Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1186/19.6T8TMR.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A contraordenação ambiental grave, prevista no artigo 31.º, n.º 2, alínea p) do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio, por violação do disposto na al. s), do n.º 1 do artigo 7.º e na al. e), do n.º 3 do artigo 23.º do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo de Bode (POACB), publicado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003, de 10 de maio, e sancionável nos termos do artigo 22.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela lei n.º 114/2015, de 28 de agosto – obras de construção em zona de uso florestal na zona de proteção da Barragem de Castelo de Bode – configura um ilícito instantâneo, embora de efeitos duradouros, consumado e exaurido com a finalização da obra sem a devida licença ou autorização.
II. Não se mostrando feita qualquer referência nos factos provados de que as edificações foram concluídas em momento anterior ao da constatação da infração e dos factos pela entidade fiscalizadora – antes se considerando essa alegação como vertida nos factos não provados -, teremos de aferir a respetiva consumação pela data da efetiva constatação das construções pela entidade fiscalizadora, partindo dessa data como início da contagem do prazo prescricional do respetivo procedimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.

No processo de recurso de contraordenação n.º 1186/19.6T8TMR do Juízo Local Criminal ..., Comarca ..., foi proferida sentença que, apreciando impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), datada de 15.07.2019, na qual AA foi condenado no pagamento da coima de 5.000€ (cinco mil euros), suspensa na sua execução pelo período de um ano, ficando condicionada à demolição da obra realizada no ..., ..., e na sanção acessória de demolição da referida obra, pela prática da contraordenação ambiental grave, prevista no artigo 31.º, n.º 2, alínea p) do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio, por violação do disposto na al. s), do n.º 1 do artigo 7.º e na al. e), do n.º 3 do artigo 23.º do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo de Bode (POACB), publicado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003, de 10 de maio, e sancionável nos termos do artigo 22.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela lei n.º 114/2015, de 28 de agosto (por ser esta a mais favorável ao arguido), decidiu julgar aquele recurso de impugnação judicial totalmente improcedente e, em consequência, confirmada a decisão recorrida.

Inconformado com esta decisão, veio o arguido AA interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:

“1ª. Impõe-se decisão diversa da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, face à prova produzida em sede de audiência, pelo que deverá ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto (artigo 662.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP);
2ª. Da prova testemunhal produzida verifica-se que o barracão se encontra a, pelo menos, mais de 120 metros do nível pleno de armazenamento da cota máxima, aliás tendo em conta os depoimentos das testemunhas, o barracão sempre distará da albufeira entre 150 a 200 metros;
3.ª Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida não deve ser dado como provado o facto provado n.º 4, porquanto tal não resulta da prova junta ao processo, contradizendo, inclusivamente, prova testemunhal, uma vez que tal como se demonstrou, a prova testemunhal, produzida, afirmou expressamente que o barracão dista da albufeira entre 150 a 200 metros;
4.ª Da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida durante a audiência de julgamento, impunha-se decisão diversa sobre o facto não provado I., em que se refere que “a referida edificação foi realizada em 2011 e não em 2014”;
5.ª Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, tendo em conta a prova documental junta aos autos e face ao teor dos depoimentos das testemunhas, deverá ser considerado provado o facto acima transcrito (facto I. constantes da matéria de facto dada como não provada), uma vez que: a) a edificação objeto da presente ação foi realizada em 2012 e não em 2014; b) as obras realizadas e que deram origem ao auto de contra-ordenação levantado em 14.03.2014, eram apenas obras de conservação e manutenção do telhado;
6.ª Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, não poderia ser dado como não provado o facto não provado n.º I, uma vez que as testemunhas BB e CC, militares da GNR, afirmaram que no dia em que realizaram a fiscalização ao local, a edificação já tinha paredes e telhado, ou seja, as obras de edificação da construção, nomeadamente telhado e paredes ficaram concluídas em 2012;
7.ª Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, tendo em conta a prova testemunhal produzida, os documentos juntos ao processo e as fotografias que aqui se dão por integralmente reproduzidos, impunha-se uma decisão diversa sobre o facto n. 4 da matéria provada e o facto n.º I da matéria não provada, devendo ser reapreciados os meios de prova, designadamente documental e testemunhal, e bem assim, alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, com as legais consequências;
8.ª A douta decisão recorrida é nula nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do CPP pois inexiste qualquer enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas e que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão no segmento decisório acima identificado (vd. Ac. STJ de 21.03.2007, Proc. 07P024, in www.dgsi.pt; Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 289) e a forma como a motivação sobre a matéria de facto é efetuada não substitui o exame crítico das provas produzidas em julgamento, que é exigido pelo art. 374º, nº 2, do CPP, e nem satisfazem a exigência legalmente prevista, pelo que a douta sentença recorrida é nula nos termos dos arts. 379.º/1/a) e 374.º/2 do CPP, aplicáveis ex vi do art.º 41.º do RGCO;
9.ª A douta decisão recorrida é nula nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do CPP, pois da mesma não resulta a fundamentação específica da fixação da sanção acessória (vd. Ac. RL, de 10.03.1999, CJ, XXIV, 2, p. 138), limitando-se a concluir que “na decisão administrativa foi imposta esta sanção acessória, que, por adequada e proporcional à factualidade em apreço, se decide manter.” (fls. 9 da sentença recorrida);
10.ª A douta sentença em análise é ainda nula, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do CPP, pois da mesma não resulta a fundamentação específica sobre a culpa do agente nem sequer sobre a concreta medida das penas aplicáveis, limitando-se à utilização de fórmulas tabelares e passe-partout como “quanto à culpa do recorrente, importa referir que esta se revela negligente, pois a arguida não diligenciou por informar-se sobre a necessidade de licença” (vd. fls. 9 da sentença recorrida), não correspondendo e inexistindo na decisão a quo uma exposição quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito (vd. Ac. STJ de 02- 04-2009, CJ (STJ), 2009, T2, p.187);
11.ª A douta sentença recorrida sempre enfermaria ainda dos vícios constantes do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, pois é manifesta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada da douta decisão recorrida (alínea a), do art. 410.º/2 do CPP) dado que, no caso ora em apreço, verifica-se que na douta sentença recorrida foram utilizadas, além do mais, as seguintes expressões nos factos considerados provados: “estavam a ser realizadas obras de construção de um edifício destinado a dar apoio à actividade agrícola”, (Facto 1); - “A construção encontra-se inserida numa área de uso florestal, na área envolvente da albufeira”,
(Facto 2). Resultando assim que constam da matéria de facto considerada provada fórmulas conclusivas, conjeturas, fórmulas passe-partout e conceitos jurídicos que deveriam estar excluídas da matéria de facto considerada provada;
12.ª A douta sentença recorrida padece do vício previsto na alínea a) do art.º 410.º, n.º 2 do CPP por serem utilizados conclusões e expressões jurídicas na decisão da matéria de facto;
13.ª A douta sentença recorrida sempre enfermaria ainda dos vícios constantes do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, pois existe manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação das provas, na parte em que se conclui que “uma vez que a quantia aplicada a título de coima é próxima do limite mínimo aplicável, consideramos que se afigura adequada à gravidade da situação” consubstanciando-se na fundamentação de que “quanto à culpa do agente, importa referir que esta se revela negligente”, assim como que “o grau de
ilicitude é média”, pois a aplicação em mais de 150% do mínimo legal – note-se que, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto a coima mínima é de €2.000,00 e a coima aplicada foi de €5.000,00 –, é manifestamente contrária à fundamentação de que o grau de culpa do arguido é leve e que a ilicitude é média;
14.ª A douta sentença recorrida padece do vício previsto na alínea b) do art.º 410.º, n.º 2 do CPP por manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão;
15ª A douta sentença recorrida padece de erro notório na apreciação das provas, pelo que o facto provado n.º 4 da decisão sobre a matéria de facto não pode ser considerado provado;
16.ª A douta sentença recorrida sempre enfermaria dos vícios constantes do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, pois, por um lado, é manifesta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada da douta decisão recorrida (alínea a), do art. 410.º/2do CPP), por outro lado, por manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão e, por último, sempre existiria erro notório na apreciação das provas, pelo que o facto 4 da decisão sobre a matéria de facto não poderia ser considerado provado e o facto não provado n.º 1 sempre deveria ser considerado como provado;
17.ª Não resulta da decisão condenatória da APA, para lá de qualquer dúvida razoável que o ora Recorrente tenha efetuado qualquer obra ilegal tanto mais que resulta do facto provado n.º 8 que “a Câmara Municipal ..., na pessoa do seu Presidente deferiu o pedido de licenciamento de obras de regularização de construção”;
18.ª A decisão ora recorrida é nula por violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, tendo a sentença recorrida ao decidir manter a aplicação de coima por pretensa construção ilegal sem se pronunciar sobre alegalidade daquele pedido de licenciamento, violando os artigos 18.º, n.º 1, 32.º, n.º 2 da CRP, 11.º da DUDH, 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e 14.º, n.º 2 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, pois no caso ora em apreço, não resulta da decisão condenatória da APA, para lá de qualquer dúvida razoável que o ora Recorrente tenha efetuado qualquer obra ilegal tanto mais que resulta do facto provado n.º 8 que “a Câmara Municipal ..., na pessoa do seu Presidente deferiu o pedido de licenciamento de obras de regularização de construção”;
19.ª À data do auto de notícia, o imóvel objeto da presente contraordenação já se encontrava edificado, pelo menos, desde 2012, inclusivamente com telhado, pelo que sempre seria inaplicável qualquer contraordenação pela criação de nova construção em 2014 (artigo 4º, al. aa) do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo de Bode;
20.ª Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se verificam in casu os elementos objectivos e subjectivos da contraordenação prevista no art.º 31º, n.º 2, al. p) do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio, porquanto inexistia, à data do auto de notícia, qualquer obra de construção de imóvel mas apenas obras de manutenção de um imóvel edificado, no limite, em 2012;
21.ª Na sentença sub judice não foram minimamente respeitados os critérios legais para a determinação da coima e sanção acessória aplicáveis, não se tendo atendido devidamente à gravidade da alegada contra-ordenação e à culpa do agente, pelo que foi frontalmente violado o disposto no art. 18.º do DL 433/82, de 27 de Outubro e o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 266.º/2 da CRP;
22.ª Inexistem quaisquer factos que possibilitem a imputação ao ora recorrente da contraordenação em que vêm condenados pela sentença recorrida, pois, por um lado, e contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se verificam in casu os elementos objectivos e subjectivos da contraordenação prevista no art.º 31º, n.º 2, al. p) do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio, porquanto inexistia, à data do auto de notícia, qualquer obra de construção de imóvel mas apenas obras de manutenção de um imóvel edificado, no limite, em 2012 e, por outro lado, na sentença sub judice não foram minimamente respeitados os critérios legais para a determinação das coimas aplicáveis, não se tendo atendido devidamente à gravidade da alegada contra-ordenação e à culpa do agente, pelo que foi frontalmente violado o disposto no art. 18.º do DL 433/82, de 27 de Outubro e o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 266.º/2 da CRP;
23.ª É inequívoca a violação de um conjunto de princípios fundamentais, constitucionalmente previstos e que vinculam a Administração no exercício das suas funções, nomeadamente, os princípios previstos no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa;
24.ª O princípio do Estado de Direito, expressamente consagrado no artigo 2º da CRP, concretiza-se pela via do respeito por outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, os quais se assumem como princípios definidores do Estado de Direito Democrático e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que é inerente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado;
25.ª Do princípio da boa-fé, com consagração constitucional no referido artigo 266º, n.º 2 da CRP, resulta que a Administração, no exercício da sua atividade, em todas as suas formas e fases, deve agir e relacionar-se de acordo com as regras da boa-fé;
26.ª princípio da boa-fé assume-se assim como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico, apresentando-se como um dos limites da atividade discricionária da Administração;
27.ª O Tribunal Constitucional tem sustentado, por diversas vezes, que o princípio da confiança implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos dos particulares e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afetações arbitrárias ou que se mostrem excessivamente onerosas;
28.ª O ora Recorrente agiu de forma negligente, uma vez que não se informou sobre a necessidade de licença para a realização de obras de construção de um edifício destinado a guardar utensílios de jardinagem, não tendo retirado qualquer benefício económico da atuação;
29.ª A decisão proferida pela Agência Portuguesa do Ambiente, decisão administrativa mantida nos seus exatos termos pelo tribunal a quo, violou os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da proteção da confiança do particular, bem como os princípios da boa-fé, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, todos integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático;
30.ª a decisão administrativa proferida pela Agência Portuguesa do Ambiente, que condenou o ora Recorrente no pagamento de uma coima de 5 mil euros, suspensa na sua execução pelo período de um ano, ficando condicionado à demolição da obra, mostra-se assim ilegal e injusta, por violação de princípios constitucionais, porquanto inexistia, à data do auto de notícia, qualquer obra de construção de imóvel, mas apenas obras de manutenção de um imóvel edificado, no limite, em 2012, tendo o Recorrente agido de forma negligente, sem conhecimento da ilicitude e se ter retirado qualquer benefício económico;
31.ª De acordo com o artigo 204º da CRP “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”;
32.ª A decisão ora em análise viola assim princípios fundamentais constitucionalmente consagrados, nomeadamente o princípio da segurança das situações jurídicas e da proteção da confiança do particular, bem como os princípios da boa-fé, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, todos integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático e que vinculam a Administração no exercício das suas funções, uma vez que inexistem quaisquer factos que possibilitem a imputação ao ora Recorrente da contraordenação em que vem condenado pela sentença recorrida. “
Termina no sentido de a sentença do tribunal ser declarada nula ou revogada a mesma.

A este recurso veio responder o M.º P.º, concluindo nessa resposta:
“1. Em matéria de contraordenações o recurso para o tribunal de Relação está limitado à matéria de direito, por aplicação do art. 75º do RGCO, pelo que o recurso deve ser liminarmente rejeitado na parte em que recorre da matéria de facto.
2. Sem prescindir, o recorrente não invoca qualquer erro concreto de julgamento, apresentando antes uma diferente valoração da prova, o que nunca seria suscetível de alterar a matéria de facto fixada
3. Por outro lado, “no âmbito do processo contraordenacional, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a decisão administrativa, embora apresente alguma homologia com a sentença condenatória penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, possui um nível de exigência e de compreensão inferior, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas” (vide Ac. do TRG de 11-1-2016, acima citado),
4. Ora, o recorrente na impugnação da decisão administrativa nunca colocou em causa a fundamentação desta, sendo contraditório quando invoca esse vício no recurso da douta decisão judicial que se estriba naquela.
5. Exemplo disso é o facto de o arguido pretender agora contestar a localização da edificação em relação à albufeira de castelo de bode, com recurso a testemunhas, mas sem colocar em causa a medição exata, com coordenadas geográficas, feita pelos militares da GNR através de aparelho de GPS próprio para o efeito.
6. A fundamentação da sentença, além da enumeração dos factos provados e não provados, contém uma exposição, completa e concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
7. Por outro lado, ao contrário do que defende o recorrente, a aplicação da medida da coima e da sanção acessória encontram-se devidamente fundamentadas, com descrição do regime legal aplicável e respetiva integração no caso dos autos.
9. No mesmo sentido, não há qualquer contradição na sentença recorrida, mormente na aplicação da coima, na medida em que, não obstante a culpa ser negligente e a ilicitude média, o recorrente tinha já antecedentes por ilícitos contraordenacionais da mesma natureza, razão pela qual as exigências de prevenção não permitiam a aplicação da coima no seu limite mínimo.
10. da douta sentença recorrida constam de forma adequada e suficientemente expostos os fundamentos que presidiram à fixação da concreta medida das penas aplicáveis, incluindo a sanção acessória.
11. bem como aí estão explicitadas de forma adequada e suficiente as condições económicas e sociais do recorrente.
12. Tendo a decisão administrativa e a sentença recorrida, identificado o agente da infração, e elencado, de forma objetiva e clara, os factos que compunham o elemento objetivo, o elemento subjetivo e a correspondente imputação dos mesmos ao recorrente, tal basta para que o recorrente seja punido pela contraordenação confirmada pelo Tribunal a quo, não se verificando qualquer vício.
13. O Tribunal a quo fez uma ponderada análise crítica quanto à prova recolhida, após o que obteve uma plena convicção subtraída a qualquer dúvida razoável sobre a verificação dos factos imputados ao arguido, não tendo aplicação o princípio in dubio pro reo
14. a douta sentença recorrida fez correcta apreciação da prova produzida e do seu texto não resulta, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, insuficiência desta para a decisão ou erro na sua apreciação.
15. Deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida.”

Nesta Relação, pelo Exmo. PGA foi emitido parecer em que, aderindo à argumentação trazida à resposta ao recurso, propugna pela improcedência do recurso.
Dado cumprimento ao disposto no art.º 417º n.º 2 CPP, não houve resposta ao mesmo parecer.

Já neste tribunal, veio o recorrente apresentar requerimento em que suscita a prescrição do procedimento contraordenacional, devendo o ora Recorrente ser absolvido do pedido, pois a prescrição do procedimento contraordenacional encontra-se verificada (vd. artigos 40º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, 28º, n.º 3 do RGCO e artigo n.º 121º n.º 3 do Código Penal).
Notificado para responder a esse requerimento, veio o Exmo. PGA manifestar-se no sentido de que a prescrição ainda não ocorreu.

II.
No despacho liminar remeteu-se a resposta a este último requerimento para a decisão a proferir em conferência.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
No recurso propriamente dito, cujo âmbito é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art.º 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95), face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas são:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Se a decisão recorrida se mostra ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal e aplicáveis ex vi do já citado artigo 41º, nº 1, do R.G.C.O.;
- Se a decisão recorrida padece de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal;
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito (a) no tocante ao enquadramento jurídico dos factos dados como provados [inexistindo no entendimento do recorrente suporte para a afirmação da tipicidade objectiva e subjectiva da contra-ordenação cujo cometimento lhe é imputado], e bem assim (b) no que respeita ao quantum da coima imposta, violando o disposto no artigo 18º, do R.G.C.O.

Antes de apreciar a questão prévia da prescrição do procedimento contraordenacional, importa fazer referência, porque relevante, ao que se mostra inserido na decisão recorrida quanto aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação:
Factos provados
1. No dia 11 de Março de 2014, pelas 16h10, no ..., ..., ... - nas coordenadas geográficas: Lat. ...07, Long. -...77 -, estavam a ser realizadas obras de construção de um edifício destinado a dar apoio à atividade agrícola, com uma área de construção de 160 m2, sem possuir qualquer licença.
2. Na área envolvente não havia qualquer placa de licenciamento da obra, assim como alvará do construtor.
3. A realização das obras referidas foi determinada por AA.
4. A construção encontra-se inserida numa área de uso florestal, na área envolvente da albufeira, a menos de 120 metros do nível pleno de armazenamento da cota máxima, na zona de proteção da albufeira de Castelo do Bode.
5. O arguido AA atuou sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, pois não se informou junto dos serviços competentes de quais os procedimentos a realizar antes de iniciar as obras.

Mais se provou que:
6. A zona envolvente à dos prédios é uma zona de empreendimento turístico.
7. A 28 de novembro de 2011, a Câmara Municipal ..., na pessoa do seu Presidente deferiu o pedido de licenciamento de obras de regularização de construção e contenção de terras (Proc. n.º ...14).
8. No âmbito do processo de contraordenação n.º ...14, por decisão datada de 18 de novembro de 2016, transitada em julgado a 27 de dezembro de 2016, relativamente a factos praticados a 20 de abril de 2011, pelas 11h20, o arguido foi condenado na coima de € 20.000,00 (vinte mil euros) e em custas no valor de € 52,50 (cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punida na alínea, a) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio e da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto.
9. O arguido pagou a coima a 27 de dezembro de 2016, referente ao processo de contraordenação n.º ...14.
10. No âmbito do processo de contraordenação n.º ...13, por decisão datada de 13 de maio de 2016, transitada em julgado a 7 de julho de 2016, relativamente a factos praticados a 26 de julho de 2012, pelas 10h30, o arguido foi condenado na coima de € 15.000,00 (quinze mil euros) e em custas no valor de € 52,50 (cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), pela prática de uma contraordenação multo grave, prevista e punida na alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio e da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto;
11. O arguido pagou a coima a 7 de junho de 2016, relativa ao processo de contraordenação n.º ...13.
12. O arguido não retirou benefício económico mensurável desta atuação.
13. O arguido é engenheiro civil por conta própria e aufere cerca de 10.000€ (dez mil euros) mensais.
14. Vive com a mulher em casa própria.
15. No ano de 2019, o agregado familiar do arguido, composto por si pela sua mulher, declarou a título de rendimentos do trabalho dependente/pensões o valor de 74.628,82€; a título de rendimentos prediais, o valor de 13.394,22€; a título de rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, o valor de 298,88€; a título de alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, o valor de 644.996,26€.

Factos não provados
Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa, designadamente que:
I. A referida edificação foi realizada em 2011 e não em 2014.
II. O arguido teve necessidade urgente de guardar alguns utensílios, que se estavam a deteriorar e são imprescindíveis para manter todo o espaço verde cuidado.
III. O arguido estava convicto que apenas bastava solicitar uma simples licença para a legalização da referida edificação.

Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção a partir da análise crítica dos elementos constantes dos autos, designadamente o auto de notícia, bem como o depoimento das testemunhas BB e CC, militares da GNR, que procederam à fiscalização e elaboraram o referido auto, confirmando a sua autoria e conteúdo, o que fizeram de forma isenta e objectiva. Estas testemunhas explicaram as circunstâncias em que foi realizada a fiscalização e descreveram o respectivo resultado, designadamente a natureza das obras que se encontravam a ser realizadas, elencando os concretos trabalhos levado a cabo e bem assim o modo como fizeram a comparação com a situação anterior. Mais se analisaram as fotografias juntas aos autos e que atestam o estado das obras no momento da fiscalização. Analisaram-se, ainda, os documentos juntos com a impugnação e com a decisão administrativa.
O arguido prestou declarações, dizendo que as obras levadas a efeito ocorreram em 2011 e que pretendia pedir a licença mais tarde. Acrescentou que “já sabia que ia ser incomodado com processos”, mas que ainda assim entende que “podia pedir a licença depois”. Daqui decorre, desde logo, a não prova dos factos vertidos em II e III, pois o arguido colocou em dúvida a necessidade de licença anterior, não apresentando qualquer justificação para urgência descrita.
Porém, tais declarações, bem como o depoimento das testemunhas DD, EE, FF, GG e HH, não foram de molde a infirmar o descrito pelas supra referidas testemunhas, militares da GNR, e pelo que resulta das fotografias juntas aos autos.
Com efeito, as referidas testemunhas, que declaram conhecer o local, não lograram descrever o mesmo - nem a edificação em causa - de uma forma pormenorizada, objectiva e coerente, pelo que, como se disse, não foram suficientes para infirmar o depoimento dos militares da GNR e o teor das fotografias (que é evidente).
Ora, do depoimento das testemunhas militares da GNR decorre – e das fotografias juntas também se conclui – que as obras estavam a ser realizadas no momento da fiscalização e não correspondem a conservação ou manutenção de qualquer edificação existente, mas sim à construção de paredes em cimento e respectivo telhado. Ora, mesmo que as obras tivessem iniciado em 2011, a verdade é que, na data da fiscalização, estavam ainda em curso.
O elemento subjectivo, por insusceptível de prova directa, resulta dos factos objectivos dados como provados, que permitem concluir nesse sentido, sendo certo que o próprio arguido, conhecedor daquele local – e já tendo sido alvo de outras contra-orenações da mesma natureza – devia saber ou diligenciar por saber das restrições à realização de obras naquele local.
As condições económicas do arguido decorrem da declaração fiscal relativa ao ano de 2019 e das próprias declarações prestadas pelo arguido, que se consideraram credíveis.
A falta de benefício económico mensurável decorre da utilização do mesmo, que serve de apoio à agricultura, pelo que a utilidade que o arguido retira do mesmo não é quantificável economicamente.”

Questão prévia:
Para além das questões acima elencadas, por requerimento com entrada a 8-04-2022, já os autos se encontravam a ser processados nesta instância de recurso, veio o recorrente requerer declaração de prescrição do procedimento contraordenacional porquanto, na sua perspectiva, o presente procedimento por contraordenação prescreveu a 11.03.2022.
Tal requerimento mereceu resposta do Exmo. PGA no sentido de que essa prescrição não ocorreu.
A apreciação dessa questão foi relegada para esta decisão final, constatando-se que a mesma mais não é que a reedição de idêntica alegação que se mostra apreciada por despacho proferido em audiência de julgamento – acta de 28 de Junho de 2021 – que se manifestou no sentido de a prescrição do procedimento não se ter verificado e de um requerimento posterior, com a mesma finalidade, apresentado nos autos a 28.0.2021 cujos termos se mostram inteiramente coincidentes com o actual, embora o mesmo não tenha sido apreciado
Naquela acta foi decidido o seguinte:
O recorrente invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
O Ministério Público pugnou pela não verificação de tal prescrição.
Vejamos.
Tratando-se de contraordenação ambiental grave, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, o procedimento contra-ordenacional extingue-se, por efeito de prescrição, logo que, sobre a sua prática, tenham decorrido cinco anos, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção previstas na lei geral.
A contra-ordenação em causa foi praticada em 11.03.2014, data em que se iniciou o prazo prescricional. O arguido foi notificado a 18.01.2018 (fls. 14) para apresentação de defesa, o que interrompeu o prazo prescricional (artigo 28.º, n.º 1, als. a) e c) do RGCO). Nessa sequência, apresentou declarações a 12.02.2018. Estas declarações interromperam, de novo, o prazo prescrional, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, al. c) do RGCO, após o que começou a decorrer novo prazo de 5 anos, o qual se encontrava ainda a decorrer quando, em 15.07.2019, foi proferida decisão administrativa que aplicou a coima (facto que interrompeu, uma vez mais, o prazo de prescrição, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, al. d) do RGCO).
Não decorreu ainda o prazo máximo de prescrição - prazo normal de prescrição crescido de metade (7 anos e meio) previsto no n.º 3 do citado artigo 28º -, pelo que se conclui que ainda não ocorreu a prescrição do procedimento contra-ordenacional, o que se decide.
Quanto à coima (cuja prescrição o recorrente também invoca) não há que apreciar a mesma, pois que o respectivo prazo prescricional apenas se conta a partir do carácter definitivo ou do trânsito em julgado da decisão condenatória (artigo 29.º, n.º 2 do RGCO), o que ainda não ocorreu.”
Passando a apreciar esta concreta questão, actualizada pelo requerimento entrado a 8.04.2022, diremos:
O recorrente invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
O Ministério Público na sua resposta apresentada pelo Exmo. PGA pugnou pela não verificação de tal prescrição.
Vejamos.
Tratando-se de contraordenação ambiental grave, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, o procedimento contraordenacional extingue-se, por efeito de prescrição, logo que, sobre a sua prática, tenham decorrido cinco anos, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção previstas na lei geral.
Tal como consta na sentença proferida em 1.ª Instância que “A contra-ordenação em causa foi praticada em 11.03.2014, data em que se iniciou o prazo prescricional.
O arguido foi notificado a 18.01.2018 (fls. 14) para apresentação de defesa, o que interrompeu o prazo prescricional (artigo 28.º, n.º 1, als. a) e c) do RGCO). Nessa sequência, apresentou declarações a 12.02.2018.
Estas declarações interromperam, de novo, o prazo prescricional, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, al. c) do RGCO, após o que começou a decorrer novo prazo de 5 anos, o qual se encontrava ainda a decorrer quando, em 15.07.2019, foi proferida decisão administrativa que aplicou a coima (facto que interrompeu, uma vez mais, o prazo de prescrição, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, al. d) do RGCO).
Considerou-se, portanto, que a prescrição se iniciou na data em que se tomou conhecimento da infracção (11-03-2014) pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, é omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.
Na sua resposta ao requerimento ora em apreciação, o Exmo, PGA manifesta o entendimento de que, a propósito do início do prazo de prescrição nos ilícitos permanentes, como é o caso, pronunciou-se a Relação de Coimbra através do Acórdão proferido a 1-6-2011, proc. n.º 894/09.4TBCBR.C1, sito em www.dgsi.pt, cujo sumário refere: «O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, é omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Por isso, nos termos do art.º 32º, daquele Diploma Legal, aplica-se, no que a tal respeita, o disposto no art.º 119º, do C. Penal, nomeadamente, o que este estabelece no caso dos ilícitos permanentes
Ainda do mesmo Acórdão pode ler-se: «Nos ilícitos permanentes o estado antijurídico é mantido pelo agente e a sua permanência gera a realização ininterrupta do tipo, renovada por acção da vontade do agente, o que distingue estes ilícitos das infracções instantâneas, mas de efeitos duradouros ou permanentes, em que o agente se liberta da acção inicial sucedendo-se os efeitos mas à margem de qualquer resolução criminosa
Mais continua essa resposta invocando o Ac. da Relação de Lisboa de 24-7-2014, processo n.º 141/09.9POLSB-BE.L1-5 – neste caso a propósito dos crimes permanentes –, também no sitio www.dgsi.pt, cujo sumário (que se transcreve em parte), «II - Os crimes cuja eficácia se estende ao longo de um determinado espaço de tempo, constituem crimes permanentes ou crimes de estado.
III - Nos crimes permanentes, não só a consumação, como a execução, permanecem enquanto se mantiver o estado de compressão do interesse objecto jurídico do crime
Adianta ainda que segundo a sentença recorrida, dos factos provados decorre o seguinte: “o recorrente levava a cabo obras de construção de um edifício em cimento, destinado à guarda de utensílios de jardinagem, sem ter qualquer licença para o efeito, em local cuja construção não é permitida. Mais se provou que o recorrente não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.”
Ora, constituindo então os factos a “construção de edificação em zona de uso florestal na zona de protecção da Barragem de Castelo de Bode” (conforme consta ainda da sentença recorrida), parece-nos que, nos termos do artigo 119.º n.º 2 a) do Código Penal, conclui aquela resposta que o prazo de prescrição só corre desde o dia em que for demolida tal construção (uma vez que o licenciamento não é possível), por estarmos perante um ilícito permanente. Subsistindo a obra – em local cuja construção não é permitida –, mantém-se a infracção e consequentemente a prescrição não se inicia.
Com o devido respeito pelo entendimento manifestado na resposta ao requerimento ora em apreço, não perfilhamos que o ilícito contraordenacional com que somos confrontados nos autos tenha natureza permanente.
Na realidade, tal como se mostra decidido no acórdão da Relação de Coimbra datado de 4.6.2008, relator Fernando Ventura, disponível em ww.dgsi.pt/jtrc, “I - Na categoria dos ilícitos duradouros ou permanentes enquadram-se as infracções em que a realização de acto ou a produção de evento com prolongamento no tempo do estado antijurídico típico por efeito de constante renovação da resolução criminosa do agente, o qual tem a faculdade de lhe por termo a qualquer altura. II - Este tipo de ilícitos estrutura-se em duas fases distintas: uma primeira, que se analisa na produção de um estado antijurídico, e que nada tem de distinto em relação às demais infracções; uma segunda, esta específica e a conferir justificação material ao diferente regime, mormente no domínio da contagem do prazo prescricional, como emerge do artº 119º, nº2, al. a) do CP, correspondente à manutenção desse evento e que consiste no cumprimento do comando (tácito) que impõe a remoção pelo agente dessa compressão de bens ou interesses jurídicos, em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. Assim, no crime permanente, haverá, pelo menos, uma acção e uma omissão, estruturalmente indivisíveis e que a lei integra numa só figura criminosa
III - Ao invés do que sucede com os ilícitos de carácter permanente nos ilícitos instantâneos com efeitos duradouros inexiste o dever jurídico de remoção das consequências duradouras e também a constante renovação da resolução criminosa.
IV - Tendo sido imputada ao arguido uma infracção consubstanciada na construção de uns anexos sem que tivesse previamente obtido a competente licença camarária a infracção consuma-se com a finalização das obras, ainda que os efeitos da infracção se prolonguem no tempo. Estamos, assim, perante um ilícito instantâneo, embora de efeitos duradouros.”
Verificando os argumentos esgrimidos na fundamentação desta decisão “Como ensina Eduardo Correia, este tipo de ilícitos estruturam-se em duas fases distintas: uma primeira, que se analisa na produção de um estado antijurídico, e que nada tem de distinto em relação às demais infracções; uma segunda, esta específica e a conferir justificação material ao diferente regime, mormente no domínio da contagem do prazo prescricional, como emerge do artº 119º, nº2, al. a) do CP, correspondente à manutenção desse evento e que consiste no cumprimento do comando (tácito) que impõe a remoção pelo agente dessa compressão de bens ou interesses jurídicos, em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. Assim, no crime permanente, haverá, pelo menos, uma acção e uma omissão, estruturalmente indivisíveis[viii] e que a lei integra numa só figura criminosa[ix]. Encontramos na esfera criminal exemplos desse tipo de ilícitos nos crimes de sequestro, associação criminosa e de introdução em lugar vedado ao público, sendo o seu figurino perfeitamente compatíveis com o ordenamento contra-ordenacional[x].
Ora, esta tipologia de infracções não se confunde com a dos ilícitos instantâneos com efeitos duradouros pois, nestes, inexiste o dever jurídico de remoção das consequências duradouras e também a constante renovação da resolução criminosa, e tem como exemplos expressivos o furto[xi] ou a bigamia[xii].
Acontece que, ao contrário do que afirma o Ministério Público, a conduta típica não é a da manutenção de construção mas sim a da sua realização, sem que resulte da lei específico dever de a remover e muito menos a constante renovação da resolução por parte do agente. Nessa medida, o tipo contra-ordenacional imputado ao acoimado Manuel de Jesus Gaspar Raimundo conforma-se como ilícito instantâneo, embora de efeitos duradouros, consumado e exaurido com a finalização da obra sem a devida licença ou autorização[xiii]. Diferente seria se a infracção fosse a de ocupação de habitação sem a correspondente licença de utilização (artº 98º, nº1, al. c) do D.L. 555/99, de 16/12), essa sim, contra-ordenação que só fica exaurida quando cessa a ocupação não licenciada.”
[viii] Maia Gonçalves, citando A. Carvalho Filho, escreve: «Ao contrário do crime continuado, em que a acção criminosa é divisível, no crime permanente essa acção é indivisível. ‘O estado violador da lei prolonga-se sem intervalos, numa duração, digamos assim, sem colapsos nem limites, e a qualquer momento está sendo cometido o crime, porque esse ininterrupto estado anti-jurídico é que é, exactamente, o crime. A prescrição, portanto, há-de correr de quando cessa a permanência da acção’», in Código Penal anotado, 1995, vol I, pág. 834.
[ix] Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, 1983 (reimpressão ), nota 1 da pág. 23.
[x] Sobre a distinção entre os ilícitos permanentes e os ilícitos de estado, mormente relativamente a infracções contra-ordenacionais, cfr. ainda os Acs. da Relação de Lisboa de 28/03/2001, 00112623, relator Des. Santos Monteiro, www.dgsi.pt.
[xi] Eduardo Correia, Direito Criminal, vol I, Almedina, 1971, pág. 310.
[xii] Maia Gonçalves, ob. cit, 834.
[xiii] Outros exemplos de contra-ordenações de natureza instantânea no âmbito do regime jurídico da urbanização e da edificação encontram-se no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 21/05/97, CJ, ano 3, pág. 234, referido pelo recorrente nas motivações, e o Acórdão desta Relação de Coimbra de 13-12-2000, Pº 2783/2000, relatora Des. Rosa Coelho, www.dgsi.pt.
Assim, seguindo o entendimento acabado de enunciar, consideramos que o ilícito em questão não tem a natureza de permanente e, daí, poder-se-ia discutir a consequência, como foi seguido no acórdão acabado de citar, a tirar do facto de, na decisão ora sob recurso, não constar a indicação da data da conclusão das obras de construção não licenciadas – no que ali foi considerada como sendo uma insuficiência da matéria de facto para decisão.
No caso de que nos ocupamos, porém, não se mostra feita qualquer referência nos factos provados de que as edificações foram concluídas em momento anterior ao da constatação da infracção e dos factos pela entidade fiscalizadora – antes se considerando essa alegação como vertida nos factos não provados -, pelo que teremos de aferir a respetiva consumação pela data da efectiva constatação das construções pela entidade fiscalizadora, ou seja, 11.3.2014.
Partindo dessa data como a data da prática da infracção e passando a considerá-la como início da contagem, teremos de ponderar, para além das causas de interrupção acima identificadas nos termos do art.º 28º RGCO (notificação do arguido a 18.01.2018, declarações de defesa do arguido a 12.02.2018, decisão administrativa proferida a 15.07.2019 que aplicou a coima), as causas de suspensão referidas no art.º 27º-A do Dec-Lei 433/82 de 27 de Outubro – al.s b) e c) do seu n.º 1 com o máximo estabelecido de 6 meses nos termos do seu n.º 2 – bem como com o período de suspensão decretado pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março, cujo n.º 3 do seu art.º 7º determina “ A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”
Por sua vez, o n.º 4 do citado art.º 7º estabelece que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional “.
Da conjugação do disposto nesses números com o estabelecido na norma interpretativa constante do art.º 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, extraímos que a referida suspensão especial de prazos se iniciou em 9 de Março de 2020.
E essa suspensão manteve-se até 2 de Junho de 2020 – cfr. art.ºs 8º e 10º da Lei 16/2020 de 29/05, que entrou em vigor no dia 3 desse mês e ano.
Dos referidos diplomas resulta, pois, que ao prazo máximo de suspensão da prescrição estabelecido no art.º 27-A n.º 2 acima identificado do RGCO, acrescem:
- 84 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 09/03/2020 e 02/06/2020 nos termos do regime estabelecido pela Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, e da Lei nº 16/2020, de 29 de maio;
- 73 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 22/01/2021 e 05/04/2021 nos termos do regime estabelecido pela Lei n.º 4B/2021, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
Termos assim de concluir, pela aplicação à data inicial do prazo máximo de interrupção – prazo normal de 5 anos, acrescido de metade, referido no art.º 28º n.º 3 - e de suspensão máxima de 6 meses – art.º 27-a n.º 2 todos do RGCO – bem como dos 157 dias das identificadas leis relativas à contenção dos efeitos da pandemia denominada Covid-19 que, na data de cobrança dos autos para efeitos de redistribuição dos mesmos e da realização desta - 20-1-2023 -, a prescrição do presente procedimento contraordenacional já havia ocorrido, o que se declara, determinando o arquivamento dos autos.
Fica deste modo prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

III.
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Subsecção Criminal deste Tribunal em declarar prescrito o presente procedimento contraordenacional e, consequentemente, determinar o respectivo arquivamento.
Sem custas.
Elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário.

Évora, de Abril de 2023
João Carrola
Maria Leonor Esteves
Gomes de Sousa