Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
825/18.0T8TMR-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FALSIDADE DE TESTEMUNHO
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Dúvidas sobre a prova produzida em anterior julgamento não motivam o recurso de revisão.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 825/18.0T8TMR-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Em 14 de Maio de 2018, (…) e (…) apresentaram, por apenso à ação declarativa sob a forma ordinária com objeto de investigação de paternidade em que foi Autor o Ministério Público e Réu (…), o presente recurso extraordinário de revisão de sentença contra o Ministério Público, (…) e (…), com os demais elementos de identificação vertidos nos autos, pedindo que o Tribunal:
a) “Admita o presente recurso de revisão em que se fará prova, nomeadamente, através de exame de ADN, que os depoimentos que determinaram a Decisão ora recorrida foram depoimentos falsos”;
b) “Ordene a notificação dos recorridos para responderem no prazo de 20 dias”;
c) “E, subsequentemente, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 700.º do CPC, faça seguir os termos do processo comum declarativo”;
d) “E, finalmente, ordene nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 701.º do CPC”.
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O recurso foi rejeitado.
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Deste despacho vem agora interposto o presente recurso onde se conclui da seguinte maneira:
1.ª Contrariamente ao entendido pelo Sr. Juiz, as requerentes não tinham no recurso de revisão de sentença que explicitar que (…) não é o pai biológico de (…), pois este recurso não é ação nova e elas não fazem mais do que continuar a posição do R. na ação de investigação de paternidade, que ele contestou, posição esta que se lhes cola e é inerente.
2.ª Sendo que mesmo a mera dúvida por banda do R. quanto a ser o pai biológico não deixa de lhe facultar o lidimo direito de impugnar a paternidade que lhe é atribuída.
3.ª E as requerentes, contrariamente, ao entendido pelo Sr. Juiz invocaram e sustentaram de forma bastante, para efeitos do disposto na al. b) do art.º 696.º do C.P.C., a falsidade de depoimento ao alegarem como fizeram nos art.ºs 16.º, 17.º, 20.º, 22.º e 24.º do articulado do Recurso de Revisão de Sentença.
4.ª As requerentes pugnam tão só pelo direito à identidade pessoal contido nos art.ºs 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, todos da C.R.P., o que só nas circunstâncias, é salvaguardado com a realização de exames científicos.
5.ª Sendo certo que face à prova produzida, ou antes, face à prova não produzida – exames científicos – no processo de investigação de paternidade embora se tenha que respeitar a sentença enquanto ela estiver em vigor, ninguém pode ficar convencido que o pai biológico do (…) é (…).
6.ª Ora há, presentemente, meios para cientificamente provar que as testemunhas depuseram falsamente e que o (…) não é biologicamente filho de (…).
7.ª Na esteira do decidido no Ac. TRP proferido no processo 430-A/1989.P1, tal falsidade pode ser averiguada na própria instância de recurso da revisão, nomeadamente, através de exames de sangue a realizar na fase rescindente do recurso.
8.ª Assiste às requerentes o direito de provar que, não obstante a sentença, o (…) não é o pai biológico de (…), desde que respeite os pressupostos do recurso especial de revisão.
9.ª Já na decisão recorrida, o Sr. Dr. Juiz faz alarde de total desprezo pela aplicação, em concreto, do direito à identidade pessoal.
10.ª A Decisão recorrida viola, desde logo, o disposto na al. b) do art.º 696.º do C.P.C. e põe em causa o direito à identidade pessoal contido nos art.ºs 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, todos da C.R.P..
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Diga-se, desde já, que concordamos com a decisão recorrida.
O fundamento do recurso é o previsto na al. b) do art.º 696.º, Cód. Proc. Civil: falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida.
O que se alega a este respeito é que pessoas desconhecidas disseram à recorrente (…) que «quiseram que ela soubesse que “isso é uma história mal contada”, que o (…) muito provavelmente não é o pai do (…)»; «E mais lhe disseram, com sentido de responsabilidade e muito seriamente, que a dita casa em que ela morava era frequentada por vários homens, alguns deles casados, homens estes que ali iam e permaneciam, cada um de sua vez, com o fim de terem relações sexuais com a R. (…)».
Mais alegam que as «testemunhas – (…) e (…) – e as ascendentes do (…) depuseram falsamente, designadamente, quanto ao modo de vida da mãe deste à data da sua concepção, quanto à sua sexualidade».
Salvo o devido respeito, isto é muito pouco para pôr em crise uma sentença transitada há muito.
Estamos no domínio do «ouvir dizer», do boato, da insinuação; o que os recorrentes realmente alegam é que outras pessoas dizem algo diferente do que aquelas que foram ouvidas em tribunal. Mas as circunstâncias que são susceptíveis de abalar a credibilidade de um testemunho (de forma a se poder concluir que ele foi mentiroso) não dizem respeito aos factos provados mas antes ao meio de prova em questão e respectiva força probatória. E sobre isto nada temos. Os depoimentos são falsos porquê? Quais os motivos que levaram os depoentes a mentir? Se o que se pretende é retirar credibilidade ao que foi dito, então temos de saber as razões da mentira. Isto não se prova com depoimentos de conteúdo contrário pois tanto uns como outros estão sujeitos à livre apreciação do Tribunal. Aliás, o frequente é que haja testemunhos de sentido diametralmente oposto sem que isto signifique, imediatamente, que algumas das testemunhas minta.
Sendo certo que o que a lei exige é que se prove a falsidade dos depoimentos, então é isso mesmo que é necessário provar; a simples prova de factos diferentes ou contrários não leva à conclusão que os depoimentos prestados no anterior julgamento tenham sido falsos pois o que pode acontecer é que sejam os novos depoimentos os falsos.
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Alegam as recorrentes que se deve realizar um exame científico sobre a relação de filiação.
Mas não. Tal exame não foi feito e isso não é motivo para requerer a revisão da sentença. Como se escreve no despacho recorrido, a «não realização de exame pericial na ação onde a sentença foi proferida não assume relevo, pois que a lei não impunha e não impõe a produção desse meio de prova». O exame em questão não é um documento novo que a parte desconhecesse ou que não pudesse utilizar.
As recorrentes apoiam-se no ac. da Relação do Porto, de 20 de Maio de 2014, onde se considerou que «encontra-se em causa, não um documento, mas um exame e, por outro lado, trata-se de um meio de prova ainda não existente, mas a produzir, fundando-se o requerimento de interposição do recurso unicamente na convicção do autor de que não é o pai biológico da criança e ainda no argumento de que, face aos avanços da técnica, tal realidade irá ser seguramente comprovada pela realização de exames genéticos de paternidade».
Salvo o devido respeito, não retiramos daqui que exista a possibilidade legal de, para efeitos de recurso de revisão, considerar um exame hematológico como um documento superveniente, e ainda menos como um documento com valor de prova plena.
Por isso, a realização deste exame não se enquadra na alínea c) do artigo 696.º.
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Por último, não podemos afirmar que o despacho recorrido viola o direito à identidade pessoal. Pelo contrário, esse direito pessoal (de que é titular só o filho do marido e pai das recorrentes, pois que é só desse direito de que se trata) está garantido com a sentença cuja revisão se pretende.
O que se passa é que as recorrentes não estão convencidas, mas isto nada tem que ver com a revisão de uma sentença transitada em julgado.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelas recorrentes.
Évora, 20 de Dezembro de 2018
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos