Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
225/19.5T9ABF.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Quando um arguido regista um longo passado criminal com múltiplas condenações, por inúmeros ilícitos, com várias sanções em penas de prisão efetiva, no decurso de 17 anos, ressalta uma insensibilidade deste perante o sistema de justiça. Tal impede que um juízo positivo relativamente à adequação e suficiência de alternativa ao cumprimento efetivo da prisão.
II. O regime de permanência na habitação previsto no artº 43 do C. Penal, ainda que com vigilância electrónica, destina-se a preservar o condenado do contacto com o meio prisional e dos vícios que, do mesmo poderão advir para a sua personalidade, desiderato este que mal se coaduna com as múltiplas ligações anteriores do arguido ao sistema prisional.
III. A função preventiva das penas exige um sacrifício real para o condenado, visando a interiorização do agente em relação ao juízo de censura imanente à conduta delituosa, assim se apaziguando o sentimento de necessidade de realização
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida


No processo abreviado nº 225/19.5T9ABF, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 2, submetido a julgamento por acusação do M.P., foi o arguido AA, condenado pela prática, como autor material, de um crime de desobediência, p.p. pelo Artº 348 nº1 al. b) do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão efectiva.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

1 ° - O arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348° nº1 al.a) do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão efetiva.
2° - Defende o arguido que, em face do Direito aplicável outra deveria ter sido a decisão que, condenasse o arguido, no cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na sua habitação, motivo pelo qual apresenta o presente recurso.
3° - A Douta Sentença recorrida é demasiada gravosa, quer em sede da medida da pena de prisão aplicada, quer pelo facto de não ter sido determinada a pena de prisão em regime de permanência na sua habitação, pelo que no presente recurso impugna-se a matéria de direito, quanto ao seguinte: cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na sua habitação com vídeo vigilância.
4° - No caso em apreço, o crime imputado ao arguido é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias (arts. 348º do CP).
5° - O facto de ser condenadO em pena de prisão de 10 meses, acarreta para o arguido um agravamento das suas, já débeis, hipóteses de se reintegrar na sociedade e afastar-se da criminalidade.
6° - Entende-se que deve ser dado ao recorrente, atenta até a sua idade, esta inserido e tem o apoio do seu agregado familiar uma última e derradeira oportunidade de se corrigir.
7° - Depõe a favor do arguido:
- A integração social e familiar do arguido, com um agregado familiar estruturado e que o apoia totalmente.
8° - A primeira função do sistema penal, é a ressocialização do delinquente, pelo que aplicar ao arguido uma pena efetiva de prisão, significa retroceder na possibilidade de recuperação e ressocialização do mesmo na sociedade.
9° - A pena de prisão só pode e deve ser aplicada e efetivada, quando no caso sub judice não exista qualquer outra pena de substituição que seja capaz de acautelar, de modo adequado e suficiente, as finalidades de punição.
10°-Nada impede que a pena seja cumprida em regime de permanência na habitação.
11°- A Lei n° 94/2017, de 23 de Agosto veio, permitir que uma pena de prisão efectiva não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas, desde que o tribunal conclua que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução de pena de prisão e o condenado nisso consentir.
12° - O arguido foi condenado a 10 meses de pena de prisão e não se opõe ao cumprimento da mesma em regime de permanência na habitação, da sua mulher e enteados, que também a aceitam.
l30 - Tendo o tribunal de condenação optado pelo cumprimento efectivo da pena de prisão, nada impede o regime da permanência na habitação, especialmente porque a pena de prisão tem por finalidade primordial a "reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes"
14°- O regime de permanência na habitação de que tratamos consiste na execução de uma pena de prisão efectiva - de uma reacção criminal privativa da liberdade, pelo que em nada diminui a sentença e a sua intenção de ressocialização e de punição.
15°- Não é porque o arguido cumpre pena de prisão, em que for condenado nestes autos, na sua residência, que a mesma não servirá para o ressocializar e conduzir a uma vida responsável, longe da criminalidade, além de que, esta medida, também não coloca em causa a "confiança da generalidade dos cidadãos na validade das normas que criminalizam este tipo de crime" porque o arguido cumpre integralmente a pena em que foi condenado. Como consta quer no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 09/10/2019 E também no acórdão, também do Tribunal da Relação do Porto, de 18/12/2018
16° - No caso em apreço em que esta em causa, um crime de desobediência com gravidade diminuta, entendemos que as exigências de prevenção especial ficarão devidamente acauteladas com a execução da pena prisão em regime de permanência na habitação, dada a perda de liberdade que o arguido sofrerá e o controlo apertado a que estará vinculado.
17°- Pelo que nada obsta a que a pena de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação na sua habitação, com recurso a meios de vigilância.
18° - Assim, neste caso em concreto, atento o teor do disposto nos artigos 40º, 43º e 70º do Código Penal, e considerando-se as condições pessoais do arguido, considera-se que a condenação do Recorrente numa pena em regime de permanência na habitação, mostra-se suficiente para garantir que este não voltará a reincidir e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades da prevenção, quer especial, quer geral, do caso sub judice.
19° - Nestes termos, e salvo o devido respeito, terá assim o Tribunal "a quo" violado o disposto nos artigos 40°, 43° e 70° C. Penal.
Nestes termos, e nos demais de direito que serão objecto de suprimento de Vossas excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a Douta Sentença ora recorrida revogada e substituída por outra que aplique ao arguido, AA, pena de prisão menos gravosa, em regime de permanência na habitação, com recurso a videovigilância, atentas as circunstâncias do caso sub judice, e com o que se fará a costumada e devida JUSTIÇA

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que admitiu, no seu parecer, a procedência do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar de o recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da sentença recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que à mesma sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP).
Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se, tão só, às conclusões do recorrente, nas quais solicita a redução da pena de prisão que lhe foi aplicada e que seja determinado o seu cumprimento em regime de permanência na habitação.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

a) Factos provados
Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. No âmbito do processo abreviado n.º 3/14.8GDABF, que correu termos no Juízo Local Criminal de Albufeira – J2, foi o arguido condenado na pena de seis meses de prisão e na pena acessória de proibição e conduzir pelo período de 8 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
2. A sentença transitou em julgado a 4/5/2015.
3. Na sentença estava expressamente previsto que o arguido deveria entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
4. O arguido apesar de notificado da sentença, nunca procedeu à entrega da sua carta conforme lhe fora ordenado.
5. Sabia o arguido que a ordem de entrega da sua carta de condução, no prazo fixado, provinha da autoridade competente, fora-lhe regularmente comunicada e a devia acatar, contudo agiu com intenção, concretizada, de desobedecer a essa ordem.
6. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
7. Do certificado de registo criminal, resulta que o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em:
- 2003, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa;
- 2004, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa;
- 2004, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa;
- 2006, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa;
- 2008, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na pena de 240 dias de multa;
- 2008, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;
- 2008, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa;
- 2009, pela prática de um crime de desobediência; um crime de injúria agravada e um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano:
- 2009, pela prática de um crime de falsificação de documento e um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na pena única de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos;
- 2009, pela prática de um crime de ameaça, na pena de 90 dias de multa;
- 2010, pela prática de um crime de desobediência, na pena de 24 períodos de prisão por dias livres;
- 2011, pela prática de um crime de condução de veículo em estado embriaguez, na pena de um ano de prisão, em regime de dias livres;
·2011, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, na pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
- 2011, pela prática de um crime de desobediência, na pena de sete meses de prisão efectiva;
- 2011, pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
- 2015, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de seis meses de prisão efectiva;
- 2016, pela prática de um crime de falsas declarações, na pena de dois anos de prisão efectiva;
- 2019, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de um ano de prisão, em regime de dias livres;
- 2020, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de seis meses de prisão efectiva.
8. O arguido é natural de Cabo Verde e emigrou para Portugal quando tinha 27 anos de idade.
9. O núcleo familiar do arguido integra a sua e companheira e dois enteados do arguido, de 17 e 10 anos, ambos a frequentar estabelecimentos de ensino da rede pública, coabitando em aglomerado habitacional urbano central, de cariz social e conotado com constrangimentos sociais e marginalidade;
10. O arguido que já desempenhou anteriormente outras actividades, nomeadamente, na construção civil, tendo iniciado trabalho na área de cafetaria/restauração, com contrato de trabalho desde 26-11-2021, para desempenho de funções como aprendiz de restauração, auferindo o ordenado mínimo.
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.


Definido o quadro factual, apreciemos da bondade do recurso.

B.1. Da medida da pena e forma do seu cumprimento

O recorrente não impugna a factualidade provada, solicitando uma diminuição da pena que lhe foi aplicada e que seja determinado o seu cumprimento em regime de permanência na habitação por entender que realiza, de forma suficiente, as finalidades punitivas.
Nesta parte, na decisão recorrida escreveu-se o seguinte (transcrição):

IV. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Qualificados juridicamente os factos, há que proceder à fixação, dentro dos limites da moldura penal abstracta que ao crime compete, da pena que concretamente deverá ser aplicada ao arguido por obediência aos critérios expressos nos arts. 70.º e 71.º do CP.
Ao crime em causa corresponde uma moldura abstracta de pena de prisão até 1 ano ou de pena de multa até 120 dias.
Conforme resulta do art.º 70.2 do CP, "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
As finalidades da punição (art.s 40.º do CP) são critérios de escolha e de medida das penas com vista a serem atingidos determinados fins - a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do infractor na sociedade.
No caso em concreto releva, desde logo, a circunstância do arguido apresentar antecedentes criminais vastíssimos, inclusive pela prática do mesmo tipo de crime qual vai agora condenado.
Face ao exposto, entendemos que a pena de multa, prevista em alternativa para o crime ora em apreço, não se mostra adequada e suficiente às finalidades da punição, sendo consequentemente de optar por pena de prisão.
Na determinação da pena concreta de prisão há que ter em conta as circunstâncias referidas no nº 2 do art.º 71.º do CP.
Assim, recolhe-se, por um lado, o dolo intenso (directo) com que agiu o arguido, a sua conduta anterior e posterior, revelada através dos antecedentes criminais.
Tudo ponderado, o Tribunal tem por adequado e proporcional aplicar ao arguido pela prática de um crime de desobediência a pena de dez meses de prisão.
Face aos antecedentes criminais do arguido, tendo o arguido já sido condenado várias vezes em penas de multa e em penas de prisão, o Tribunal entende que o grau elevado das necessidades de prevenção especial, verificadas no caso em concreto, impede que a pena de prisão seja substituída, quer por multa, quer por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos dos artºs 45º e 58º, nº 1, do CP, a contrario.

Da NÃO suspensão da pena de prisão
Nos termos do art.º 50.º, n.º 1 do CP «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do ente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as fina/idades da punição».
No caso em concreto, as necessidades de prevenção geral são elevadas e elevadíssimas as necessidades de prevenção especial.
A cadência com que o arguido vem praticando crimes, indica que o mesmo interiorizou ou um sentimento de impunidade perante a prática dos seus actos criminosos.
O arguido vem praticando nas últimas duas décadas vários tipos de crime, de variada natureza, desde crimes rodoviários, até crimes contra a bens pessoais.
Constata-se que, desde que o arguido emigrou para Portugal, praticamente, os únicos períodos em que não praticou crimes, correspondem a períodos em que esteve a cumprir prisão efectiva.
Releva, ainda, sobremaneira, o facto do arguido já ter sido condenado em prisão efectiva por duas vezes pela prática do mesmo tipo de crime pelo qual vai agora condenado.
Assim, forçoso é concluir que as condenações anteriores não foram suficientes para evitar que o arguido voltasse a praticar crimes.
Ademais, já posteriormente à prática dos factos ora em apreço, o arguido cometeu outros crimes, pelos quais foi condenado em penas de prisão efectiva.
O tribunal entende que a postura do arguido perante a sociedade e os seus antecedentes criminais revelam uma personalidade avessa às regras e sem peito pelas mais elementares normas.
Mais considera o Tribunal que as exigências de prevenção especial que o presente caso reclama apenas serão satisfeitas com uma pena efectiva de prisão, uma vez NÃO poder o Tribunal concluir, atento o que acima fica exposto, que a ameaça de prisão será suficiente para assegurar as finalidades da punição e evitar que o arguido volte a praticar factos pelos quais vai condenado.

Da NÃO execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação
Nos termos do disposto no artº 43º, nº 1, al. a), do CP, «sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos ( ...)”
Vejamos.
Conforme ressalta da informação da DGRSP de fls. 270 a 272, por um lado, o café/restaurante, onde o arguido mantém emprego precário, não tem vindo a dispor de um horário fixo de abertura e fecho, estando o arguido dependente de terceiro para deslocação ao local de trabalho, que dista a cerca de 32 Km da sua casa.
Doutro passo, e conforme apurou, ainda, a DGRSP, o espaço (café/restaurate) onde AA atualmente trabalha encontra-se conotado com atividades de cariz delituoso e com ocorrência de ilegalidades ao nível do seu funcionamento o que propicia/potencia a exposição do arguido a dinâmicas/situações de risco criminal.
Ora, tais circunstâncias prejudicam a possibilidade do arguido manter a sua actividade laboral durante um período de execução de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Por último, os rendimentos, provenientes do vencimento da companheira do arguido, no valor de 760€/mês, não se afiguram suficientes para assegurar a globalidade das despesas do agregado familiar, incluindo a manutenção do arguido em cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Pelo exposto, o Tribunal considera que a execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido, em regime de permanência na habitação, nos termos do previsto no artº 43º, do CP, não se mostra adequada.

Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs:
As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando).
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena
Importa ainda ter em conta que:
A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade” (Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182).
No que concerne à concreta pena encontrada pelo tribunal recorrido – 10 meses de prisão efectiva – não parece que a mesma mereça qualquer censura, tendo em conta a gravidade do crime cometido, o nível da ilicitude, o grau de censura, o dolo directo, e as razões de prevenção geral e especial que no caso concorrem, estas últimas, particularmente intensas, se considerarmos o passado criminal do arguido e que se mostra reflectido na factualidade apurada.
Por outro lado, não parece assistir razão ao recorrente quando defende ser possível configurar um juízo de prognose no sentido de lhe ser aplicado um regime de permanência na habitação.
Neste conspecto, a resposta ao recurso por parte do MP é lapidar:
Antes da prática deste crime de desobediência, em 2015, já o arguido havia sido condenado, por duas vezes, pela prática de crimes de desobediência, em penas de prisão, uma vez, em 7 meses de prisão efetiva e, por outra vez, em pena de prisão por dias livres, 24 períodos.
Ainda, já antes havia sido condenado em duas penas de prisão efetiva pela prática de dois crimes de condução em estado de embriaguez.
Teve contacto anterior com o meio prisional.
Apesar dessas condenações, posteriormente à prática destes factos no ano de 2015, voltou a praticar crimes pelos quais foi condenado em penas de prisão, que cumpriu, tendo também cumprido pena de prisão subsidiária substitutiva de pena de multa não paga.
Para além destas condenações pela prática do mesmo crime de desobediência, o arguido apresenta um percurso de cerca de dezassete anos pela prática de crimes, desde o ano de 2002 a 2019…
Para além de crimes de desobediência, repetiu a prática de crimes de condução em estado de embriaguez e de condução sem carta, praticou crime de violência doméstica, falsidade de declaração, injúria, resistência e coação, ameaça e ofensa à integridade física.
Já foi condenado em penas de multa, de prisão suspensa, de prisão substituída por trabalho, de prisão por dias livres e de prisão efetiva.
Daqui decorre que:
As necessidades de prevenção especial são muito elevadas porquanto o arguido resiste em adotar um comportamento de desrespeito pelos valores jurídico-penais.
As necessidades de prevenção geral são intensas porque é reiterada violação das normas penais e muito necessário proteger as expectativas da comunidade quanto à validade das normas.
As condenações já sofridas pelo arguido devem ser interpretadas como refletindo uma propensão deste para delinquir, alheado, ou não, do elevado valor das normas penais e da necessidade imperiosa de respeito pelos bens jurídico-penais.
O cumprimento de penas anteriores em meio prisional ainda não tiveram a eficácia pretendida.
O arguido revela-se resiliente na não alteração do seu comportamento.
Ora, se nem as penas de prisão cumpridas por dias livres nem o contacto com o meio prisional em regime contínuo o demoveram da prática desde novo crime, como sustentar que a permanência na habitação o prepararia para não vir a cometer novos crimes?
Perante tais circunstâncias, as finalidades de prevenção, geral e especial (artigos 40.º e 43.º do Código Penal), não podem ser alcançadas se ao arguido for permitida a execução da pena em regime de permanência na habitação.
Não pode porque é uma reação menor, menos intensa, do que as que antes já sofreu e não será, por isso, motivadora para que altere o seu comportamento.
Não pode porque a comunidade a entenderá como um ato de benevolência excessiva ou de fraqueza do sistema, ou de permissividade perante a violação persistente das leis penais.
Pouco mais há a dizer para se perceber que o pretendido pelo recorrente não pode ter acolhimento.
O seu longo passado criminal, as suas múltiplas condenações, por inúmeros ilícitos, com várias sanções em penas de prisão efectiva, torna claro que em relação ao arguido o seu próprio comportamento impede a formulação de um juízo de prognose positiva, pois quer pela sua conduta anterior aos factos, quer pelas suas posturas posteriores, o arguido não presta nenhuma garantia no que toca a pautar a sua atitude futura pela concordância com as normas vigentes.
Nos registos anteriores e ao longo de 17 anos ligado ao cometimento de ilícitos, o ora recorrente foi condenado em penas de multa, penas de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, penas de prisão suspensas na execução, penas de prisão a cumprir por dias livres, e penas de prisão efectiva, sendo que nenhuma delas, como demonstra o cometimento do presente crime, surtiram qualquer efeito dissuasor, tendo o arguido, uma vez mais, voltado a delinquir, o que faz aumentar, muito significativamente, as necessidades de prevenção.
Ao arguido foi sendo dado, de forma sistemática, suficientes oportunidades para que arrepiasse caminho no cometimento do crime, sendo que de nada lhe valeu esta sucessão de oportunidades, ordenadamente graduadas tendo em conta a sua evolução criminal, na medida em que persistiu na prática de crimes, o que demonstra, à saciedade, que essas condenações não constituíram suficiente advertência.
O seu registo criminal, vastíssimo, é um exemplo claro e demolidor de que as condenações anteriores em nada o demoveram de continuar a cometer crimes, sendo manifesto que, de forma ostensiva e gritante, tem ignorado, dir-se-á, olimpicamente, os sucessivos avisos em que tais condenações se consubstanciavam, desprezando, de forma lamentável, as possibilidades de reintegração social que lhe foram sendo sistematicamente concedidas.
É, pois, evidente, que as necessidades de prevenção especial são assinalavelmente elevadas, a demandarem, da parte do sistema de justiça, uma resposta adequada e proporcional a estas condutas repetidamente delitivas, não se configurando qualquer cenário de prognose favorável que justifique a alteração do decidido pela instância sindicada.
Esta censurável repetição criminosa, terá que merecer a devida resposta punitiva, não se podendo descurar, por isso, as exigências, ao nível da prevenção geral, e, principalmente, as de prevenção especial, que a atitude indiferente do arguido às suas sucessivas condenações, acarreta.
A completa insensibilidade do arguido perante o sistema de justiça, traduzida nos seus antecedentes criminais, eleva, muitíssimo, as necessidades de prevenção especial, quer pela dificuldade que revela em pautar o seu comportamento pelo respeito para com as normas, quer pela necessária advertência que as suas reincidências ilícitas demandam.
Só uma crença abstracta e sem apoio factual na reintegração social do recorrente, é que pode justificar a aplicação de uma pena menor daquela que foi determinada pela 1ª instância e que o seu cumprimento se faça em estabelecimento prisional, quando a sua conduta denuncia, à evidência, que só esse cumprimento efectivo pode satisfazer as finalidades punitivas e as necessidades de prevenção geral e especial que no caso concorrem.
Se nem o cumprimento anterior de prisão o demoveu da prática de crimes, como acreditar que a aplicação de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação vai atingir esse desiderato?
Crê-se que há muito está esgotada a hipótese de ao arguido se “conceder uma última oportunidade”, uma vez que já lhe foi concedida, por várias vezes, últimas oportunidades, que, todavia, de forma grosseira, desprezou.
O pretendido pelo arguido esbarra no seu próprio comportamento, em que a persistência criminal suscita muitas dúvidas em relação à interiorização do desvalor social das suas posturas, e é demonstrativa de um profundo desdém pelos comandos legais.
O regime do Artº 43 do C. Penal destina-se, como se sabe, a preservar o condenado do contacto com o meio prisional e dos vícios que, do mesmo podem resultar para a sua personalidade, desiderato que mal se coaduna em relação ao ora recorrente, já com múltiplas ligações anteriores ao sistema prisional, o que demonstra que o arguido não reúne os requisitos necessários para se poder construir um quadro de prognose favorável no sentido de se concluir que as finalidades da punição ficariam asseguradas, de modo adequado e suficiente, com o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, ainda que com vigilância electrónica.
Não se ignoram os efeitos criminógenos das penas curtas de prisão, mas importa dizer que tais consequências são provocadas pelo próprio arguido, ao teimar na prática de crimes, não deixando assim outra alternativa a este tribunal, atentas as fundas exigências de prevenção geral e as fortíssimas demandas em sede de prevenção especial, que não seja, a sua condenação numa efectiva pena de prisão.
A função preventiva de qualquer pena exige um sacrifício real para o condenado, visando a interiorização do agente em relação ao juízo de censura imanente à conduta delituosa, assim se apaziguando o sentimento de necessidade de realização da justiça sentido pela comunidade.
Em suma, entende-se que a decisão recorrida não violou o estabelecido nos Artsº 70, 71, 50 e 43, todos do C. Penal, quer no que respeita à medida concreta da pena, quer quanto à não aplicação do seu cumprimento em regime de permanência na habitação.
Improcede, pois, o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.

Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 13 de Setembro de 2022

Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
Fernando Pina (Adjunto)