviços Agrícolas, Unipessoal, Lda.”, pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Rimal); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B. Shrestha); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A. Bahadur); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D.Pandey); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Adhikari); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K.Magar); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T. Ale); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J.Rana); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Tamang); na pena de dissolução, em conformidade com o disposto nos artigos 90.º-J e 90.º-M do Código Penal;

t) Condenar “M., Unipessoal, Lda.”, pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S. Rimal); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B. Shrestha); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A.Bahadur); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Pandey); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D.Adhikari); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K.Magar); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T.Ale); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J.Rana); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Tamang); na pena de dissolução, em conformidade com o disposto nos artigos 90.º-J e 90.º-M do Código Penal;

u) Condenar “G…, Lda.”, pela prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, n.º 2, alínea a).º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Rimal); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Chetri); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de B.Shrestha); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de A.Bahadur); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Pandey); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de D. Adhikari); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de K.Magar); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de T.Ale); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Rana); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de H. Tamang); de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 11.º, nº 2, alínea a), e160.º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de S.Tamang); na pena de dissolução, em conformidade com o disposto nos artigos 90.º-J e 90.º-M do Código Penal;

v) Condenar “J. – Trabalho Temporário, Lda.”, pela prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelos art.ºs 11.º, nº 2, alínea a) e 160, nº 1, alíneas b) e d) do Código Penal (perpetrado na pessoa de J. Peralta), na pena de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, a taxa diária de €100,00 (cem euros), o que perfaz o valor global de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros);

w) Julgar procedente, por provado, o pedido civil deduzido nestes autos por S.Rimal e, em consequência, condenar A.BARGIG, FB, AB E JB a pagarem ao mesmo, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, contados desde a presente data e até integral pagamento;

x) Julgar improcedente, por não provado, o pedido civil deduzido nestes autos por W. Malik e, em consequência, absolver A.BARGIG, FB, JB, AB, VS e A… – Serviços Agrícolas, Ld.ª, do pedido;

y) Julgar o incidente de declaração de perda ampliada deduzido procedente, porque provado, e, em consequência, declarar perdida a favor do Estado a quantia de €1.243.521,71 (um milhão, duzentos e quarenta e três mil, quinhentos e vinte e um euros e setenta e um cêntimos), condenando A.BARGIG, JB, “M., Unipessoal, Lda”, “AA – Serviços Agrícolas, Unipessoal, Lda”, “G…, Lda”, “J… – Trabalho Temporário, Lda”, e MA, a pagar esta quantia monetária ao Estado.

z) Condenar A. BARGIG, FB, JB, AB, VS, JA, MA, S. GURUNG, “A… – Serviços Agrícolas, Ld.ª”, “M…, Unipessoal, Lda”, “AA – Serviços Agrícolas, Unipessoal, Lda”, “G…, Lda”, e “J… – Trabalho Temporário, Lda”, a pagarem as custas criminais, fixando em 5UC a taxa de justiça a cargo de cada um dos arguidos;

aa) Condenar o demandante W. Malik e os demandados A. BARGIG, FB, JB, AB a pagarem as custas civis na proporção do seu decaimento;

bb) Determinar que A.BARGIG e MA se mantenham a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância eletrónica, em que se encontram;

cc) Determinar que S.GURUNG se mantenha a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, em que se encontra, mantendo-se vigentes os mandados de detenção de âmbito internacional emitidos;

dd) Designar o dia 21 de Março de 2018, pelas 14h30m, para o interrogatório dos arguidos FB e JB com vista a aplicação de medida de coação diversa do termo de identidade e residência;

ee) Determinar a extinção da medida de coação de prisão preventiva aplicada a R. SINGH;

ff) Ordenar a restituição a FAO, R.SINGH, N. SUBEDI, “S., M. & G. - Produtos Agrícolas, Ld.ª” e “F., Lda” dos objetos que foram apreendidos aos mesmos, procedendo-se à correspondente notificação em conformidade com o disposto no artigo 186.º do Código de Processo Penal;

gg) Declarar perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, os demais objetos ainda apreendidos e descritos nos autos;

hh) Determinar a publicitação da presente decisão de dissolução das sociedades “A. – Serviços Agrícolas, Ld.ª”, “M…, Unipessoal, Lda”, “AA – Serviços Agrícolas, Unipessoal, Lda”, “G…, Lda”, num jornal de tiragem local, nesta cidade de Santarém, e ainda num jornal de tiragem nacional, em obediência às formalidades previstas no artigo 90.º-M, n.ºs 2 e 3, do Código Penal;

ii) Determinar, após trânsito, a recolha a A. BARGIG, FB, JB, AB, VS, e MA do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) para fins de investigação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, 8.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro);

jj) Ordenar a comunicação da presente decisão, após trânsito, ao Instituto de Reinserção Social, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal;

kk) Ordenar a comunicação da decisão de dissolução das sociedades “A… – Serviços Agrícolas, Ld.ª”, “M…, Unipessoal, Lda”, “AA – Serviços Agrícolas, Unipessoal, Lda”, “G…, Lda”, após trânsito, à Conservatória do Registo Comercial”.
*

I - Inconformados com o acórdão condenatório, interpuseram recurso os arguidos FB, JB, AB e VS, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)
II - Inconformados com o acórdão condenatório, interpuseram recurso os arguidos A., Serviços Agrícolas, Lda., AA, Serviços Agrícolas Unipessoal, Lda. e JB, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)

III - Inconformada com o acórdão condenatório, interpôs recurso a arguida G… Ldª, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)
IV - Inconformada com o acórdão condenatório, interpôs recurso a arguida J… - TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)

V - Inconformado com o acórdão condenatório, interpôs recurso o arguido MA, apresentando as seguintes conclusões:
(…)
VI - Inconformado com o acórdão condenatório, interpôs recurso o arguido A. BARGIG, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)
VII - Inconformado com o acórdão condenatório, interpôs recurso o arguido SHARAD GURUNG, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)
O arguido JB interpôs recurso de um despacho, datado de 24 de janeiro de 2018, que indeferiu diligências de prova.
(…)
FB interpôs recurso do despacho, datado de 20 de fevereiro de 2018, que indeferiu diligências de prova, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)
O arguido FB interpôs recurso do despacho, datado de 06 de março de 2018, que indeferiu diligências de prova, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:
(…)
O assistente S. Rimal apresentou resposta aos recursos dos arguidos FB, JB, AB e A. Bargig, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
(…)
A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou respostas aos recursos interlocutórios, concluindo pela improcedência dos mesmos.

A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu aos recursos interpostos do acórdão condenatório, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):

I - Resposta do Ministério Público à motivação de recurso dos arguidos FB, JB, AB e VS:
(…)
“1ª - A condenação dos recorrentes pela prática de onze crimes de tráfico de pessoas, em vez de um crime, conforme resultou da pronúncia, constitui uma verdadeira alteração substancial, para efeitos do disposto no artº 1º, al. f), do CPP, pois comporta agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, alteração essa que não podia ter sido tomada em conta na condenação, pois não foi observada a disciplina do art. 359º.

2ª - Tendo sido violados os arts. 358º e 359º, ambos do CPP, por referência ao art. 1º, al. f), do mesmo diploma legal, tal acarreta a nulidade da sentença, conforme decorre do estabelecido no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual deve ser reconhecida e declarada, com as necessárias consequências legais”.

II - Resposta do Ministério Público à motivação de recurso das arguidas A…, Serviços Agrícolas, Lda, AA, Serviços Agrícolas Unipessoal, Lda, e do arguido JB:

“1ª - A condenação dos recorrentes pela prática de onze crimes de tráfico de pessoas, em vez de um crime, conforme resultou da pronúncia, constitui uma verdadeira alteração substancial, para efeitos do disposto no artº 1º, al. f), do CPP, pois comporta agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, alteração essa que não podia ter sido tomada em conta na condenação, pois não foi observada a disciplina do art. 359º do CPP.

2ª - Tendo sido violados os arts. 358º e 359º, ambos do CPP, por referência ao art. 1º, al. f), do mesmo diploma legal, tal acarreta a nulidade da sentença, conforme decorre do estabelecido no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual deve ser reconhecida e declarada, com as necessárias consequências legais.

3ª - Das onze vítimas/trabalhadores apenas quatro vieram a assinar contratos de trabalho com as sociedades recorrentes, mas o acórdão recorrido não concretizou se alguns dos comportamentos descritos pelas referidas onze vítimas ocorreram no momento em que as recorrentes eram a sua entidade patronal.

4ª - Por outro lado, o acórdão recorrido não concretizou os factos no tempo, não especificou a atividade e funções dos arguidos nas diversas sociedades, em particular nas sociedades recorrentes, e interações entre as mesmas.

5ª - Porém, o apuramento destes factos mostra-se relevante e imprescindível para o preenchimento dos elementos típicos do crime de tráfico de pessoas p. e p. pelo art. 160º do CP, afigurando-se que carecem de melhor e mais completo apuramento, sendo nestes aspetos a matéria apurada insuficiente, verificando-se o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP, o qual deve ser declarado com as respetivas consequências legais.

6ª - A apreciação desta matéria referente à perda ampliada de bens ficará sempre condicionada com os elementos previamente apurados e estabilizados em sede de responsabilidade jurídico-penal, pelo que a sua cabal análise e valoração deve ser relegada para momento posterior àquele cabal apuramento e estabilização.

7ª - Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, e determinado o suprimento do vício da referida insuficiência da matéria provada para a decisão, com as consequências legais.

III - Resposta do Ministério Público à motivação de recurso da arguida G…, Lda:

“1ª - A recorrente foi condenada pela prática de 11 crimes de tráfico de pessoas, em vez de 1 crime, tal como constava pronunciada, situação que constitui uma verdadeira alteração substancial, que não podia ser levada em conta na condenação por não ter sido observada a disciplina do art. 359º do CPP, sendo que os factos comunicados, nos termos do disposto no art. 358º do CPP, tiveram como consequência uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, pelo que essa qualificação é ineficaz.

2ª - A condenação da recorrente, tendo por base uma alteração substancial de factos, em violação do disposto nos arts. 358º e 359º do CPP, com referência ao art. 1º, al. f), do mesmo diploma legal, acarreta a nulidade do acórdão conforme disposto no art. 379º, nº 1, al. b), a qual deve ser reconhecida e declarada, com as inerentes consequências legais.

3ª - Os 11 trabalhadores identificados como vítimas dos 11 crimes de tráfico de pessoas p. e p. pelo ar. 160º, nº 1, als. b) e d), do CP, pelos quais a recorrente foi condenada, chegaram a Portugal anteriormente à sua constituição como sociedade, não trabalharam e nem tiveram qualquer vínculo com a recorrente.

4ª - Concorda-se que, nesse contexto, os factos provados são insuficientes para a responsabilização jurídico-penal da recorrente pela prática de 11 crimes de tráfico de pessoas, por referência aos 11 trabalhadores em apreço, o que constitui o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP.

5ª - Por outro lado, constando da fundamentação que a recorrente apenas foi constituída em 04.09.14 e em face da matéria assente quanto à contratação de todos os trabalhadores-vítimas pelas sociedades arguidas M, A, J e AA, e que no que respeita ao modo como foi executada a relação laboral, como os trabalhadores viveram na exploração e quanto às condições em que foram forçados a viver, enquanto se mantiveram ao serviço, não se fez nenhuma referência à recorrente, designadamente quanto à existência de alguma relação (recrutamento, transporte ou trabalho) entre as vítimas e a recorrente, pelo que tal constitui uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de se condenar a recorrente.

6ª - Tal acarreta o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão condenatória previsto no art. 410º, nº 2, al. b), do CPP.

7ª - Só após a clarificação da responsabilidade jurídico-penal da recorrente se poderá avaliar do verdadeiro impacto no incidente de declaração de perda ampliada quanto à recorrente.

8ª - Deve pois ser declarada a nulidade da sentença proferida nos autos e sanados os vícios de que a mesma enferma”.

IV - Resposta do Ministério Público à motivação do recurso da arguida J. - Trabalho Temporário, Lda:

“1ª - Dos elementos probatórios apurados resulta que Jenalyn Peralta nunca trabalhou para a recorrente J. - Trabalho Temporário, Lda, e esta não participou no processo de recrutamento daquela, processo esse que se iniciou em Agosto/Setembro de 2014 ainda a recorrente não tinha sido constituída.

2ª - Com efeito, a recorrente foi constituída em 30.12.14 e só iniciou a respetiva atividade após obtenção do alvará que licencia a mesma, alvará esse emitido pelo IEFP, em Março de 2015.

3ª - Deveria, pois, o Tribunal ter ponderado, desde logo, o depoimento de J. Peralta, prestado na audiência de julgamento de 06.06.17, tendo a testemunha declarado que ouviu falar na J., mas nunca teve qualquer contacto, não conhecendo os parceiros nem ninguém envolvido.

4ª - Como deveria ter conjugado esse depoimento com os demais elementos probatórios, anteriormente referidos e que aqui se dão por reproduzidos, e extraído deles conclusão diversa quanto ao envolvimento da recorrente na contratação de J. Peralta, concluindo em sentido negativo.

5ª - Deveria o Tribunal ter levado em conta que o processo de mediação para efeitos de recrutamento e de contratação foi assegurado por MA através da sociedade Amberbay, Lda, constituída em Setembro de 2014, que depois passou a denominar-se G, Lda.

6ª - O acórdão recorrido apresenta, por conseguinte, contradição ao nível da respetiva fundamentação quanto aos pontos 324, 325 e 327.

7ª - O acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável, relevante para efeitos do disposto no art. 410º, nº 2, al. b), do CPP.

8ª - Acresce que, dos elementos probatórios não se extraiu uma situação de verdadeira vulnerabilidade de J. Peralta, que seria decisiva para o preenchimento dos elementos objetivos do crime de tráfico de pessoas p. e p. pelo art. 160º do CP em relação à mencionada cidadã estrangeira, pelo que também por esta razão deveria a recorrente ter sido absolvida.

9ª - Deve, pois, sanar-se o vício detetado e absolver-se a recorrente da prática do crime em apreço”.

V - Resposta do Ministério Público à motivação do recurso do arguido MA:

“1ª - Ocorrendo alteração substancial em relação aos factos imputados ao recorrente, não tramitada nos termos do disposto no art. 359º do CPP, tal acarreta a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual deve ser declarada com as inerentes consequências legais.

2ª - Existindo contradição na fundamentação no que respeita à dimensão da conduta do arguido e face ao apuramento de um único caso concreto em que teve mediação, o da trabalhadora filipina J. Peralta, a qual não relata qualquer anomalia na sua relação laboral, verifica-se padecer o acórdão recorrido do vício a que alude o art. 410º, nº 2, al. b), do CPP, o qual deve ser declarado com as consequências legais.

3ª - Não se verificando os elementos objetivos do crime de tráfico de pessoas p. e p. pelo art. 160º, nº 1, als. b) e d), do CP, quanto à concreta situação de Jenalym Delfim Peralta, não deveria o arguido ter sido condenado por reporte à mesma.

4ª - Deve, pois, ser declarada a nulidade do acórdão recorrido e suprida a contradição insanável, com as consequências legais”.

VI - Resposta do Ministério Público à motivação do recurso do arguido A. Bargig:

1ª - A condenação do recorrente pela prática de onze crimes de tráfico de pessoas, em vez de um crime, conforme resultou da pronúncia, constitui uma verdadeira alteração substancial, para efeitos do disposto no artº 1º, al. f), do CPP, pois comporta agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, alteração essa que não podia ter sido tomada em conta na condenação, pois não foi observada a disciplina do art. 359º.

2ª - Tendo sido violados os arts. 358º e 359º, ambos do CPP, por referência ao art. 1º, al. f), do mesmo diploma legal, tal acarreta a nulidade da sentença, conforme decorre do estabelecido no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual deve ser reconhecida e declarada, com as necessárias consequências legais”.

VII - Resposta do Ministério Público à motivação do recurso do arguido S. Gurung:

1ª - Na perspetiva do Ministério Público, em face dos elementos conhecidos, os Tribunais Portugueses são, nos termos do disposto no art. 5º, nº 1, al. c), do CP, competentes para o julgamento do recorrente no âmbito dos presentes autos.

2ª - A condenação do recorrente pela prática de dois crimes de tráfico de pessoas, em vez de um crime, conforme resultou da pronúncia, constitui uma verdadeira alteração substancial, para efeitos do disposto no artº 1º, al. f), do CPP, pois comporta a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, alteração essa que não podia ter sido tomada em conta na condenação, pois não foi observada a disciplina do art. 359º.

3ª - Tendo sido violados os arts. 358º e 359º, ambos do CPP, por referência ao art. 1º, al. f), do mesmo diploma legal, tal acarreta a nulidade da sentença, conforme decorre do estabelecido no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, a qual deve ser reconhecida e declarada, com as necessárias consequências legais.

4ª - Sob pena de violação do disposto no art. 160º, nº 1, als. b) e d), do CP, e do art. 71º do mesmo diploma legal, os factos assentes sob os nºs 21, 25, 100, 103 a 105, 108, 199 a 202, 215, 401 a 409 e 411 devem ser compaginados com o teor dos factos assentes nºs 2 e 214 e, todos, com o processo individual de S. Rimal, a fls. 18691 e segs., com o processo individual de H. Chettri, a fls. 19119 e segs, com os docs. juntos pelo recorrente em 22.01.18, com o depoimento da testemunha HS, registado no sistema de gravação digital, com início pelas 15:09:27 e termo pelas 15:43:16, conforme ata de 20.02.18, a fim de se estabelecer em que termos o recorrente representava e exercia papel preponderante na atividade da empresa A. RESOURCES, a qual era representada por S. Shresthra, para a prestação de serviço de recrutamento e obtenção de visto de trabalho, com consequências em termos do cabal enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente, incluindo quanto às penas parcelares e à pena única que foi aplicada ao recorrente, bem como, quanto à justificação ou não da suspensão de execução da respetiva pena.

5ª - Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença proferida nos autos”.
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual subscreve, na íntegra, as respostas aos recursos interpostos do acórdão condenatório que foram apresentadas pela Exmª Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância (e que acima ficaram transcritas, nas respetivas “conclusões”).

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a audiência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto dos recursos.
Em muito breve síntese, são as seguintes as questões suscitadas nos recursos interpostos pelos arguidos, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto dos recursos e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

I - Recursos (interlocutórios) dos arguidos JB e FB (três recursos, ao todo):

- Saber se o tribunal recorrido indeferiu indevidamente, ou não, determinadas diligência probatórias.

II - Recurso (do acórdão condenatório) dos arguidos FB, JB, AB e VS:

1ª - Impugnação alargada da matéria de facto.
2ª - Violação do princípio da livre apreciação da prova.
3ª - Violação do princípio in dubio pro reo.
4ª - Qualificação jurídica dos factos.
5ª - Medida concreta da pena (única) aplicada.
6ª - Suspensão da execução da pena de prisão a aplicar.

III - Recurso (do acórdão condenatório) dos arguidos AA, Serviços Agrícolas, Lda., A., Serviços Agrícolas, Lda. e JB, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):

1ª - Impugnação alargada da matéria de facto.
2ª - Violação do princípio da livre apreciação da prova.
3ª - Qualificação jurídica dos factos.

IV - Recurso (do acórdão condenatório) da arguida G…, LDª:

1ª - Condenação por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º do C. P. Penal, o que configura nulidade do acórdão (artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal).

2ª - Ocorrência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão condenatória (artigo 410º, nº 2, als. a) e b), do C. P. Penal).

3ª - Impugnação alargada da matéria de facto.

V - Recurso (do acórdão condenatório) da arguida J. - TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª:

1ª - Existência dos vícios da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, als. b) e c), do C. P. Penal).

2ª - Impugnação alargada da matéria de facto.

3ª - Qualificação jurídica dos factos (artigos 160º, nº 1, als. b) e d), e 11º, nº 2, al. a), do Código Penal).

4ª - Determinação da medida da pena.

VI - Recurso (do acórdão condenatório) do arguido MA:

1ª - Condenação por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º do C. P. Penal, o que configura nulidade do acórdão (artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal).

2ª - Vício da contradição insanável da fundamentação (artigo 410º, nº 2, al. b), do C. P. Penal).

3ª - Impugnação alargada da matéria de facto.

4ª - Qualificação jurídica dos factos.

5ª - Medida concreta da pena.

6ª - Suspensão da execução da pena.

VII - Recurso (do acórdão condenatório) do arguido A. BARGIG:

1ª - Condenação por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º do C. P. Penal, o que configura nulidade do acórdão (artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal).

2ª - Não admissão da inquirição, em audiência de julgamento, de seis testemunhas ouvidas para memória futura, ao abrigo do disposto no nº 8 do artigo 271º do C. P. Penal.

3ª - Impugnação alargada da matéria de facto.

4ª - Qualificação jurídica dos factos.

VIII - Recurso (do acórdão condenatório) do arguido S. GURUNG:

1ª - Incompetência dos tribunais portugueses para, in casu, julgar os factos ocorridos fora do território português (artigos 4º e 5º do Código Penal).

2ª - Condenação por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º do C. P. Penal, o que configura nulidade do acórdão (artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal).

3ª - Impugnação alargada da matéria de facto.

4ª - Violação do princípio in dubio pro reo.

5ª - Qualificação jurídica dos factos.

6ª - Medida concreta das penas (penas parcelares e pena única).

7ª - Suspensão da execução da pena.

2 - O acórdão recorrido.
O acórdão revidendo é do seguinte teor (quanto aos factos provados):

“Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:
(…)

3 - Apreciação do mérito dos recursos.
Por razões de precedência lógica e preclusiva, trataremos as questões submetidas à nossa apreciação pela seguinte ordem:

a) Incompetência dos tribunais portugueses para, in casu, julgar os factos ocorridos fora do território português (artigos 4º e 5º do Código Penal) - recurso do arguido S. GURUNG.

b) Nulidade do acórdão, uma vez que houve condenação por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia (artigos 358º, 359º e 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal) - recursos dos arguidos G, LDª, MA, A. BARGIG e S. GURUNG.

c) Indeferimento, indevido, de diligências probatórias (na sequência da comunicação feita nos termos do artigo 358º do C. P. Penal) - recursos (interlocutórios) dos arguidos JB e FB (ao todo, três recursos interlocutórios).

d) Ocorrência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e, por último, do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C. P. Penal) - recursos das arguidas G., LDª, J… - TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª e do arguido MA.

e) Nulidade por não admissão da inquirição, em audiência de julgamento, de seis testemunhas ouvidas para memória futura, ao abrigo do disposto no nº 8 do artigo 271º do C. P. Penal - recurso do arguido A. BARGIG.

f) Impugnação alargada da matéria de facto - recursos de todos os arguidos.

g) Violação do princípio da livre apreciação da prova - recursos dos arguidos FB, JB, AB, VS, AA, A…, Serviços Agrícolas, Ldª e MA.

h) Violação do princípio in dubio pro reo - recurso dos arguidos FB, JB, AB, VS e S. GURUNG.

i) Qualificação jurídica dos factos - recursos de todos os arguidos.

j) Determinação da medida concreta das penas - recursos de todos os arguidos.

l) Suspensão da execução da pena de prisão a aplicar - recursos dos arguidos FB, JB, AB, VS, S. GURUNG e MA.

a) Da competência dos tribunais portugueses.
Alega o arguido S. GURUNG que os tribunais portugueses são incompetentes para julgar os factos ocorridos fora do território português (artigos 4º e 5º do Código Penal).

Cumpre decidir.

Estabelece o artigo 19º, nº 1, do C. P. Penal, que “é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação”.

Por sua vez, dispõe o nº 3 do mesmo artigo: “para conhecer de crime que se consuma por atos sucessivos ou reiterados, ou por um só ato suscetível de se prolongar no tempo, é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último ato ou tiver cessado a consumação”.

Por último, preceitua ainda o artigo 22º, nº 2, do C. P. Penal: “se o crime for cometido em parte no estrangeiro, é competente para dele conhecer o tribunal da área nacional onde tiver sido praticado o último ato relevante (…)”.

Revertendo ao caso em apreço, facilmente se verifica que os factos delitivos ocorridos no estrangeiro (no Nepal, por exemplo) não são autonomizáveis, integrando-se, isso sim, numa conduta global, composta por diversos atos sucessivos, praticados pelo arguido S. GURUNG, que culminou com atos perpetrados em território português.

É que, e ao contrário do que parece entender o recorrente S. GURUNG, os crimes de tráfico de pessoas, pelos quais tal recorrente vem condenado em primeira instância, são crimes consubstanciados numa prática reiterada de atos, crimes que, por isso, se consumam com a prática do último ato de execução.

O mesmo é dizer que os factos ocorridos em países estrangeiros integram a prática dos mesmos crimes de tráfico de pessoas, crimes que se consumaram em território português.

Assim, o local onde os factos foram cometidos (onde terminou a execução dos mesmos) foi o território português, sendo aqui aplicável o disposto no artigo 7º do Código Penal (preceito que nos diz que o local da prática de um facto é aquele onde o agente atuou ou aquele em que o resultado típico foi produzido).

Ora, se os crimes de tráfico de pessoas em discussão nos presentes autos acabaram a respetiva execução em Portugal, é evidente que os tribunais portugueses são competentes para conhecer dos mesmos, porquanto tais tribunais são competentes para apreciar e decidir sobre crimes que forem praticados em território nacional.

Por isso, o tribunal a quo é competente para julgar todos os factos, mesmo aqueles que foram perpetrados pelo arguido S. GURUNG no estrangeiro (ao contrário do que alega esse recorrente, não é aqui aplicável o disposto nos artigos 4º e 5º do Código Penal, porquanto tais dispositivos legais se prendem com a competência internacional dos Tribunais Portugueses em matéria penal, ou seja, e dito de modo simplificado, respeitam a situações nas quais está em causa a defesa dos interesses nacionais e nas quais é ineficaz o princípio da territorialidade para salvaguardar tais interesses).

Em jeito de síntese: o tribunal de primeira instância (bem como este tribunal ad quem) é competente para apreciar a responsabilidade criminal do arguido S. GURUNG pela prática dos crimes de tráfico de pessoas em discussão nos presentes autos, traduzidos em diversos comportamentos singulares e parciais do arguido, muitos deles localizados em países estrangeiros, mas cuja consumação ocorreu em território português (onde foi praticado o último ato de execução).

Face ao predito, e nesta primeira vertente, o recurso do arguido S. GURUNG é totalmente de improceder.

b) Da nulidade do acórdão.
Os arguidos G, LDª, MA, A.BARGIG e S. GURUNG colocam ao conhecimento deste tribunal ad quem a questão de saber se, in casu, ocorreu (ou não) uma alteração substancial dos factos descritos na acusação (e no despacho de pronúncia).

Compulsados os autos, verifica-se que, no decurso da audiência de discussão e julgamento, o tribunal a quo comunicou aos sujeitos processuais aquilo que intitulou de “alteração não substancial dos factos descritos na acusação”, nos seguintes termos:

1. A. BARGIG, cidadão israelita, e MA, cidadão português, decidiram-se a, em datas não concretamente apuradas do período compreendido entre Janeiro de 2013 e Maio de 2016 trazer para Portugal trabalhadores asiáticos, oriundos maioritariamente da Ásia Meridional, de molde a colmatar a elevada procura de mão-de-obra barata que sabiam existir no sector agrícola em Portugal, cientes da falta de informação que os mesmos possuem dos costumes e da legislação europeia.

2. No circunstancialismo mencionado, FB aceitou unir-se a A. BARGIG para dar execução à referida atividade de angariação e colocação de mão-de-obra asiática, incumbindo-o de contactar e gerir os trabalhadores estrangeiros, uma vez em Portugal, e de os colocar a trabalhar nas diversas explorações agrícolas sedeadas em território nacional, necessitadas de mão-de-obra, com as quais a “M.”, representada por o segundo, na qualidade de gerente, havia celebrado contractos de prestação de serviços agrícolas.

3. No mesmo circunstancialismo, FB acabou por recorrer aos serviços da cônjuge AB, do seu irmão JB e da companheira deste VS para o auxiliarem, os quais aceitaram unir-se para dar execução à referida atividade de angariação e colocação de mão-de-obra asiática.

4. Posteriormente, os contactos de A.BARGIG, e MA no Nepal, Bangladesh, Índia ou Tailândia, designadamente, no caso do Nepal, S. GURUNG – atuando igualmente em datas não concretamente apuradas do mesmo período temporal -, orientavam os trabalhadores candidatos para se dirigirem àqueles serviços consulares, para serem entrevistados.

5. Na procura de residências para albergar os trabalhadores o critério de A. BARGIG, FB, JB, AB, VS e MA era o do menor custo, pelo que os trabalhadores eram, em geral, alojados em edifícios com espaço suficiente para menos de metade da efetiva lotação.

6. LM era um operacional no terreno, limitando-se a cumprir ordens de FB e JB e atuava habitualmente na zona de Almeirim, transportando os trabalhadores e fiscalizando o trabalho dos mesmos.

7. Os trabalhadores agrícolas, embora vivessem em condições de alojamento degradantes, sem acesso a condições de higiene básicas, se sentissem explorados e fossem tratados com rudeza e, muitas vezes, violência, não abandonavam o trabalho porque se encontravam com os salários sempre em atraso, receando não os receber, e porque não possuíam a sua permanência em território nacional regularizada, estando convencidos de que teriam de manter aquela relação laboral por um período mínimo de seis meses de molde a poderem, obter a almejada autorização de residência; em consequência, sujeitavam-se a trabalhar ininterruptamente, por vezes sem folgar, sem que as horas trabalhadas fora do período normal fossem contabilizadas e pagas como horas extraordinárias.

8. A. BARGIG, FB, JB, AB, VS, MA e S, GURUNG agiram com base de falsas promessas e aproveitando da vulnerabilidade a que as pessoas acima identificadas se encontravam em Portugal, sozinhas e sem capacidade de proverem a sua subsistência ou regressarem aos países de origem, sem dominarem a língua portuguesa e dispostas a sujeitarem-se a condições indignas de molde a legalizarem a sua permanência em território nacional”.

No entendimento do tribunal de primeira instância, tal factualidade relaciona-se com a mera concretização pontual do circunstancialismo temporal em que ocorreram os factos, da forma de execução dos mesmos e da intencionalidade subjacente à conduta dos arguidos, e, por isso, configura uma “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação, tendo presente o critério definido pelo legislador nos artigos 358º, nº 1, e 1º, nº 1, al. f), do C. P. Penal.

Os pontos de facto da acusação (e do despacho de pronúncia) a que se reporta a referida “alteração não substancial” (no entendimento do tribunal recorrido, obviamente) são, no essencial, os seguintes:

6. Conhecedor deste movimento migratório e, em particular, da falta de informação que os cidadãos daqueles países possuem dos costumes e leis Europeus, maxime dos portugueses, o arguido A. BARGIG, cidadão israelita, decidiu-se a trazer para Portugal trabalhadores oriundos daquele ponto do globo, de molde a colmatar a elevada procura de mão-de-obra barata que sabia existir no sector agrícola em Portugal. (…)

8. Na verdade, o arguido A. BARGIG possuía diversos conhecimentos em agências asiáticas de recrutamento de trabalhadores para serviços no estrangeiro, designadamente nas sociedades nepalesas “A. RESOURCES” e “VV INTERNATIONAL”, sedeadas em Katmandu, às quais estava ligado o arguido S. GURUNG, cidadão nepalês, e também na sociedade nepalesa “S…– Overseas Services”, articulando-se com estas agências de molde a trazerem trabalhadores para Portugal, que eram aliciados com a promessa de trabalhos bem remunerados, para os padrões de origem desses trabalhadores, cobrando-lhes quantitativos diversos pelos serviços de legalização e transporte para Portugal, que oscilaram entre os € 5.000,00 (cinco mil euros) e os € 10.000,00 (dez mil euros), sendo estes valores ulteriormente repartidos entre aquelas agências nepalesas e o arguido A. BARGIG.

9. Assim, em Novembro de 2012, enquanto ensaiava este modelo de negócio em Portugal e devido ao excedente de trabalho, o arguido A. BARGIG contratou os serviços do arguido FB, que conhecia bem a atividade de prestação de serviços relacionados com a agricultura (por já trabalhar no ramo, através da sociedade do seu irmão, o arguido JB – “AA – Serviços Agrícolas, Unipessoal, Lda”, sedeada …em Almeirim, cujo objeto era, também, a prestação de serviços relacionados com a agricultura), e que aceitou unir-se àquele para dar execução à referida atividade de angariação e colocação de mão-de-obra asiática, incumbindo-o de contactar e gerir os trabalhadores estrangeiros, uma vez em Portugal, e de os colocar a trabalhar nas diversas explorações agrícolas sedeadas em território nacional, necessitadas de mão-de-obra, com as quais a “M”, representada pelo arguido A. BARGIG, na qualidade de gerente, havia celebrado contratos de prestação de serviços agrícolas. (…)

14. Para o auxiliarem, o arguido FB acabou por recorrer aos serviços da sua mulher, a arguida AB, do seu irmão, o arguido JB, e da companheira deste, a arguida VS, que aceitaram unir-se para dar execução à referida atividade de angariação e colocação de mão-de-obra asiática.(…)

26. Posteriormente, os contactos dos arguidos no Nepal, Bangladesh, Índia ou Tailândia, designadamente o arguido S.GURUNG, no caso do Nepal, orientavam os trabalhadores candidatos para se dirigirem àqueles serviços consulares, para serem entrevistados. (…)

56. Na procura de espaços para albergar os trabalhadores o critério era o do menor custo, não obstante cobrarem àqueles uma parcela correspondente à renda pela utilização do alojamento. (…)

71. Como operacionais no terreno, com funções de coadjuvação e substituição, no impedimento dos arguidos FB e JB, havia os funcionários e também arguidos LM, JPS e NT. (…)

116. Os ofendidos, trabalhadores agrícolas, embora vivessem em condições de alojamento degradantes, sem acesso a condições de higiene básicas, se sentissem explorados e fossem tratados com rudeza e, muitas vezes, violência, não abandonavam o trabalho porque se encontravam com os salários sempre em atraso, receando não os receber e não conseguir arranjar outro trabalho num país onde desconheciam a língua, onde não possuíam a sua permanência regularizada e onde não possuíam ligações.

117. Assim, sujeitaram-se a trabalhar ininterruptamente, sem folgar, sem que as horas trabalhadas fora do período normal fossem contabilizadas e pagas como horas extraordinárias. (…)

491. Agiram com base de falsas promessas e aproveitando da vulnerabilidade a que as pessoas acima identificadas se encontravam em Portugal, sozinhas e sem capacidade de proverem a sua subsistência ou regresso aos países de origem e sem dominarem a língua portuguesa”.

Perante a alteração fáctica assim operada pelo tribunal a quo, os arguidos A.Bargig, FB, JB, AB e VS ficaram incursos na prática de 11 crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160, nº 1, als. b) e d), do Código Penal (perpetrados sobre as vítimas S. Rimal, H. Chetri, B. Shestra, A. Bahadur, D. Pandey, D. Adhikari, K. Magar, T. Ale, J. Rana, H. Tamang e S. Tamang), o arguido S. Gurung na prática de dois crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160, nº 1, als. b) e d), do Código Penal (perpetrados sobre as vítimas S. Rimal e H. Chetri), e o arguido MA na prática de um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal, (perpetrado sobre a cidadã J. Peralta).

A questão que se coloca é saber se, perante a referida alteração fáctica, e perante o aumento do número de crimes que a mesma importou para os arguidos, bastava, como fez o tribunal a quo, dar conhecimento aos arguidos, na pessoa dos seus Ilustres defensores, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3, do C. P. Penal, ou se, pelo contrário, e como entende o Ministério Público (quer nas respostas aos recursos, quer no “parecer” emitido nesta instância recursória), os factos comunicados aos diferentes arguidos, nos termos do disposto no artigo 358º do C. P. Penal, tiveram como consequência, manifestamente, a agravação dos limites máximos das penas aplicáveis, pelo que tal comunicação é ineficaz e insuscetível de produzir qualquer efeito.

Como alega o Ministério Público (nas respostas aos recursos), e em breve síntese, muitos dos arguidos foram condenados pela prática de 11 crimes de tráfico de pessoas, em vez de um único crime (como constava do despacho de pronúncia), e isso só pode constituir “alteração substancial”, ao abrigo do preceituado no artigo 1º, al. f), do C. P. Penal, porquanto a operada alteração da decisão fáctica comportou “agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. Entende o Ministério Público, por isso, que a alteração levada a cabo pelo tribunal recorrido não podia ter sido tomada em conta na condenação, uma vez que não foi observado, por tal tribunal, o estabelecido no artigo 359º do C. P. Penal. Em consequência, e como decorre do preceituado no artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal, pede o Ministério Público que seja declarada a nulidade do acórdão revidendo (por desrespeito ao disposto no artigo 359º do mesmo diploma legal).

Colocados assim os termos da questão, cabe-nos apreciá-la e decidi-la.

Sob a epígrafe “definições legais”, estabelece o artigo 1º, al. f), do C. P. Penal, que “alteração substancial dos factos” é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

Ou seja, ocorre “alteração substancial dos factos” sempre que, por via dela (da alteração dos factos), seja imputável ao arguido um crime diverso ou exista um agravamento da moldura penal.

Raciocinando inversamente: se os factos permanecem intocados e apenas o enquadramento jurídico-penal (ainda que mudado para mais grave) diverge, está em causa, tão-só, uma alteração da qualificação jurídica, equiparada pelo legislador à “alteração não substancial dos factos” - conforme disposto no artigo 358º, nº 3, do C. P. Penal -.

Dito de outro modo: a “alteração substancial dos factos” pressupõe, sempre, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso (ou manifestamente diferente - no que se refere aos seus elementos essenciais -), e que, desse modo, determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Mais: ocorre “alteração substancial dos factos” ainda quando se mantenha o mesmo crime, desde que resultem agravados os limites máximos das sanções aplicáveis.

Como bem salienta o Prof. Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Ed. Verbo, 2008, Vol. I, pág. 385), “se da alteração dos factos resultar agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, ainda que não resulte diversidade entre o crime acusado e o apreciado pelo tribunal, a lei considera que o tribunal não pode também considerar os novos factos”.

Ou, por outras palavras, e no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª ed., 2008, pág. 37, nota nº 7 ao artigo 1º), “a agravação das sanções aplicáveis pode ter lugar mesmo que não haja crime diverso, uma vez que os critérios da al. f) do artigo 1º são alternativos. Assim, há alterações substanciais dos factos por agravação das sanções aplicáveis nos seguintes casos: 1. A adição de factos novos à acusação que tenha o efeito de agravar os limites máximos das sanções aplicáveis (…)”.

Do que vem de dizer-se decorre que, caso o tribunal recorrido, atendendo exclusivamente aos factos constantes da acusação e do despacho de pronúncia, houvesse procedido, mediante prévia comunicação, a uma alteração da qualificação jurídica, careceria de fundamento a nulidade do acórdão condenatório agora em apreciação.

Só que, para alterar tal qualificação jurídica, o tribunal de primeira instância, certamente face ao decurso da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, entendeu alterar os factos descritos na acusação e no despacho de pronúncia, por ter dado pela falta de suficientes factos acusados, de modo a possibilitar a imputação aos arguidos dos ilícitos que, na visão do tribunal, agora se lhe deparavam.

Com efeito, no despacho de pronúncia, depois da eliminação, por falta dos respetivos pressupostos, da acusação relativamente ao crime de associação criminosa, a estrutura fática do despacho de acusação manteve-se inalterada, e, com ela, permaneceram remissões e imputações genéricas, as quais, como verificou o tribunal recorrido, não permitiriam conduzir ao preenchimento, para cada um dos arguidos, e além do mais, do tipo subjetivo dos crimes de tráfico de pessoas objeto da condenação.

Por via disso, o tribunal a quo, a coberto de uma “alteração não substancial dos factos”, teve que individualizar as vítimas, os atos perpetrados sobre cada uma delas, e, para cada situação concreta, teve que explanar factos que integrassem os elementos subjetivos dos crimes de tráfico de pessoas, factos que, bem vistas as coisas, não estavam na acusação nem no despacho de pronúncia.

Ora, como bem escreve Paulo Pinto de Albuquerque (ob. citada, pág. 911, nota nº 3 ao artigo 359º), “a sanação da acusação manifestamente insuficiente na fase de julgamento só pode ter lugar através de uma alteração substancial dos factos”.

O tribunal recorrido aditou, pois, à acusação factos novos (designadamente factos integrantes do dolo dos arguidos e da consciência da ilicitude), permitindo, assim, a condenação dos arguidos por um número de crimes (todos eles de tráfico de pessoas) muito superior àquele por que vinham acusados.

Isto é, só perante os factos “aditados” é que, em sede de Direito, foi alterada, no acórdão sub judice, a qualificação jurídico-penal levada a efeito no libelo acusatório, levando, designadamente, a que muitos dos arguidos fossem condenados pelo cometimento de 11 crimes de tráfico de pessoas em vez de um só crime (do qual estavam acusados/pronunciados).

O mesmo aconteceu com o arguido MA, apesar de tal arguido ter sido condenado pela prática de um único crime de tráfico de pessoas (perpetrado na pessoa de J. Peralta).

Com efeito, vários factos descritos na acusação/pronúncia foram alterados na audiência de discussão e julgamento, com manifesto e substancial relevo para a condenação do arguido MA.

Basta, para assim concluir, confrontar a redação original da factualidade (constante da acusação/pronúncia) com a redação vertida no acórdão revidendo sobre idêntica factualidade. Existe uma enorme diferença entre ambas as redações, no seu conteúdo, tendo, no acórdão, sido imputadas ao arguido MA condutas que a acusação/pronúncia lhe não atribuía e condutas que preenchem elementos constitutivos dos requisitos típicos do crime de tráfico de pessoas pelo qual veio a ser condenado.

Ou seja, o despacho de alteração dos factos, lavrado pelo tribunal a quo, introduziu no objeto do processo elementos integrantes da tipicidade, da ilicitude e da culpa do crime imputado ao arguido MA, os quais não constavam da acusação/pronúncia.

Por exemplo, verifica-se que a factualidade (essencial) dada como provada sob os nºs 401 a 403 do acórdão revidendo, e relativamente ao arguido MA, não constava da acusação/pronúncia, designadamente o facto de tal arguido ter aproveitado a vulnerabilidade dos ofendidos resultante de os mesmos estarem dispostos “a sujeitarem-se a condições indignas de molde a legalizarem a sua permanência em território nacional”.

Aliás, nem a factualidade tida como provada sob os nºs 402 e 403 do acórdão sub judice vinha (na acusação/pronúncia) imputada ao arguido MA, mas sim (e apenas) ao arguido A. BARGIG.

Por conseguinte, a inclusão de toda essa matéria na factualidade provada relativa ao arguido MA implica a imputação ao mesmo de factos novos, não descritos na acusação/pronúncia, e, além disso (e decisivo), de factos que consubstanciam elemento fundamental (e não autonomizável) do dolo e da autoria.

Ora, a nosso ver, e com o devido respeito pelo entendimento do tribunal de primeira instância, a alteração assim operada só pode ser qualificada como “substancial”.

É que, e ao contrário do entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido, não se verificou, no caso sub judice, uma mera alteração das circunstâncias espaciotemporais e do modo de execução dos factos, ou uma simples concretização de uma pontual intencionalidade subjacente à conduta do arguido MA (o que configuraria a noção de uma alteração “não substancial”).

Bem pelo contrário, foi modificado o quadro factual vertido na decisão instrutória (que remete, parcialmente, para a factualidade descrita na acusação), modificação que possui relevância, no mínimo, para a determinação da moldura penal aplicável ao caso - mesmo quando o crime imputado ao arguido MA se mantém, na sua estrita qualificação jurídico-penal, o mesmo -.

Por outras palavras: a qualificação jurídico-penal levada a cabo no acórdão revidendo, relativamente ao arguido MA, não resulta, em aspetos nucleares, da factualidade descrita na decisão instrutória, mas sim da introdução de novos factos operada pelo tribunal do julgamento.

Ora, em nosso entender, a falta de descrição, na acusação/pronúncia, desses “novos” factos (introduzidos no decurso da audiência de discussão e julgamento), não pode ser integrada, quanto ao arguido MA, como foi feito pelo tribunal de primeira instância, com recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do C. P. Penal.

O mesmo acontece, mutatis mutandis, com o arguido S.GURUNG, o qual foi condenado por factos diversos dos descritos na acusação/pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º do C. P. Penal, pois que os factos comunicados a tal arguido nos termos do disposto no artigo 358º do C. P. Penal tiveram como consequência a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, sendo, por isso, essa comunicação ineficaz e insuscetível de produzir qualquer efeito.

Na verdade, o arguido S.GURUNG vem condenado pela prática de dois crimes de tráfico de pessoas, em vez de um crime, como constava do despacho de pronúncia, tendo, para o efeito, sido alterada a factualidade vertida na acusação/pronúncia, o que constitui, a nosso ver, uma verdadeira alteração substancial, para efeitos do disposto no artigo 1º, al. f), do C. P. Penal, pois comporta agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, alteração essa que não podia ter sido tomada em conta na condenação, pois não foi observada a disciplina do artigo 359º do mesmo diploma legal.

Em jeito de síntese conclusiva: com o acervo fáctico constante da acusação/pronúncia não era possível proceder à qualificação jurídica, de consequências mais gravosas para os arguidos, feita no acórdão sub judice, pelo que a alteração fáctica operada no decurso da audiência de discussão e julgamento tem de ser qualificada como “substancial”.

Face ao que vem de dizer-se, ocorrendo alteração substancial em relação aos factos imputados aos recorrentes, não tramitada nos termos do disposto no artigo 359º do C. P. Penal, verifica-se existir a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. b), do mesmo diploma legal, a qual tem de ser declarada, com as inerentes consequências legais.

A declaração de nulidade do acórdão prejudica, a nosso ver, o conhecimento das demais questões suscitadas pelos recorrentes (todos eles), quer nos recursos interlocutórios, quer nos recursos apresentados do acórdão condenatório.

É que, ponderando a alteração fáctica levada a cabo no decurso da audiência de discussão, que só pode ser tida (como acima dissemos) como “alteração substancial dos factos” (artigo 359º do C. P. Penal), fica precludido, logicamente, o conhecimento da questão consistente em saber se o tribunal recorrido indeferiu indevidamente (ou não) determinadas diligência probatórias, requeridas na sequência de uma comunicação de “alteração não substancial dos factos” (ao abrigo do disposto no artigo 358º do C. P. Penal).

Ou seja, fica prejudicado o conhecimento do objeto dos recursos (interlocutórios) interpostos pelos arguidos JB e FB.

Do mesmo modo, perante a nova factualidade elencada no acórdão sub judice, e que não o podia ter sido (nos termos em que foi levada a cabo), carece de sentido apreciar e decidir sobre a existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C. P. Penal), ou sobre a impugnação alargada da matéria de facto, ou sobre a violação do princípio da livre apreciação da prova, ou acerca da violação do princípio in dubio pro reo, ou em relação à não admissão da inquirição, em audiência de julgamento, de algumas testemunhas ouvidas para memória futura, ou ainda relativamente à qualificação jurídica dos factos, ou, por último, no tocante às penas a aplicar (sua medida concreta e suspensão da respetiva execução).

Este nosso raciocínio é extensível à situação de todos os arguidos/recorrentes, mesmo à arguida/recorrente J - TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª, porquanto, apesar de, em relação à mesma, não ter sido operada, autonomamente, qualquer alteração dos factos, verifica-se que a nova factualidade também a abrange, pelo menos indiretamente.

É que, e como resulta das conclusões 13ª e 14ª extraídas da motivação do recurso da arguida J- TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª, tal arguida coloca em discussão a atuação do coarguido MA (relativamente ao qual existiu alteração substancial de factos - como acima dissemos -), designadamente alegando que tal arguido atuou em nome próprio e em nome da A…, Ldª, não tendo atuado em nome e no interesse da arguida/recorrente J. - TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª.

Ou seja, a responsabilização criminal da arguida/recorrente J.. - TRABALHO TEMPORÁRIO, Ldª, está dependente, pelo menos em grande parte, daquilo que for decidido, em termos fácticos, relativamente ao arguido MA.

Dito de outra forma: perante a nulidade do acórdão, acima enunciada, fica precludida a questão de saber se a arguida/recorrente J… - TRABALHO TEMPORÁRIO, Ldª, praticou (ou não) um crime de tráfico de pessoas sobre a cidadã J. Peralta.

Assim sendo, e contrariamente ao entendimento expresso na resposta do Ministério Público ao recurso interposto pela arguida J. - TRABALHO TEMPORÁRIO Ldª, tal recorrente não pode, nesta fase e sem mais, ser absolvida.

Face ao predito, e em conclusão: na decisão revidenda foi violado o preceituado nos artigos 358º e 359º do C. P. Penal, por referência ao disposto no artigo 1º, al. f), do mesmo diploma legal, o que determina a nulidade do acórdão sub judice, conforme decorre do estabelecido no artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal.

É esta nulidade que, através da presente decisão, vai ser reconhecida e declarada, devendo o tribunal de primeira instância proceder em conformidade com o disposto no artigo 359º do C. P. Penal.

Na estrita medida apontada, todos os recursos (interpostos do acórdão condenatório) são de proceder, ficando prejudicado, por sua vez, o conhecimento dos recursos interpostos dos despachos interlocutórios.

III - DECISÃO.

Pelo exposto, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, acordam em:

a) Declarar extinta, por inutilidade superveniente, a instância recursiva relativa aos recursos interpostos dos despachos interlocutórios.

b) Conceder provimento parcial aos recursos dos arguidos, anulando o acórdão recorrido e determinando que se cumpra, em audiência de julgamento, nos termos sobreditos, o disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal, seguindo-se depois os demais termos processuais.

Sem custas.
*
Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 19 de fevereiro de 2019

__________________________________
(João Manuel Monteiro Amaro)

__________________________________
(Laura Goulart Maurício)

__________________________________
(Fernando Ribeiro Cardoso)