Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
920/16.0T8OLH-G.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL
REQUISITOS
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Quando o processo especial de revitalização é encerrado sem aprovação ou homologação do plano de recuperação, o administrador judicial provisório ali nomeado cessa automaticamente funções ao emitir o parecer a que se refere o artigo 17.º-G, n.º 4, do CIRE.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. Quando o processo especial de revitalização é encerrado sem aprovação ou homologação do plano de recuperação, o administrador judicial provisório ali nomeado cessa automaticamente funções ao emitir o parecer a que se refere o art. 17.º-G, n.º 4, do CIRE.
2. Não goza, pois, da preferência concedida pelo art. 52.º, n.º 2, do CIRE na nomeação do administrador de insolvência, por já não se encontrar em exercício de funções.
3. Esta norma concede, apenas, preferência ao administrador judicial provisório nomeado como medida cautelar, nos termos do art. 31.º, n.º 2, do CIRE.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Comércio de Olhão, (…) deduziu processo especial de revitalização, tendo sido nomeado administrador judicial provisório (…).
Em 09.07.2016 foi proferida sentença de não homologação do plano, decisão esta que veio a ser confirmada pelo Acórdão desta Relação de Évora de 13.07.2017, transitado em julgado, proferido no apenso D.
Entretanto, o administrador havia emitido parecer no sentido da insolvência do devedor, e esta veio a ser decretada por sentença de 26.09.2016, nomeando como administrador de insolvência o mesmo que já exercia as funções de administrador judicial provisório na fase de revitalização.
No entanto, a sentença de 26.09.2016 veio a ser revogada pelo Acórdão desta Relação de 21.12.2017, proferido no apenso E, ordenando a citação do devedor para deduzir oposição.
Regressando os autos à 1.ª instância, citado o devedor, este deduziu oposição e, realizada audiência final, foi de novo proferida sentença decretando a insolvência.
Do dispositivo consta a nomeação “como Administrador de Insolvência o Dr. (…), conforme sorteio”.

Desta sentença vem interposto recurso pelo devedor e pelo administrador judicial provisório nomeado na fase de revitalização.
O devedor conclui nos seguintes termos:
1. Deveria ter-se dado como provado o seguinte facto, conforme Doc. 6 junto com a oposição ao Parecer: “No transacto dia 14/08/2017, o requerido acordou com a mãe dos seus filhos a guarda partilhada dos mesmos, com a consequente cessação do pagamento da pensão anteriormente fixada a título de alimentos.”
2. Devendo ser retirados dos factos dados como provados os que se deram como provados: “O requerido tem dois filhos menores que vivem habitualmente com a mãe dos mesmos menores. Conforme documento n.º 3 junto com o requerimento inicial do apenso A, o requerido assumiu a obrigação de entregar mensalmente à mãe dos seus filhos, a título de alimentos, a quantia de € 250,00, não se tendo apurado se o requerido tem efectivamente cumprido tal obrigação.”
3. Ao designar um novo AI, sem justificar, o Tribunal viola o disposto no art. 52.º, n.º 2, do CIRE, nos termos do qual, nada havendo que o impeça (como é aqui o caso), deverá o juiz dar preferência na nomeação para administrador de insolvência ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência, nem se conhece nenhuma razão objectiva que limite a sua no meação, pelo que deverá manter-se como Administrador de Insolvência, o anteriormente designado AJP para o PER do Insolvente (Dr. …).

Por seu turno, o administrador judicial provisório nomeado na fase de revitalização, (…), concluiu nos seguintes termos:
1. Da douta sentença resulta que foi nomeado administrador judicial diverso do aqui recorrente que exerceu as funções de administrador judicial provisório nos autos de processo especial de revitalização n.º 396/15.0T80LH que correram termos na Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Olhão – J1, e posteriormente apensados aos presentes autos, sob o apenso A;
2. Além disso, nos autos supra referenciados exerceu o aqui recorrente funções de administrador judicial por nomeação datada de 26-09-2016 em que era devedor o ora insolvente – cfr. doc.1.
3. Posto isto, tal sentença foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação Évora, proferido no apenso E.
4. Conforme ordenado pelo referido acórdão, foi realizada citação do devedor que no prazo legal deduziu oposição.
5. Nessa sequência foi novamente proferida sentença de declaração de insolvência datada de 25-07-2018.
6. Na sentença de declaração de insolvência proferida nestes autos foi nomeado como administrador de insolvência pessoa diversa do administrador judicial provisório nomeado no PER (o aqui recorrente);
7. A nomeação referida violou o disposto no artigo 52.º, n.º 2, do CIRE, nos termos do qual, nada havendo que o impeça deverá o juiz dar preferência na nomeação para administrador de insolvência ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração de insolvência!
8. Aquela norma constitui uma excepção à lei afastando a arbitrariedade do juiz na nomeação do administrador de insolvência, pois que o administrador judicial provisório tem já especais conhecimentos sobre a insolvente, designadamente conhecendo os seus credores (que lhe dirigiram as reclamações de créditos e cuja lista provisória de créditos nos termos do artigo 17º-G, n.º 7, se torna definitiva), a existência e/ou inexistência de património.
9. Estes autos de insolvência tiveram a sua origem no PER já supra identificado onde o aqui recorrente exerceu as funções de administrador judicial provisório, na sequência da não homologação do plano de recuperação de empresa e da elaboração do parecer a que alude o artigo 17º-G, n.º 4, do CIRE, pelo que por aplicação dos n.ºs 2, 3, 4 e 7 do artigo 17º-G do CIRE, o PER converteu-se em processo de insolvência, pelo que também por isso devia ter sido nomeado como administrador de insolvência o aqui recorrente – administrador judicial provisório nomeado no PER.
10. Por fim, refira-se que a sentença de declaração de insolvência na parte que respeita à nomeação de administrador de insolvência carece de absoluta falta de fundamentação pois da mesma apenas consta “Nomeio como administrador de insolvência (...)”
11. A sentença recorrida é nula por violação dos artigos 52º, n.º 2, do CIRE e por falta absoluta de fundamentação na nomeação do administrador de insolvência em violação do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C.

Não foi oferecida resposta.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da inutilidade da reapreciação da matéria de facto:
O devedor impugna parte da matéria de facto fixada na sentença recorrida, mas escusa-se em expor em que medida a impugnação teria algum significado ou efeito na decisão da única questão jurídica que coloca no seu recurso: a nomeação do administrador de insolvência.
E de facto, a eventual guarda partilhada dos filhos – não homologada judicialmente – e a cessação da obrigação alimentar, não têm absolutamente relevo para a referida questão jurídica, e tal obsta à reapreciação da matéria de facto, por inutilidade do acto – art. 130.º do Código de Processo Civil.
Como já se escreveu, “a reapreciação da decisão que contém a matéria de facto tem por objectivo facultar a respectiva alteração de modo a que, contrariamente ao decidido, se possa concluir pela procedência do direito invocado (ou improcedência se a questão for suscitada pelos demandados). Significa isto que este instrumento processual visa dar à parte uma ferramenta que lhe possibilite obter o efeito jurídico inicialmente reclamado.”[1]
Em consequência, indefere-se a pretendida impugnação da matéria de facto.

O elenco fáctico fixado na sentença recorrida é o seguinte:
1. O requerido (…) foi durante anos sócio e gerente da sociedade comercial por quotas (…) – Promoção Imobiliária, Lda., que se dedicava à promoção imobiliária, compra e venda de prédios rústicos e urbanos, financiamento, gestão de bens imobiliários e operações conexas.
2. No exercício da actividade desta empresa, foram adquiridos terrenos para construção, projectados e constituídos neles unidades habitacionais multifamiliares, que vieram a ser construídas em propriedade horizontal, tendo sido posteriormente promovida a venda e o arrendamento das respectivas fracções.
3. Nos anos de 2006/2007, a empresa apostou todos os seus recursos na construção dos referidos empreendimentos pelo que, a fim de executar os trabalhos e assim cumprir os prazos de entrega, a mesma recorreu a financiamento bancário.
4. Nos anos seguintes, a empresa passou a enfrentar um quadro de dificuldades de liquidez que não conseguiu inverter dadas as obrigações e responsabilidades.
5. O ora requerido (…), para tentar resolver a situação financeira da empresa, celebrou com o Banco (…), S.A., um contrato de mútuo no valor de € 750.000,00, hipotecando o único bem que lhe restava, prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), correspondente a uma moradia sita no lote 6.2.6/15, ou seja, no Lote 15 da Urbanização (…) do Golfe, e actualmente correspondente ao n.º 26 de polícia, da Rua (…), em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé.
6. Em 27-03-2015, o ora requerido (…), ao abrigo do disposto nos arts. 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, requereu a instauração de processo especial de revitalização cujos autos correspondem ao apenso A dos presentes autos.
7. Naquele apenso A, o Sr. Administrador Judicial Provisório, com o seu requerimento de 12-10-2015, juntou aos autos a lista provisória de créditos que não foi objecto de impugnação, tendo sido reconhecidos créditos no valor total de € 13.719.276,56; o único crédito garantido é o crédito do credor Banco (…), S.A., no montante de € 5.518.387,70, sendo comuns os restantes créditos.
8. No apenso A, o ali requerente, com o seu requerimento de 19-02-2016, juntou aos autos o plano de revitalização.
9. No apenso A, o Sr. Administrador Judicial Provisório, com o seu requerimento de 22-03-2016, juntou aos autos a acta respeitante à votação do referido plano de revitalização.
10. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no apenso D, foi confirmada a decisão de 9 de Julho de 2016 que recusou a homologação do apresentado plano de recuperação.
11. O requerido tem dois filhos menores que vivem habitualmente com a mãe dos mesmos.
12. Conforme documento n.º 3 junto com o requerimento inicial do apenso A, o requerido assumiu a obrigação de entregar mensalmente à mãe dos seus filhos, a título de alimentos, a quantia de € 250,00, não se tendo apurado se o requerido tem efectivamente cumprido tal obrigação.
13. O requerido paga de renda de casa o montante de € 600,00 mensais.
14. Em 22-03-2018, no processo 1046/12.1TYVNG, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, onde foi pedida a declaração de insolvência da sociedade (…) – Promoção Imobiliária, Lda., foi proferida sentença, ainda não transitada em julgado, que homologou a seguinte transacção:
“1 - A requerida confessa-se devedora ao Requerente na quantia de € 100.000,00 a qual se compromete a pagar da seguinte forma: a) € 25.000,00 até ao dia 22.03.2019 b) € 75.000,00 até ao dia 22.03.2020;
2- Como garantia do integral cumprimento dos pagamentos supra elencados, constitui a Requerida hipoteca voluntária a favor do Requerente sobre os seguintes prédios:
a) prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º (…), fracção X, na Madalena;
b) prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º (…), fracção F, em Canidelo;
c) prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º (…), fracção A, em Canidelo;
No seguimento do supra acordado, o Requerente desiste do pedido.
Custas em partes iguais.”
15. No processo 456/16.0T8OLH, do Juízo de Comércio de Olhão, Juiz 1, onde foi pedida a declaração de insolvência da sociedade (…) – Promoção Imobiliária, Lda., foi proferido despacho que, face à pendência do referido processo 1046/12.1TYVNG, suspendeu a respectiva instância; no processo 456/16.0T8OLH, a ali requerida ainda não foi citada.
16. Relativamente aos créditos das credoras Banco (…), S.A. [nos montantes de € 5.518.387,70 e € 305.089,30], (…) Investing, Inc [no montante de € 4.000.140,00] e (…) Business Solutions Advisors, Inc [no montante de € 2.787.945,21], o ora requerido interveio nas respectivas operações de financiamento à sociedade (…) – Promoção Imobiliária, Lda., na qualidade de avalista.
17. No referido plano de revitalização, quanto aos credores comuns, foi proposta a seguinte forma de pagamento:
“- Perdão dos juros de mora e outras despesas decorrentes da mora ou incumprimento, no montante total de € 443.714,21.
- Perdão de juros vencidos;
- Estabelecimento de um período de carência de pagamento de capital e juros de 3 anos com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que vier a homologar o presente acordo de credores;
- Pagamento de 30% do capital em dívida (€ 2.325.277,64), em 5 prestações, postecipadas e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do ano seguinte ao término da carência estabelecida acima e as seguintes em igual dia dos quintos anos seguintes, ou seja, de cinco em cinco anos, sendo de € 465.055,33, cada uma.
- O pagamento das prestações deverá ocorrer nos 30 dias seguintes ao respectivo vencimento.”
18. Os credores (…) Business Solutions Advisors, Inc, (…), (…), (…), (…) e (…) votaram a favor da aprovação do referido plano de revitalização, conforme consta da ata que documentou a respectiva votação.
19. O referido prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), correspondente a uma moradia sita no lote 6.2.6/15, correspondente ao n.º 26 de polícia, da Rua (…), em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, tem o valor de € 1.800.000,00.
20. Desde o ano de 2016, o requerido exerce a actividade empresarial de exploração do alojamento local, utilizando, para o efeito, o identificado prédio urbano de que é proprietário.
21. No ano de 2017, no âmbito da sua actividade empresarial, o requerido obteve uma facturação de € 63.015,29.
22. Conforme ofício de 10-04-2018, o requerido é devedor da Autoridade Tributária e Aduaneira da quantia de € 38.007,41.

Aplicando o Direito.
Da nomeação do administrador de insolvência
De acordo com o art. 52.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE, a nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz, aplicando-se “o disposto no n.º 1 do artigo 32.º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, ou pelos credores, também no caso de a massa insolvente compreender uma empresa com estabelecimento ou estabelecimentos em actividade ou quando o processo de insolvência assuma grande complexidade, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração de insolvência.”
Esta norma deve ser interpretada conjuntamente com o art. 2.º, n.º 2, da Lei 32/2004, de 22 de Julho, prevendo que “a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos.”
O art. 52.º, n.º 2, do CIRE foi consideravelmente alterado pelo DL 282/2007, de 7 de Agosto, e pelo DL 79/2017, de 30 de Junho, substituindo o verbo “dever” pelo verbo “poder” e estabelecendo as duas condições de proposta de administrador de insolvência que constam agora do texto legal. No entanto, manteve-se a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência, que já constava do texto original.
Comentando esta preferência, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[2] anotam que “quando tenha sido designado administrador judicial provisório é sobre este que, preferencialmente, recairá a primeira nomeação para administrador da insolvência. (…) o afastamento do administrador provisório pelo juiz só deve verificar-se quando haja razões objectivas que o fundamentem, ligadas à pessoa ou ao procedimento daquele ou a outras circunstâncias que se verifiquem, devendo o tribunal esclarecer o motivo de outra opção que tome.”
Na versão original do CIRE, inexistia o processo especial de revitalização, introduzido com a Lei 16/2012, de 20 de Abril, pelo que o art. 52.º, n.º 2, do CIRE referia-se inicialmente, apenas, ao administrador judicial provisório nomeado como medida cautelar, nos termos do art. 31.º, n.º 2, do CIRE, quando existisse justificado receio da prática de actos de má gestão que agravassem a situação patrimonial do devedor.
Actualmente, o art. 52.º, n.º 2, do CIRE continua a conceder a preferência ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência – sublinhado nosso.
Se não ocorrem dúvidas que esta condição se verifica quanto ao administrador judicial provisório nomeado cautelarmente, o mesmo já não se passa quanto ao que desempenhou funções no processo especial de revitalização, pois as suas funções cessam nas situações previstas no art. 17.º-J, n.º 2: a) até ser proferida decisão de homologação do plano de recuperação; b) após o cumprimento do disposto nos n.ºs 1 a 5 do art. 17.º-G nos casos em que não tenha sido aprovado ou homologado plano de recuperação.
No caso dos autos, o plano de recuperação do devedor não foi homologado, por sentença confirmada pelo Acórdão desta Relação de Évora de 13.07.2017, pelo que o administrador judicial provisório que se encontrava em funções emitiu parecer no sentido da insolvência do devedor, nos termos do art. 17.º-G, n.º 4, do CIRE. Em consequência, foi autuado processo de insolvência, ao qual se apensou o processo especial de revitalização, como imposto pela citada norma.
Deste modo, o processo especial de revitalização encerrou-se com a emissão do citado parecer, e nesse momento o administrador judicial provisório cessou as suas funções, nos termos do art. 17.º-J, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. b), do CIRE.
Nesta Relação de Évora já se assinalou que a escolha do administrador de insolvência não tem de recair preferencialmente no administrador judicial provisório nomeado em sede de processo especial de revitalização, no qual foi homologado plano de recuperação, pois as suas funções cessaram com esse acto.[3]
De igual modo deveremos concluir quando o processo especial de revitalização é encerrado sem aprovação do plano de recuperação. A lei determina, expressamente, o encerramento daquele processo e a cessação automática de funções do administrador judicial provisório, pelo que não se pode afirmar que este se encontre em exercício de funções à data em que vier a ser decretada a insolvência.
Por outro lado, importa notar que o administrador judicial provisório tem, em sede de processo especial de revitalização, meras funções de participação nas negociações, orientação e fiscalização do decurso dos trabalhos e a sua regularidade, devendo ainda assegurar que as partes não adoptam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas – art. 17.º-D, n.º 9, do CIRE.
Porém, o administrador judicial provisório nomeado como medida cautelar, nos termos do art. 31.º, n.º 2, do CIRE, não tem uma mera função de orientação e disciplina das negociações. Muito pelo contrário, assistem-lhe poderes exclusivos para a administração do património do devedor, ou para assistir o devedor nessa administração, e tal justifica a sua manutenção em funções quando vier a ser decretada a insolvência.
Daí que se deva concluir que a preferência concedida pelo art. 52.º, n.º 2, do CIRE, refere-se apenas ao administrador judicial provisório nomeado como medida cautelar, nos termos do art. 31.º, n.º 2, e não ao que exerceu funções em sede de processo especial de revitalização, pois este cessou funções com o encerramento desse processo.

Da nulidade da decisão, por falta de fundamentação
Abordando, agora, o último argumento apresentado pelo recorrente (…), a decisão recorrida limita-se a indicar que nomeia o administrador de insolvência, “conforme sorteio.”
Alberto dos Reis ensinava, de forma brilhante, o seguinte: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”[4]
Logo, a falta de fundamentação não se confunde com a concisão, o laconismo ou a deficiência de fundamentação. Acresce, ainda, que o julgador aprecia as questões que lhe são colocadas e não os argumentos ou razões das partes.
No caso, ninguém requereu que o administrador judicial provisório que havia exercido funções no processo especial de revitalização fosse nomeado administrador de insolvência, pelo que essa questão nem sequer se colocou ao tribunal a quo, não se exigindo assim maior fundamentação acerca da opção pelo método do sorteio na escolha do administrador de insolvência.
Improcede, pois, a alegada nulidade.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 8 de Novembro de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] Acórdão da Relação de Guimarães de 10.09.2015 (Proc. 639/13.4TTBRG.G1), em www.dgsi.pt.
[2] In CIRE Anotado, vol. I, 1.ª edição.
[3] Acórdão desta Relação de 22.02.2018, publicado em www.dgsi.pt. Esta conclusão é expressa no seguinte parágrafo: “Sucede, porém, que no caso concreto não tinha a Sr.ª Juíza a quo que fazer recair preferencialmente a escolha sobre o administrador judicial provisório, pois à data em que foi decretada a insolvência da devedora, já o PER se encontrava encerrado por ter sido aprovado o plano de recuperação, sendo que contrariamente ao que parece fazer crer a recorrente, a declaração de insolvência não derivou do PER, e por isso, concluímos, como na decisão recorrida, que o administrador judicial provisório já não se encontra em funções.”
[4] In Código do Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.