Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1333/12.9TXLSB-W.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
EVOLUÇÃO DA PERSONALIDADE DO RECLUSO
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão (prevista no art.º 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal) deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.

II – Assim, uma evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.

III - O padrões mencionados em I poderão revelar-se, quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

IV – A natureza dos crimes cometidos pelo recluso (homicídio qualificado e ofensa à integridade física qualificada) e a gravidade das penas (parcelares e única) em cumprimento (as circunstâncias do caso, como vimos supra) não impedindo obviamente a concessão da LC (todos os crimes e penas a permitem), devem ser conexionadas de forma consistente com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

No Tribunal de Execução de Penas de Évora corre termos o processo de liberdade condicional referente a JQ, em reclusão no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, sendo que, para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional por referência aos 2/3 da pena, após instrução dos autos, o Conselho Técnico reuniu e emitiu o respectivo parecer, tendo sido ouvido o recluso e vindo a ser proferida sentença que não lhe concedeu a liberdade condicional.

Inconformado, o condenado interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1.ª

O recorrente encontra-se a cumprir uma pena de 18 (dezoito) anos, 11 (onze) meses e 6 (seis) dias de prisão.

2.ª

Está preso desde 5 de maio de 2007, ou seja há 14 (catorze) anos e 7 (sete) meses, tendo-lhe sido sucessivamente negada a concessão da liberdade condicional a ½, aos 2/3 da pena, na primeira e agora na segunda renovação da instância.

3.ª

O Meritíssimo Juiz de Direito fundamenta a não concessão da liberdade condicional essencialmente na gravidade do crime cometido, por entender que existe alguma ambiguidade no discurso do recluso que não demonstra verdadeiro sentido autocritico,

4.ª

O relatório elaborado pela equipa da DGRS refere nas suas conclusões o seguinte: “Com uma dinâmica familiar estruturada, com indicadores de recursos económicos suficientes, JQ dispõe de condições facilitadoras da sua reinserção social.

Refere ainda,

5.ª

Perante o crime manifesta capacidade de autocrítica e de descentração, penaliza-se pelo seu comportamento criminal.

Mais refere,

Em meio prisional vinha registando uma evolução positiva, facto que lhe permitiu iniciar medidas de flexibilização da pena em dezembro de 2017, situação que se alterou em março de 2018 por incidente disciplinar (posse de telemóvel). Retomou as medidas de flexibilização da pena em fevereiro de 2019, aproximação ao meio livre que tem vindo a consolidar com sucesso.

Concluindo,

7.ª

Perante o exposto, somos favoráveis à concessão de liberdade condicional.”

8.ª

De igual modo o Conselho Técnico emitiu por unanimidade parecer favorável à concessão da liberdade condicional.

9.ª

Sendo todos os pareceres favoráveis à concessão da liberdade condicional ao condenado, existe um especial dever de fundamentação para os afastar, não bastando a simples enumeração de acórdãos onde se refere o seu caracter facultativo.

10.ª

Tal não foi feito.

11.ª

A lei (art.º 61, n.2, al. a), faz depender a concessão da liberdade condicional da formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

12.ª

Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspetivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vitima quando disso seja caso (art.º 173.°, n.º 1 do CEPMPL).

13.ª

Toda a prognose é uma probabilidade, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições ou seja, fundada nas regras da experiência. Por isso que, na análise da concessão da liberdade condicional não seja nunca possível a formulação de um juízo de certeza. Na verdade, nenhuma decisão pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a delinquir.

14.ª

É, consensual que a liberdade condicional se destina a facilitar a reintegração do condenado na sociedade, tendo em conta as finalidades da pena e os objectivos da sua execução, consagrados nos artigos 40.º n.º 1 e 42.°, n.º 1 do Código Penal.

15.ª

À segunda renovação da instância após o cumprimento dos dois terços da pena, a libertação do condenado depende apenas da verificação de requisitos intimamente conexionados com as finalidades de prevenção especial que a imposição e execução da pena devem prosseguir.

16.ª

Não se pode olhar isoladamente para um ou outro factor relevante para o juízo sobre a possibilidade de reinserção social em liberdade e interpretá-lo perdendo de vista o quadro geral que está à nossa frente.

17.ª

Foi Venerandos Juízes Desembargadores o que foi feito na fundamentação da decisão proferida.

18.ª

O recorrente assume a prática do crime de homicídio qualificado, que contextualiza num quadro de discussão estradal.

19.ª

O recorrente refere estar muito arrependido da prática de tal crime, lamentando o sofrimento que causou à vítima e à sua família.

20.ª

O recorrente encontra-se preso pela primeira vez, datando a sua reclusão de quando tinha 32 anos de idade.

21.ª

O recorrente tem actualmente 47 anos de idade.

22.ª

Tem estrutura familiar de apoio, companheira e sogra, pretendendo voltar a residir com estas. .

23.ª

Pretende trabalhar com a companheira na venda ambulante e online de vestuário, calçado e acessórios.

24.ª

Concluiu com aproveitamento unidades de formação de curta duração.

25.ª

Beneficiou de 9 (nove) Licenças de Saída Jurisdicional e 9 (nove) Licenças de Saída de Curta Duração, todas com avaliação positiva.

26.ª

Encontra-se em cumprimento de pena em RAI, exercendo funções laborais como faxina dos pavilhões de pernoita de tal regime.

27.ª

A jurisprudência e a doutrina vão no sentido de considerar que é mais eficaz para facilitar o processo de ressocialização que se inicie a transição gradual e fiscalizada do condenado para a vida livre através da concessão da liberdade condicional em vez de o manter em reclusão.

28.ª

O recorrente está a 14 meses de atingir os 5/6 da pena (15 de fevereiro de 2023), tendo já cumprido uma pena bastante longa.”

Termina peticionando o seguinte:

“Deve o presente recurso merecer provimento e em consequência:

- Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente, sujeita às condições adequadas à sua condição.

NORMAS VIOLADAS:

- Art.º 61.°, n.º 2, al. a) do Código Penal.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:

“1. Por douta sentença proferida em 7.12.2021 nos autos à margem identificados, não foi concedida a liberdade condicional ao recluso JQ, o qual atingiu em 19.12.2019 os dois terços do somatório das penas que cumpre sucessivamente.

2. Verificados que estão os pressupostos formais, tendo sido atingido o cumprimento de dois terços da pena a concessão da liberdade condicional depende apenas da verificação do requisito material previsto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal, ou seja, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.

3. O Mmº Juiz decidiu não conceder ao recorrente a liberdade condicional na sequência da apreciação dos respetivos pressupostos, em sede de renovação da instância, e a decisão recorrida baseou-se nos elementos constantes dos autos, de cuja conjugação resulta a existência de fortes exigências de prevenção especial.

4. Aquelas exigências derivam, além do mais, da falta de adequado sentido crítico do recorrente quanto à grave conduta criminal – designadamente no que toca aos crimes de ofensa à integridade física qualificada e homicídio qualificado – já que aquele manteve postura ambígua, não alterando a sua versão de negação do propósito do crime de homicídio mas apresentando discurso teatralizado na tentativa de convencer do seu arrependimento.

5. O Mmº Juiz “a quo” tomou em consideração os aspetos positivos presentes no percurso prisional do recorrente – mais concretamente as boas perspetivas de integração familiar e laboral – bem como o parecer favorável do Conselho Técnico e não ignorou o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP mas não considerou os aspetos positivos suficientes para anular o juízo negativo decorrente da já mencionada reduzida consciência crítica e da personalidade violenta constatada bem como da impreparação para o cumprimento de regras que resulta do extenso rol disciplinar do recorrente (que comporta um total de quinze infrações).

6. A todos os aspetos negativos mencionados pelo Mmº Juiz “a quo” corresponde uma impossibilidade de formular um juízo de prognose favorável – concretamente, que o recorrente uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes e perfeitamente integrado na comunidade – conclusão que o Mmº Juiz expôs de forma clara e fundamentada.

7. O regime da liberdade condicional, em face dos pressupostos de que depende (e excecionando a liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos da pena em certos casos), tem caráter excecional e, quando apreciados os pressupostos por referência ao cumprimento aos dois terços da pena, apenas deverá ter lugar nos casos em que seja patente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

8. Assim, na apreciação dos pressupostos estipulados no art. 61º, nº 2 do CP o tribunal a quo fez uma correta, fundamentada e adequada interpretação e aplicação do Direito, que não sofreu, assim, qualquer violação.”

Termina defendendo o seguinte:

“Face ao exposto, deverão Vªs Exªs negar provimento ao recurso, mantendo integralmente a douta sentença recorrida.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1. Quanto às circunstâncias do caso:

1.1. O recluso JQ cumpre sucessivamente as seguintes penas:

1.1.1. Pena única de 7 (sete) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada e de 1 (um) crime de ameaça [pena aplicada no processo comum singular nº 1071/04.6GBMTA, do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Moita] – pena integralmente cumprida no dia 5 de Junho de 2008 e já declarada extinta;

1.1.2. Pena de 18 (dezoito) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado [pena aplicada no processo comum colectivo nº 757/05.2GBMTA, do extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Moita] – pena em execução;

1.1.3. 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária, correspondente a 90 (noventa) dias de multa não paga, pela prática de 1 (um) crime de subtracção de menor [pena aplicada no processo comum singular nº 3/04.6GCVVC, do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Vila Viçosa] – pena integralmente cumprida;

1.1.4. 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária, correspondente a 100 (cem) dias de multa não paga, pela prática de 1 (um) crime de desobediência qualificada [pena aplicada no processo comum singular nº 358/02.7TBEVR, do extinto 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora] – pena integralmente cumprida;

2. Os crimes de ofensa à integridade física qualificada e de ameaça referidos em 1.1.1. relacionam-se, em síntese, com a seguinte factualidade: o arguido, acompanhado de outros dois indivíduos, agrediu fisicamente o ofendido, sendo que de seguida lhe disseram que possuíam pistolas e que o matariam;

1.3. O crime de homicídio qualificado referido em 1.1.2. relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 23 de Julho de 2005, na sequência de um desentendimento verbal e físico ocorrido entre o ofendido e o recluso devido à forma como este último havia conduzido um veículo automóvel, o recluso decidiu tirar a vida ao ofendido; muniu-se então de um ferro usado para armar barracas de venda ambulante, com cerca de um metro de comprimento, e fazendo-se acompanhar de dois irmãos seus, que traziam consigo objectos de natureza corto-perfurante, alcançou o ofendido; depois, na posse dos objectos que traziam consigo, o recluso e os seus irmãos desferiram várias pancadas e golpes na cabeça, tronco e membros do ofendido, que lhe vieram a provocar a morte;

1.4. O cômputo da execução sucessiva das referidas penas, com um somatório de 18 (dezoito) anos, 11 (onze) meses e 6 (seis) dias de prisão, foi liquidado nos seguintes termos:

- Início – 5 de Maio de 2007;

- Dois terços (2/3) – 19 de Dezembro de 2019;

- Cinco sextos (5/6) – 15 de Fevereiro de 2023;

- Termo – 11 de Abril de 2026;

2. Quanto à vida anterior do recluso:

2.1. O recluso, nascido a ….. (actualmente conta com 47 anos de idade), apresenta um percurso pessoal relacionado com a vida de vendedor ambulante;

2.2. Para além das condenações referidas no ponto 1.1. dos factos provados, o recluso regista ainda uma condenação pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, respeitando a sua primeira infracção criminal a factos praticados em 8 de Fevereiro de 1999;

2.3. Encontra-se preso pela primeira vez, datando a sua reclusão de quando tinha 32 anos de idade;

3. Quanto à personalidade do recluso e evolução daquela durante a execução da pena:

3.1. O recluso assume a prática do crime de homicídio qualificado, que contextualiza num quadro de discussão estradal;

3.2. Menciona estar muito arrependido da prática de tal crime, embora referindo que não o praticou de propósito;

3.3. Acrescenta que desde que deu entrada no EP tem pensado muito (todos os dias) no sofrimento que causou à vítima e à sua família, designadamente à mulher e aos filhos da vítima, sofrendo muito ao pensar nisso;

3.4. No Estabelecimento Prisional (EP) regista 15 (quinze) infracções punidas disciplinarmente, praticadas nas seguintes datas:

- 11 de Janeiro de 2008;

- 17 de Julho de 2008;

- 24 de Junho de 2010;

- 11 de Janeiro de 2011;

- 1 de Março de 2011 (duas infracções);

- 13 de Outubro de 2011 (duas infracções);

- 13 de Maio de 2012;

- 26 de Novembro de 2012;

- 14 de Janeiro de 2013;

- 21 de Março de 2014;

- 2 de Março de 2017;

- 23 de Março de 2018 (duas infracções, relacionadas com a posse de telemóvel);

3.5. Concluiu com aproveitamento unidades de formação de curta duração;

3.6. O recluso beneficiou de uma licença de saída jurisdicional (LSJ) no Natal de 2017, com avaliação positiva,

3.7. Devido à sua situação disciplinar apenas voltou a beneficiar de LSJ em 2019, tendo gozado mais 8 (oito) LSJ (em Fevereiro de 2019, Junho de 2019, Outubro de 2019, Março de 2020, Julho de 2020, Dezembro de 2020, Maio de 2021 e Setembro de 2021), todas com avaliação positiva;

3.8. Beneficiou de 9 (nove) licenças de saída de curta duração (LSCD), em Janeiro de 2018, Abril de 2019, Agosto de 2019, Dezembro de 2019, Maio de 2020, Junho de 2020, Outubro de 2020, Março de 2021 e Junho de 2021, todas também com avaliação positiva;

3.9. Foi colocado em regime aberto no interior (RAI) no dia 10 de Janeiro de 2018, o qual veio a ser suspenso em Março de 2018 na sequência da última infracção disciplinar supra-referida;

3.10. No dia 5 de Abril de 2019 retomou o cumprimento da pena em RAI, exercendo funções laborais como faxina dos pavilhões de pernoita de tal regime;

4. Situação económico-social e familiar:

4.1. Uma vez em liberdade, o recluso pretende voltar a integrar o agregado familiar constituído pela companheira, bem como pela mãe e pela irmã desta;

4.2. O agregado reside em habitação inserida na malha urbana da …, pretendendo a companheira do recluso arrendar uma habitação maior logo que este seja colocado em liberdade;

4.3. No meio de residência residem vários membros da família alargada do recluso;

4.4. A viúva da vítima do crime de homicídio já não reside na zona, encontrando-se emigrada;

5. Perspectivas laborais/educativas:

5.1. Uma vez em liberdade, o recluso pretende retomar a venda ambulante com a sua companheira.

(…)

“Na situação concreta, de entre os diversos crimes praticados pelo recluso, o crime de homicídio qualificado merece valoração especialmente negativa, já que se consubstanciou na violação do bem jurídico mais importante (a vida humana). De resto, os factos concretos praticados pelo recluso revestem grande desvalor e total insensibilidade em relação à vida da vítima, conforme melhor se pode ler na decisão condenatória;

(…)

No caso dos autos, não sendo o recluso pessoa com antecedentes penitenciários, verifica-se ainda assim que o mesmo denota uma personalidade violenta, conforme resulta do tipo de crimes que constam do seu certificado de registo criminal.

(…)

No caso dos autos, julgamos que os crimes pelos quais o recluso actualmente cumpre pena resultam da referida personalidade violenta que denota.

(…)

De qualquer modo, (…), existe alguma ambiguidade no discurso do recluso, que não demonstra verdadeiro sentido autocrítico quanto aos crimes cometidos, designadamente quanto ao crime de homicídio qualificado.

A este propósito, cumpre referir que o agora relatado no ponto 3.3. dos factos provados assenta em declarações inovadoras do recluso em relação a outras que tinha prestado anteriormente. Contudo, apreciado o modo “teatralizado” como o recluso prestou estas últimas declarações (documentadas a fls. 802), resulta evidente que as mesmas não correspondem ao seu real sentimento, mas sim a uma tentativa de “adaptação” das suas declarações aos reparos feitos nas decisões que anteriormente não lhe concederam a liberdade condicional (aqui também se incluindo o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que apreciou o recurso do recluso quanto à não concessão da liberdade condicional na renovação da instância, depois de atingidos dois terços do somatório das penas – decisão de 23 de Março de 2021, proferida no apenso T), i.e., declarou aquilo que entendeu que o tribunal queria ouvir.

Assim, ao invés de inculcarem no tribunal a ideia de que o recluso revela agora verdadeiro sentido autocrítico em relação aos factos criminosos cometidos, tais declarações conduzem a que a conclusão seja precisamente a contrária.

Ora, tratando-se de pessoa com a referida personalidade violenta, tal falta de autocrítica constitui sério factor de risco de recidiva criminal, pois perante determinada contrariedade com a qual se depare, o recluso poderá voltar a enveredar pelo caminho da agressão.

O comportamento prisional do recluso, constituindo também factor de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, «sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza – a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta – que ela não tem» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2013, podendo ver-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Janeiro de 2013, ambos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 939/11.8TXPRT-H.P1 e Proc. 1541/11.0TXLSB-E.E1).

Regressando ao caso concreto, verifica-se que o recluso regista comportamento repleto de incidentes disciplinares, o que milita a seu desfavor, pois demonstra que não alterou completamente o modo de actuar que o conduziu à reclusão (sem prejuízo de melhoria substancial do seu comportamento nos últimos três anos).

Aliás, devido ao seu percurso disciplinar irregular, apenas no final de 2018 retomou actividade laboral de modo continuado, sendo certo que tal também condicionou a implementação de modo mais consistente de medidas de flexibilização da pena (LSJ, LSCD e RAI), que deverão ter maior duração temporal, de forma a melhor avaliar o comportamento do recluso, nomeadamente quanto a eventuais retrocessos disciplinares, que deverá evitar.

Deste modo, apesar das boas perspectivas de integração familiar e laboral (que aliás já existiam quando o recluso se encontrava em liberdade), todas as demais circunstâncias, com especial relevo para a inexistência de juízo autocrítico consolidado, levam-nos a concluir ser ainda prematuro fazer juízo positivo quanto à evolução da personalidade do recluso e quanto à sua futura capacidade para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes (maxime da mesma natureza).

Assim, não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal [de resto, em decisão proferida no apenso T (recurso independente em separado) no dia 23 de Março de 2021, i.e., há pouco mais de oito meses, fazendo análise de todos os factores supramencionados (mas com especial ênfase nas deficiências evidenciadas ao nível da consciência crítica em relação ao crime de homicídio), que no essencial se mantêm inalterados, o Venerando Tribunal da Relação de Évora entendeu igualmente que não se encontrava preenchido o aludido requisito, circunstância que naturalmente mantém actualidade, face ao relativamente curto lapso de tempo decorrido].

Logo, há que concluir no sentido de não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é a seguinte: estão (ou não) verificados todos os pressupostos / requisitos para concessão da liberdade condicional ao recluso recorrente.

B. Decidindo.

Questão (única): estão (ou não) verificados todos os pressupostos / requisitos para concessão da liberdade condicional ao recluso recorrente.

Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. n.º 400/82, de 23 de Setembro, a liberdade condicional (doravante LC) tem como objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão». Este instituto tem, pois, uma «finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização» (1).

Já quanto à natureza jurídica da LC, é quase unânime que se trata de realidade inerente à execução da pena, ou seja, uma «medida penitenciária»(2), uma «circunstância relativa à execução da pena»(3), um incidente de execução da pena (4), uma medida de execução da pena (5), um benefício penitenciário (6) ou um direito do condenado (7), sendo certo que, a reforma do CP de 2007, a liberdade condicional terá, em qualquer circunstância, uma máximo de 5 anos, considerando-se então extinto o excedente da pena (art.º 61.º, n.º 5), o que consubstancia uma verdadeira modificação redutora da pena (8).

Segundo o art.º 61.º do C. Penal, são pressupostos (formais) de concessão da LC:

1) Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão (n.º 2), ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 (seis) anos (n.º 4);

2) Que aceite ser libertado condicionalmente (n.º 1);

São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

A) que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (9), que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;

B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social ; (exceptuado o disposto no n.º 3 do preceito em causa)

Relativamente aos requisitos da LC, parece líquido que o da alínea A) assegura uma finalidade de prevenção especial enquanto que o da alínea B) prossegue um escopo de prevenção geral (10).

Para análise (e avaliação do respectivo preenchimento) dos diversos conceitos que integram o requisito da alínea A), importa efectuar uma breve reflexão sobre os objectivos programáticos do instituto. Nesta, deve antes de mais sublinhar-se a existência de duas correntes, a saber, por um lado, a europeia tradicional, que concebia a liberdade condicional como uma manifestação do direito de graça e, por outro lado, a anglo-americana, segundo a qual a liberdade condicional se configura como um meio para a reforma do condenado.(11)

A nossa lei, ao prescrever a exigência de uma «prognose favorável» radicada na ideia de que o recluso virá a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tende claramente para a segunda das mencionadas correntes, entendendo-se que o «sistema premial» (inerente à primeira das concepções) não é correcto nem legal. (12)

Assim, sublinhando-se que a efectiva reinserção social (ou, por outras palavras, a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes) é o objectivo da LC, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-se revelar-se através das dimensões pessoais cristalizadas no discurso normativo, a saber:

1) as circunstâncias do caso.

2) a vida anterior do agente.

3) a sua personalidade.

4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão.

Explicitando um pouco tais dimensões subjectivas, entendemos que:

1) A análise das circunstâncias do caso passa, naturalmente, pela valoração do crime cometido, ou seja, para além da sua natureza, das realidades normativas que serviram para a determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71.º, números 1 e 2 do C. Penal e, inerentemente, à medida concreta da pena em cumprimento.

2) A consideração da vida anterior do agente (já também valorada na determinação concreta da pena, nos termos da alínea e) do n.º 2 do referido art.º 71.º) relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais.

3) A referência à personalidade do recluso deve reconduzir-se, para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais (quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito (13) e, potencialmente, não merecedora da liberdade condicional), a uma vertente de compreensão por um determinado percurso criminoso quando o agente a isso foi conduzido por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente (14).

4) Entendemos que a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.

Deve sublinhar-se, como flui meridianamente do afirmado, que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta (15) prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.

Assim, os referidos padrões poderão revelar-se, quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes (16), quando não motive as referidas punições), quer ativamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais , académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

Quanto à alínea B), trata-se de, ao ponderar a possibilidade de concessão da liberdade condicional, assegurar a operatividade da prevenção geral positiva, que a lei, aliás, já prevê como um dos escopos da execução da pena de prisão ao instituir que a mesma serve a defesa da sociedade (art.º 43.º, n.º 1 do C. Penal).

*

Estão preenchidos os pressupostos da LC, pois o recluso já cumpriu mais de 1/2 (e até 2/3) da pena de prisão em que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional caso esteja em condições de lhe ser concedida.

O pomo nuclear da questão a resolver repousa, assim, nos requisitos da LC, que o Mm.º Juiz a quo entende não estarem preenchidos, entendendo o recorrente o inverso.

Vejamos.

Vem o recorrente alegar e concluir que, em face dos pareceres favoráveis à libertação do recorrente, existe um “especial dever de fundamentação” para os afastar, não bastando a simples enumeração de acórdãos onde se refere o seu carácter facultativo e que tal “não foi feito”. Desde logo, cumpre sublinhar que a decisão sobre a concessão ou não da liberdade condicional não tem de “afastar” quaisquer pareceres, mas sim verificar se os requisitos e pressupostos legais para concessão da LC se encontram ou não preenchidos. Por outro lado, o recorrente teve o cuidado de escolher as circunstâncias que lhe favoráveis, mas, muito convenientemente, olvidou as que lhe são desfavoráveis. Desde logo, cumpre sublinhar que que tem averbadas 15 infracções disciplinares, por factos praticados desde 2008 até 2018, ou seja, ao longo de 10 anos. Assim, evidencia-se que não ocorreu uma evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão, com um percurso marcado por uma essencial inadequação às regras que pautam a vida em reclusão. Basta uma leitura perfunctória da sentença para se verificar que, ao invés do alegado, este aspecto é expressamente mencionado na motivação de direito da sentença recorrida. Entende-se desvalorizar a melhoria (ali mencionada) nos últimos três anos, seguramente motivada pelo desejo de concessão da LC. Por outro lado, ainda quanto à personalidade do recluso e à respectiva evolução durante a execução da pena, há que sublinhar o referido na sentença recorrida, ou seja, o modo teatralizado como o recluso prestou as suas declarações ao tribunal e a evidência de que as mesmas não correspondem ao seu “real sentimento”, constituindo uma tentativa de resposta formal aos reparos feitos em apreciações anteriores. Do exposto flui, como também ali se afirmou, que, tratando-se de pessoa com uma personalidade violenta (espelhada nos crimes cometidos ao longo da sua vida), a ausência de autocrítica consubstancia a existência inquestionável de um substancial perigo de “recidiva criminal”, que qualquer contrariedade poderá espoletar.

Deste modo, consideramos que a natureza de alguns dos crimes cometidos pelo recluso (homicídio qualificado e ofensa à integridade física qualificada) e a gravidade das penas (parcelares e única) em cumprimento (as circunstâncias do caso), apesar de não impedirem a concessão da LC (todos os crimes e penas a permitem), devem ser conexionadas de forma muito consistente com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena, pelo que acompanhamos a conclusão vertida na sentença de que a ausência do juízo crítico acerca do desvalor dos crimes cometidos.

Assim e considerando que, “sem interiorização da responsabilidade (17) dificilmente será possível alterar comportamentos” (18), não é minimamente seguro que não possa reincidir em crimes até de natureza (violenta) semelhante.

Assim, por tudo o exposto, não podemos deixar de subscrever o entendimento vertido na sentença sobre o carácter prematuro do prognóstico (19) de que o recluso irá passar a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem o cometimento de novos crimes.

Em síntese, entendemos que não estão preenchidos os requisitos para a concessão da LC, pelo que o recurso deve improceder, o que se decidirá.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 8 de Março de 2022

Edgar Gouveia Valente

Laura Maria Peixoto Goulart Maurício

Sumário.

I - A evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão (prevista no art.º 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal) deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.

II – Assim, uma evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.

III - O padrões mencionados em I poderão revelar-se, quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

IV – A natureza dos crimes cometidos pelo recluso (homicídio qualificado e ofensa à integridade física qualificada) e a gravidade das penas (parcelares e única) em cumprimento (as circunstâncias do caso, como vimos supra) não impedindo obviamente a concessão da LC (todos os crimes e penas a permitem), devem ser conexionadas de forma consistente com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena.

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1 Neste exacto sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 528.

2 Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal, Parte General, quinta edição, Comares, Granada, Dezembro de 2002, página 915.

3 É a posição defendida em Curso de Derecho Penitenciario, 2.ª edição, Tirant lo Blanch, Valencia 2005, página 343, por Josep-María Tamarit Sumalla, Ramón Garcia Albero, Maria-José Rodríguez Puerta e Francisco Sapena Grau.

4 Jorge de Figueiredo Dias, ibidem. No mesmo sentido, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código Penal, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, página 327.

5 Joaquim Boavida in A Flexibilização da Prisão, da Reclusão à Liberdade, Almedina, Coimbra, 2018, página 125.

6 Neste sentido, vide Manuel Vega Alocén in La Libertad Condicional en el Derecho Espanhol, Civitas, Madrid, 2001, página 139.

7 Direito “sujeito ao cumprimento das condições para a sua concessão...”. Carlos Mir Puig in Derecho Penitenciario. El Cumplimiento de la Pena Privativa de Liberdad, 4.ª edição, Atelier, Libros Jurídicos, Barcelona, 2018, página 162.

8 Segundo Artur Vargues (Alterações ao Regime da Liberdade Condicional, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, página 58), “estamos aqui perante uma verdadeira modificação substancial da condenação penal traduzida na redução da mesma, que manifestamente bule com o princípio da intangibilidade do caso julgado (e coloca em dúvida a própria natureza jurídica da liberdade condicional enquanto entendida como incidente ou forma de execução da pena e não de modificação posterior da condenação, que agora é susceptível de estar posta em causa).”

9 A lei atual seguiu, ipsis verbis, a sugestão de Jorge de Figueiredo Dias (Ob. cit., página 539), ao afirmar que devem ser tomados em consideração todos os elementos necessários ao prognóstico efetuado para decretar a suspensão de execução da pena de prisão.

10 Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, página 356; concordantemente, também António Latas – Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade – Aspectos Práticos in Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, página 223 e 224 nota 32.

11 Josep-María Tamarit Sumalla e outros in Ob. cit., página 343, nota 5).

12 Neste sentido, João Luís Moraes Rocha (coordenador) in Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários, Almedina, 2005, página 47.

13 Neste sentido se pode interpretar a referência de Hans-Heinrich Jescheck e outro in Ob. cit., página 902, quando afirma que a personalidade do agente, como circunstância a levar em conta para determinar se deve ser decretada a suspensão de execução da pena (em que deve ser efectuado um prognóstico similar ao da liberdade condicional, como vimos), o pode ser negativamente, em prejuízo daquele.

14 Estamos aqui a considerar a falta/atenuação da chamada culpa pela condução de vida (expressão utilizada por Günter Jakobs in Derecho Penal, Parte General, Fundamentos e Teoria de la Imputación, Madrid, 1995, página 591, contraposta à chamada culpa pelo facto), ou seja, no âmbito daquilo que se pode denominar por direito penal de autor (contraposto a direito penal do facto) cuja eficácia no domínio da efectiva execução da pena, ao invés da área interpretativa dos tipos de crime (em que se mostra dificilmente compatível com o princípio da legalidade) deve ser incrementada, como defende Claus Roxin in Derecho Penal – Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delicto, Madrid, 1997, página 188, posição que se subscreve.

15 A «boa conduta» (buena conducta) é, desde a Lei de 23 de Julho de 1914 e até aos nossos dias, um requisito da concessão da liberdade condicional em Espanha. Atualmente, tal requisito está previsto no art.º 90.º do CP espanhol, com a redação introduzida pela Lei n.º 1/2015, de 30.03

16 De referir que no país vizinho constitui impeditivo da concessão da liberdade condicional, para a generalidade dos autores, a existência de sanções graves ou muito graves, como o consumo de estupefacientes (neste sentido, vide Felipe Renart Garcia in La Libertad Condicional: Nuevo Régimen Jurídico, Madrid, 2003, páginas 115/116; vide, no mesmo sentido, Beatriz Tébar Vilches in El Modelo de Libertad Condicional Español, Navarra, 2006, páginas 152 a 156) entendimento que nos parece perfeitamente justificado no nosso ordenamento jurídico, tanto mais que o consumo de drogas se mostra, em muitos casos, geneticamente ligado à prática dos crimes que justificam a reclusão.

17 Já em 1836 Alexis de Tocqueville e Gustave de Beaumont (On the Penitentiary System in the United States and its Aplication in France, Southern Illinois University Press, 1964, página 55. Tradução nossa) refletiam: “Lançado na solidão o condenado reflecte. Colocado a sós na presença do seu crime, ele aprende a odiá-lo e se sua alma não estiver empedernida pelo mal (…) é no isolamento que o remorso virá assaltá-lo.” Esclarece-se que o contexto da citação é o da comparação entre o sistema penitenciário de Filadélfia e o de Auburn, referindo-se que os dois preconizavam o isolamento dos reclusos como meio para atingir a recuperação moral (moral reformation) do condenado. Feito tal esclarecimento e sendo certo que no EP em que o recluso cumpre a sua pena não existe (a não ser em caso de sanção disciplinar) o regime de isolamento, não pode deixar de se considerar que a reclusão, em conjunto com outros presos é, ela própria, na sua essência, um isolamento da comunidade em geral. Como é óbvio, hoje o binómio crime/pena está expurgado de quaisquer considerações de ordem moral, visando a segunda a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1 do CP).

18 João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, Entre a Reclusão e a Liberdade, Pensar a Reclusão, volume II, Almedina, Coimbra, 2008, página 171.

19 “O prognóstico sobre o comportamento do autor adequado ao Direito é de uma importância decisiva para a questão da liberdade condicional.” Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Ob. cit., página 917.