Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
324/22.6T8PTG.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO
PRAZO
NULIDADE
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O prazo para a impugnação judicial das decisões administrativas é de 20 dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados (artigos 59.º, § 3.º e 60.º, § 1.º Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro. Trata-se de prazo administrativo (não de prazo judicial), pelo que corre em férias judiciais e, quanto a ele, não tem aplicação o prazo adicional dos três dias úteis de multa, porquanto a impugnação é entregue na autoridade administrativa e não no Tribunal (artigo 58.º, n.º 3 RGCO).
II. O conhecimento da data da notificação do Ex.mo Mandatário da arguida é elemento essencial para se aferir da tempestividade ou extemporaneidade da apresentação do recurso de impugnação judicial.
III. A decisão tem que ser compreensível, e, no caso, não se apresenta nem suficientemente clara para poder ser contestada em sede de recurso, nem percetível para o próprio tribunal de recurso, independentemente dessa contestação.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Criminal de Portalegre, no âmbito dos autos com o nº 324/22.6T8PTG foi, em 5 de abril de 2022, proferida a seguinte decisão (transcrição):
“Vi a procuração junta aos autos, considerando-se ratificado o processado.
*
Veio a arguida, ora recorrente, “CR, Lda.” apresentar recurso de impugnação judicial, contra a decisão administrativa proferida pela PSP ..., que aplicou uma coima de 2.000,00 euros, acrescida das custas processuais, por alegada prática de um ilícito contraordenacional. A decisão administrativa foi proferida a 22 de dezembro de 2021, e foi a arguida notificada, sendo aí consignados expressamente os prazos de impugnação judicial – cf. fls. 28-31 e 32-33.
Compulsados os autos, constata-se que a arguida “CR, Lda.” Foi notificada da decisão administrativa, por via de notificação pessoal pelo OPC, efetuada na pessoa de “AA” – cf. certidão da notificação de fls. 33.
O recurso de impugnação judicial foi remetido por carta, com data de 21 de fevereiro de 2022, tendo dado entrada nos serviços da PSP a 22 de fevereiro de 2022– cf. fls. 5 e fls. 35.
O prazo de impugnação judicial das decisões administrativas é de 20 (vinte) dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados –artigos 59.º, n.º 3 e 60.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
Na decisão administrativa foi a arguida recorrente informada que dispunha de 20 dias “após a notificação nos termos do artigo 59.º do RGCO” para impugnar judicialmente a decisão de aplicação da coima. – cf. fls. 31.
De notar que este prazo não é um prazo judicial, mas antes um prazo administrativo, pelo que corre em férias judiciais, e não tem aplicação ao caso o prazo adicional dos três dias úteis de multa (neste sentido cf. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2010, Processo n.° 242/09.3TBCPV.P1, do Tribunal da Relação de Évora de 12-07-2012, processo n.º 179/10.3TBORQ.E1, do Tribunal da Relação de Évora de 06-01-2015, processo n.º 10/14.0T8LAG.E1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2017, processo n.º 255/16.9 T8SCD.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020, processo n.º 239/19.5T8CVL.C1, do Tribunal da Relação de Évora de 12-01-2021, processo n.º 615/20.0T89LAG.E1. Cf. Ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 2/94, de 10 de Março de 1993, publicado no DR- 1.ª Série, de 7 de Maio de 1994).
Igualmente, para o efeito previsto no n.º 2 do artigo 60.º do DL n.º 433/82, «a tolerância de ponto, não se integrando no conceito de feriado, apenas assume relevância se coincidir com o último dia do prazo para a apresentação da impugnação da decisão da autoridade administrativa e implicar o efetivo encerramento do respetivo serviço público. Verificadas as condições descritas, o termo do prazo para o dito fim transfere-se para o primeiro dia útil seguinte». – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020, processo n.º 239/19.5T8CVL.C1.
In casu, tendo a notificação sido efetuada por via pessoal – pelo OPC -, o prazo para impugnação inicia-se no dia útil seguinte ao da notificação sem recurso a quaisquer presunções nomeadamente a decorrente do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2011, acima citado.
Pode-se colocar a dúvida da data em que se considera a arguida notificada, tendo em consideração tratar-se de uma pessoa coletiva. Ora, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2013, processo n.º 45/13.0TBETZ.E1, adotou a seguinte solução: «A notificação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades comerciais, em processo contra-ordenacional deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil. É válida e eficaz a notificação efectuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi recepcionada por pessoa que que assinou o respectivo aviso e do qual consta o número do seu documento de identificação.».
Assim, aderindo aos argumentos tecidos pelo acórdão citado, considera-se que a arguida foi notificada no dia 05 de janeiro de 2022 (cf. artigo 223.º n.º 3 do Código de Processo Civil). Assim, tendo por base esta notificação, o prazo para impugnação da decisão administrativa teria o seu termo no dia 02 de fevereiro de 2022.
No entanto, constata-se que a arguida/recorrente encontra-se representada por advogado (já desde a fase administrativa, já tendo anteriormente sido exercido o direito de defesa – cf. fls. 10 e ss).
Determina o artigo 47.º do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, o seguinte:
«1 – A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2 – A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4 - Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.»

Assim, cumpre agora ter em consideração a data da notificação efetuada ao Il. Advogado.
Ora, dos autos, resulta a existência de um ofício datado de 17-01-2022 (fls. 34), da PSP, onde consta a notificação do Il. Mandatário da arguida, quanto à decisão de contraordenação, fazendo esse ofício fé de que efetivamente a notificação foi efetuada nessa data.
A acrescer que não foi feita prova do contrário.
Isto é, tendo por presente o disposto no artigo 47.º n.ºs 2 e 4 do DL n.º 433/82, sendo de ter em consideração na contagem deste prazo a data em que o Il. Mandatário da sociedade arguida foi notificado – a 17-01-2022 (ofício de fls. 34) -, conclui-se que contando o prazo a partir de 18-01-2022 (1.º dia útil seguinte), então o prazo sempre terminaria a 14 de fevereiro de 2022 (não se aplicando aqui qualquer prazo acrescido de 03 dias, pois não se trata de um prazo judicial, nem se aplicando qualquer presunção, pois não se aplica aqui o artigo 113.º do Código de Processo Penal), sendo certo que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à autoridade administrativa via postal em 21 de fevereiro, ou seja, após o termo do prazo.
O Ilustre Mandatário não alegou, em nenhum momento, que não teve conhecimento da decisão administrativa, nem alegou que foi notificado apenas posteriormente à data constante do ofício. Mesmo que fosse de considerar ser de aplicar ao caso o prazo acrescido de 03 dias, sempre a conclusão seria a mesma, pois o último dia do prazo seria a 17 de fevereiro.
Nem o Il. Mandatário, nem a recorrente alegaram qualquer problema quanto à notificação, nem alegaram desconhecer aquela notificação, naqueles termos e com aquela data, nem alegaram desconhecer a pessoa que assinou a notificação a 05 de janeiro.
De salientar ainda que nem a arguida/recorrente, nem o Il. Mandatário, alegaram, em nenhum momento, que não tiveram conhecimento da decisão administrativa, nem alegaram que foram notificados apenas posteriormente.
Importa assim concluir que o recurso (impugnação judicial) é intempestivo.
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Por todo o exposto e ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1 do DL n.º 433/82 rejeita-se o recurso apresentado pela Arguida/Recorrente, por intempestivo.
Custas a cargo da arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, na observância do disposto no artigo 94.º n.º 3 do DL n.º 433/82 e no artigo 8.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a tabela III anexa ao referido diploma.
Notifique.”
*
Inconformada com a decisão a arguida/recorrente “CR, Lda”, interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
I. Foi aplicada à Recorrente pela autoridade administrativa Polícia de Segurança Pública, uma coima no valor de € 2000,00, acrescida das custas processuais, por alegada prática de um ilícito contraordenacional;
II. A decisão administrativa foi proferida a 22 de dezembro de 2021;
III. A Recorrente foi notificada – na pessoa de AA - da decisão administrativa de condenação em 05/01/2022;
IV. A Recorrente está representada, no processo de contraordenação, por Advogado desde data anterior à notificação pela Entidade Administrativa realizada na pessoa de AA, funcionária da Ré;
V. O Il. Mandatário da Recorrente não foi notificado no dia 17/01/2022;
VI. O Ofício de fls. 34 dos autos não é uma notificação em si mesmo;
VII. Não consta dos autos qualquer referência à forma de notificação ao Il. Mandatário da Recorrente da decisão condenatória;
VIII. O Tribunal “a quo” deveria ter mandado a Entidade Administrativa juntar o comprovativo de notificação do ofício a fls. 34 por forma determinar a data da notificação do Il. Mandatário e consequente início de contagem de prazo para impugnação judicial.
IX. O Il. Mandatário da Recorrente foi notificado da Decisão Administrativa de condenação em 09/02/2022, por meio de carta registada com aviso de receção n.º ...;
X. O prazo – que não é judicial - para impugnar judicialmente a Decisão Administrativa de Condenação iniciou-se em 10/02/2022, suspendendo-se aos Sábados, Domingos e Feriados;
XI. O prazo para a Recorrente apresentar a sua Impugnação Judicial terminou em 09 de março de 2022;
XII. A Recorrente apresentou, em prazo, a sua Impugnação Judicial, via CTT, em 21 de fevereiro de 2022;
XIII. A Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente não foi extemporânea;
Nestes e nos mais termos de Direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência:
a) Ser revogado o Despacho de rejeição por extemporaneidade do Recurso (Impugnação Judicial) apresentado pela Recorrente;
b) Ser, em consequência, admitido o Recurso (Impugnação Judicial) apresentada pela Recorrente.
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos (transcrição):
“O Ministério Público vem, ao abrigo do disposto no art.º 413º, nº 1, do Código de Processo Penal aplicável ex vi art.º 41º nº1 e 74º nº4 do RGCO, apresentar RESPOSTA AO RECURSO interposto pela arguida “CR, Lda”, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I. DO ÂMBITO DO RECURSO:
Nos presentes autos, veio a sociedade “CR, Lda.” impugnar a decisão administrativa proferida pela Polícia de Segurança Pública, que a condenou numa coima no valor de €2000,00, acrescida das custas processuais, pela prática de um ilícito contraordenacional.
Tal impugnação judicial foi rejeitada, por extemporaneidade, por despacho da Mma Juiz de 05.04.2022.
É contra este despacho que a recorrente se bate.
Insurge-se a ora recorrente contra tal decisão, dizendo que o Mandatário da Recorrente não foi notificado no dia 17/01/2022, conforme se considerou no despacho proferido pela Mma Juiz, mas apenas no dia 09.02.2022 pelo que o prazo de interposição de recurso iniciou-se em 10/02/2022, suspendendo-se aos Sábados, Domingos e Feriados, apenas terminando em 09.03.2022.
Consequentemente, ao ter dado entrada do recurso de impugnação judicial em 21.02.2022, o mesmo foi interposto dentro do prazo.
Defende, assim, que deve o recurso de impugnação interposto ser recebido e apreciado.
II- A RESPOSTA
Nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante RGCO), constitui fundamento de rejeição do recurso de impugnação a sua apresentação tardia, ou, nas palavras da lei, “o recurso feito fora do prazo”.
O recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, do RGCO.
É actualmente pacífico o entendimento de que o prazo de 20 dias não tem natureza judicial, pelo que se suspende aos sábados, domingos ou feriados.
A notificação da decisão administrativa é dirigida ao arguido (art.º 47.º, n.º 1, do RGCO), mas já será dirigida ao defensor caso o arguido tenha constituído ou lhe seja nomeado um, hipótese em que o arguido será, apenas, informado através de uma cópia da decisão ou despacho (n.º 2 do art.º 47.º). No caso concreto, atento o facto de a arguida ter previamente constituído mandatário judicial, o prazo de interposição de recurso deve contar-se desde a data de notificação deste último. Contudo, nada se diz no RGCO quanto ao modo concreto de efectivar tal notificação.
Assim sendo, e a nosso ver, há que proceder à aplicação subsidiária das pertinentes normas do processo penal (desde logo, à aplicação do estabelecido no artigo 113º do C. P. Penal), pois esta é a solução que decorre da regra constante do artigo 41º, nº 1, do RGCO (os preceitos reguladores do processo criminal são o direito processual subsidiário aplicável em processo de contraordenação).
Ou seja, neste específico aspecto (forma de efectuar as notificações), ao invés do que se passa com a contagem de prazos, nada obsta a que se lance mão das normas processuais comuns, porquanto nada, em contrário, resulta do RGCO (deste não constam quaisquer disposições específicas sobre a matéria em causa) - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.06.2015 – Proc. 88/14.7T8SSB.E1. Nesta conformidade, de acordo com o disposto no artigo 113º, nº 1, al. b), do C. P. Penal, uma das modalidades admitidas para a notificação é, exactamente, a utilização de via postal registada, tal como aconteceu in casu, de acordo com o referido no recurso ora interposto.
Em tal modalidade de notificação, a notificação presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio. No caso concreto, a notificação da decisão da autoridade administrativa foi efectuada através de ofício remetido para o escritório do ilustre mandatário da recorrente por ofício datado de 17.01.2022 – fls. 34.
Contudo, invoca o Recorrente que tal ofício apenas foi enviado pela Entidade Administrativa ao Il. Mandatário, apenas em 27/01/2022 – tudo conforme registo CTT ..., consultável em (…)
Não se encontra demonstrado que tal registo se reporta ao ofício remetido pela autoridade administrativa contendo a decisão administrativa.
Certo é que, face ao invocado e sumariamente indiciado, trata-se de questão que em nosso entendimento deverá ser apurada, uma vez que a ser assim, o recurso de impugnação terá sido apresentado tempestivamente.
Consequentemente, entendemos que deverá ser notificada a autoridade administrativa Polícia de Segurança Pública – Comando Distrital de ... no sentido de informar em que data e de que forma (se por via postal registada, qual o nº de registo) ocorreu a expedição do ofício de fls. 34. Verificando-se que o mesmo foi enviado em conformidade com o alegado pelo Recorrente, deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que admita o recurso apresentado.
Na negativa, deve ser mantida a decisão de rejeição do recurso, por extemporâneo.
Todavia, V.Exas. decidirão, como sempre, conforme for de lei e de JUSTIÇA!”
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No Tribunal da Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer nos seguintes termos: “(…) Concordamos e damos por reproduzidos os argumentos aduzidos na Resposta à Motivação de Recurso apresentada pela nossa Exmª Colega junto do Tribunal de 1ª instância, entendendo que deverá questionar-se a entidade Administrativa nos termos sugeridos.”
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Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
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O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).
No caso sub judice a questão suscitada pela recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que, por tempestivo, admita o recurso - Impugnação Judicial - apresentado pela arguida, ora recorrente.
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Apreciando
Resulta dos autos que:
- A decisão administrativa foi proferida a 22 de dezembro de 2021– cf. fls. 28-31 e 32-33.
- A arguida “CR, Lda.” foi notificada da decisão administrativa, por via de notificação pessoal pelo OPC, efetuada na pessoa de “AA” – cf. certidão da notificação de fls. 33.
- A notificação da decisão da autoridade administrativa foi efetuada através de ofício datado de 17.01.2022 (cfr. fls. 34) remetido para o escritório do ilustre mandatário da recorrente.
- O recurso de impugnação judicial foi remetido por carta, com data de 21 de fevereiro de 2022, tendo dado entrada nos serviços da PSP a 22 de fevereiro de 2022– cf. fls. 5 e fls. 35.
Ora, dispõe o artigo 59.º do RGCO:
“Forma e prazo
1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”
E dispõe o artigo 60º do mesmo RGCO:
“Contagem do prazo para impugnação
1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”
Nos termos destas disposições legais, o prazo de interposição do recurso é de vinte dias úteis após o conhecimento pelo arguido da decisão administrativa, recurso que será feito por escrito e apresentado à mesma autoridade administrativa.
Tal prazo suspende-se, pois, aos sábados, domingos e feriados, o que significa que este preceito importou as regras de contagem do prazo de impugnação judicial do Código Administrativo. E, como é sabido, o modo de contagem deste prazo é diferente do previsto no direito processual civil, aplicável subsidiariamente ao direito processual penal.
Estamos perante um regime especial do direito das contra-ordenações, sendo que a aplicação em forma subsidiária da lei penal só poderá ter lugar quando não contrarie o disposto no RGCO. As normas de processo penal são, pois, aplicáveis desde que o contrário não resulte deste diploma.
Assim, das regras de contagem do prazo de impugnação judicial estabelecidas no citado artº 60º do RGCO podemos legitimamente concluir que este prazo não tem natureza judicial, mas administrativa.
No Assento nº 2/94 refere-se que “o prazo judicial pressupõe que a acção já está em juízo” e que “o recurso a que alude o art. 59 nº 1 e 3 do DL nº 433/82 não é apresentado em juízo mas perante a autoridade administrativa”, e o STJ concluiu que “fazendo o recurso de impugnação parte da fase administrativa do processo, e não da fase judicial, não pode esse acto – de interposição – ser considerado acto praticado em juízo e, consequentemente, não pode também o respectivo prazo ser considerado «prazo judicial» (…)”.
Os argumentos utilizados nessa decisão do STJ mantêm plena atualidade.
E inexiste qualquer lacuna neste campo da contagem de prazos, demonstrando o artº 60º do RGCO o acolhimento explícito das regras de contagem do processo administrativo, em harmonia com a própria natureza administrativa desta fase de impugnação da decisão que aplicou uma coima.
Ora, como referido na resposta do Ministério Público ao recurso interposto “(…) A notificação da decisão administrativa é dirigida ao arguido (art.º 47.º, n.º 1, do RGCO), mas já será dirigida ao defensor caso o arguido tenha constituído ou lhe seja nomeado um, hipótese em que o arguido será, apenas, informado através de uma cópia da decisão ou despacho (n.º 2 do art.º 47.º). No caso concreto, atento o facto de a arguida ter previamente constituído mandatário judicial, o prazo de interposição de recurso deve contar-se desde a data de notificação deste último.
Contudo, nada se diz no RGCO quanto ao modo concreto de efectivar tal notificação. Assim sendo, e a nosso ver, há que proceder à aplicação subsidiária das pertinentes normas do processo penal (desde logo, à aplicação do estabelecido no artigo 113º do C. P. Penal), pois esta é a solução que decorre da regra constante do artigo 41º, nº 1, do RGCO (os preceitos reguladores do processo criminal são o direito processual subsidiário aplicável em processo de contraordenação). Ou seja, neste específico aspecto (forma de efectuar as notificações), ao invés do que se passa com a contagem de prazos, nada obsta a que se lance mão das normas processuais comuns, porquanto nada, em contrário, resulta do RGCO (deste não constam quaisquer disposições específicas sobre a matéria em causa) - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.06.2015 – Proc. 88/14.7T8SSB.E1.
Nesta conformidade, de acordo com o disposto no artigo 113º, nº 1, al. b), do C. P. Penal, uma das modalidades admitidas para a notificação é, exactamente, a utilização de via postal registada, tal como aconteceu in casu, de acordo com o referido no recurso ora interposto.
Em tal modalidade de notificação, a notificação presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio.
No caso concreto, a notificação da decisão da autoridade administrativa foi efectuada através de ofício remetido para o escritório do ilustre mandatário da recorrente por ofício datado de 17.01.2022 – fls. 34.
Contudo, invoca o Recorrente que tal ofício apenas foi enviado pela Entidade Administrativa ao Il. Mandatário, apenas em 27/01/2022 – tudo conforme registo CTT ..., consultável em (...)
Não se encontra demonstrado que tal registo se reporta ao ofício remetido pela autoridade administrativa contendo a decisão administrativa.”
Verifica-se, assim, que se desconhece, porque não resulta dos autos e a decisão recorrida não o diz, em que data foi o Exmº Mandatário da recorrente notificado da decisão da autoridade administrativa.
Ora, rege o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, que tem como epígrafe “Garantias de processo criminal”:
“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
(…)
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
(…)
10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”
O arguido, como qualquer outro sujeito processual, é um sujeito ativo, é um sujeito participativo em todo o processo. Por conseguinte, deve ser ouvido porque através das suas declarações ele contribui para a decisão do caso concreto.
“O princípio do contraditório tem consagração constitucional (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e significa que “nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/03/2009).
A CRP impõe, no já citado art. 32.º, que o processo penal assegure todas as garantias de defesa ao arguido, a quem a lei confere um estatuto de direitos e obrigações enformados pela ideia nuclear de permitir a efetividade da sua defesa no processo em que é chamado a responder.
É que “o estatuto de arguido – tal como está definido no artigo 61.º do Código hoje vigente – é uma universalidade de direito e de deveres processuais (artigo 60.º), tudo enquadrado numa situação jurídica com contornos específicos. Tal estatuto é enformado por várias manifestações típicas de um único direito, o de defesa e por uma situação processual específica, a decorrente da presunção de inocência (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição” (cfr. José António Barreiros, I Congresso de Processo Penal).
E o artigo 202.º da CRP cuja epígrafe é "Função jurisdicional", consagra uma das modalidades de "separação dos órgãos de soberania estabelecidas na Constituição" mais significativas para caracterizarmos o Estado como um Estado de Direito. Segundo aquele, "os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo", cabendo-lhes "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados" (nºs 1 e 2 daquela disposição).
“A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa “composição de conflitos de interesses”, levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a realização do direito ou da justiça (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990). Aquela função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais têm de ter não apenas a última, mas logo a primeira palavra (cfr. os Acórdãos deste Tribunal nºs 98/88 e 211/90, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, e o segundo nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º Vol., p. 575 e segs.)” (cfr. Ac. do tribunal Constitucional de 19/1271995, acessível in www.dgsi.pt).
E a necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
No dizer dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, o dever de fundamentação é parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objeto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso.
Por sua vez, o art. 41.º, do Regime Geral das Contraordenações dispõe que « sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal».
Do art. 41.º do RGCOC resulta que a importação das soluções do processo criminal está dependente, num primeiro momento, do reconhecimento da necessidade de encontrar uma solução para o caso dentro do regime específico das contraordenações e da inexistência de solução própria neste quadro legal. Feito este reconhecimento entra-se num segundo momento, de aplicação das normas do processo penal. Esta passará, sempre que necessário, por um processo de adaptação, tendo em conta as soluções do processo penal e as especificidades do processo de contraordenação, de forma a respeitar as linhas de estrutura deste processo.
O objetivo do dever de fundamentação é, no ensinamento do Prof. Germano Marques da Silva, permitir “a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina.”
A falta de fundamentação da sentença tem também tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art. 379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.
Declarada a nulidade da sentença, impõe-se devolver o processo ao tribunal que proferiu a sentença, a fim de suprir a nulidade, com elaboração de nova sentença. A consequência processual da declaração da nulidade da al. a), n.º1, do art.art.379.º, n.º1 do C.P.P., é limitada à anulação da decisão.
Compulsando a decisão recorrida verificamos que na mesma se refere que “ In casu, tendo a notificação sido efetuada por via pessoal – pelo OPC -, o prazo para impugnação inicia-se no dia útil seguinte ao da notificação sem recurso a quaisquer presunções nomeadamente a decorrente do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-062011, acima citado.
Pode-se colocar a dúvida da data em que se considera a arguida notificada, tendo em consideração tratar-se de uma pessoa coletiva.
Ora, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2013, processo n.º 45/13.0TBETZ.E1, adotou a seguinte solução: «A notificação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades comerciais, em processo contra-ordenacional deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil. É válida e eficaz a notificação efectuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi recepcionada por pessoa que que assinou o respectivo aviso e do qual consta o número do seu documento de identificação.».
Assim, aderindo aos argumentos tecidos pelo acórdão citado, considera-se que a arguida foi notificada no dia 05 de janeiro de 2022 (cf. artigo 223.º n.º 3 do Código de Processo Civil). Assim, tendo por base esta notificação, o prazo para impugnação da decisão administrativa teria o seu termo no dia 02 de fevereiro de 2022.
No entanto, constata-se que a arguida/recorrente encontra-se representada por advogado (já desde a fase administrativa, já tendo anteriormente sido exercido o direito de defesa – cf. fls. 10 e ss).
Determina o artigo 47.º do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, o seguinte:
«1 – A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2 – A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4 - Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.»
Assim, cumpre agora ter em consideração a data da notificação efetuada ao Il. Advogado.
Ora, dos autos, resulta a existência de um ofício datado de 17-01-2022 (fls. 34), da PSP, onde consta a notificação do Il. Mandatário da arguida, quanto à decisão de contraordenação, fazendo esse ofício fé de que efetivamente a notificação foi efetuada nessa data.
A acrescer que não foi feita prova do contrário.
Isto é, tendo por presente o disposto no artigo 47.º n.ºs 2 e 4 do DL n.º 433/82, sendo de ter em consideração na contagem deste prazo a data em que o Il. Mandatário da sociedade arguida foi notificado – a 17-01-2022 (ofício de fls. 34) -, conclui-se que contando o prazo a partir de 18-01-2022 (1.º dia útil seguinte), então o prazo sempre terminaria a 14 de fevereiro de 2022 (não se aplicando aqui qualquer prazo acrescido de 3 dias, pois não se trata de um prazo judicial, nem se aplicando qualquer presunção, pois não se aplica aqui o artigo 113.º do Código de Processo Penal), sendo certo que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à autoridade administrativa via postal em 21 de fevereiro, ou seja, após o termo do prazo.
O Ilustre Mandatário não alegou, em nenhum momento, que não teve conhecimento da decisão administrativa, nem alegou que foi notificado apenas posteriormente à data constante do ofício. Mesmo que fosse de considerar ser de aplicar ao caso o prazo acrescido de 03 dias, sempre a conclusão seria a mesma, pois o último dia do prazo seria a 17 de fevereiro.”
Impunha-se, porém, explicar como se conclui ter o Ilustre Mandatário da arguida sido notificado no dia 17-01-2022, pois que da documentação junta aos autos apenas resulta que o ofício para notificação do mesmo tem essa data, não que tenha sido notificado nessa mesma data.
E o conhecimento da data da notificação do Exmº Mandatário da arguida é elemento essencial para se aferir da tempestividade ou extemporaneidade da apresentação do recurso de impugnação judicial.
Ora, a decisão tem que ser compreensível, e, no caso, não se apresenta nem suficientemente clara para poder ser contestada em sede de recurso, nem percetível para o próprio tribunal de recurso, independentemente dessa contestação.
O tribunal a quo motivou a decisão de forma insuficiente e incompleta no ponto acabado de assinalar, não explicitando a convicção de modo percetível e objetivado.
Posto isto, face à pretensão da arguida, e tendo em vista a verificação de três momentos fundamentais de caracterização material da função jurisdicional: ser dirigido à resolução de uma questão jurídica pela via da extrinsecação e da declaração do direito que é; ser praticado segundo perspetiva estrita e exclusivamente jurídica; prosseguir o interesse público da realização da justiça (cfr. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Atos do Estado, Lisboa, 1990, pág. 43), cabia ao Tribunal a quo diligenciar por trazer aos autos elementos atinentes à exata data da notificação do Exmº Mandatário da arguida, essencial para a prolação da decisão, o que não fez.
Por tudo se conclui que a decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação de facto.
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Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: - declarar nula a decisão recorrida e determinar que pelo mesmo tribunal seja proferida nova decisão expurgada do vício enunciado e onde seja suprida a omissão apontada.
- Sem tributação.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Évora, 13 de julho de 2022
Laura Goulart Maurício
Maria Filomena Soares
Maria Fernanda Palma