Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
969/18.9T8PTM-B.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
PERSONALIDADE JURÍDICA
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Segundo resulta dos artigos 619.º, n.º 1, do Código Civil e 391.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para que o procedimento cautelar especificado de arresto possa ser decretado é necessária a verificação cumulativa de dois requisitos:
- A probabilidade da existência de um crédito, ou fumus bonis juris;
- O justo receio de perda de garantia patrimonial, ou periculum in mora.
2 - Tendo a Apelada logrado fazer prova perfunctória de suficientes indícios objectivos de verificação de justificado receio de perda de garantia patrimonial do crédito invocado existe base legal para decretar o peticionado arresto de imóvel.
3 - O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, sendo em si uma ficção jurídica, não pode ser encarado como um valor absoluto e não deve servir como um protectório de práticas abusivas censuráveis, passíveis de prejudicar terceiros.
4 - O instituto da desconsideração, ou levantamento, da personalidade jurídica de pessoa colectiva, máxime sociedade comercial, surge como uma forma de derrogação, ou de não observância da autonomia jurídica-subjetiva e, ou, patrimonial das sociedades perante os respectivos sócios ou acionistas, com vista a poder responsabilizar estes, por serem os únicos responsáveis, perante credores.
Tal pode ter na sua base práticas de “mistura”, ou “confusão” de esferas jurídicas, mormente patrimoniais, entre a sociedade comercial e os seus sócios/acionistas.
5 - Verificando-se que a personalidade colectiva passa a ser instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social da sociedade relacionados com a instrumentalização da dita personalidade jurídica deve operar-se a desconsideração desta, o que se justificou fazer no caso concreto.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 969/18.9T8PTM-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro –
Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 2
Apelantes: (…) e (…)
Apelada: (…), Portugal, SGPS, SA
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Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)
(…)
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Acordam os Juízes na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I- RELATÓRIO
(…) Portugal, SGPS, S.A. (anteriormente designada …, SGPS, SA), pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua Prof. (…), n.º 222, (…), instaurou o presente procedimento cautelar de arresto contra:
(…), com domicílio profissional em (…) 45 CH-8002 Zurique, Suíça;
(…), com domicílio profissional em (…) 2 50667 Cologne, Alemanha;
(…), com domicílio profissional em (…) 2 50667 Cologne, Alemanha; e
(…) e (…), casados entre si, residentes na Quinta da (…), lote 51, (…), 8600-185, Lagos, com os números de contribuinte fiscal (…) e (…), respetivamente, peticionando o arresto de diversos bens que identificou, alegando para tanto, em síntese, a titularidade de um crédito de € 2.246.652,05, decorrente de um acordo que outorgou e que não chegou a ser cumprido por causa imputável aos Requeridos.
Procedeu-se à tomada de declarações de parte da Requerente e à inquirição das testemunhas arroladas pela mesma, sem prévia audição da parte contrária, nos termos do disposto no artigo 393.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, após o que foi proferida decisão que contem o seguinte dispositivo:
“III.
Assim, julgo parcialmente procedente o procedimento e, em consequência, para garantia da satisfação do crédito do requerente de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), acrescido de juros legais desde 21 de março de 2017, determino o arresto do prédio, designado Edifício (…), sito no (…), Rua (…), freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), da propriedade da “(…) Atlântico”, cujas participações sociais são detidas pelos Requeridos (…), (…) e (…), casado com (…).
D.N., comunicando para efeito de registo e após concretização do arresto, cite.
Custas pela requerente – artigos 539.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil”.
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Inconformados com a decisão, de que foram devidamente citados, vieram os Requeridos (…) e (…) apresentar recurso de Apelação da mesma para este Tribunal da Relação alinhando no requerimento recursivo extensas conclusões, que culminaram com a seguinte pretensão:
“AAE - E assim se conclui, que mal andou a Meritíssima Juiz a quo, na interpretação e aplicação do Direito que realizou, levando-a de decidir de forma contrária aos preceitos normativos e legais em vigor, pelo que, também aqui é o aludido despacho ilegal, devendo, por isso, ser anulado.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a Douta Sentença da Primeira Instância, substituindo-a por outra que indefira a providência cautelar requerida pela Recorrida, com as devidas e legais consequências”.
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A Requerente respondeu ao recurso rematando a sua resposta nos seguintes termos:
“78. Assim, ainda que o recurso fosse julgado procedente, o Tribunal da Relação teria de ouvir as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no 3.º do artigo 665.º do CPC, relativamente ao pedido que ficou prejudicado pela solução dada ao litígio.
Termos em que:
a) Deve o recurso ser julgado improcedente.
b) Caso assim não se entenda, deve o tribunal ouvir as partes relativamente ao pedido subsidiário cujo conhecimento ficou prejudicado.
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O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo.
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Distribuídos os autos neste Tribunal da Relação foi proferido o seguinte despacho de relator:
“1.
I- Resulta do artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que:
O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
II- Decorre, outrossim, do artigo 652.º, n.º 1, do CPC, que ao relator incumbe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente:
a) […] convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º “.
III- Por seu turno, dispõe o referido n.º 3 do artigo 639.º do CPC, que:
Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada“.
IV- A este propósito diz-nos o Conselheiro António Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª edição, 2018, a pág. 155), que:
“As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação…Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado.”
V- Ora, analisando criteriosamente o segmento das conclusões introduzidas no requerimento de recurso dos Apelantes verifica-se que as mesmas padecem notoriamente de falta da necessária sintetização percebendo-se que aqueles lograram canalizar para o segmento das conclusões recursivas grande parte da argumentação aduzida no segmento da motivação, consequentemente repetindo-a, bem como referências e transcrições doutrinárias.
VI- Na verdade, se atentarmos devidamente no segmento reservado à motivação do recurso verificamos que o mesmo se inicia na página 7 e estende-se até à página 26, ocupando assim vinte e seis páginas contendo em si 131 pontos, enquanto as conclusões recursivas espraiam-se por sete páginas, contendo 51 alíneas, sendo que algumas delas, como supra se assinalou, estão eivadas de referências e transcrições doutrinárias (cfr. alíneas AQ a AT).
VII- O procedimento seguido em concreto pelos Apelantes ao apresentarem um segmento de conclusões que é superior a um quarto da extensão do segmento da motivação do recurso contende, assim, com a razão de ser das conclusões recursivas não contribuindo da melhor forma para que o Tribunal de recurso filtre com a desejável facilidade e rapidez as concretas razões que justificam a pretensão daqueles em ver alterado o julgado da 1ª instância.
VIII- Destarte, convido os Apelantes a no prazo de cinco dias apresentarem segmento de conclusões recursivas devidamente sintetizado. 2- DN.”
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Os Apelantes acederam ao convite e vieram em tempo apresentar novas conclusões recursivas nos seguintes termos:
“III – Conclusões
A - Os Recorrentes interpõem o presente Recurso, porquanto não se conformam com a Douta decisão proferida pela Mm.ª Juiz a quo, pois na sua humilde opinião, Venerandos Desembargadores, a douta sentença enferma de Erro na Apreciação da Prova, Falta de Fundamentação e Incorreta Interpretação e Aplicação do Direito.
B - No que ao primeiro dos pontos retro aludidos, a sentença revidenda procedeu a um incorreto julgamento da matéria dada como provada, talqualmente o fez quanto à não provada.
C - Em abono da verdade, pela prova testemunhal produzida e pela documental existente, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado o descrito nos pontos 8, 16 e 73 da matéria assente.
D - Precisa-se que não existe qualquer prova produzida nos autos que habilite a conclusão que (…) tenha recebido qualquer participação na sociedade anónima denominada (…) Atlântico – Empreendimentos Imobiliários, S.A., que antes tenha pertencido à sociedade comercial estrangeira denominada (…), AG, mormente, pela liquidação do património desta.
E - Nem se descortina qualquer evidência valorativa que permita concluir que os Recorrentes (…) e (…) tinham conhecimento da situação de dissolução e liquidação da (…) AG, e menos se provou que estes tenham praticado qualquer acto que indicie o singelo risco de sonegação de património.
F - Aliás, a conclusão a extrair deste depoimento de (…) é precisamente o contrário, ou seja, tanto quanto sabe, o Recorrente (…) dispunha de meios económicos suficientes para ressarcir a Recorrida em caso de provimento da ação principal por esta deduzida, sendo apenas responsável por 30% do valor peticionado.
G - Ao que acresce, que da prova documental carreada para os autos, apenas se pode concluir que os Recorrentes sempre mantiveram imutável a sua participação na sociedade (…) Atlântico, não a tendo onerado ou tentado transmitir, sendo que o Recorrente marido, enquanto administrador único da sociedade, também não onerou o bem imóvel que aquela sociedade possui e cujo valor ultrapassa em muito o pretenso crédito da Recorrida.
H - Daí que o ponto 73 da matéria dada como provada terá de ser corrigido da seguinte forma: “73. No dia 17 de Setembro de 2020, o mandatário da então Ré (…), AG veio informar os autos de que a aquela Ré teria, alegadamente, apresentado em novembro de 2018 pedido de dissolução e liquidação junto das autoridades suíças, o que não fora previamente comunicado à Requerente ou ao Tribunal pela (…), AG”.
I - Do mesmo modo, terá que se concluir, quer pela prova testemunhal efectuada, quer pela prova documental existente nos autos, que o ponto 8 da matéria dada como provada, terá que ser incluso na matéria dada como não provada, por falta de prova nesse sentido.
J - Por fim, ter-se-á de aditar dois novos pontos à factualidade não provada com a seguinte redação: “2. Os Requeridos (…) e (…) não dispõem de meios económicos suficientes para ressarcir a Recorrida, na percentagem porque respondem, em caso de provimento da ação principal por esta deduzida.
3. O I. Mandatário dos Réus e os Requeridos (…) e (…), tinham conhecimento da apresentação do pedido de dissolução e liquidação da (…), AG junta das autoridades suíças antes da data em que fora comunicado aos autos”.
L - Por outro lado, a douta sentença enferma, nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC de falta de fundamentação, uma vez, que perante os fatos dados como provados, emerge uma enorme incógnita, ficando por aferir o percurso cognitivo calcorreado pela Mm.ª Juíza a quo que subjaz à decisão de existência de periculum in mora quanto aos ora Recorrentes.
M - Em abono da verdade, não há no Aresto recorrido um só facto concreto que indicie qualquer perigo, de se tornar difícil ou impossível, a cobrança do crédito de que a Recorrida se diz titular em virtude de qualquer conduta dos Recorrentes.
N - De facto, a participação social dos Recorrentes manteve-se sempre inalterada e o bem que integra a sociedade não está onerado, ficando assim por descortinar onde repousa o risco do eventual crédito da Recorrida poder ser colocado em crise.
O - A decisão recorrida limita-se a socorrer-se da postura da extinta sociedade “(…)”, criando suposições de que os Recorrentes tinham conhecimento da situação de liquidação em que se encontrava a referida (…), AG, bem como de quem eram os seus acionistas, sem que para tal, fossem vertidos (não só no Requerimento Inicial apresentado pela Recorrida, como na própria Sentença proferida) factos concretos que comprovem todas essas suposições.
P - Mas a falta de fundamentação mantem-se quando, pura e simplesmente, alocado nas suposições criadas, o tribunal ad quo promove a desconsideração da personalidade jurídica de uma entidade terceira ao in caso, e que já se encontrava constituída e detentora do imóvel à data das negociações com a Recorrida.
Q - Temos assim, por medianamente claro e forçoso que a douta sentença em mérito não respeitou o dever de fundamentação que impendia sobre o Tribunal a quo, o que determina inelutavelmente a sua nulidade que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais.
R - Acresce que a decisão recorrida não promoveu uma adequada aplicação do direito, pois que, atenta a factualidade supra exposta, não restam dúvidas em como não se encontram reunidos todos os requisitos estabelecidos no artigo 391.º e seguintes do CPC, para que o arresto requerido fosse decretado.
S - Em abono da verdade, a realidade vertida e comprovada na decisão ora recorrida, sempre obrigaria a que o tribunal a quo considerasse, no que diz respeito aos ora Recorrentes, como não preenchido o requisito do “fundado receio”, por falta de alegação da factualidade que pudesse integrá-lo.
T - De facto, desde a apresentação da ação principal, os Recorrentes mantiveram e incrementaram o seu património, pelo que se a intenção dos Recorrentes fosse frustrar a cobrança de qualquer crédito presente ou futuro, após a citação da referida ação, teriam urdido qualquer plano no sentido de dissipar o seu património, o que não sucedeu.
U - Nenhuma prova resulta dos autos (quer seja testemunhal ou documental) que comprove (ou meramente indicie) o conhecimento por parte dos Recorrentes da apresentação do pedido de dissolução da antiga Ré (…), AG em 2014 junto das competentes entidades suíças e do processo de liquidação, antes da respetiva comunicação aos presentes autos principais.
V - Acresce que inexistem quaisquer ónus ou encargos sobre o imóvel arrestado que possam colocar em causa um eventual ressarcimento por parte da Recorrida, nem se demonstrou nos autos qualquer intenção de venda do imóvel, o qual é rentabilizado pela (…) Atlântico mediante o arrendamento dos seus espaços interiores.
X - Por outro lado, aquando da apresentação da ação principal a Recorrida não sentiu qualquer necessidade de deduzir uma providência cautelar para prevenir o eventual ressarcimento em caso de provimento daquela ação, nem mesmo quando, no dia 17 de Setembro de 2020, constatou que a sociedade (…), AG havia sido dissolvida e liquidada em Novembro de 2018, altura em que também tomou conhecimento que esta não era acionista da (…) Atlântico.
Z - Ora nada se alterou entretanto, ou seja, os Recorrentes mantiveram o seu património, pelo que o perigo não é concreto nem fundamentado, mas sim, um perigo eventual, como em qualquer outra situação.
AA - Face ao que se acabou de expor, não resultam factos concretos que permitam razoavelmente supor a ocorrência efetiva e fundada de lesões à Recorrida, nem mesmo que o perigo invocado está eminente, ou sequer se vislumbra justificação para um justo receio aferível pelo prisma do homem médio.
AB - Em consequência, deverá a decisão recorrida ser anulada e substituída por outra que dê como não provado o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 391.º do CPC, mormente periculum in mora, e em consequência, absolva os Recorrentes do pedido.
AC - Resulta ainda que o tribunal a quo decidiu desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade comercial anónima denominada (…) Atlântico – Empreendimentos Imobiliários, S.A. de modo a permitir o arresto de um bem que não pertence a nenhum dos Requeridos.
AD - Novamente não podem os Recorrentes concordar com a fundamentação do aresto proferido, visto que, in casu, também os pressupostos para a aplicação do referido instituto jurídico, não se encontram preenchidos.
AE - O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem por pressuposto uma análise casuística e alicerçada em elementos concretos que permitam aferir se esta tem uma utilização contrária ao fim do direito, mormente, se é um veículo de comportamentos abusivos.
AF - Acontece que o tribunal recorrido entendeu aplicar, sem mais, o referido instituto ao in casu, inexistindo, contudo, qualquer prova no sentido de que a sociedade (…) Atlântico é uma pessoa coletiva constituída para ser usada de modo ilícito e/ou abusiva para prejudicar terceiros.
AG - O facto de o Recorrente (…), ser único Administrador, não pode significar que por força dos poderes que tem sobre a gestão daquela sociedade, a use em seu benefício e em manifesta violação da ética dos negócios ou dos princípios gerais de boa fé, tanto mais que a oneração ou alienação do bem não se enquadra nos poderes de gestão ordinária do mesmo.
AH - Analisando a factualidade tida por indiciariamente provada constata-se que não houve qualquer utilização abusiva dos princípios supra referidos, uma vez que a sociedade (…) Atlântico não foi criada nem utilizada para fins ilícitos.
AI - Não resulta, pois, provado o preenchimento de qualquer pressuposto necessário para a utilização (subsidiária, refira-se) do instituto da desconsideração da personalidade coletiva.
AJ - Atentas as regras da normalidade, ditadas pela experiência comum, não há nenhum indício da intenção fraudulenta dos Recorrentes em ocultar património, inexistindo qualquer conduta desconforme com os princípios da boa fé e da primazia da materialidade subjacente que devem pautar o tráfego jurídico.
AL - Em conclusão, é por demais evidente que a decisão proferida pela Mm.ª Juíza a quo, se revela precipitada e não sustentada em factos, com graves consequências no desenvolvimento do escopo societário da (…) Atlântico, causando desproporcionados e injustificados problemas não só a esta, como aos seus clientes que em grande parte fizeram avultadíssimos investimentos nesses mesmos espaços.
AM - Os contratos de arrendamento celebrados entre as partes ficam, assim, inquinados com a presente decisão a qual não se sustenta em factos concretos que a justifiquem, mau grado, os efeitos dessa decisão se fazerem sentir, o que motiva, que a mesma não poderá persistir na ordem jurídica portuguesa e por isso deverá ser revogada.
AN - E assim se conclui, que mal andou a Meritíssima Juiz a quo, na interpretação e aplicação do Direito que realizou, levando-a de decidir de forma contrária aos preceitos normativos e legais em vigor, pelo que, também aqui é o aludido despacho ilegal, devendo, por isso, ser anulado.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deverá a presente Resposta ao convite de aperfeiçoamento das conclusões de Recurso ser admitida, e em consequência deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a Douta Sentença da Primeira Instância, substituindo-a por outra que indefira a providência cautelar requerida pela Recorrida, com as devidas e legais consequências”.
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Não foi apresentada resposta ao aperfeiçoamento das conclusões recursivas.
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O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado.
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Houve lugar aos Vistos.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, que assim delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.
Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
O Tribunal da Relação também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas na medida em que os recursos se destinam apenas a reapreciar decisões proferidas.
Neste sentido as únicas questões a decidir traduzem-se no seguinte:
1-Nulidades da decisão;
2-Impugnação relativa à decisão da matéria de facto;
3-Reapreciação do mérito da decisão recorrida consistente em apurar da verificação, ou não, no caso vertente do pressuposto legal do arresto consubstanciado no periculum in mora e da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade comercial “(…) Atlântico, SA”, titular do bem arrestado.
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III - Fundamentação de Facto
Consta o seguinte da decisão recorrida no atinente à factualidade considerada pertinente:
“II.
2.1.
Factualidade indiciariamente provada da requerente
1. A requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, cujo objeto social é a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas, tendo as suas participadas como objeto social a prestação de serviços de saúde, fls. 37 (artigo 15º do requerimento inicial).
2. Um dos administradores da Autora, (…), que tinha assumido um papel fulcral nas negociações e era Vice-Presidente da Câmara Municipal de Portimão, renunciou ao cargo de Vogal do Conselho de Administração em 3 de dezembro de 2012, fls. 37 (artigos 96º e 97º, parte, do requerimento inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).
Da “(…) Atlântico”, da “(…)” e dos requeridos
3. Conforme resulta da certidão do registo comercial da (…) Atlântico – Empreendimentos Imobiliários, Lda., em 16 de Junho de 2008, antes da transformação daquela em sociedade anónima (… Atlântico – Empreendimentos Imobiliários, S.A., insc. 7 – e depois … Atlântico – insc. 8), o requerido (…) era detentor de uma quota no valor de € 70.000,00 no capital social daquela sociedade, fls. 44 verso/400 verso (artigo 201º do requerimento inicial).
4. Em 2008, eram sócios da (…) Atlântico, ainda sociedade por quotas, (…) e o Requerido (…), mantendo-se como gerente (…), fls. 44 verso, insc. 1 e 6 (artigo 27º do requerimento inicial).
5. Atualmente figura como administrador da “(…) Atlântico, S.A.” (…) – fls. 44 verso.
6. Os sócios da (…) Atlântico, os Requeridos (…) e (…), encetaram um processo de reorganização societária, nos termos do qual aquela sociedade foi transformada em sociedade anónima e as participações então detidas pelo Requerido (…) foram transmitidas para a (…), AG, da qual ele era acionista (artigo 202º do requerimento inicial).
7. Da prestação de contas individual da (…) Atlântico referente aos anos de 2017 a 2019, resulta que à data da instauração da ação (em 13 de abril de 2018), a (…), AG era titular de uma participação de 70% no capital social da (…) Atlântico, fls. 355 verso/370 verso/385 verso (artigo 192º do requerimento inicial).
8. Conforme resulta do registo central do beneficiário efetivo da (…) Atlântico, o requerido (…) detém 30% do capital social e (…) é atualmente beneficiário efetivo da (…) Atlântico, detendo diretamente, uma participação social de 69,97% do capital social daquela sociedade, participação social essa que era anteriormente detida pela (…), AG.
O Requerido (…) recebeu parte da participação na (…) Atlântico, que pertencia à (…), AG, na liquidação do respetivo património, nos termos do artigo 745.º, n.º 1, do Código das Obrigações Suíço, fls. 400 verso (artigos 194º a 196º do requerimento inicial).
9. Os Requeridos (…) e (…), familiares, exercem funções na sociedade comercial (…), sendo aquele titular dos restantes 0,03% do capital social da (…) Atlântico que anteriormente pertencia à (…), AG, fls. 401 verso/403 verso (artigos 203º e 205º do requerimento inicial).
10. O único ativo conhecido da (…) Atlântico consiste no prédio urbano, designado Edifício (…), sito no (…), Rua (…), freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), fls. 48 (artigos 19º e 227º do requerimento inicial).
11. Os resultados líquidos da atividade da (…) Atlântico tornaram-se, entretanto, negativos: a) 2017: € 26.028,26; b) 2018: € 34.689,49; c) 2019: € 21.286,48; d) 2020: € 30.117,23, fls. 355 verso e seguintes e 437 (artigo 229º do requerimento inicial).
12. A (…), AG e o Requerido (…) eram acionistas da sociedade comercial anónima (…) Atlântico – Prestação de Serviços de Saúde, S.A. , com sede no Edifício (…), (…), freguesia e concelho de Portimão, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva (…), com o capital social de € 100.300,00, na proporção de 70% e 30%, respetivamente, das ações representativas do capital social, fls. 44 verso (artigos 16º e 23º do requerimento inicial).
13. Os ora Requeridos (…), (…) e (…) eram sócios da (…), AG à data da respetiva liquidação (artigo 184º do requerimento inicial).
14. Conforme resulta da certidão do registo comercial do Cantão de (…), a dissolução da (…), AG foi deliberada por assembleia geral extraordinária de 12 de setembro de 2014. A “(…)” fê-lo sem o comunicar à ora Requerente, por forma a impedir a Requerente de tomar conhecimento daquele processo e de nele exercer os seus direitos, permitindo-lhe transmitir o respetivo património para os respetivos acionistas (artigos 10º a 12º e 139º do requerimento inicial).
15. Segundo a procuração junta aos autos com a Contestação da (…), AG, o Requerido (…) era sócio e gerente da (…), AG, fls. 321 verso (artigo 152º do requerimento inicial).
16. Não obstante a Tagus AG já se encontrar em processo de dissolução, nem aquela, nem o seu I. Mandatário e nem os Requeridos (…) e (…) informaram os autos da ação principal nem, de resto, a própria Requerente, da existência do processo de liquidação da sociedade, a não ser a 11 dias da audiência agendada (artigos 144º e 145º da contestação).
17. No caso dos autos, o liquidatário da (…), AG é o ora Requerido (…), conforme resulta do extrato do registo comercial junto a fls. 320 verso (artigo 151º do requerimento inicial).
18. Nos termos do direito suíço, as sociedades em liquidação são representadas pelo respetivo liquidatário – artigos 742.º a 745.º do Código das Obrigações Suíço dispõem o seguinte, a propósito das Aketiengesellschaft, i.e., sociedade anónima como era o caso da (…), AG:
- Os liquidatários da sociedade devem elaborar um balanço de liquidação (cfr. artigo 742.º, n.º 1, do Código das Obrigações Suíço);
- Os credores devem ser informados da dissolução da sociedade e convidados a reclamarem créditos (cfr. artigo 742.º, n.º 2, do Código das Obrigações Suíço);
- Os liquidatários representam a sociedade em juízo (cfr. artigo 743.º, n.º 3, do Código das Obrigações Suíço);
- O montante dos créditos de credores conhecidos que não tenham reclamado os seus créditos, bem como dos créditos ainda não devidos pela sociedade e das obrigações contestadas pela sociedade, deve ser depositado junto do tribunal (cfr. artigo 744.º, n.os 1 e 2, do Código das Obrigações Suíço);
- Uma vez liquidadas as dívidas da sociedade dissolvida, os seus ativos são distribuídos entre os acionistas na proporção dos montantes com que contribuíram (cfr. artigo 745.º, n.º 1, do Código das Obrigações Suíço), (artigos 148º a 150º do requerimento inicial).
19. A (…), AG foi dissolvida e liquidada em 22 de novembro de 2018, tendo o respetivo património sido distribuído entre os respetivos acionistas (artigos 19º e 141º do requerimento inicial).
20. Até ao requerimento do I. Mandatário de 17 de setembro de 2020, a ora Requerente não foi informada da dissolução da sociedade, nem convidada a reclamar créditos (artigo 159º do requerimento inicial).
21. (…) é conhecido como sendo casado com (…), (artigo 18º do requerimento inicial).
Do acordo de 2008:
22. Em 2008, a ora Requerente tinha interesse em adquirir o aludido imóvel, com vista a desenvolver um projeto de instalação de uma unidade de saúde, vocacionada para o ambulatório, especializada, entre outras, nas áreas de cirurgia, imagiologia, cardiologia, medicina desportiva e turismo médico (artigo 25º do requerimento inicial e artigo 5º do Código de Processo Civil).
23. Neste contexto, em janeiro de 2008, a Requerente, representada pelo então administrador (…), a (…), AG e o Requerido (…) iniciaram negociações tendentes à celebração de um contrato que tinha em vista a aquisição do imóvel da (…) Atlântico (artigo 26º do requerimento inicial).
24. Na sequência das negociações entre as partes, em abril de 2008, a Requerente e os sócios da (…) Atlântico chegaram a acordo e definiram, verbalmente, as condições para a celebração do negócio. Por essa ocasião, foi então acordado o seguinte:
25. A Requerente tomaria posse do imóvel, para desenvolvimento do projeto que tinha delineado, por via da aquisição das participações sociais da (…) Atlântico;
A (…) Atlântico seria objeto de uma reorganização societária, que passava, entre outros, pela transformação da mesma em sociedade anónima;
(i) (ii) transmissão das participações sociais do então sócio (…) para uma sociedade com sede na Suíça e
(ii) (iii) reorganização dos bens da sociedade, por forma a que aquela tivesse como único ativo fixo o imóvel sito em Portimão e como únicos passivos aqueles acordados entre as partes (artigos 28º e 29º do requerimento inicial).
26. Em 6 de novembro de 2008, as partes, incluindo a mulher de (…), formalizaram aquele acordo, através da celebração de um contrato designado Acordo de Intenções (acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, fls. 89 verso (artigo 30º do requerimento inicial).
27. Nos termos do acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, as partes estipularam, inter alia, que
(i) a Requerente iria adquirir a totalidade das ações representativas do capital social da (…) Atlântico;
(ii) o respetivo preço global seria apurado na data do closing, i.e., na data da celebração do contrato de compra e venda das ações;
(iii) a qual deveria ocorrer no dia 29 de Dezembro de 2008, fls. 89 verso (artigos 31º a 33º do requerimento inicial).
28. Nos termos expressamente previstos no acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, a celebração do contrato de compra e venda das ações ficou condicionada à verificação (i) dos pressupostos previstos na Cláusula 1, com a epígrafe Pressupostos, e (ii) das condições previstas na Cláusula 3.4 (artigo 34º do requerimento inicial).
29. Nos termos da Cláusula 1 do acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, era condição para a realização da transação a verificação dos seguintes pressupostos: a) 1.1. A (…) Atlântico – Empreendimentos Imobiliários, S.A., com sede no Edifício (…), (…), freguesia e concelho de Portimão, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Portimão sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva (…), com o capital social de € 100.300,00 (cem mil e trezentos euros), adiante designada por (…) Atlântico ou abreviadamente T.A., tem em curso um processo de reorganização societária 1.2. Na data de formalização da Transação (conforme adiante definida), correspondente à data da assinatura do contrato de compra e venda de ações (adiante designada por "Closing"), a Primeira Subscritora será titular de 70% (setenta por cento) do capital social da (…) Atlântico e o Segundo Subscritor será titular de 30% (trinta por cento) do capital social da (…) Atlântico c) Na data do Closing a (…) Atlântico terá como único ativo fixo um imóvel situado (…), em (…), freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), cujo valor patrimonial ascende nesta data a aproximadamente € 5.960.000,00 e com uma área total de 8720 m2, sendo que, caso o Closing ocorra na Data Projetada do Closing (conforme adiante definida) o balanço da (…) Atlântico será substancialmente idêntico ao respetivo Balanço Pro Forma que se junta como Anexo l. Caso o Closing ocorra na Data Retardada do Closing ( conforme adiante definida), o balanço da (…) Atlântico poderá ser ajustado nos termos previstos na cláusula 1.4 Caso o Closing ocorra na Data Projetada do Closing, a (…) Atlântico terá como passivo uma dívida comercial no valor de aproximadamente € 1.570.000,00 (um milhão e quinhentos e setenta mil euros) acrescido de juros à taxa anual de 5% (cinco por cento) (adiante designada como "Dívida Comercial") e uma dívida a instituições bancárias (adiante designada como "Dívida Bancária") no valor de aproximadamente € 200.000,00 (duzentos mil euros). Se o Closing ocorrer na Data Retardada do Closing o montante da Dívida Bancária poderá ser ligeiramente inferior ao referido valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), atendendo ao tempestivo cumprimento de obrigações vincendas, assumidas pela (…) Atlântico A Terceira Subscritora pretende adquirir, para si só e/ou por entidades singulares ou coletivas por si indicadas, as participações representativas da totalidade do capital social da (…) Atlântico e desenvolver, no imóvel situado em Portimão, um projeto imobiliário destinado à instalação de uma unidade de saúde, vocacionada para o ambulatório, especializada, entre outras, nas áreas de cirurgia, imagiologia, cardiologia e medicina desportiva (cfr. Cláusula 1 do Acordo de Intenções fls. 89 verso), (artigo 35º do requerimento inicial).
30. Por sua vez, nos termos da Cláusula 3.4 do acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, a realização da transação estava condicionada à verificação das seguintes condições: a) 3.4.1. A Primeira Subscritora ser titular de 70% (setenta por cento) do capital social da (…) Atlântico e o Segundo Subscritor ser titular de 30% (trinta por cento) do capital social da (…) Atlântico ; b) 3.4.2. A (…) Atlântico ter como único ativo fixo um imóvel situado no (…), em (…), freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…) ,e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), cujo valor patrimonial ascende atualmente a aproximadamente € 5.960.000,00 e com uma área total de 8.720 m2 ; c) 3.4.3. A (…) Atlântico ter como único passivo a Dívida Comercial e a Dívida Bancária, identificadas na cláusula 1.4. ; d) 3.4.4. O balanço da (…) Atlântico não desviar substancialmente do respetivo Balanço Pró-forma junto como Anexo 1, devidamente certificado pelo Revisor Oficial de Contas da (…) Atlântico; e) 3.4.5. As Partes terem acordado no clausulado do contrato de compra e venda das ações, conforme previsto na cláusula 3.1 – fls. 89 verso (artigo 36º do requerimento inicial).
31. Ainda nos termos do aludido acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, as partes convencionaram que o contrato de compra e venda das participações sociais da (…) Atlântico seria celebrado no dia 29 de dezembro de 2008, ou, no limite, até 29 de março de 2009 – cfr. Cláusulas 5.1 e 5.2.3 do Acordo de Intenções de 6 de novembro de 2008 (artigo 38º do requerimento inicial).
32. Adicionalmente, nos termos e para os efeitos da cláusula 4.1 do acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, a Requerente entregou à (…) AG e ao Requerido (…), a título de adiantamento / princípio de pagamento, o montante global de € 25.000,00, na proporção de 70% e 30%, respetivamente – cfr. Cláusula 4.1 do Acordo de Intenções de 6 de novembro de 2008 (artigo 39º do requerimento inicial).
33. Nos termos do aludido acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, aquele montante seria posteriormente deduzido ao preço global acordado (artigo 40º do requerimento inicial).
34. Sucede que, o contrato de compra e venda de participações sociais não foi celebrado, na data inicialmente agendada de 29 de dezembro de 2008, nem na data limite de 29 de março de 2009: àquelas datas, o processo de reorganização societária da (…) Atlântico que constituía pressuposto e condição essencial do negócio nos termos das Cláusulas 1.1, 1.2, 1.4, 3.4.1., 3.4.3. e 3.4.4. do Acordo de Intenções de 6 de novembro de 2008 ainda não se encontrava completo, como, aliás, foi reconhecido pela (…) AG e pelos Requeridos (…) e (…) nas respetivas contestações apresentadas na ação principal – cfr. artigos 23º a 27º da Contestação da (…) AG e artigos 26º a 30º da Contestação dos Requeridos (…) e (…) a fls. 108 e 198 verso (artigos 41º a 43º do requerimento inicial).
Do acordo de 2009
35. Não obstante a não concretização do negócio nas datas estipuladas no acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008 por não se verificarem os pressupostos e condições estipuladas, as partes mantinham interesse na realização do negócio. Assim, as partes procuraram negociar novas condições para o Acordo de Intenções, tendo então acordado na respetiva alteração por forma a prorrogar o prazo para a celebração do contrato de compra e vendadas ações. De igual modo, as partes acordaram, verbalmente, na realização, pela Requerente, de novo adiantamento do preço global das ações da (…) Atlântico, no montante global de € 50.000,00 (artigos 44.º a 46.º do requerimento inicial).
36. No dia 1 de abril de 2009, a Requerente entregou à (…) AG e ao Requerido (…), a aludida quantia de € 50.000,00, novamente na proporção de 70% e 30%, respetivamente fls. 285 (artigo 47º do requerimento inicial).
37. Em 1 de junho de 2009, as partes formalizaram aquele acordo, através da celebração de novo Acordo de Intenções (acordo de intenções de 1 de Junho de 2009), onde a (…) foi representada por (…), na qualidade de administrador único fls. 285 verso (artigo 48º do requerimento inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).
38. Nos termos do acordo de intenções de 1 de Junho de 2009, as partes estipularam que a celebração do contrato de compra e venda das ações da (…) Atlântico deveria ocorrer em 30 de setembro de 2009 – cfr. Cláusulas 5.1 do Acordo de Intenções de 1 de junho de 2009 (artigo 49º do requerimento inicial).
39. Adicionalmente, a celebração do contrato de compra e venda das ações ficou condicionada à verificação dos mesmos pressupostos e condições que as estipuladas no acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008 – cfr. Cláusulas 1 e 3.4 do Acordo de intenções de 1 de Junho de 2009 (artigo 50º do requerimento inicial).
40. Em particular, a celebração do contrato de compra e venda das ações ficou condicionada: a) à conclusão do processo de reorganização societária (cfr. Cláusulas 1.1, 1.2 e 3.4.1); b) na data do closing, a (…) Atlântico ter como único ativo o imóvel situado no (…), em (…), freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), com uma área total de 8720 m2 e com as características que permitissem à Requerente ali instalar uma unidade de saúde, vocacionada para o ambulatório, especializada, entre outras, nas áreas de cirurgia, imagiologia, cardiologia e medicina desportiva – cfr. Cláusulas 1.3, 1.5 e 3.4.2 (artigo 52.º do requerimento inicial).
41. Naquele acordo de intenções de 1 de Junho de 2009, as partes formalizaram igualmente a obrigação de a Requerente entregar, a título de adiantamento/princípio de pagamento do preço das ações, a quantia de € 50.000,00, que já havia sido cumprida em 1 de abril de 2019 – cfr. Cláusula 4.1 (artigo 53º do requerimento inicial).
42. Adicionalmente, as partes estipularam ainda que a Requerente entregaria à (…), AG e ao Requerido (…), as seguintes quantias a título de adiantamento/princípio de pagamento do preço das ações da (…) Atlântico, na proporção de 70% e 30% respetivamente – cfr. Cláusula 4.2 do acordo de intenções de 1 de Junho de 2009: € 25.000,00, no dia 15 de junho de 2009; € 50.000,00, no dia 30 de junho de 2009; c) € 75.000,00, no dia 31 de julho de 2009; d) € 100.000,00, no dia 31 de agosto de 2009, o que foi integralmente cumprido pela Requerente nas datas ali indicadas, fls. 292-293 verso (artigo 54º do requerimento inicial).
43. Identicamente ao estipulado no acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008, as partes previram que os pagamentos efetuados pela Requerente, a título de adiantamento / princípio de pagamento, seriam deduzidos ao preço global acordado – cfr. Cláusula 4.3 do acordo de intenções de 1 de Junho de 2009 (artigo 56º do requerimento inicial).
44. A data da transação devia ser comunicada pela requerente com a antecedência mínima de 20 dias, cláusula 5.1. (artigo 5.º do Código de Processo Civil).
45. Em 22 de setembro de 2009, as partes celebraram um aditamento ao acordo de intenções de 1 de Setembro de 2009, tendo prorrogado a data para a celebração do contrato de compra e venda de participações sociais da (…) Atlântico para o dia 30 de outubro de 2009, fls. 294 (artigo 57º do requerimento inicial).
46. Na data acordada, o contrato de compra e venda de participações sociais não foi celebrado, por não estarem reunidas, por facto imputável à (…), AG e ao Requerido (…), todas as condições necessárias e pressupostos essenciais do negócio: a reorganização societária a que a (…), AG e o Requerido (…) se haviam obrigado realizar ainda não se encontrava concluída, o que levou ao incumprimento dos pressupostos referidos nas Cláusulas 1.1, 1.3, 1.4 e 3.4.3 do acordo de intenções de 1 de Junho de 2009 (artigos 58º e 59º do requerimento inicial).
47. As partes continuavam, então, ainda interessadas no negócio. Assim, perante o compromisso da (…), AG e do Requerido (…) de assegurar a verificação dos pressupostos e condições essenciais do negócio, as partes encetaram novas negociações, tendo em vista acordar sobre novas condições contratuais, que permitissem a concretização do negócio (artigo 60º do requerimento inicial).
48. No decurso de tais negociações, as partes acordaram, verbalmente, na realização, pela Requerente, de novos adiantamentos do preço global das ações da (…) Atlântico, nos montantes de € 175.000,00 e € 200.000,00, em 20 de outubro de 2009 e 2 de dezembro de 2009, o que a Requerente fez, fls. 295 (artigos 61º e 62º do requerimento inicial). 49. Adicionalmente, foi acordado entre as partes que o contrato de compra e venda das ações da (…) Atlântico deveria ser celebrado até 15 de dezembro de 2009 (art. 63º do requerimento inicial).
50. Antes de 15 de dezembro de 2009, a Requerente tomou conhecimento que, ao contrário do que lhe teriam feito crer, o imóvel que constitui o único ativo da (…) Atlântico não possuía licença de utilização, fls. 297 – o que nunca havia sido referido pela (…), AG e pelo Requerido (…), (artigo 65º do requerimento inicial).
51. Acresce que, como se essa circunstância não bastasse, chegado ao dia 15 de dezembro de 2009, a (…), AG e o Requerido (…) continuavam sem ter concluído integralmente a reorganização societária da (…) Atlântico, que era condição essencial para a realização do negócio, o que, uma vez mais, impediu a outorga do contrato de compra e venda de ações, por não estarem verificados os pressupostos e condições essenciais para a sua celebração (artigos 70º e 71º do requerimento inicial).
Do acordo de 2010
52. Não obstante o exposto, as partes mantiveram o interesse na conclusão do negócio (artigo 72º do requerimento inicial).
53. Em 25 de janeiro de 2010, as partes celebraram uma “Carta de Conforto”, através da qual as partes declaram ter interesse em realizar o contrato de compra e venda previsto no acordo de intenções de 1 de Junho de 2009 e designaram o dia 28 de fevereiro de 2010 para o efeito, fls. 299 verso (artigo 73º do requerimento inicial).
54. Nos termos daquela “Carta de Conforto”, foi ainda previsto que a Requerente entregaria aos vendedores o montante de € 200.000,00 e que, para o caso de o contrato não se celebrar antes do dia 28 de fevereiro de 2010, ocorreria outro pagamento adicional de igual montante nessa data, o que efetivamente sucedeu, tendo pago à (…), AG mais € 280.000,00 e a (…) € 140.000,00, fls. 299 verso a 301 (artigos 74º e 75º do requerimento inicial).
55. Adicionalmente, naquela “Carta de Conforto” as partes declararam não obstante o mesmo ser uma obrigação da (…), AG e do Requerido (…) que a licença do imóvel estava a ser requerida pela requerente, a qual agilizaria todos os esforços com vista à sua obtenção, sem que, porém, a requerente tivesse assumido qualquer obrigação de resultado a este respeito e, ademais, sem que daquela declaração resultasse para a requerente qualquer consequência da não obtenção da licença (artigos 76º e 77º do requerimento inicial).
56. Ora, uma vez mais, chegado à data acordada, não foi outorgado o contrato de compra e venda das ações da (…) Atlântico, porquanto não se encontravam verificados todos os pressupostos e condições essenciais para a sua concretização, nos termos a que a (…), AG e o Requerido (…) se haviam vinculado (artigo 78º do requerimento inicial).
57. Acresce que, por aquela ocasião, foram ainda detetadas outras contingências, para além da falta de licença de utilização do imóvel da (…) Atlântico: por um lado, a Requerente detetou que existia uma divergência significativa da área real do imóvel da (…) Atlântico face à que constava do respetivo registo predial e que ficou plasmada nos acordos de intenções, pois, ao contrário do que havia sido inicialmente transmitido à Requerente no sentido de que o aludido imóvel tinha uma área total de 8.720 m2, como, aliás, foi expressamente declarado nas Cláusulas 1.2 e 1.2 do acordo de intenções de 6 de Novembro de 2008 e de 1 de Junho de 2009, respectivamente, a sua área era, afinal, de apenas 7.748 m2; por outro lado, na sequência de uma due diligence realizada pela Requerente, esta detetou a existência de uma contingência fiscal de IRC decorrente da cisão da (…) Atlântico realizada em 2008, no valor de € 632.726,00 segundo resultou daquela due diligence, aquando da realização da cisão ficcionou-se um crédito da nova sociedade sobre a (…) Atlântico sem correspondência com a atividade, o que resultaria da necessidade de dotar a nova sociedade com maiores capitais próprios, o que seria contrário às regras societárias e fiscais aplicáveis. Assim, segundo a due diligence, aquela circunstância implicava uma contingência real no valor de € 632.726,00 e que deveria ser provisionada nas contas da (…) Atlântico assim aumentado o respetivo passivo. Tais contingências nunca foram divulgadas pela (…), AG ou pelo Requerido (…), o que contribuiu para a perda da confiança pela Requerente (artigos 79º, 80º, 89º a 94º do requerimento inicial).
Do acordo de 2015
58. Na sequência das contingências identificadas, as partes encetaram novas negociações no decurso de 2012, no sentido de procurar reformular as condições de realização do negócio (artigo 95º do requerimento inicial).
59. Posto isto, atendendo ao impasse entre as partes, no decurso de 2015, as partes encetaram novos contactos, manifestando interesse em honrar os compromissos assumidos no acordo de intenções de 1 de Junho de 2009: por cartas de 10 de junho de 2015 e de 26 de junho de 2015, a (…), AG ali representada pelo Requerido (…), aparentemente na qualidade de administrador e o Requerido (…) e a Requerente, respetivamente, manifestaram esse mesmo interesse, fls. 301 verso / 302 verso (artigos 98º e 99º do requerimento inicial).
Na carta de 26 de junho de 2015 remetida pela Requerente à (…), AG e ao Requerido (…), aquela referiu o seguinte: «No que respeita ao contexto explanado na V/missiva, cumpre-nos completar o histórico por V. Exas. indicado, com as principais ocorrências, a seguir, brevemente, enunciadas e do perfeito conhecimento de V. Exas.: O agendamento da Transação (closing), por parte da (…), para 15 de Dezembro de 2009, acompanhada da minuta do contrato, em cumprimento com o teor do aludido acordo de intenções; A falta de licença de utilização do imóvel, identificado na V/carta, da qual a (…), apenas em Dezembro de 2009, teve conhecimento, cuja omissão impossibilitou a celebração da Transação; O compromisso, assumido por V. Exas., de diligenciar pela obtenção da aludida licença de utilização, manifestada, entre outros, na Carta de Conforto, datada de 15 de Janeiro de 2010; Os contínuos reforços efetuados pela (…), a título e princípio de pagamento, tendo V. Exas. Recebido já, a quantia de 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros); As negociações entre as Partes, durante os anos de 2010, 2011 e 2012, com vista a permitir a V. Exas. solucionar a contingência fiscal, no montante de € 632.726,00, referente à cisão da (…) Atlântico, bem como a identificada falta de licenciamento camarário do imóvel, a que acresceu a verificada divergência de área (terreno) em menos 995 m2, entre a área efetiva do imóvel de 7.765 m2, resultante do levantamento topográfico e a área de 8.720 m2, indicada na certidão de registo predial e na cláusula 3.4 do acordo de Intenções. Pelo exposto, permitam-nos relembrar a V. Exas., em complemento à V/ apreciação, que ambas as Partes sempre demonstraram permanente disponibilidade para concretizar a transação, sendo que, todavia, ficámos a aguardar, até ao momento, pela resolução dos problemas identificados, a qual competia a V. Exas., tanto mais que os mesmos constituem condições essenciais para a transação prevista no acordo firmado» – fls. 302 verso (artigo 101º do requerimento inicial) «Não obstante o supra indicado e presumindo que, finalmente, se encontram verificados os pressupostos subjacentes à Transação, era e é nossa intenção honrar os compromissos assumidos, pelo que, de forma a nos ser possível dar cumprimento às formalidades de comunicação do agendamento da Transação (closing), previstas na cláusula 5.1 do acordo de intenções, solicitamos o envio da seguinte documentação, a saber: (…)» – fls. 303 verso (artigo 103º do requerimento inicial).
60. A (…), AG uma vez mais representada pelo Requerido (…), aparentemente na qualidade de administrador e o Requerido (…) responderam à supra citada carta em 10 de julho de 2015, tendo condicionado a celebração do contrato de compra e venda das ações à entrega pela Requerente de documentação que comprovasse a sua capacidade financeira, condicionando, ainda, o envio da documentação solicitada pela Requerente na sua carta de 26 de junho de 2015 e necessária à celebração do contrato de compra e venda das ações, ao envio da aludida documentação comprovativa da sua capacidade financeira, fls. 306 verso (artigos 105º e 106º do requerimento inicial).
61. Na aludida missiva, a (…), AG e o Requerido (…) referiram ainda que continuava a não existir licença de utilização do imóvel – fls. 302 verso (artigo 108º do requerimento inicial).
62. Por carta datada de 29 de julho de 2015, a Requerente interpelou-os para celebrar o contrato de compra e venda das ações no dia 28 de setembro de 2015, pelas 11 horas, na sede da Autora em Lisboa, fls. 309 verso (artigo 109º do requerimento inicial).
63. Na referida carta a Requerente esclareceu ainda que a documentação solicitada pela (…), AG e pelo Requerido (…) não era exigível:
«Quanto ao convite que V. Exas. nos dirigem para envio de declaração a emitir pelo banco financiador da compra, abstemo-nos de aceitá-lo, uma vez que jamais tal envio foi previsto no Acordo de Intenções, competindo, unicamente, à (…) socorrer-se dos capitais, ainda, em falta, para o efeito. Complementarmente, gostaríamos de clarificar que, conforme é do conhecimento de V. Exas., a entrega de documentação a comprovar a capacidade financeira para a aquisição da (…) Atlântico não esteve, nem está prevista no Acordo de Intenções, pelo que a falta da mesma jamais constituirá causa de extinção das obrigações dele emergentes e por todos reconhecidas» – fls. 309 verso (artigo 111º do requerimento inicial).
64. Acontece que, a (…), AG e o Requerido (…) não enviaram a documentação necessária à celebração do contrato de compra e venda das ações e que a Requerente havia solicitado, não tendo logrado responder à última missiva enviada pela Autora, datada de 29 de julho de 2015, o que aqueles não negaram nas respetivas Contestações apresentadas na ação principal, motivo pelo qual a celebração do contrato de compra e venda das ações que estava agendada para o dia 28 de Setembro de 2015 não se realizou (artigos 114º e 115º do requerimento inicial).
65. Posto isto, e sem prejuízo dos efeitos da interpelação efetuada pela Requerente, esta perdeu objetiva e definitivamente o interesse na celebração do aludido negócio, o que declarou formalmente e interpelou (…), AG e o Requerido (…) para, num prazo de 15 dias, procederem ao pagamento da quantia adiantada no âmbito dos Acordo de Intenções, no valor global de € 1.100.000,00, fls. 314 (artigos 115º e 121º do requerimento inicial).
66. Tudo, que culminou com o envio, pela Requerente, de uma carta datada de 22 de novembro de 2016, através da qual, na sequência da frustração daquele acordo de cessação, declarou formalmente a perda de interesse na manutenção do acordo de intenções fls. 314 (artigo 121º do requerimento inicial).
67. Sendo que, face à ausência de pagamento e resposta, a Requerente remeteu nova interpelação em 6 de fevereiro de 2017, fls. 315 verso (artigo 124º do requerimento inicial).
68. Tendo sido igualmente remetidas cópias das cartas datadas de 22 de novembro de 2016 e 6 de fevereiro de 2017 por e-mail para os endereços eletrónicos da (…), AG e o Requerido (…) e ainda para a sede da (…), AG, fls. 317 (artigo 214º do requerimento inicial).
Da ação principal
69. Na sequência, foi proposta pela “(…)” (anterior firma da requerente) ação declarativa de condenação inicialmente intentada contra a (…), AG e os requeridos (…) e (…) em 12 de abril de 2018, que se encontra a correr termos perante este Tribunal, como autos principais, e nos quais pediu a condenação dos ali réus nos seguintes termos: € 1.100.000,00, pelos pagamentos efetuados a título de adiantamentos ao abrigo dos acordos de intenções; € 46.652,05, a título de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde 21 de Março de 2017 até à data da instauração da ação (isto é, 12 de Abril de 2018); c) € 1.100.000,00, a título de indemnização. Subsidiariamente, no caso de se entender não ser devido o montante identificado em c), sem conceder, a Requerente requereu a condenação da (…), AG e dos Requeridos (…) e (…) no pagamento do montante de € 25.000,00, a título de cláusula penal indemnizatória, fls. 56 (artigos 4º a 6º e 215º do requerimento inicial).
70. A (…), AG apresentou contestação na aludida ação judicial em 12 de setembro de 2018 (artigo 128º do requerimento inicial).
71. Foi junta com a Contestação da (…), AG uma procuração, datada de 8 de agosto de 2014, para impedir que a Requerente tomasse conhecimento do processo de liquidação – fls. 321 verso (artigo 155º do requerimento inicial).
72. A ação teve audiência agendada para os dias 29 de setembro e 6 de outubro de 2020, fls. 538 dos autos principais (artigo 7º do requerimento inicial).
73. No dia 17 de setembro de 2020, o mandatário da então Ré (…), AG veio informar os autos de que aquela Ré teria, alegadamente, apresentado em novembro de 2018 pedido de dissolução e liquidação junto das autoridades suíças, o que não fora previamente comunicado à Requerente ou ao Tribunal, quer pela (…), AG, pelo seu I. Mandatário ou pelos Requeridos (…) e (…), que tinham necessariamente conhecimento do mesmo – fls. 566 (artigos 8º e 9º do requerimento inicial).
74. A Requerente encetou diversas diligências no sentido de procurar apurar o que, efetivamente se passou e, caso se confirmasse a liquidação da (…), AG, qual o regime aplicável e a identidade dos respetivos sócios. Sucede que, essas diligências mostraram-se, desde logo, manifestamente dificultadas pelo facto de estar em causa uma sociedade de direito suíço (artigo 132º do requerimento inicial).
75. Em nenhuma das missivas trocadas foi referido pela (…), AG a existência de qualquer processo de liquidação, tendo a mesma continuado a identificar-se apenas como (…), AG, sem alterar a sua designação para identificar que estava em liquidação, e fazendo-se representar pelo Requerido (…), na qualidade de administrador, fls. 324 (artigos 167º a 169º do requerimento inicial).
76. A Requerente já requereu na ação principal a habilitação dos Requeridos (…), (…) e (…), (artigo 206º do requerimento inicial).
77. Notificado, o Mandatário dos réus absteve-se de identificar quem eram, à data da liquidação, os acionistas da (…), AG (artigo 213.º do Código de Processo Civil).
78. Em 6 de dezembro de 2017, a (…), AG e o Requerido (…) enviaram à ora Requerente uma notificação judicial avulsa, com vista a notificá-la para concluir o negócio, fls. 324 verso e seguintes (artigo 170º do requerimento inicial). Não obstante a aludida notificação judicial avulsa ter sido enviada 3 anos após a deliberação da (…), AG a aprovar a respetiva dissolução, a mesma nada alude a este respeito (artigo 171º do requerimento inicial). Naquela notificação judicial avulsa, a (…), AG e o Requerido (…) alegam expressamente que os mesmos são os únicos acionistas da sociedade (…) Atlântico, Prestação de Serviços de Saúde, S.A., tendo, naquela notificação judicial avulsa, sido igualmente junta aos autos a supra referida procuração de 8 de Agosto de 2014, fls. 324 verso (artigos 170º a 173º do requerimento inicial).
79. A Requerente não conseguiu: encontrar o balanço que terá sido preparado pelo liquidatário da sociedade nos termos do artigo 742.º, n.º 1, do Código das Obrigações Suíço; nem aferir se o montante do crédito da ora Requerente se encontra depositado à ordem de tribunal suíço, nos termos do artigo 744.º, n.os 1 e 2, do Código das Obrigações Suíço (artigo 179.º do Código de Processo Civil).
Do património
80. Até à presente data, não foi possível identificar outros bens da (…), AG que não a participação que aquela detinha no capital social da (…) Atlântico (artigo 218º do requerimento inicial).
81. Os requeridos (…), (…) e (…) residem no estrangeiro, não tendo outros bens conhecidos em Portugal (artigo 220º do requerimento inicial).
82. Os Requeridos (…) e (…) são titulares de duas quotas representativas de 100% do capital social da sociedade (…), Explorações Hoteleira, Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva (…) e com o capital social € 200.000,00, tendo apresentado um resultado líquido do período negativo de € 152.464,58, fls. 420 verso/422 verso (artigos 223º, 224º e 226º do requerimento inicial).
*
2.2. Factualidade não provada
Não ficou demonstrado, mesmo indiciariamente:
- Que foi por o negócio não se ter concretizado que o então administrador da autora, Dr.(…), que tinha assumido um papel fulcral nas negociações renunciou ao cargo de Vogal do Conselho de Administração em 3 de dezembro de 2012 (artigos 96º e 97º, parte, do requerimento inicial).
*
Restante matéria
Matéria de direito, conclusiva, repetida ou irrelevante.”
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IV- Fundamentação de Direito

1- Das invocadas nulidades de decisão:
Na respectiva motivação e conclusões recursivas aperfeiçoadas os Apelantes arguiram a nulidade da sentença recorrida “nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”.
Resulta do artigo 615.º, n.º 1, do CPC), que a sentença é nula quando:
“[…]
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Quanto à nulidade plasmada na alínea b):
Sustentam os Apelantes que a sentença recorrida padece de falta de fundamentação por virtude de não constar dela “um só facto concreto” indiciador do periculum in mora, assim como no tocante à desconsideração de personalidade jurídica decidida pelo Tribunal a quo.
Segundo a lição do Prof. José Alberto dos Reis, só a falta absoluta de motivação constitui nulidade, sendo que a insuficiência ou a mediocridade da motivação afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140).
Por seu turno, em douto Parecer, o Prof. Calvão da Silva deixou bem claro que, na sentença, o tribunal tem de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sob pena de se verificar falta de fundamentação de direito (cfr. Col. Jur., 1995, 1º - 7).
Em sede jurisprudencial podemos a este respeito destacar, entre outros, os acórdãos do STJ de 05/05/2005, Processo 05B839; de 21/12/2005, Processo 05B2287; de 18/05/2006, Processo 06B1441; de 19/12/2006, Processo 06B3791; de 10/04/2008, Processo 08B396 e de 06/07/2017, Processo 121/11.4TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis para consulta in www.dgsi.net), reportando-se os indicados, à excepção do último, ao artigo 668.º, n.º 1, b), do CPC, anterior ao NCPC, cuja redacção, todavia, é idêntica à do actual artigo 615.º, n.º 1, b).
Neste último aresto do STJ de 2017 refere-se a propósito da nulidade prevista no supra citado normativo o seguinte:
“A nulidade apontada tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do mesmo C.P.Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «descriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes…».
Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa”.
Retornando ao caso vertente basta uma leitura medianamente atenta da sentença recorrida para percebermos que o Tribunal a quo descriminou, entre os que entendeu revestirem interesse para a decisão do presente procedimento cautelar de arresto, os factos que julgou revelarem-se indiciariamente demonstrados assim como não demonstrados, indicando, outrossim, no segmento da sentença destinado ao enquadramento jurídico, as normas jurídicas entendidas como pertinentes para a solução de mérito do pleito.
Como tal e face ao entendimento doutrinário e jurisprudencial acima registado e que seguimos temos de convir que a sentença recorrida se encontra fundamentada de facto e de direito.
Se os fundamentos de facto descriminados são os mais correctos face à prova apresentada e produzida nos autos, se os mesmos permitem chegar à solução de mérito a que se chegou na sentença recorrida e se as normas indicadas são as pertinentes para as especificidades do caso concreto tudo isso são questões que podem revelar um eventual erro de julgamento, mas não ilustram a nulidade de sentença arguida pelos Apelantes e ora em análise, a qual, como tal, necessariamente improcede.
Quanto à nulidade definida na alínea c):
Sobre ela, dizem-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição atualizada, 2020, Almedina), em anotação ao referido artigo 615.º, o seguinte:
“A nulidade a que se reporta a 1ª parte da alínea c), ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente“ (cfr. pág. 763).
E acrescentam os referidos Autores na obra acabada de citar, relativamente à 2ª parte da alínea c), que:
“A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes” (cfr. pág. 764).
Por seu turno, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 4ª edição, 2019, Almedina), esclarecem o seguinte quanto a esta matéria (pág. 735):
“No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º-1, CC e 238.º-1, CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
Concordamos com a posição expressa pelos Autores referidos.
Descendo ao caso concreto não descortinamos quer em sede de motivação recursiva, quer de conclusões recursivas aperfeiçoadas, a exposição de motivos concretos que permitam a subsunção à previsão legal atinente à nulidade ora em escrutínio.
E na verdade, da leitura do segmento da sentença reservado à respectiva fundamentação fáctica e jurídica não constatamos oposição entre a mesma e o dispositivo da dita sentença que determinou o arresto requerido, assim como não vislumbramos ambiguidade ou obscuridade na fundamentação descrita na sentença recorrida passíveis de inquinar a decisão com o vício de ininteligibilidade.
Do exposto resulta a improcedência das conclusões recursivas também no tocante à nulidade de sentença acabada de abordar.
Quanto à nulidade prevista na alínea d):
Relativamente à nulidade prevista na primeira parte desta alínea d), concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“, diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (obra acima citada em anotação ao mencionado artigo, pág. 764) que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão”.
E acrescentam ainda que “[…] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso”, não obrigando, todavia,“[…] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com «questões» […]”.
Neste sentido saliente-se, entre vários outros , os acórdãos do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo n.º 555/2002 e de 08/02/2011, proferido no processo n.º 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt).
Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte:
“Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”.
E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia”.
Por seu turno, quanto ao chamado “Excesso de pronúncia”, prevenido na 2ª parte da supra identificada alínea d), os Autores supra citados, ainda na obra igualmente acima identificada (pág. 764), enquadram-no na “apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso”.
Também na dimensão jurisprudencial existem ideias solidificadas quanto a esta nulidade.
De acordo com o acórdão do STJ de 04/03/2004, proferido no Processo 04B522, (acessível para consulta in www.dgsi.pt), a nulidade por excesso de pronúncia “reporta-se a questões e não a motivações, ou seja, apenas se reporta a pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes centralizaram o litígio, incluindo as excepções“[…] e não à sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos”.
Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 05/02/2004, proferido no Processo 03B3809, publicado na mesma base de dados.
Descendo de novo ao caso concreto temos de convir que também quanto a esta nulidade não descortinamos a indicação em sede de motivação recursiva, ou de conclusões recursivas aperfeiçoadas, de motivos concretos que permitam a subsunção à sua previsão legal.
De facto, relendo mais uma vez o segmento destinado à fundamentação de direito contido na sentença recorrida, percebemos que as questões essenciais colocadas à apreciação do Tribunal a quo, mormente as reveladas através do requerimento inicial, foram abordadas por aquela, sendo certo que a solução a que se chegou implicou que ficasse prejudicada a apreciação de pedidos subsidiários apresentados conforme ficou claro através do despacho proferido no Tribunal recorrido em 19/04/2022.
Do exposto, resultam ainda improcedentes as conclusões recursivas no tocante a uma suposta nulidade de sentença prevenida na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC.

2-Apreciemos agora a segunda questão objecto do presente recurso, atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
Dispõe o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que:
A relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere sobre este normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, 5ª edição , Almedina, fls. 287), o seguinte:
“O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava …através dos nºs 1 e 2 , alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Em sede de formação da convicção do julgador e por remissão expressa feita a partir do artigo 663.º, n.º 2, última parte, do CPC, mostra-se aplicável o artigo 607.º do mesmo diploma legal, que, na parte que ora releva, estatui o seguinte:
[…]
“4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Resulta do artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
[…]”.
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima citada, a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, “esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas nos mencionados nºs 1 e 2, a), do artigo 640.º, do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Isto dito, baixemos novamente ao caso concreto.
Entendem os Apelantes que o Tribunal recorrido não deveria ter considerado como indiciariamente provado o teor dos factos vertidos sob os pontos 8, 16 e 73 do segmento da sentença recorrida intitulado “Factualidade indiciariamente provada”, pugnando ainda pelo aditamento ao segmento da dita sentença intitulado “Factualidade não provada” de dois pontos de facto.
Comecemos a análise pelo facto vertido sob o ponto 8.
É o seguinte o teor deste ponto de facto:
“8. Conforme resulta do registo central do beneficiário efetivo da (…) Atlântico, o requerido (…) detém 30% do capital social e (…) é atualmente beneficiário efetivo da (…) Atlântico, detendo diretamente, uma participação social de 69,97% do capital social daquela sociedade, participação social essa que era anteriormente detida pela (…) AG.
O Requerido (…) recebeu parte da participação na (…) Atlântico, que pertencia à (…) AG, na liquidação do respetivo património, nos termos do artigo 745.º, n.º 1, do Código das Obrigações suíço fls. 400 v. (arts. 194º a 196º do requerimento inicial).
Na motivação e conclusões recursivas aperfeiçoadas os Apelantes fundamentaram a impugnação no respeitante a este ponto de facto do seguinte modo:
“Por fim, terá que se concluir, quer pela prova testemunhal efectuada, quer pela prova documental existente nos autos, que o ponto 8 da matéria dada como provada, terá que ser incluso na matéria dada como não provada por falta de prova, nesse sentido.”
Como facilmente se percebe, os Apelantes não ilustram devidamente no tocante a este ponto de facto quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo, ou seja julgar o facto em apreço como não provado.
E mesmo que a sua intenção fosse (o que não referem expressamente), a de impugnar este facto através dos excertos do depoimento da testemunha (…), que lograram transcrever no ponto 15.º da motivação recursiva, a verdade é que nada se extrai desses extractos de depoimento que possa sustentar a decisão defendida pelos Apelantes de indemonstração do facto vertido sob o ponto 8.
Na descrição do mencionado ponto de facto n.º 8 consta expressa a documentação onde o Tribunal a quo se ancorou para considerar indiciariamente demonstrado o seu teor (registo central do beneficiário e fls. 400 v dos autos), para ela remetendo no segmento da sentença recorrida destinado à motivação ao referir “O Tribunal alicerçou a sua convicção nos documentos para os quais foi sendo feita referência…”.
Improcede, em consequência, a impugnação apresentada no tocante ao ponto de facto acabado de analisar.
Prossigamos com a análise do facto vertido sob o ponto 16.
Recordemos o respectivo teor:
“16. Não obstante a (…) AG já se encontrar em processo de dissolução, nem aquela, nem o seu I. Mandatário e nem os Requeridos (…) e (…) informaram os autos da ação principal nem, de resto, a própria Requerente, da existência do processo de liquidação da sociedade, a não ser a 11 dias da audiência agendada (arts. 144º e 145º da contestação)”.
Este facto está directamente relacionado com o facto também indiciariamente demonstrado na sentença recorrida e vertido sob o ponto 73, igualmente impugnado pelos Apelantes, cujo teor igualmente passamos a transcrever:
“73. No dia 17 de setembro de 2020, o mandatário da então Ré (…) AG veio informar os autos de que a aquela Ré teria, alegadamente, apresentado em novembro de 2018 pedido de dissolução e liquidação junto das autoridades suíças, o que não fora previamente comunicado à Requerente ou ao Tribunal, quer pela (…) AG, pelo seu I. Mandatário ou pelos Requeridos (…) e (…), que tinham necessariamente conhecimento do mesmo – fls. 566 (arts. 8º e 9º do requerimento inicial)”.
Quanto a este último ponto de facto, entendem os Apelantes que a redacção do mesmo deverá ser alterada para o seguinte:
“73. No dia 17 de Setembro de 2020, o mandatário da então Ré (…) AG veio informar os autos de que aquela Ré teria, alegadamente, apresentado em Novembro de 2018 pedido de dissolução e liquidação junto das autoridades suíças, o que não fora previamente comunicado à Requerente ou ao Tribunal pela (…) AG”.
Para sustentar a solução que defendem relativamente aos dois pontos de facto em apreço, (sendo que no atinente ao ponto 73 os Apelantes referem primeiramente que deve ser considerado como não provado e subsequentemente pugnam por uma mera alteração da respectiva redacção, conforme se alcança do cotejo do ponto 7.º com o 19.º da motivação recursiva e da alínea C – com a H – das conclusões recursivas aperfeiçoadas), limitam-se a referir “não se descortinar qualquer evidência valorativa que permita concluir que os Recorrentes (…) e (…) tinham conhecimento da situação de dissolução e liquidação da (…) AG”.
No quadro referido conclui-se que também aqui não foram indicados meios de prova concretos aptos a ilustrarem a diversa solução preconizada pelos Apelantes, sendo que os excertos transcritos no ponto 15 da motivação recursória (que também não surgem expressamente apontados à impugnação dos dois pontos de facto ora em apreciação), tão pouco permitem sustentar a solução defendida uma vez que deles nada se extrai a propósito.
Recordemos apenas o que ficou expresso no segmento da sentença recorrida atinente à convicção do julgador e que permitiu considerar indiciariamente demonstrada a factualidade descrita nos pontos 16 e 73 sobre que temos vindo a incidir a nossa atenção.
“O Tribunal alicerçou a sua convicção nos documentos juntos para os quais foi sendo feita referência e no teor dos depoimentos testemunhais que revelaram conhecimento da factualidade compatível com o resultado dos documentos analisados e para os quais foi feita referência. Houve factos relevantes apurados e assim elencados, ao abrigo do art. 5.º do Código de Processo Civil. O Tribunal, nesta sede indiciária também se socorreu das regras da experiência para concluir, por exemplo, que se os requeridos não comunicaram à requerente a liquidação era porque não queria que soubesse, designadamente, para não exercer os seus alegados direitos no respetivo processo. Com efeito, mantinham contacto quer por cartas, quer em reuniões, quer no processo judicial, pelo que só a esta luz se pode explicar o seu silêncio.”
Concordando com a motivação expressa ora acabada de reproduzir impõe-se julgar improcedente a impugnação da solução de facto contida nos pontos 16 e 23 do segmento da sentença recorrida destinado à factualidade indiciariamente provada.
Nesta sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto pugnaram ainda os Apelantes pela condução ao segmento atinente à “Factualidade não provada” de dois pontos com o seguinte teor:
“2. Os Requeridos (…) e (…) não dispõem de meios económicos suficientes para ressarcir a Recorrida, na percentagem porque respondem, em caso de provimento da ação principal por esta deduzida.
3. O I. Mandatário dos Réus e os Requeridos (…) e (…), tinham conhecimento da apresentação do pedido de dissolução e liquidação da (…) AG junta das autoridades suíças antes da data em que fora comunicado aos autos”.
Também quanto a esta matéria argumentam singelamente com “a falta de prova produzida”.
No tocante ao ponto 3 percebe-se que a solução que adoptamos supra de manutenção da matéria de facto indiciariamente demonstrada nos pontos de facto 16 e 73 nos precisos moldes do que foi decidido na sentença recorrida inviabiliza a pretensão dos Apelantes.
Já quanto ao aditamento à matéria de facto não provada do ponto 2, impõe-se reconhecer a falta de fundamento do pretendido desde logo porque não foi impugnado especificadamente qualquer ponto de facto da matéria considerada como indiciariamente provada na sentença recorrida que respeite directamente à questão da insuficiência de meios económicos dos Apelantes para ressarcir a Apelada.
Na verdade, apesar de se perceber com mediana clareza que os excertos do depoimento da testemunha (…) carreados para o ponto 15.º da motivação recursiva visam essencialmente elucidar sobre o “risco de sonegação de património” por parte dos Apelantes ou “risco para o pretenso crédito da Recorrida” (cfr. pontos 12.º a 14.º da motivação recursiva), certo é que, por um lado, como já percebemos supra, nenhum dos pontos da matéria de facto considerada como indiciariamente provada expressamente impugnados pelos Apelantes respeita directa ou indirectamente a essa matéria e por outro que mais nenhum ponto de facto integrado na factualidade perfunctoriamente demonstrada foi concreta e especificadamente impugnado pelos Apelantes como tendo sido incorrectamente julgado como provado.
Ora a impugnação da decisão relativa à matéria de facto pressupõe que se ataque pontos de facto considerados como provados por se entender que deveriam ter sido julgados como não provados, ou pontos de facto decididos como não provados que se entende que deveriam ter sido considerados como provados, mas não pretender que se decida um facto como não provado sem ter referenciado em concreto a versão dada como provada do mesmo na decisão recorrida.
Do exposto resulta a total improcedência da impugnação relativa à matéria de facto apresentada pelos Apelantes, mantendo-se, assim, inalterada a fundamentação de facto descrita na sentença recorrida.
3-Aqui chegados debrucemo-nos sobre a última questão objecto deste recurso começando por aferir se está, ou não, demonstrado no caso vertente o requisito do periculum in mora
Resulta do artigo 391.º, n.º 1, do CPC, que:
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Este normativo conhece paralelo no direito substantivo, precisamente no artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil (doravante apenas CC), enquadrado sistematicamente nos meios de conservação da garantia patrimonial, prevendo-se aí que:
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
Conforme decorre dos dois preceitos legais acima transcritos para que o arresto possa ser decretado é necessária a verificação de dois requisitos:
- A probabilidade da existência de um crédito,
- O justo receio de perda de garantia patrimonial.
Decorre, outrossim, dos artigos 392.º, n.º 1 e 393.º, n.º 1, ambos do CPC, que recai sobre o requerente do arresto o ónus de alegar e provar a verificação dos dois requisitos legais acima descriminados, os quais deverão verificar-se no momento em que o arresto é peticionado e decretado, sob pena de o procedimento cautelar em apreço se revelar injustificado, bastando comprovar sumária, ou perfunctoriamente, os factos alegados que ilustrem a verificação de tais requisitos.
Relativamente ao primeiro requisito indicado diz-nos Marco Carvalho Gonçalves (“Providências Cautelares”, Almedina, 3ª edição, 217, págs. 222 a 224), o seguinte:
“[…] o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito – mas tão só que seja provável a existência desse direito –, nem tão pouco que a obrigação seja certa, exigível e líquida ou que já se encontre reconhecida pelos tribunais. Pelo contrário, a lei contenta-se com a mera aparência do direito de crédito, podendo tratar-se de um crédito ilíquido ou sujeito a condição ou a termo. […]
Assim a probabilidade da existência do crédito verificar-se-á quando sejam alegados factos que ainda que sumariamente comprovados, demonstrem ser verosímil a existência do direito de crédito do requerente do arresto.”
Já no tocante ao segundo requisito refere o Autor identificado na obra citada (pág. 225), que o justificado receio de perda da garantia patrimonial inerente ao arresto “[…] consubstancia-se no perigo de serem cometidos actos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor […]”.
Pressupõe, por conseguinte, a criação de um perigo de insatisfação do crédito, por virtude do seu titular se deparar com a ameaça de estar a ser objecto de lesão o património do devedor.
Na decisão recorrida entendeu-se que tal pressuposto legal, a par do outro requisito essencial, conhecido como fumus boni iuris, se mostra verificado.
Nas respectivas conclusões recursivas aperfeiçoadas os Apelantes entendem que “não resultam factos concretos que permitam razoavelmente supor a ocorrência efetiva e fundada de lesões à Recorrida, nem mesmo que o perigo invocado está eminente, ou sequer se vislumbra justificação para um justo receio aferível pelo prisma do homem médio.”
Como sustentou o recente acórdão proferido neste Tribunal da Relação de Évora em 23/03/2019 (Proc. n.º 76/19.7T8ABF.E1), acessível para consulta in www.dgsi.pt., “O justo receio de perda da garantia patrimonial, como refere Abrantes Geraldes, « pressupõe a alegação e a prova ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito», sendo este receio o equivalente ao periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências, mas também, por isso, «o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia».
Como ensina o mesmo Autor, «o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva»”.
Ora, atendendo ao que supra deixamos expresso e partindo da análise do acervo dos factos considerados como perfunctoriamente demonstrados na sentença recorrida afigura-se-nos que os requisitos basilares para o decretamento do arresto se verificam no caso em apreço, mormente o pressuposto do perigo na demora sindicado pelos Apelantes neste recurso.
Chamamos à colação para sustentar esta nossa posição designadamente os factos vertidos sob os pontos 10, 11, 14, 16, 19, 20, 73, 75, 77, 79, 80, 81 e 82, que integram o segmento da factualidade considerada como indiciariamente provada da sentença recorrida.
Na base de tais factos julgamos acertado o raciocínio, que secundamos, efectuado na sentença recorrida assente nas premissas que passamos a transcrever:
“Considerando:
- O decurso do tempo;
- A postura da (…) e dos seus indiciados sócios que não comunicaram nem à requerente nem ao processo que a sociedade tinha entrado em liquidação, por deliberação de 2014, com dissolução entretanto operada;
- O desconhecimento de outros bens em Portugal da titularidade dos requeridos (… e ex-donos da … AG), cabendo aos respetivos acionistas responder pelo seu passivo social não acautelado, até ao limite do valor dos bens que receberam na liquidação, como previsto no direito suíço.
[…]
Há que proteger a posição da requerente a fim de que, pelo menos, fique na posição em que se encontrava antes da realização do negócio que não se realizou, reavendo o que prestou.
[…]
…há que ponderar que se vier a ser reconhecido o crédito da requerente sobre os ex-sócios da Tagus, inexiste património conhecido em Portugal.
Note-se que os ex-sócios (…), (…) e (…) são estrangeiros, com residência no estrangeiro (Alemanha e Suíça) e que, não obstante dois deles terem negociado diretamente com a requerente, não deram a conhecer da liquidação e dissolução da sociedade “(…)” quando já tinham sido interpelados para devolver as quantias entregues no âmbito dos acordos celebrados. Falamos de 70% dos valores entregues, uma vez que 30% foram entregues a (…) cujo património também se desconhece, além do indicado, sendo certo que todo o património é facilmente dissipável.
[…]
- Essas pessoas físicas, antes acionistas da (…), que se vinculou, são em parte donas da (…) Atlântico juntamente com (…), o seu administrador único, com poder para esvaziar o património da empresa que tem apresentado resultados negativos.
- O silêncio até à audiência final sobre a liquidação, dissolução e destino dado aos bens da (…), ré na ação principal, que motiva a preocupação da requerente”.
No contexto descrito julgamos, na esteira da conclusão a que chegou o Tribunal a quo, resultar com acentuado grau de probabilidade que a procedência da ação principal, de que este procedimento cautelar constitui incidente, poderá vir a não ter correspondência ao nível da satisfação efetiva do direito da ora Apelada, fazendo, como tal, todo o sentido, viabilizar este último procedimento.
Destarte, conclui-se pela improcedência das conclusões recursivas no tocante à não verificação no caso concreto do requisito essencial do periculum in mora, posto que o mesmo se verifica.
Resta apreciar a questão, também suscitada neste recurso, da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade comercial “(…) Atlântico – Empreendimentos Imobiliários, S.A.”.
Sustentam os Apelantes que os pressupostos de aplicação de tal instituto não se mostram preenchidos por não se ter demonstrado no caso concreto que a sociedade “(…) Atlântico, S.A.”, constitui um veículo de comportamentos abusivos, ou seja, que foi constituída, ou usada de modo ilícito, ou abusivo, para prejudicar terceiros.
Na resposta ao recurso sustenta, porém, a Apelada que “existem índicos de confusão de esferas jurídicas e de instrumentalização da sociedade comercial “(…) Atlântico”, porquanto a mesma constitui “um mero veículo para a venda do imóvel”, que foi arrestado no procedimento cautelar em apreço “para evitar imposto sobre as mais-valias e imposto sobre a transmissão de imóveis”.
A sentença recorrida deitou mão do aludido instituto argumentando com a fundamentação que passamos a transcrever:
“Considerando que:
- A sociedade “(…) Atlântico” é titular do edifício da “(…)” o bem visado com os negócios;
- A “(…) Atlântico” é uma sociedade anónima, mas o capital social está distribuído pelos interlocutores da requerente no negócio, (…), (…) e um seu familiar, (…), figurando como administrador (…);
- O arresto das participações sociais não tem a virtualidade de evitar a alienação do património da sociedade,
Deve proceder-se à desconsideração da personalidade coletiva da sociedade e determinar o arresto dos bens da sua titularidade, isto, tendo ainda em conta que a definição do lado passivo na ação está pendente (após a extinção da “…”), o que poderá envolver a demanda da “… Atlântico” […]
Ali, foi a “(…)” demandada e nessa qualidade contestou”.
Afigura-se correcto entender a desconsideração, ou levantamento, da personalidade jurídica, como uma forma de derrogação, ou de não observância da autonomia jurídica-subjetiva e, ou, patrimonial das sociedades perante os respectivos sócios ou acionistas, com vista a poder responsabilizar estes, por serem os únicos responsáveis, perante credores.
Tal pode ter na sua base práticas de “mistura” de esferas jurídicas, mormente patrimoniais, entre a sociedade comercial e os seus sócios/acionistas.
É já relativamente vasta a abordagem doutrinária nacional sobre esta figura jurídica, com respaldo em vários arestos dos nossos tribunais superiores.
Conforme consta da síntese conclusiva do recente acórdão do STJ de 07/11/2017, que referimos por todos, proferido no Proc.º n.º 919/15.4T8PNF.P1.S1 (acessível para consulta in www.dgsi.pt):
“O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica–,censuráveis e com prejuízo de terceiros. Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa-fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”.
O abuso de direito está previsto no artigo 334.º do CC e contem a seguinte norma:
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
No caso concreto, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade “(…) Atlântico, S.A.” decidida pelo Tribunal a quo visou essencialmente viabilizar juridicamente o arresto do imóvel melhor identificado no ponto 10. da factualidade indiciariamente provada na sentença recorrida.
O contexto factual perfunctoriamente demonstrado na aludida sentença, que foi mantido inalterado por este acórdão, permite-nos concluir que o capital social da sociedade “(…) Atlântico SA” e pese embora esta possua actualmente a forma jurídica de sociedade anónima pertence na realidade desde a liquidação da sua anterior acionista “(…) AG” apenas ao Apelante (…) e aos, também, Requeridos deste procedimento cautelar, (…) e (…), na proporção, respectivamente, de 30%, 69,97% e 0,03%.
A dita sociedade “(…) Atlântico” possui como objecto social empreendimentos imobiliários, tendo actualmente como administrador o Apelante (…).
Porém, apenas possui como único activo conhecido um prédio urbano, precisamente aquele que a Apelada quis adquirir através da aquisição da totalidade das participações sociais da dita sociedade detidas pela extinta (…), S.A. (da qual era acionista o Requerido …) e pelos Apelantes, através de um longo e arrastado processo negocial, no âmbito do qual a Apelada, pelo interesse que mantinha na aquisição do imóvel, foi entregando quantias monetárias cada vez mais avultadas aos Apelantes e à (…) AG, que não lhe foram restituídas nem quando comunicou o desinteresse no negócio motivado pelos constantes obstáculos surgidos no processo negocial os quais deveriam ter sido removidos/ultrapassados pelos Apelantes e restantes Requeridos deste procedimento cautelar, nem posteriormente até à data.
A factualidade perfunctoriamente demonstrada no procedimento cautelar permite-nos, outrossim, perceber que os resultados da actividade negocial da sociedade “(…) Atlântico” têm sido insistentemente negativos nos últimos anos, o que faz temer que esta possa, através do seu actual administrador e ora Apelante (…), colocar o prédio urbano em venda e mesmo que subsista neste momento apenas essencialmente com esse fito, o que é susceptível de colocar manifestamente em causa a finalidade social da “(…) Atlântico, SA” e de prejudicar o interesse de terceiro, neste caso da Apelada em ver-se ressarcida das quantias que foi adiantando no decurso do processo negocial visando a aquisição de tal imóvel.
Destarte, julgamos que face à matéria factual perfunctoriamente demonstrada na sentença recorrida andou bem o Tribunal a quo ao desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade “(…) Atlântico, SA”, com vista a poder ser arrestado o prédio urbano que constitui único activo daquela.
Improcedem, em consequência, na totalidade, as conclusões recursivas dos Apelantes.
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V- DECISÃO
Termos em que, face a todo o exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso de Apelação interposto por (…) e (…)e, consequentemente, decide-se:
1- Confirmar a sentença recorrida;
2- Condenar em custas os Apelantes, atento o disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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Notifique.
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Évora, 12/01/2023
José António Moita (Relator)
Mata Ribeiro (1º Adjunto)
Maria da Graça Araújo (2º Adjunto)