Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA PLANO DE RECUPERAÇÃO HOMOLOGAÇÃO CRÉDITO LITIGIOSO CRÉDITOS LABORAIS POR SALÁRIOS EM ATRASO EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. Para os fins do art. 17.º-E n.º 1 do CIRE – na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei 9/2022, de 11 de Janeiro – não se extinguiam as acções declarativas sobre créditos litigiosos que no PER não foram reconhecidos, ou foram declarados créditos “sob condição”, por pendência de acção judicial sobre a sua existência e montante. 2. No PER, a reclamação de créditos destina-se, apenas, à fixação do quórum deliberativo destinado à aprovação do plano, não constituindo, consequentemente, caso julgado fora desse processo. 3. Deste modo, o PER não dirime em termos definitivos o conflito em relação a créditos controvertidos, não garantindo assim a necessária tutela jurisdicional efectiva, exigida pelo art. 20.º n.º 1 da Constituição. 4. Contendo o plano de recuperação uma cláusula de não extinção dos processos, também por esse motivo não pode ser extinta a acção declarativa para reconhecimento do crédito que anteriormente se encontrava pendente, porque tal excepção também estava contida no art. 17.º-E n.º 1, parte final, do CIRE, na versão em vigor à data da instauração do PER. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Setúbal, AA propôs, em 12.02.2021, acção com processo comum contra Vitória Futebol Clube, S.A.D., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 87.157,50, a título de remunerações vencidas e não pagas e compensação pela resolução do contrato de trabalho com justa causa. Designada audiência de partes para 07.04.2021, nesse acto as partes acordaram na suspensão da instância por 10 dias e, caso não chegassem a acordo, o prazo de contestação iniciar-se-ia no dia seguinte ao fim do prazo de suspensão, o que foi deferido por despacho judicial. No dia 15.04.2021, a Ré apresentou Processo Especial de Revitalização (PER), que tomou o n.º 1975/21.1T8STB do Juízo de Comércio de Setúbal. Nomeado administrador judicial provisório naquele processo, nestes autos foi proferido despacho suspendendo a instância até aprovação e homologação do plano de recuperação. O plano de recuperação aprovado naquele processo foi homologado por sentença de 18.08.2021. Interposta apelação, esta Relação de Évora confirmou a sentença, o que fez por Acórdão de 28.10.2021. Interposta revista, por Acórdão de 05.07.2022 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso. A sentença de homologação do plano de recuperação transitou, assim, em julgado, a 18.07.2022. A lista de créditos apresentada no PER qualifica o crédito do A. como “Privilegiado (sob condição)”. Nessa lista, encontra-se a seguinte nota aposta ao crédito do A.: “Este crédito é reconhecido sob condição suspensiva da sentença que vier a ser proferida na acção n.º 847/21.4T8STB”. O plano de recuperação prevê, para além do mais, o seguinte: - “Pessoal – Créditos Privilegiados – Plano de Regularização: Pagamento da totalidade da dívida, em 138 prestações mensais e sucessivas (…)”; - “Créditos Privilegiados – Créditos sob condição – Plano de Regularização: Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar, a administração da devedora propõe proceder ao seu pagamento nos mesmos e exactos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.”; - “10. Nos termos do artigo 209.º n.º 3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.”; - “11. Os processos não são extintos com a homologação do plano.” Em 02.11.2022 foi proferido nos autos despacho, no qual consta: “Transitado em julgado o despacho que homologou o plano de recuperação junto aos autos, veio o A. requerer o prosseguimento da presente acção, alegando que, embora reconhecido como privilegiado, o seu crédito foi contemplado como estando sujeito a condição. Ora, considerando que o crédito do aqui A., no montante de € 87.819,66 (oitenta e sete mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e seis cêntimos), não foi reconhecido em pleno pela R., é nosso entendimento que, embora o PER não preveja a continuidade da presente acção, tendo cessado a causa de suspensão, deve a mesma prosseguir até final, com vista ao reconhecimento da justa causa de resolução e fixação do valor devido ao trabalhador. Em face do exposto, declaro cessada a suspensão dos autos e determino o seu prosseguimento até final.” Não tendo sido apresentada contestação, por sentença datada de 28.02.2023 foram considerados confessados os factos articulados pelo A. na petição inicial (art. 57.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho) e julgada a acção parcialmente procedente, condenando-se no seguinte: a) “Declaro a resolução do contrato de trabalho do Autor com justa causa licita; b) Condeno o R. a pagar ao A. a quantia de € 83.316,77 a título de remunerações dos meses de Maio a Dezembro de 2020, de remuneração correspondente a 19 dias de trabalho prestado no mês Janeiro de 2021; de proporcionais de férias; e de compensação pela resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa subjectiva; c) Às quantias mencionadas acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o seu vencimento até integral pagamento; d) Condeno a R. a pagar a diferença entre o valor diário do subsídio de desemprego que o Autor irá auferir, calculado com base nos descontos efectuados pela Ré, até ao mês de Maio de 2020, e o valor diário que deveria estar a receber, se os descontos tivessem sido realizados até à data da cessação do contrato de trabalho, a calcular em execução de sentença.” A Ré recorre e conclui: A. O A. deu entrada de acção de Processo de Comum no juízo de trabalho do tribunal de Setúbal em 12/02/2021; B. Em 15/04/2021 a R. face às dificuldades económicas-financeiras que atravessava aliadas à descida da Primeira Liga para o Campeonato de Portugal e ao Covid-19 deu entrada em juízo de um PER; C. O PER foi homologado por sentença em 18/08/2021; D. À data da homologação do PER, dispunha o n.º1 do art. 17ºE do CIRE que, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do PER obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dividas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perduram as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. E. Tendo sido aprovado e homologado o PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte dos que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da devedora, o pagamento desses créditos aquela decisão, vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso. F. Conforme consta do Anúncio do PER junto a 19/04/2021 e sentença junta a 28/09/2022, foi proferida sentença em 18/08/2021 que homologou o plano de revitalização apresentado pela ora ré, transitada em julgado em 18/07/2022, não prevendo o mesmo a continuação de acções laborais. G. Nessa medida, a presente acção deixou de produzir os respectivos efeitos úteis a partir do momento em que foi homologado o PER e, por esse motivo, tornou-se inútil, por não ser possível dar satisfação à pretensão do A. nos termos em que a reclama. H. Ter permitido manter a acção em curso, proferindo sentença, ainda que parcialmente procedente contra a R. sem a extinção da mesma, irá conduzir a que no futuro, seja permitido ao A. reclamar, de novo, eventuais créditos restantes. I. Nestes termos não poderia a presente acção ter prosseguido. J. Pelo que, se deve concluir declarando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, atento ao disposto nos artigos 17-E do CIRE e 277º, al. e), do CPC. Respondeu o A., sustentando a manutenção do julgado e invocando a litigância de má fé da Ré. Nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público formulou parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Cumpre decidir. Os factos a ponderar para a decisão constam do relatório supra elaborado. APLICANDO O DIREITO Da extinção da instância em consequência da homologação do plano de recuperação Preliminarmente, observa-se que ao caso dos autos, atenta a data de instauração do PER da Ré, ainda se aplica a versão do art. 17.º-E do CIRE anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei 9/2022, de 11 de Janeiro – art. 10.º n.º 2 desta lei, dispondo que a nova redacção dos arts. 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do CIRE apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor. Na verdade, face à actual redacção do art. 17.º-E do CIRE, a questão em discussão nos autos nem se colocaria, pois o novo n.º 1 desta norma apenas prevê que o despacho de nomeação do administrador judicial provisório obsta à instauração de acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as acções em curso com idêntica finalidade. E o novo n.º 4 ressalva o caso das acções executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, às quais nem essa suspensão se aplica. Assente, de todo o modo, que ao caso se aplica a anterior versão do art. 17.º-E do CIRE – a que lhe foi conferida pelo DL 79/2017, de 30 de Junho, e pela Declaração de Rectificação 21/2017, de 25 de Agosto – invoca a Recorrente que a instância se deveria extinguir, com a aprovação e homologação do plano de recuperação. Por seu turno, o A. argumenta que o plano de recuperação prevê a continuação destas acções, motivo pelo qual a instância não pode ser extinta, nos termos da ressalva contida na parte final do art. 17.º-E n.º 1 do CIRE, na versão ainda aplicável ao caso dos autos. Com efeito, o plano homologado prevê, expressamente, que “os processos não são extintos com a homologação do plano”, e há a notar que o crédito do A. foi ali qualificado como “Privilegiado (sob condição)”, sendo a condição suspensiva ali identificada a sentença que viesse a ser proferida nestes autos. No Supremo Tribunal de Justiça já foi decidido o seguinte: “I – O PER não tem como finalidade precípua dirimir definitivamente e com força de caso julgado material litígios sobre a existência dos créditos, e daqui que a decisão que recaia sobre as reclamações de créditos é meramente incidental, não constituindo caso julgado fora do respectivo processo. II – O objecto da sentença homologatória do plano é o próprio plano de recuperação, e não o reconhecimento de créditos, pelo que não faz caso julgado quanto à existência destes. III – Se o crédito litigioso não é regulado no plano de recuperação, nada impede o reatamento da acção, que assim não se extingue nos termos do n.º 1 do art.º 17.º-E do CIRE.”[1] Defendendo, igualmente, que o art. 17.º-E n.º 1 do CIRE, na sua anterior versão, exclui do seu âmbito de aplicação a extinção das acções em que se discutem créditos carecidos de definição jurisdicional, vide ainda a seguinte jurisprudência, disponível para consulta em www.dgsi.pt, e que aqui se indica sem preocupação de ser exaustivo: - o Acórdão da Relação de Guimarães de 21.04.2016 (Proc. 4726/15.6T8BRG.G1); - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.09.2018 (Proc. 190/13.2TBVNC.G1.S1); - o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.06.2019 (Proc. 633/18.9T8BRR.L1-4); - o Acórdão da Relação de Guimarães de 19.06.2019 (1712/16.2YIPRT.G1); - o Acórdão da Relação de Lisboa de 02.07.2019 (Proc. 9264/18.2T8SNT-A.L1-7); - da Relação de Guimarães de 18.02.2021 (Proc. 4470/20.2T8GMR-B.G1); - o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.04.2021 (Proc. 1455/10.0TBFUN-J.L1-1); - o Acórdão Relação de Lisboa de 26.05.2021 (Proc. 15326/19.1T8SNT.L1-4); - o Acórdão da Relação do Porto de 08.06.2022 (Proc. 22434/18.4T8PRT-A.P1); e, - o Acórdão da Relação do Porto de 24.10.2022 (Proc. 1121/21.1T8PNF.P1). Concordamos com este entendimento. Note-se que no PER não existe a fase processual de verificação de créditos, pelo que o crédito do aqui A., em discussão nestes autos, não foi objecto, no processo que correu termos no Juízo de Comércio de Setúbal, de qualquer decisão judicial verificando a sua existência e o seu valor. No PER, a reclamação de créditos destina-se, apenas, à fixação do quórum deliberativo destinado à aprovação do plano, não constituindo, consequentemente, caso julgado fora desse processo. Deste modo, o PER não constitui um “procedimento equitativo e justo” destinado a dirimir em termos definitivos o conflito em relação a créditos controvertidos, não garantindo assim a necessária tutela jurisdicional efectiva a que têm direito os credores, exigida pelo art. 20.º n.º 1 da Constituição. A este propósito, escreve Catarina Serra[2]: “No art. 17.º-E, n.º 1, in fine, determina-se a extinção das acções para cobrança de dívidas suspensas, salvo quando o plano de recuperação preveja a sua continuação (…). Bem se compreende esta solução. Havendo aprovação e homologação de um plano de recuperação, os créditos terão sido regulados no plano, pelo que as acções respeitantes a estes créditos não têm, presumivelmente, mais utilidade e podem ser extintas. A verdade é que pode haver créditos não regulados no plano e, no momento da homologação, estar em curso acções que respeitem a estes créditos. Pense-se no caso dos créditos que permanecem litigiosos ou ilíquidos no momento da homologação do plano de recuperação. Pôr-se fim às acções em que se discutem ou definem créditos inviabilizaria o direito (processual) dos sujeitos de ver os seus direitos (substantivos) judicialmente reconhecidos, o que se traduziria numa denegação de justiça, violadora do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Pressupondo que o legislador não desejou este resultado, impõe-se concluir que a letra do preceito contido no art. 17.º-E, n.º 1, vai além do pensamento legislativo, dando origem a uma lacuna oculta, ou seja, a omissão de uma regra aplicável a casos que, sendo embora formalmente abrangidos por uma regra, não são regulados de forma adequada por ela. Por redução teleológica, deverá excluir-se do âmbito de aplicação do art. 17.º-E, n.º 1, na parte respeitante ao efeito extintivo, as situações em que os créditos continuam a necessitar de definição jurisdicional, designadamente os créditos que, não tendo sido reconhecidos, permaneçam litigiosos ou ilíquidos no momento da homologação do plano de recuperação. O alcance do efeito processual (extintivo) da homologação do plano define-se, em regra, por referência ao alcance dos efeitos substantivos do plano, isto é, as acções afectadas pela extinção são aquelas-apenas aquelas-que respeitem aos créditos afectados/modificados pelo plano.” Ademais, no caso dos autos temos uma previsão expressa, contida no plano de recuperação, de não extinção dos processos – o que tem o sentido dos credores e a devedora terem acordado que as acções pendentes não seriam extintas, continuando os seus termos para reconhecimento efectivo do crédito. E este facto também tem o mesmo resultado de não extinção da instância, porque tal excepção também estava contida no art. 17.º-E n.º 1, parte final, do CIRE, na versão em vigor à data da instauração do PER. O que tudo conduz à improcedência do recurso. Da litigância de má fé da Recorrente Argumenta o A. que a Ré litiga de má fé, ao apresentar o presente recurso pretendendo “prejudicar o exercício lícito e legítimo dos direitos do credor Recorrido, com vista à efectividade do seu crédito, colocando, ainda, em causa o princípio do tratamento igualitário dos credores, além de entorpecer a acção da justiça e de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão em crise, manifestando uma preocupação infundada quanto ao facto da sentença proferida (e muito bem) nos presentes autos possa vir a atentar contra o património da devedora, quando bem sabe que uma sentença judicial não dá – como, até à presente data, nunca deu, contrariamente aos créditos efectivos dos outros credores – cumprimento ao plano aprovado no seu PER relativamente ao Recorrido…”. O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, que introduziu a redacção do art. 456.º do anterior Código de Processo Civil que transitou para o actual art. 542.º, afirmava quanto ao elemento subjectivo da litigância de má fé: “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.” Em consequência da Reforma Processual de 1995/96, passaram a ser punidas não só as condutas processuais dolosas mas também as gravemente negligentes ou fundadas em erro grosseiro. Comentando o art. 456.º do anterior Código de Processo Civil, Lopes do Rego escreveu o seguinte: “o regime instituído traduz substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando o tipo de comportamentos que podem integrar a má-fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva, como na objectiva.” No que concerne à al. a) do n.º 2 do art. 542.º, não basta uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade, tornando-se necessário que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, a que não tem direito. Mas esse comportamento não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária; vai para além disto em gravidade e censurabilidade. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância de má fé, tornando-se necessário que se demonstre que a parte não observou os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé. A exigência legal de demonstração de litigância com dolo ou negligência grave, pressupõe a consciência de que se não tem razão, sendo necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência. Exige-se, pois, que a parte tenha agido sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. Daí que se possa afirmar que litiga com má fé a parte que alega uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conhecia, o que significa ter alterado a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer. Expostos os princípios gerais, como já acima expusemos, a circunstância da Recorrente defender um certo fundamento de extinção da instância, não demonstra mais que a defesa convicta de uma perspectiva jurídica que, apesar de diversa da acolhida neste Acórdão, não é fundamento de litigância de má fé. A defesa convicta de uma posição jurídica, nos termos como a Recorrente o faz, não revela a violação dos deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé, motivo pelo qual não deve ser condenada como litigante de má fé. DECISÃO Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Évora, 12 de Julho de 2023 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa __________________________________________________ [1] Em Acórdão de 27.11.2019 (Proc. 3266/17.3T8BRG.E1.S1), publicado em www.dgsi.pt. [2] In Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, págs. 458 e 459. |