Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
441/17.4T8OLH-K.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: INSOLVÊNCIA
MODALIDADES DA VENDA
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- O administrador da insolvência tem competência exclusiva para decidir qual a modalidade da venda dos bens que integram a massa insolvente, bem como para fixar o preço base dos bens, como dispõe o artigo 164.º, n.º 1, do CIRE.
II.- A sua competência apenas se encontra limitada, devendo ouvir o credor, nos casos em que este seja titular de garantia real sobre o bem a vender, como previsto no n.º 2 do mesmo preceito.
III.- Na alienação dos bens que integram a massa não deve ser ouvido o devedor insolvente, acerca da modalidade da venda ou sobre o valor base dos bens, pelo que o requerimento do devedor para que o administrador proceda a nomeação de perito para avaliação dos bens deve ser indeferido.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 441/17.4T8OLH-K.E1

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente/Insolvente: (…) – Sociedade Imobiliária, S.A.


Recorrido: Caixa Geral de Depósitos, S.A.

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Comércio de Lagoa, Juiz 1, no âmbito do Processo de Insolvência 441/17.4T8OLH, que se encontra na fase da venda, a devedora insolvente requereu a realização de avaliação dos bens a vender, o que mereceu o seguinte despacho:

(…) cumpre decidir quanto ao peticionado pela insolvente no sentido de ser nomeado novo perito avaliador.
Ora, dispõe o artigo 164.º, n.º 2, do CIRE que o credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade de alienação e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada.
Desde logo, do teor deste artigo se denota que o insolvente não tem de se pronunciar nem sobre a modalidade da venda nem sobre o valor base fixado.
No caso em concreto a insolvente veio impugnar o valor dos imóveis apresentando uma avaliação.
Posteriormente o credor hipotecário juntou avaliação que a insolvente impugnou pelo facto do relatório se encontrar em língua estrangeira.
Notificado desta situação veio o credor hipotecário juntar nova avaliação actualizada e em língua portuguesa.
Acresce a tudo isto, que na Assembleia de Credores se decidiu pela liquidação dos bens da insolvente e notificada do requerimento da insolvente a Comissão de Credores veio-se opor à nomeação de perito e consequentemente, à realização de nova avaliação.
Assim sendo, desde logo, perante a junção desta nova avaliação e o facto de não ter a insolvente de se pronunciar sobre o valor da venda, parecendo-nos que a nova avaliação até favorece a massa insolvente, indefere-se o peticionado pela insolvente no sentido de se proceder a nova avaliação por perito nomeado.
Notifique.
Olhão, 23.05.2019

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Não se conformando com o decidido, a insolvente (…), S.A. recorreu do despacho, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

A. Por despacho veio o Tribunal a quo decidir pelo indeferimento do peticionado pela Insolvente no sentido de se proceder a nova avaliação aos imóveis apreendidos a favor da massa insolvente por perito nomeado e para tanto fundamenta que, a Insolvente não tem que ser ouvido sobre o valor base fixado, que a Comissão de Credores se opôs à realização de nova avaliação e que “parece” que a nova avaliação junta pelo credor com garantia real é mais favorável à massa insolvente.

B. A Recorrente não se conforma com o que foi decidido pelo Tribunal a quo relativamente ao decidido e, com o devido respeito pela opinião do Ilustre Julgador a quo, entendeu e andou mal quando interpretou erradamente o pretendido pela Insolvente, além de que faz uma errada interpretação do direito aplicado ao caso em concreto e não foi respeitado, nem considerado a tutela efetiva da proteção dos credores.

C. Para efeitos desta decisão e apreciação da mesma terá que ser considerado que, a Insolvente não foi ouvida para efeitos da determinação do valor base de venda dos imóveis, além de que, não conhece, não foi notificado pelo Administrador de Insolvência da avaliação anteriormente realizada para efeitos de fixação dos valores para efeitos de venda dos imóveis, e só após a suspensão da diligência de venda que se encontrava agendada é que veio a credor com garantia real juntar aos autos uma avaliação dos bens em questão.

D. A Insolvente, aqui Recorrente nunca aceitou os valores base fixados para efeitos de venda, e não aceita os valores agora apontados na avaliação junta pelo credor com garantia real, existindo divergências entre as avaliações juntas aos autos (apresentadas pela Insolvente e pelo credor com garantia real).

E. Apesar da nova avaliação aos bens pelo credor com garantia real, a verdade é que a mesma mostra-se ainda desajustada à realidade dos bens e ao valor de mercados dos mesmos.

F. O Administrador de Insolvência nunca juntou aos autos qualquer avaliação dos bens apreendidos, nem notificou ou juntou aos autos os critérios que determinaram os valores para efeitos de venda.

G. O que não se aceita.

H. Dispõe o art. 164º, n.º 1 e 2, do C.I.R.E. que, “ n.º 1 - O Administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma que tenha por mais conveniente. n.º 2 - O Credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada”. (Sublinhado nosso).

I. Da leitura do artigo 164.º, n.º 2, do C.I.R.E. retira-se que cabe ao Administrador de Insolvência fixar previamente o valor base de venda dos imóveis e informar dos mesmos o credor com garantia real.

J. Não se retira daquele disposto legal que é o credor com garantia real quem determina o valor dos bens para efeitos de venda, apenas tem que ser ouvido acerca do mesmo, nada mais.

K. No caso em concreto, o Administrador de Insolvência não realizou qualquer avaliação aos imóveis no sentido de determinar o valor base dos bens para efeitos de venda, limitando-se a aceitar os valores indicados pelo credor com garantia real, e sem critério.

L. Nos termos do art. 55.º, n.º 3, do C.I.R.E., o Administrador de Insolvência tem a possibilidade de ser coadjuvado de técnicos ou outros auxiliares, o que não fica excluída a contratação de um perito/avaliador isento para efeitos da realização da avaliação aos imóveis, o que não aconteceu!

M. O Administrador de Insolvência incumpriu claramente com o disposto no artigo 164.º, n.º 2, do C.I.R.E..

N. Mais,

O. Ao contrário do que entende e justifica o Tribunal a quo o artigo 164.º do C.I.R.E. não limita ou proíbe a audição do Insolvente quanto ao valor base fixado para efeitos dos bens.

P. Não se retira daquele disposto legal que o Administrador de Insolvência não tenha que informar e notificar o Insolvente e os demais Credores do processo relativamente à modalidade de venda e ao valor base de venda.

Q. A lei prevê que o credor com garantia real é sempre ouvido mas não prescreve que o insolvente não deva ser ouvido sobre a proposta de venda dos bens da massa insolvente.

R. A lei não afasta a necessidade de ouvir o devedor insolvente, nem afasta, nem pode afastar a aplicação subsidiária do disposto no artigo 812.º do C.P.C. que impõe tal audição.

S. Curiosamente, por virtude da primeira parte do n.º 2 – o qual, todavia, acolhe especificamente, em sede do processo de insolvência, o que já está consagrado, no processo executivo comum, pelo n.º 1 do artigo 812º, do C.P.C. –, o Administrador deve sempre ouvir previamente os credores que tenham garantia real sobre os bens (…),

T. Porque se assim não fosse, não se encontrava previsto no próprio art. 165º, n.º 4, do C.I.R.E. a aplicação das normas do C.P.C. relativamente à caução e ao depósito do preço.

U. Ao contrário do que é entendido pelo Tribunal a quo não se encontra prevista qualquer tipo de limitação às demais formalidades aplicáveis à venda no processo executivo, logo, não se entende, nem se mostra justificado a não audição da Insolvente relativamente à modalidade de venda e ao preço base de venda dos bens, isto por aplicação do disposto no artigo 812.º do C.P.C., por inexistência de fundamento legal.

V. O disposto no artigo 812.º do C.P.C. é aplicável ao processo de insolvência, por força do estipulado no artigo 17.º do C.I.R.E., não existindo qualquer disposição em contrário.

W. O art. 164º do C.I.R.E. em momento algum afasta a necessidade de ouvir o devedor insolvente, e em momento algum afasta a aplicação do disposto no art. 812º do C.P.C., por aplicação subsidiária.

X. Assim, mesmo que a pronúncia da Insolvente não seja vinculativa, a verdade é que a lei não limita, nem proíbe que a Insolvente seja ouvida acerca do valor base para efeitos de venda do imóvel.

Y. E a verdade é que, o Administrador de Insolvência, apesar de ser livre na determinação da modalidade de venda e do valor base, não pode “esquecer-se” que tem como principal função no processo de insolvência proteção dos interesses de todos os Credores – pagamento dos créditos.

Z. É o Administrador de Insolvente que cabe a proteção dos interesses dos credores, e ao aceitar-se os valores indicados pelo credor com garantia real para efeitos de venda, os interesses dos credores não se mostram protegidos no processo, pois os imóveis são colocados à venda por valor muito inferior ao valor real e de mercado dos mesmos, o que claramente prejudica os credores na recuperação dos seus créditos.

AA. O Insolvente com a impugnação apresentada relativamente ao valor de venda fixado tem interesse que seja apurado e determinado o valor mais justo à realidade dos imóveis, para que se consiga obter o melhor preço para a venda dos bens (na liquidação), e consequentemente seja possível liquidar no máximo as suas obrigações, isto no interesse dos credores, porque efetivamente conseguem recuperar o valor do seu crédito.

BB. Se se entende que a finalidade subjacente ao regime estatuído no art. 164º, do C.I.R.E. é apenas a tutela do direito de crédito, e não qualquer outro interesse que seja, a verdade é que essa tutela mostra-se violada pelo próprio Administrador de Insolvência quando aceita e fixa um valor base de venda do imóvel em incumprimento ao que é disposto nos termos da lei, e além disso, mostra-se muito desajustado ao valor real da construção, da tipologia dos imóveis e à sua localização, o que claramente prejudica os credores na recuperação do valor dos seus créditos.

CC. Neste caso, o Administrador de Insolvência, entendeu fixar ou aceitar o valor mínimo na sequência de avaliações entretanto efetuadas ao imóvel, sem que as mesmas tenham sido juntas aos autos e que sejam do conhecimento dos credores e da Insolvente e que sejam isentas e justas à realidade do imóvel e ao mercado imobiliário.

DD. Posto isto, claramente que se conclui que, a Insolvente deverá sempre ser ouvido quanto à modalidade e preço base de venda dos bens, o que não se verificou nos presentes autos, além de que, incumpriu o Administrador de Insolvência o disposto no art. 164º, n.º 2, do C.I.R.E., quando não fixou o valor base de venda dos bens, tendo aceite unicamente os valores indicados pelo credor com garantia real, contrário ao previsto na lei.

EE. Assim, importa considerar que a decisão aqui recorrida, considerando que, no caso, o Julgador apenas remeteu a decisão para a impossibilidade da audição do insolvente pela aplicação e interpretação (errada) do disposto no artigo 164º, n.º 2, do C.I.R.E., sem que tenha efetivamente ponderado e apreciado os fundamentos suscitados pela Insolvente para a realização de nova avaliação por perito nomeado, de forma a que o preço base de venda fosse fixado de forma isenta, não pode manter-se tal decisão sob pena de dar guarida a uma decisão que julgou em desconformidade com o direito, além de que, limita-se o Tribunal a quo a decidir uma questão por apenas lhe parecer que a avaliação favorece a massa insolvente, sem que tenha justificado a decisão em causa.

FF. Ao decidir conforme o Despacho recorrido, com o devido respeito à interpretação do Tribunal a quo, fácil é de concluir que, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do previsto no artigo164º do C.I.R.E., tal como fez uma errada interpretação por entender que o disposto no artigo 812º do C.P.C., não tinha fundamento legal para a aplicação subsidiária ao processo de insolvência, da mesma forma que viola a tutela do direito de crédito subjacente ao artigo 164º do C.I.R.E., devendo os mesmos serem interpretados no sentido do Julgador não se abster de verificar e apreciar a conformidade substancial e da legalidade das questões suscitadas pela Insolvente no sentido de ser ordenada a realização de nova avaliação por perito nomeado e isento.


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A recorrida contra-alegou, concluindo:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 22-05-19, o qual indeferiu o pedido da insolvente no sentido de proceder a nova avaliação dos bens que compõem a massa por perito nomeado.

2. No essencial o douto despacho proferido fundamentou a sua decisão, no facto de a tramitação prevista no C.I.R.E. não prever a audição do insolvente relativamente á modalidade de venda nem ao valor base fixado para venda dos bens e ainda porque já se encontra junto aos autos relatório de avaliação atualizado, acrescendo ainda o facto de a comissão de credores ter-se oposto á nomeação de perito e consequentemente á realização de nova avaliação.

3. A apelante defende ainda no seu recurso que a insolvente deveria ter sido notificada para se pronunciar relativamente ao valor base para efeito de venda do imóvel e que impugnou o valor de venda anunciado, tendo o mesmo sido indeferido, por falta de fundamento legal.

4. Uma vez que, o Tribunal a quo, entendeu não existir qualquer fundamento processual para a impugnação do valor da venda pelo Insolvente, atento o disposto no art. 164º do C.I.R.E. e a inexistência de fundamento para a aplicação subsidiária do disposto no art. 812º do Código de Processo Civil (C.P.C.).

5. Sendo que, bem decidiu o Tribunal a quo ao julgar indeferida a pretensão da ora Apelante.

6. Com efeito, do art. 164º, nº 1, do CIRE, resultam dois imperativos, por um lado, que, quem escolhe a modalidade de venda é o administrador de insolvência e no que respeita ao valor da mesma, a lei apenas prevê a audição do credor com garantia real.

7. A atual solução legislativa visou precisamente um reforço dos poderes do administrador de insolvência nesta matéria.

8. E contrariamente ao defendido pela insolvente, a imperatividade do preceito referente ao exercício em exclusivo do administrador de insolvência, no que concerne á modalidade de venda e decisão relativamente ao seu valor, expressamente afasta a aplicação subsidiária do disposto no art. 812º do C.P.C., por força do estipulado no artigo 17º do C.I.R.E.

9. Do explanado não resulta qualquer dever legal de audição do insolvente, nem em consequência decorre qualquer sanção para essa alegada omissão.

10. Pelo que, por falta de cabimento legal bem como por não merecer qualquer cabimento jurisprudencial ou da doutrina, a pretensão da Insolvente, no sentido de ser ouvida relativamente á venda do bem imóvel, deverá ser julgada totalmente improcedente, conforme defendeu o tribunal a quo.

11. Acresce ainda que, conforme refere o despacho recorrido, encontra-se junto aos autos, relatório de avaliação realizado por entidade credenciada, com peritos isentos e independentes.

12. Com efeito e conforme refere o despacho recorrido, a avaliação ora junta apresenta valores superiores aos anteriormente indicados, pressupondo-se que, a venda dos bens seja realizada por valores mais elevados dos que os estimados no passado, o que por si beneficia a massa.

13. Por outro lado, e conforme anteriormente decidido em sede de assembleia de credores, a realização de uma peritagem, para nova avaliação dos bens, importa custos e implica atraso na liquidação do ativo, sendo que o processo de insolvência se pretende célere, atento seu caracter urgente – art. 9º C.I.R.E.

14. Pelo que, por falta de cabimento legal, a pretensão da Insolvente, no sentido de ser ouvida relativamente á venda do bem imóvel, deverá ser julgada totalmente improcedente, conforme defendeu o tribunal a quo.


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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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A questão que importa decidir é a de saber se o devedor insolvente deve ser ouvido acerca do valor base a atribuir aos bens objeto da venda, tal como acontece em sede de processo civil.
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O circunstancialismo fáctico e processual a ter em conta na decisão é o descrito supra.
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Conhecendo.
A questão a dirimir pode ser assim equacionada.
No que concerne à venda executiva, a lei processual civil prevê no artº 812º que sejam ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, antes de o agente de execução decidir sobre a venda e no que respeita, em concreto, à sua modalidade e ao valor base dos bens ou eventual formação de lotes.
Ao invés, o CIRE apenas exige que o administrador de insolvência dê conhecimento ao devedor insolvente nos casos em que pretende vender bens por negociação particular e quando este negócio jurídico constitua, em si, ato de especial relevo, como dispõe o artº 161º/4.
O nº 3 do preceito exemplifica alguns caso em que se considera preenchido o conceito vago e indeterminado, “especial relevo”, como são a venda da empresa e a alienação de bens necessários à sua laboração.
Fora destes casos – como é o caso dos autos – dispõe o artº 164º/ 1 que o administrador da insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
Só nos casos em que exista credor com garantia real sobre o bem a vender, obriga o nº 2 do preceito ouvir este credor sobre a modalidade da alienação, devendo ainda ser informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.
Ora, interpretando sistematicamente estes preceitos chegamos à conclusão de que o legislador pretendeu afastar o devedor dos procedimentos a adotar para a venda dos bens que integram o acervo da massa insolvente – porque se quisesse a notificação do devedor teria previsto expressamente tal possibilidade, como previu no artº 161º/4 – numa clara intenção de celeridade do processo e de proteção dos interesses dos credores.
A ratio legis do preceito é demonstrada pelo elemento sistemático, mas também pelo preâmbulo do CIRE no seu ponto 10 (desjudicialização) e 12 (novos mecanismos de celeridade), vincando-se no ponto 3 que, “sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efetivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado (…) devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da insolvência, em proprietários económicos da empresa”.
Com efeito, são os credores quem mais está interessado na melhor venda possível, tudo para que o valor dos bens a alienar permita a satisfação tão completa quanto possível do seu crédito, pressupondo-se que o administrador da insolvência se conduz sempre na prossecução dos interesses dos credores, porque, de outro modo, será afastado e responsabilizado por danos provocados – Artigos 56º a 59º, 168º e 169º do CIRE.
Este pensamento legislativo teve clara concretização no regime legal acima descrito, que se afasta claramente do regime previsto no CPC.
É também este o entendimento da doutrina, com especial relevância para Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, Quid Juris, 3ª. Ed., 215, pág. 616/7: “ (…) a decisão quanto à escolha (da modalidade da venda) é cometida, em exclusivo, ao administrador da insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores, quando antes o liquidatário judicial necessitava de prévia concordância da comissão e credores (…) e mais adiante (…) o facto de o nº 2 limitar a audição ao credor com garantia real afasta a necessidade de auscultar o devedor insolvente, que decorreria da aplicação subsidiária do dito nº 1 do artº 812º, legitimada pelo artº 17º do CIRE.”
Numa outra perspetiva, onde se realça a autonomia do administrador da insolvência para decidir acerca da modalidade da venda e do valor base dos bens sem intervenção de outros interessados, mormente do juiz, Ana Prata e outros, in CIRE Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 464: “a decisão do administrador de insolvência a que alude o n.º 1 do art.º 164.º do CIRE é insindicável, sem prejuízo das sanções de que o administrador pode ser alvo, se tiver atuado culposamente em detrimento dos interesses da massa insolvente”, e que, na escolha deste regime pelo legislador, “terá sido privilegiado o interesse da celeridade em detrimento da maior segurança que se obteria mediante a exigência de aprovação por parte de outros intervenientes processuais (a comissão de credores ou o juiz).”
Também a jurisprudência tem decidido nesta conformidade como é exemplo o Ac. TRC de 20-06-2017, Vítor Amaral, Procº 55/14.0TBMIR-F.C1:
“I - Cabe ao administrador da insolvência o poder legal de decidir quanto à escolha da modalidade da alienação dos bens (art.º 164.º, n.º 1, do CIRE), incluindo a definição dos respetivos valores base.”
E Ac. TRG de 15-09-2011, Isabel Rocha, Procº 4771/07.5TBBCL-H.G1:
I - O art.º 164.º do CIRE visa a tutela do direito de crédito, e não a tutela de qualquer interesse do insolvente.
II - Tal normativo limita a audição sobre a venda dos bens da massa ao credor com garantia real, afastando a necessidade de ouvir o devedor insolvente.
III - Assim sendo, não se verifica qualquer nulidade decorrente da omissão da audição do insolvente relativamente à venda de bem da massa.

De onde se conclui que a decisão do tribunal a quo, ao indeferir o requerido pelo devedor quanto à realização de nova perícia para apurar o valor do bem a vender, não merece censura pelo que deve ser confirmada, improcedendo a apelação.
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Sumário:

(…)

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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a decisão recorrida.

Custas pela recorrente – Artº 527º C.P.C.

Notifique.

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Évora, 21-11-2019

José Manuel Barata (relator)

Rui Machado e Moura

Conceição Ferreira