Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1.406/10.2PBFAR.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
INDEMNIZAÇÃO PROVISÓRIA
REGISTO CRIMINAL
TRANSCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Os depoimentos são avaliados, não contados.
2 - Não há um efeito de exclusão probatória pelo facto de um reconhecimento em inquérito não ser positivo.
3 - Não é aceitável a tese de que a liquidação em execução de sentença seja o método residual de fixação de danos, atribuindo à equidade um relevo não pretendido pelo legislador, como decorre dos artigos 565º e 566º do Código Civil.
4 - “O artigo seguinte” de que fala o artigo 82º é o artigo 83º do diploma e não o posteriormente intercalado artigo 82º-A.A remissão expressa do artigo 82º do diploma à indemnização provisória com a expressão “conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte” deve entender-se como a atribuição de um efeito executivo à dita indemnização, que nada tem a ver com a aplicabilidade de qualquer trecho do artigo 82º-A do C.P.P..
5 - O artigo 17º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (Lei da Identificação Criminal) não impõe um poder/dever ao juiz de, oficiosamente, fazer a aplicação da medida de não transcrição da decisão pelo que, podendo ser de aplicação oficiosa, deve ser requerida para poder ser apreciada pelo tribunal de primeira instância para poder ser objecto de recurso.
Decisão Texto Integral:



Processo nº 1.406/10.2PBFAR.E1

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial de F – 2º Juízo Criminal - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual foram julgados os arguidos:

RFSV, filho de (…); e

HDSV, filho de (…),

A quem haviam sido imputados factos susceptíveis de integrarem, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, e 144.º, alíneas a) e c), ambos do Código Penal.


*

O ofendido FGA, admitido a intervir no processo na qualidade de assistente, deduziu pedido de indemnização civil que por ora se dispensou de quantificar nos termos conjugados dos artigos 569.º do Código Civil e 471.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (redacção anterior), pelos danos sofridos na sequência da prática pelos arguidos dos factos constantes da acusação pública (fls. 211).

O Hospital de F, EPE, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação destes a pagar a quantia de €302,00 a título de custos com a assistência médica prestada ao ofendido, acrescido de juros (fls. 206).


*

A final - por sentença lavrada a 09 de Abril de 2014 - veio a decidir o Tribunal recorrido julgar a acusação procedente por provada e consequentemente condenou os arguidos:

a) RFSV pela prática em co-autoria material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, n.º 1, al. a), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

b) Suspendeu a execução da pena de 4 (quatro) anos de prisão por igual período, subordinada ao dever de pagar ao ofendido €10.000,00 (dez mil euros), devendo comprovar no presente processo o pagamento de pelo menos €1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), de seis em seis meses a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença; e acompanhamento com regime de prova assente no cumprimento de plano individual de reinserção social a elaborar pela DGRS – cfr. artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, 51.º, e 53.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal;

c) HDSV pela prática em co-autoria material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, n.º 1, al. a), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

b) Suspendeu a execução da pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão por igual período, sujeita a acompanhamento com regime de prova assente no cumprimento de plano individual de reinserção social a elaborar pela DGRS, o qual deverá orientar-se para a promoção da sua ocupação e inserção laboral – cfr. artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, e 53.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal.

2. Julgou procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente FGA, e, em consequência, condenou os arguidos RFSV e HDSV a pagar indemnização destinada a ressarci-lo de todos os danos sofridos, considerando-se os já constantes da factualidade provada nesta sentença, em quantia a liquidar em execução de sentença – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

3. Julgou procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de F EPE, e, em consequência, condenar os arguidos RFSV e HDSV a pagar €302,00 (trezentos e dois euros) acrescido de juros de mora desde a notificação para contestar o pedido até efectivo e integral pagamento.

4. Condenou ainda cada um dos arguidos nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3UC – cfr. artigo 8.º, n.º 9 do RCP.

5. Condenou os arguidos demandados nas custas cíveis, uma vez vencidos – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*

Os arguidos não se conformando com a decisão, interpuseram recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

Arguido H:

I- O arguido veio a ser condenado por um crime de ofensa à integridade física grave. Todavia o Tribunal "a quo", não obstante enumerar discriminadamente os Factos Provados, não enumera em contraponto os Factos Não Provados, apenas o fazendo quanto aos Factos dados como provados.
II- No que respeita aos Factos Não Provados, impunha-se assim ao Tribunal "a quo", tal como fez nos Factos Provados, enumerá-los (Factos Não Provados). O que o Tribunal não fez, deixando o Recorrente na impossibilidade de poder, ponto a ponto e em concreto, cotejar os Provados e os Não Provados para lhes averiguar contradições ou vícios. Prejudicando desse modo a defesa do Recorrente.
III- O Tribunal "a quo" ao não enumerar os Factos Não Provados violou o artigo 374º, n. 2 do CPP, cometendo assim a nulidade do artigo 379º, n. 1, alínea a) do mesmo diploma. Nulidade que aqui se deixa aqui arguida e deve ser declarada para todos os legais efeitos.
O Vício da alínea c) do n. 2 do artigo 410º CPP
IV- A única prova concreta que serve para condenar o aqui Recorrente é o depoimento da testemunha A F , pois que todas as outras testemunhas, embora afirmando que os arguidos se encontravam no local no dia e hora em que ocorreram os factos, não tiveram porém conhecimento de quem havia agredido a vítima.
V- A testemunha A, em data muito mais próxima dos factos e com a formalidade adequada imposta pelo CPP, tendo sido colocado para reconhecer o aqui Recorrente não o logrou fazer; isso teria que no mínimo ter levantado algumas reservas à Mma Juiz, quando essa mesma pessoa, como testemunha em julgamento vem dizer que, afinal, reconhece o Recorrente.
VI- Cabia desde logo o julgador reflectir, num exame crítico desta declaração tão assertiva, se assim é como foi possível que à data do reconhecimento essa certeza afinal não existisse numa pessoa com tanta certeza e tanta segurança afirmativa. Não o fez o julgador, dando de barato este ponto importantíssimo da sua reflexão crítica enquanto Juiz.
VII- Q arguido na fase de julgamento surge exposto publicamente como arguido; é ali visto por todos os intervenientes processuais, e todos eles sabem que são aquelas pessoas concretas que vão ser julgadas e que é a elas que se imputa a prática dos factos;
VIII- Este reconhecimento dos arguidos é de sobremaneira reforçado, quando, como no caso dos autos, a testemunha A já tinha sido chamada a reconhecer o aqui recorrente, não o tendo reconhecido - mas tendo-o então visto e fixado as suas feições, fisionomia, modo de estar, jeito, etc.
IX- A mesma testemunha, assertiva e afirmativa agora, vem em audiência de julgamento, volvidos 3 anos e muitos meses sobre os factos, dizer que não tem dúvidas que o foi o recorrente quem perpetrou as agressões. Conclusão que nos parece óbvia, em termos de exercício de imediação: a testemunha esteve na presença deste recorrente após o momento da agressão e o momento do julgamento. Sabe-o o Tribunal: esse momento foi o do falhado reconhecimento.
X- Esta é claramente uma situação de erro na identificação, erro sugerido e sugestionado pela visão da pessoa que vai ser julgada anteriormente ao julgamento. Não um visionamento na prática do crime, mas num outro momento, posterior. E da falta desse exame crítico por parte do julgador, resulta a ocorrência de erro notório na apreciação da prova.
XI- Q que resulta das regras da experiência comum, aqui aplicável por força do artigo 127 do CPP, sendo que este erro extrai-se da simples leitura do texto da decisão, (fls. 9 e 10).
XII- Esta testemunha A é a única testemunha, segundo a decisão, que teria visto o aqui recorrente agarrar a vítima (mas que pouco tempo depois dos factos não fora capaz de identificar o recorrente como tendo praticado esse facto). Pois que, e como se diz na Decisão do Tribunal "a quo", mais nenhuma testemunha viu quem agrediu a vítima.
XIII- Embora haja ainda uma outra testemunha, PJSA, pai da vítima, que depôs no Tribunal, e a quem a decisão confere relevância probatória. Só que essa testemunha se refere a conversa que tinha tido com a testemunha A; é isso que ela sabe sobre quem poderia ter praticado o crime. Nada mais.
XIV- O Tribunal "a quo", ao valorizar o depoimento da testemunha A , no que se refere ao facto de ter reconhecido, em audiência de julgamento, o aqui Recorrente, quando em data muito mais perto dos factos e em auto de reconhecimento, não o reconheceu, e com base nisso condenar o recorrente, violou não só o artigo 127º do CPP, como cometeu o vício da alínea c) do art. 410º do CPP, sendo esse vício constante do texto da decisão e patente quando conjugado com as regras da experiência comum. Viola ainda o art. 129º do CPP.
Violação do princípio constitucional do in dubio pro reo
XV- Da análise da douta Decisão conclui-se que a convicção do Tribunal, relativamente aos factos da agressão, assentou apenas no depoimento da testemunha A , única testemunha que supostamente terá visto o Recorrente agarrar a vítima, pois que nenhuma outra viu (fls. 9 último parágrafo). Sendo que esta testemunha em sede de reconhecimento não havia logrado reconhecer o recorrente, o que teria que ter levado, em obediência ao princípio do in dubio pro reo, à absolvição do aqui recorrente.
XVI- A Decisão de que ora se recorre violou o art. 32º n. 2 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 11º n. 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 6º n. 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o artigo 127 do CPP;
XVII- Deveria o arguido ter sido absolvido nestes autos, por ser a prova manifestamente insuficiente (além de incoerente por assentar numa testemunha que não reconhecera o arguido antes) para se decidir que o arguido praticou realmente os factos de que vinha acusado.
XVIII- Deve o arguido e ora recorrente ser absolvido do crime de que foi condenado; e bem assim absolvido do pedido de indemnização cível.
SEM PRESCINDIR
XIX- A medida da pena relativamente ao crime revela-se exagerada (...) aos factos e ao grau de participação do arguido, pois que, segundo a douta Sentença, o Recorrente apenas agarrou a vítima, e não foi ele que perpetuou a agressão.
XX- A pena em que foi condenado é injusta comparativamente com a do seu co-arguido, devendo ser substancialmente reduzida. Pelo que a pena do aqui Recorrente, caso não procedessem as anteriores alegações e se entendesse que ele praticara o crime, nunca deve ultrapassar 1 ano e 6 meses, sempre suspensa na sua execução.
XXI- O Tribunal "a quo", ao fixar para o aqui recorrente uma pena de 3 anos e 6 meses, violou o artigo 71° do CP.
CONDENAÇÃO EXCESSIVA EM PIC.
XXII- O Pedido de Indemnização Civil é exagerado (...) à matéria dada como provada; pelo que também deve ser substancialmente reduzido o montante da condenação em PIC, por violação do artigo 1270 do CPP.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, devendo ser declarada nula a Decisão e revogar-se a mesma; declarando-se a existência dos vícios assinalados, caso se entenda não haver nulidade; e ainda revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que absolva o Recorrente.
Caso assim não se entenda que seja reduzida substancialmente a pena aplicada ao Recorrente bem como o PIC.

Arguido R:

I- A douta Sentença ora recorrida, no capítulo da Fundamentação (ponto II, fls. 2 a 8), não enumera discriminadamente os Factos Não Provados, incumprindo o que a lei determina; assim, a Sentença recorrida enferma de um vício de falta de fundamentação, ao remeter genericamente e não de forma enumerativa para os Factos Não Provados. Do ponto de vista legal, assim ofende a disposição do art. 374, n. 2 do CPP; e do ponto de vista constitucional, obstaculiza as garantias que a CRP no artigo 32º determina que o processo penal assegura à defesa do Arguido, numa questão essencial à fundamentação completa da sentença, prejudicando desse modo e de forma concreta a defesa do Recorrente.
II- O Tribunal “a quo", ao não enumerar os Factos Não Provados, violou o artigo 374º, n. 2 do CPP, incorrendo assim na nulidade do artigo 379º, n. 1, alínea a) do mesmo diploma e o art. 32º da CRP; nulidade que aqui se deixa aqui arguida e deve ser declarada para todos os legais efeitos.
III- Ocorre ainda no caso nulidade, prevista também no n. 2 do art. 374º, ex vi alínea a), do n. 1, do art. 379º, ambos do CPP, quanto à falta de exame crítico das provas.
IV- Na douta Decisão recorrida há violação do art. 127º do CPP, na aplicação das regras da experiência e da normalidade à apreciação, ainda que livre, da prova. O Tribunal lança mão, para condenar o aqui Recorrente, a uma única prova concreta - o depoimento da testemunha A F . Todas as demais testemunhas presenciais, no local, dia e hora em que ocorreram os factos (colocadas assim na mesma situação do A), não viram a agressão nem identificaram os arguidos.
V- A é a única pessoa que assegurou ter visto os dois arguidos agredirem o ofendido; a única, no meio de muitas demais pessoas que estavam no mesmo exacto lugar que ela, e à mesma distância dos factos, e que isso não viram. Esta situação "especial" desta testemunha deveria desde logo feito ponderar o Tribunal sobre a peremptoriedade do seu depoimento, tanto mais que era evidente que a mesma já tergiversara quanto ao reconhecimento do outro co-arguido.
VI- É que não se trata de um caso em que os ofensores actuam de modo reservado, longe do olhar de outras pessoas, procurando que ninguém os veja; caso em que, obviamente, a testemunha única seria a chave da descoberta da verdade. Já não no caso em concreto destes autos. A acção não ocorre em local oculto ou reservado; e há muitas testemunhas a olhar e a presenciar os factos. Não é uma situação que, desenrolada longe dos olhares de todos, fosse lógico e coerente que pudesse ter sido visto por uma - e só uma! - testemunha.
VII- A distância de todas as testemunhas aos factos, e a capacidade e possibilidade de os presenciarem e de identificarem os seus autores, era igual e normal para todas as testemunhas. As regras da experiência e da normalidade assim o indicam. Mas só o A viu! Viu o que mais ninguém viu afinal, podendo todos afinal ter visto. Um depoimento assim, singular e único, merece reserva.
VIII- Cabia desde logo ao julgador reflectir, num exame crítico desta declaração tão assertiva, se assim poderia ter sido, à luz das regras da experiência: uma só pessoa vê o que todos os outros, junto dela não viram, estando todos atentos ao mesmo acto. Como foi possível essa certeza? De onde decorre? O que diferencia o visionamento e a percepção de A do visionamento e percepção dos demais?
IX- Ora, essa aplicação das regras da experiência e da normalidade não a fez o julgador, decidindo sem reflexão crítica e sem as sérias reservas que este depoimento impõe. E da falta desse exame crítico fundado nas regras da experiência, resulta por parte do julgador na ocorrência de violação do art. 127º na apreciação da prova. Deveria ao menos resultar daqui dúvida, que não podia ser resolvida contra o arguido. Não se pode provar o que constava na Acusação, assentando a condenação em uma única testemunha. Não a única onde não poderia haver mais nenhuma; mas a única quando poderia e deveria haver muitas mais, notadamente todas as outras que depuseram. A livre convicção não pode ser apreciação discricionária, arbitrária e infundamentada.
X- Estamos assim, na condenação tirada contra o arguido, perante uma errada apreciação da prova à luz das regras do art. 127.º do CPP, violando-se assim esse art. 127º do CPP.
XI- É certo que há ainda uma outra testemunha, PA, pai da vítima, a quem a decisão recorrida confere relevância probatória. Mas essa testemunha a nada assistiu. Ouviu conversas da testemunha A; é isso que ela sabe sobre quem poderia ter praticado o crime. Nada mais. Claramente um depoimento de ouvir dizer. Ao querer também sustentar-se no depoimento do pai do ofendido, viola o Tribunal ainda o art. 129º do CPP.
XII- Assentando apenas no depoimento da testemunha A, com as fragilidades apontadas, o Tribunal recorrido, em obediência ao princípio do in dubio pro reo, deveria ter decidido a absolvição do aqui recorrente. Pelo que a douta decisão de que ora se recorre violou o art. 32º ,n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o art. 11º n. 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 6 n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o artigo 127º do CPP. Deveria o arguido ter sido absolvido nestes autos, por ser a prova manifestamente insuficiente (além de incoerente por assentar numa testemunha que viu, só ela, o que todos os demais poderiam ter visto e não viram afinal).
XIII- Deve o arguido e ora recorrente ser absolvido do crime de que foi condenado; e bem assim absolvido do pedido de indemnização cível.
XIV- A medida da pena relativamente ao crime, mesmo que o arguido tivesse sido ao autor dele revela-se exagerada (...) aos factos. A pena do Recorrente, se se entendesse que ele praticara o crime, nunca deve ultrapassar 2 anos, sempre suspensa na sua execução. Os factos Provados 58 a 60, acrescidos de que o arguido tem possibilidades de seguir uma carreira militar e de levar uma vida ordeira e respeitadora.
XV- O Tribunal a quo, na fixação da pena, não atendeu suficientemente a esses factos provados. Atendendo-os, encontraria uma pena significativamente diminuída em relação à aplicada ao Recorrente. Mesmo que, porventura, se entenda que o Arguido praticou os factos, a pena que lhe foi aplicada é excessivamente gravosa. Nunca deveria ir além de 2 anos; assim se evitando que a pena ultrapasse a medida da culpa. Pelo que deve a pena do arguido ser diminuída em conformidade.
XVI- O Tribunal “a quo", ao fixar para o aqui recorrente uma pena de 4 anos, violou o artigo 71º do CP.
XVII- O Demandante, deduziu pedido de indemnização civil sem quantificar nesse pedido um valor concreto quanto aos danos que já conhecia na grande maioria, e para os quais poderia e deveria ter indicado logo um valor; salvo para os que futuramente resultem de uma nova intervenção cirúrgica.
XVIII- Sucede que o Tribunal "a quo" acolheu este entendimento do Demandante, e condena o Demandado de dois modos: 1º, num valor que o demandante não peticionou: 10.000,00 €, a ser pagos como condição da suspensão da execução da pena: 2º, em quantia a liquidar em execução de sentença quanto a todos os danos constantes da factualidade provada.
XIX- A primeira situação de condenação em 10.000,00 € representa condenação num valor não peticionado pelo demandante; e nem se sabe a que danos se refere, uma vez que a condenação a liquidar em execução se refere a todos os danos. Condena-se já numa parte líquida, sem se saber que parte líquida é essa, e a que danos concretos corresponde. Pelo que esta condenação em 10.000,00€ surge desgarrada e sem referência aos danos concretos que visaria contemplar; e aparentemente não contemplando danos nenhum, pois que em execução da sentença serão liquidados todos os danos; e é decidida pelo Tribunal sem que tenha sido peticionada pelo demandante.
XX- É violado o ónus da alegação em sede civil, e de igual modo as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o princípio do contraditório, por estar o arguido demandado impedido de contestar e de se defender de modo concreto.
XXI- Depois ainda: se o valor já pode ser quantificado e é portanto exacto, não deveria o demandante ter lançado mão do artigo 569.2 do Código Civil. Se quando o PIC é deduzido, os danos que são pedidos já estão apurados, nenhuma razão haveria para que o demandante não os quantificasse desde logo, permitindo ao arguido demandado, ante isso, contestar em concreto. O que assim ficou impedido de fazer.
XXII- O artigo 569º do CC é aplicável para casos em que os danos não são quantificáveis, nem se consegue indicar a importância exacta em que se avalia os danos. Não neste caso, como decorre do art. 471, n. 1 b) do CPC, actual artigo 556º2 do mesmo diploma. Caso assim não fosse, o demandante estaria sempre dispensado de indicar/quantificar o valor dos danos, violando-se desse modo claramente o princípio processual civil do ónus da alegação, bem como e em consequência o principio do contraditório.
XXIII- O Tribunal "a quo" ao condenar o aqui Demandado em quantitativo não peticionado pelo demandante, quando o valor dos prejuízos era já perfeitamente apurável, violou os princípios civis do ónus da alegação e do contraditório. Pelo que deve ser declarada nula a Sentença na parte que respeita ao PIC, por condenação vel ultra petitium e violação daqueles princípios. Nulidade que aqui se invoca e se quer ver declarada.
XXIV- Foram violados os art. 569º do CC e 471, n. 1 b) do CPC, actual artigo 556º.
XXV- Mesmo que assim não fosse, sempre a condenação em sede de Pedido de Indemnização Civil é exagerada, pelo que também deve ser substancialmente reduzido o montante da condenação em PIC, por violação do 71 e seguintes do CPP.
XXVI- Dada a situação profissional do recorrente, apurada em 58º de Factos Provados, e de modo a não prejudicar a sua situação laboral, deverá ordenar-se a não transcrição desta pena no seu registo criminal. O que se requer.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, devendo ser declarada nula a Decisão e revogar-se a mesma; declarando-se a existência das nulidades invocadas, ou, caso se entenda não haver nulidades, declarando-se a existência dos vícios assinalados; e ainda revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que absolva o Recorrente civil e criminalmente, ou lhe aplique pena menos gravosa e reduza o valor da condenação em PIC. Caso assim não se entenda que seja reduzida substancialmente a pena aplicada ao Recorrente bem como o PIC, ordenando-se a não transcrição no Registo criminal.

*

O Digno magistrado do Ministério Público em 1ª instância respondeu aos recursos interpostos, defendendo a improcedência dos mesmos (não foram juntos ficheiros informáticos).

*

O Assistente também respondeu aos recursos interpostos, defendendo a improcedência dos mesmos, com as seguintes conclusões:

Quanto ao recurso do arguido H:
48. (...) ao exposto, requer-se a V. Exas. indefiram por completo o presente recurso, por não ter o Recorrente qualquer razão, podendo concluir-se desta forma:
a. A douta sentença enumera todos os factos não provados relevantes para a decisão da causa, motivo pelo qual não foi violado o Art. 374°, n. 2, do Cód. Proc. Penal, não se verificando a nulidade prevista no Art. 379º, n. 1, do mesmo Código.
b. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao Art. 374°, n. 2, do Cód. Proc. Penal, considera não ser exigível a enumeração especificada de todos os factos não provados, pelo que ainda que a douta sentença recorrida não os tivesse enumerados todos, como fez, mesmo assim não se verificaria a nulidade que o Recorrente alega.
c. O Recorrente pretende a alteração da douta sentença no que respeita à matéria de facto dada como provada.
d. Porém, o Recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas, por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (Art. 412°, n. 4, do Cód. Proc. Penal).
e. A impugnação da matéria de facto não cumpre os requisitos legais, motivo pelo qual, nos termos do Art. 4200, n,? 1, do Cód. Proc. Penal, o recurso deve, nesta parte, ser rejeitado.
f. Não existe erro notório na apreciação da prova. [Art. 410º, n. 2, al. c)].
g. Com efeito, a douta sentença recorrida analisa criticamente a prova produzida e explica os motivos pelos quais considerou provada a matéria de facto, nomeadamente a credibilidade que deu ao depoimento da testemunha A .
h. Não existindo qualquer dúvida quanto à prática dos factos por parte do Recorrente, não tem aplicação no caso o princípio in dubio pro reu, o qual, no caso, não foi violado.
i. A pena aplicada, tendo em conta a extrema gravidade dos factos praticados pelo Recorrente, é justa e adequada.
j. A douta sentença recorrida condenou os Recorrentes no pagamento de uma indemnização destinada a "ressarcí-lo de todos os danos sofridos, considerando-se os já constantes da factualidade provada nesta sentença, em quantia a liquidar em execução de sentença." [Cf. Douta sentença recorrida]
k. Não foi fixado o valor da indemnização, a qual será liquidada em execução de sentença, pelo que não é possível o reduzir o montante da condenação, uma vez que este ainda não foi fixado.
Quanto ao recurso do arguido R:
69. (...) ao exposto, requer-se a V. Exas. indefiram por completo o presente recurso, por não ter o Recorrente qualquer razão, podendo concluir-se desta forma:
a. A douta sentença enumera todos os factos não provados relevantes para a decisão da causa, motivo pelo qual não foi violado o Art. 374°, n. 2, do Cód. Proc. Penal, não se verificando a nulidade prevista no Art. 379°, n. 1, do mesmo Código.
b. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao Art. 374°, n. 2, do Cód. Proc. Penal, considera não ser exigível a enumeração especificada de todos os factos não provados, pelo que ainda que a douta sentença recorrida não os tivesse enumerados todos, como fez, mesmo assim não se verificaria a nulidade que o Recorrente alega.
c. Não se verificando tal nulidade, não tem fundamento a alegação de que tal nulidade impede que o tribunal possa efetuar o exame crítico das provas, ou, pelo menos, de o demonstrar em relação aos pontos não provados.
d. O Recorrente pretende a alteração da douta sentença no que respeita à matéria de facto dada como provada.
e. Porém, o Recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas, as quais se fazem por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (Art. 412°, n. 4, do Cód. Proc. Penal).
f. A impugnação da matéria de facto não cumpre os requisitos legais, motivo pelo qual, nos termos do Art. 420°, n. 1, do Cód. Proc. Penal, o recurso deve, nesta parte, ser rejeitado.
g. A douta sentença, na apreciação da prova, cumpriu as regras do Art. 127° do Cód. Proc. Penal.
h. Após ter apreciado a prova produzida, o Tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas quanto à prática dos factos por parte do Recorrente, pelo que, não tem aplicação no caso o princípio in dubio pro reu.
i. A pena aplicada, tendo em conta a extrema gravidade dos factos praticados pelo Recorrente, é justa e adequada.
j. O Recorrido apresentou pedido de indemnização cível, tendo-se dispensado de quantificar o valor específico dos seus prejuízos, o que pode fazer, nos termos do Art. 569º do Cód. Proc. Civil.
k. Quando tal sucede, a condenação deverá ser no pagamento de indemnização pelos danos provados, a liquidar em execução de sentença, nos termos da douta decisão proferida em primeira instância.
I. A douta sentença recorrida optou por impor ao Recorrente o cumprimento de um dever, neste caso o de pagar uma certa quantia a título de indemnização devida ao lesado. [Art. 51° do Cód. Penal]
m. A douta sentença recorrida justifica a opção pela imposição deste dever referindo que o mesmo é "imposto por forma a garantir as finalidades da punição."
n. O montante da indemnização deverá ser fixado tendo em conta os critérios de fixação do pedido de indemnização cível, atendendo também à sua natureza penal.
o. Ao lado deste dever pode surgir também um dever de indemnizar nos termos da lei civil, mas não poderá haver cumulação entre a imposição deste dever e o dever de indemnizar.
p. É por esse motivo que a douta sentença fixa o valor a entregar por parte do Recorrente, referindo que tal valor deve ser tido em conta na indemnização que vier a ser fixada em execução da sentença, por forma a não haver qualquer duplicação.
q. Tem sido entendido que este dever pode ser imposto nos casos em que não é apresentado pedido cível e tem sido entendido esta imposição pode ser aplicada apenas a parte do pedido cível apresentado.
r. Assim, dúvidas não restam de que no caso também poderia ser imposto este dever, com a ressalva de que deverá ser tida em conta na indemnização que vier a ser fixada em liquidação da sentença.
s. Não decorre do alegado pelo Recorrente, nem da douta sentença, que não se possa induzir no caso, perigo de prática de novos crimes, pelo que não estão reunidos os fundamentos legais para ser determinada a não transcrição da sentença no certificado de registo criminal.

***

*


O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação secundou o parecer emitido em 1ª instância no sentido da improcedência parcial dos recursos.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.


*

B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 2 de Outubro de 2010 realizou-se, numa tenda instalada no Largo F, nesta cidade de F, uma festa no âmbito da chamada “Semana de Recepção ao Caloiro”, organizada pela Associação Académica de F.
2. Nessa festa comparecerem, entre outros, FGA, com um grupo de amigos, e os arguidos RV e H V, também acompanhados de um grupo de amigos.
3. Junto da porta de saída, cerca das 05h00, gerou-se uma discussão entre os grupos a que pertenciam o FA e os arguidos, havendo troca de insultos de parte a parte.
4. Ao afastar-se do grupo com o intuito de aguardar pelos amigos fora da confusão entretanto gerada, encontrando-se assim isolado, FA, subitamente e sem que nada o fizesse prever, foi agarrado pelas costas pelo arguido H. Impedido desta forma de se mover, o arguido R aproximou-se de FA pelo seu lado esquerdo e desferiu, com os seus dentes, uma dentada na orelha esquerda deste.
5. Uma vez agarrado pelo arguido H, FA não conseguiu impedir ou repelir a agressão de que estava a alvo por parte do arguido R.
6. Após, e uma vez consumada a agressão, os arguidos abandonaram o local.
7. Como consequência directa e necessária da descrita actuação dos arguidos, FA ficou com uma ferida na orelha esquerda com perda de substância e hemorragia controlada, com avulsão parcial do pavilhão auricular esquerdo, com perda de área cartilaginosa e de pele, com exposição de tecido cartilaginoso. Tais lesões demandaram, para cura, 20 dias, todos eles com incapacidade, ficando o ofendido com a lesão permanente de perda parcial de área cartilaginosa no terço médio do pavilhão auricular esquerdo.
8. Os arguidos queriam, como conseguiram, molestar o corpo e a saúde do ofendido FA.
9. Queriam ainda, como conseguiram, deixá-lo com marcas físicas evidentes e permanentes de tal agressão.
10. Agiram em comunhão de esforços e intentos, aliando-se de forma a que o arguido R lograsse atingir o ofendido de forma mais fácil, para o que o arguido H agarrou o ofendido assim o impedindo de se defender.
11. Actuaram os arguidos de forma livre, consciente e deliberada, sabedores da censurabilidade penal da sua conduta.
12. A conduta dos arguidos traduzida na agressão física supra descrita causou ainda ao assistente dores intensas, perturbação grave do sono, com pesadelos e acordar frequente durante a noite, humor depressivo, acentuada instabilidade emocional e dificuldade de concentração.
13. O assistente foi assistido no serviço de urgência do Hospital de F, EPE logo após a agressão.
14. Aí foi submetido a lavagem, desinfecção, sutura para tentativa de cobertura da área cartilagínea fraturada exposta por plastia de deslizamento de pele tetro auricular.
15. O assistente teve posteriormente várias consultas no mesmo hospital para observação da ferida e dos pontos, nos dias 13.10.2010, 20.10.2010, 27.10.2010 e 12.01.2011.
16. O assistente teve várias consultas com uma psicóloga do Hospital de F nas semanas seguintes à agressão.
17. O assistente submeteu-se a vários exames e consultas médicas durante o período de tempo em que esteve em tratamento.
18. Os tratamentos que o assistente foi submetido causaram-lhe dores, incómodos e perdas de tempo.
19. O período de doença sofrido pelo assistente foi de 20 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.
20. O assistente permanece com limitações e sequelas.
21. De entre essas limitações e sequelas está a cicatriz de ferida corto-contundente no terço médio do pavilhão auricular esquerdo com perda parcial de área cartilagínia no terço médio.
22. O assistente terá necessidade de acompanhamento e tratamento médico no futuro por causa desta sequela.
23. O assistente terá de ser sujeito a cirurgia plástica reconstrutiva.
24. Esta sequela causa ao assistente muitos sofrimentos, incómodos e contrariedades.
25. A impossibilidade de realização de variadas actividades limita a vida social do assistente.
26. Os danos estéticos causados pela agressão são também causa de sofrimento acrescido com o qual o assistente terá de viver até à cirurgia que espera realizar.
27. O assistente não sabe se a operação a que ainda espera ser sujeito poderá eliminar todas as sequelas resultantes da agressão.
28. O assistente na data da agressão estava matriculado no I – Instituto Superior (…), no curso de Gestão (…), em regime livre.
29. Em 10 de Novembro de 2010, em consequência da agressão perdeu ânimo, disposição, vontade de qualquer contacto social, e solicitou a anulação da matrícula.
30. Por se encontrar na altura em período de recuperação e sujeito a tratamentos médicos, bem como incapacitado psicologicamente de frequentar o curso, requereu a anulação da sua inscrição.
31. O assistente pagou pela frequência do curso: €140,00 pela candidatura – disciplinas isoladas; e €496,48 pela inscrição por disciplina isolada, propina do 1.º semestre e seguro escolar.
32. À data da agressão o assistente era modelo e já havia realizado vários trabalhos nesta área.
33. O assistente encontrava-se agenciado pela agência (…) Models.
34. O assistente havia celebrado com esta agência contrato de exclusividade.
35. Em consequência da agressão o assistente deixou de poder apresentar-se nos castings.
36. Em consequência da agressão o assistente não foi chamado para quaisquer trabalhos de modelo.
37. O assistente ganhou a fase regional do concurso (...) Models, tendo sido apurado para a fase nacional, em 2009, a qual teve transmissão televisiva.
38. O assistente já antes havia sido eleito “Mister Liceu F” e sempre havia demonstrado interesse em seguir uma carreira na área da moda, como modelo.
39. O assistente não pode desempenhar funções como modelo devido à cicatriz que ostenta e perda de parte do pavilhão auricular.
40. Após a agressão, e pelo período pelo menos de um mês, o assistente deixou de conseguir sair de casa sozinho, mesmo durante o dia.
41. O assistente tinha pesadelos durante a noite, acordando sobressaltado.
42. O assistente deixou nas semanas seguintes à agressão de sair à noite com amigos e colegas.
43. Durante esse período de tempo mais acentuadamente mas também presentemente o assistente tem medo de estar sozinho de noite na rua.
44. O assistente passou a estar nervoso quando vê grupos.
45. O assistente passou a usar um gorro na cabeça para esconder a cicatriz na orelha esquerda.
46. O assistente sente desconforto e mágoa devido aos olhares de que é alvo relativamente à cicatriz que ostenta.
47. Por isso sente-se agora menos confiante.
48. Também por isso o assistente sente vários constrangimentos estando sempre preocupado se a cicatriz se encontra visível, tentando tapá-la com o cabelo ou gorro, o que é mais acentuado quando vai à praia ou piscina, pela dificuldade em controlar se tem a cicatriz tapada.
49. O assistente é também muitas vezes olhado como o rapaz a quem “arrancaram a orelha”, sendo alvo de comentários que lhe causam profundo desgosto.
50. O assistente à data da agressão era uma pessoa positiva, alegre, muito sociável e praticante de desporto.
51. O assistente deixou de praticar body board, actividade que praticava regularmente.
52. O assistente deixou de praticar esta actividade desportiva pelos incómodos que sentia, e sente, com a exposição da cicatriz da perda do pavilhão auricular.
53. O assistente sente profundo desgosto de cada vez que vê a cicatriz, não conseguindo evitar lembrar-se da agressão, o que o obriga a reviver, diariamente, esse momento traumatizante.
54. Também toda a família do assistente foi afectada com a agressão de que este foi alvo.
55. A preocupação dos familiares e o seu desgosto foi também sentida pelo assistente.
56. A mãe do requerente foi especialmente afectada, tendo atravessado um estado depressivo, o que contribuiu para deprimir o assistente.
57. Na sequência e por causa da conduta dos arguidos, o Hospital de F, EPE prestou cuidados de saúde ao assistente no valor de €302,00.
58. Após completar o 9.º ano de escolaridade, o arguido RV, à data com 17 anos de idade, incorporou, em regime de contrato, a classe de taifa e subclasse de despenseiro dos quadros da Marinha. Após um ano de curso e quatro de contrato, ascendeu ao posto de segundo-marinheiro, sendo que actualmente desenvolve a sua actividade profissional na Capitania (...).
59. O arguido RV aufere de vencimento €700,00 e vive com os pais.
60. O arguido RV não tem antecedentes criminais.
61. O arguido H V tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
62. Desde os 18 anos que exercer a profissão de pescador, encontrando-se porém há cerca de um ano em situação de desemprego.
63. Não auferindo qualquer subsídio estatal, o arguido H V sobrevive da actividade de mariscador, da qual retira cerca de €300,00 a €400,00 por mês, e do auxílio alimentar fornecido pelos pais.
64. Vive sozinho em casa cedida por familiares.
65. O arguido H V não tem antecedentes criminais.
66. Desde a data dos factos supra descritos, os arguidos sobre a prática dos mesmos não revelaram qualquer sentimento de remorso ou arrependimento.
67. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo assistente foi fixada em 02.01.2011; o período de défice funcional temporário total fixou-se em 15 dias; o período de défice funcional temporário parcial fixou-se em 77 dias; o período de repercussão temporária na actividade profissional total (como modelo) fixou-se num total de 92 dias; o quantum doloris fixou-se no grau 5/7; o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixou-se em 16 pontos; dano estético permanente fixou-se no grau 5/7; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixou-se no grau 4/7.

*

B.1.2 - E como não provados os seguintes factos:

Não se provaram os restantes factos constantes da acusação, designadamente que o arguido R aproximou-se de FApela frente; e foi imediata a saída dos arguidos do local após a agressão”.


*

B.1.3 - E apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos:

“Motivação da decisão de facto
A convicção sobre a matéria de facto deverá assentar no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, crítica e conjugadamente analisada, com apelo às regras da experiência e senso comuns e normalidade das coisas.
Os arguidos não prestaram declarações quanto aos factos a si imputados.
O assistente, FGA, em declarações prestadas na audiência, disse desconhecer a identidade de quem o agrediu, sabendo apenas terem sido duas pessoas, uma que o agarrou por trás e a outra que o mordeu e puxou a orelha, e que, por os ter visto, os arguidos se encontravam no local e faziam parte do outro grupo. Explicou que a razão pela qual não reconhece os agressores prende-se com o facto de ter sido agarrado por trás e o outro indivíduo lhe ter surgido pelo seu lado esquerdo, sem que qualquer deles lhe tivesse surgido de frente, em posição de lhe ser possível ver quem eram. Disse ainda que, no momento da agressão, encontrava-se isolado do seu grupo de amigos dos quais se havia afastado para evitar estar na confusão gerada entre os grupos, e também por pensar que a confusão estava perto do fim, pretendendo ficar a aguardar aqueles para, juntamente com os mesmos, se dirigir a casa. Precisou ainda que no momento da agressão estava virado de frente para o seu amigo A , a cerca de 10 metros deste.
A F , ouvido na qualidade de testemunha na audiência, foi peremptório na afirmação de que foram os arguidos quem agrediram F, sendo o arguido H V quem o agarrara por trás e o arguido RV quem se aproximou da orelha esquerda do ofendido, vendo o movimento de aproximação da boca à orelha esquerda do F, e, logo após, este a jogar a mão à orelha, tendo sido G Pinto quem lhe dera conta que a agressão tinha sido grave.
Todas as outras testemunhas ouvidas, designadamente (…), afirmaram que os arguidos se encontravam no local no dia e hora em que ocorreram os factos sem porém terem conhecimento de quem havia agredido FA(corroborado pelos autos de reconhecimento a fls. 54, 56, e 70; não tendo qualquer valor o auto de reconhecimento a fls. 66 por não assinado pelo reconhecedor).
Apenas a testemunha A F afirmou assim a participação dos arguidos na agressão a F. O depoimento desta testemunha foi absolutamente convincente e credível pela forma assertiva, objectiva e séria como foi prestado.
Resulta dos autos a fls. 58 e 68, auto de reconhecimento pessoal por parte da testemunha A , ocorrido em 13.10.2010, do arguido RV (às 11h07) e do arguido H V (às 10h36), respectivamente, sendo que o do primeiro foi positivo e deste último não foi positivo (constando do auto de reconhecimento “o reconhecer declarou que o indivíduo no n.º 2 lhe pareceu o indivíduo que agrediu a vítima, não tendo no entanto certeza absoluta”), situação que poderia pôr em causa a afirmação feita pela testemunha no sentido da participação nos factos por parte do arguido H V. Sobre esta questão a testemunha A , em audiência, disse recordar-se de que o reconhecimento do arguido H ocorreu em primeiro lugar e, não obstante no momento ter dito que lhe parecia ser uma das pessoas que havia agredido o F, quando saiu da sala de reconhecimentos logo realizou para si próprio que havia sido sem dúvida aquela pessoa a agarrar por trás o F. Disse ainda que quem esperava ver era o arguido R – certamente por ter sido aquele que mordeu no F –, tanto que quando foi do reconhecimento deste prontamente o identificou como autor da dentada na orelha de F, razão pela qual não terá sido peremptório no reconhecimento do arguido H. De todo modo, afirmou e reafirmou inúmeras vezes em audiência de julgamento, ter absoluta certeza de que H V agarrou F por trás, e RV o atacou na orelha, justificando tal certeza com o facto de os ter visto antes, durante e após a agressão (sendo que os mesmos passaram por si após a agressão), chegando mesmo a falar para eles e tentando identificá-los à polícia que se encontrava no recinto da festa, o que não chegou a concretizar-se pela preocupação de acudir a F e ausência de interesse das autoridades em registar o sucedido.
A assertividade do depoimento e explicação dada quanto ao reconhecimento não positivo do arguido H, conjugado com o depoimento da testemunha PJSA, pai do assistente, que relatou ao Tribunal as diligências que fez para chegar à identidade dos suspeitos, ora arguidos, serviu para se conferir total credibilidade à testemunha A .
Com efeito, a testemunha PJSA disse que no próprio dia tentou saber quem havia agredido o seu filho, falando para o efeito com A , o qual tinha a certeza quem havia sido os agressores sem que soubesse porém a respectiva identidade, apenas tendo apurado serem conhecidos pelos “irmãos p” e serem de O F. Com esta informação, disse a testemunha, procurou saber junto da PSP e GNR se conheciam os “irmãos p”, vindo um militar da GNR no posto territorial de M a referir que os mesmos eram sobrinhos do Rogério, e moravam ao pé do restaurante “C”, e que um deles “anda à pesca” sendo que quem os conhecia bem era o senhor do apoio de praia da Fuzeta, a quem se dirigiu. Esse senhor foi quem lhe disse que os “irmãos p” se tratavam de H e R, tendo conhecimento – disse-lhe esse senhor – que um deles andava à pesca com o tio e o outro estava na Marinha. As declarações prestadas por esta testemunha vêem-se corroboradas pelo auto de denúncia a fls. 3 onde se faz referência aos suspeitos serem “sobrinhos do Rogério”, identificados apenas como H e R e residentes “junto ao restaurante denominado C”; e aditamento de fls. 8 do qual resulta terem as indicações sido fornecidas pelo pai do ofendido (bem como ainda informação da empresa de segurança a fls. 97, onde refere o nome de um dos seguranças Ca, igualmente referido pela testemunha PJA no decurso do seu depoimento).
O depoimento da testemunha PJSA, cuja versão é absolutamente credível por ser lógica, de acordo com as regras da experiência e senso comuns e coerente em si mesma (sem que o facto de ter assistido à 1.ª sessão de julgamento possa colocar isso em causa), confere também credibilidade ao depoimento da testemunha A – que diz saber quem foram os autores da agressão.
Acresce ainda:
As testemunhas (…), amigos do assistente e igualmente presentes no local na data e hora da ocorrência dos factos, disseram que não viram o acto da agressão propriamente dito (uma vez não estarem a olhar para o F), não podendo por isso afirmar quem foram os seus autores, afirmando porém de forma peremptória que A vira.
A testemunha G, por sua vez, disse estar junto do GU e A quando este aponta para o F, momento em que ao olhar para o F o vê agarrado à orelha, vendo os arguidos junto do mesmo (os quais reconheceu como estando no local dias após a ocorrência dos factos, conforme autos de reconhecimento a fls. 54 e 70).
A testemunha GU disse a este propósito que foi A quem o alertara, duas ou três vezes, para o sucedido com o F, no sentido de a testemunha abandonar a confusão que se gerara entre os grupos, sendo que quando se volta para o F já o vê a vir em sua direcção, momento em que se apercebe da gravidade da lesão.
O depoimento destas duas testemunhas foi prestado de forma séria e objectiva, sendo evidente que, não obstante amigos do assistente e naturalmente constrangidos com o sucedido, respondendo sempre com a preocupação de não fugir à verdade daquilo que efectivamente viram e se recordavam.
Tudo conjugado não deixou ao Tribunal qualquer dúvida sobre a participação dos arguidos nos factos conforme supra descrito.
Acresce ainda a postura assumida por todas as testemunhas trazidas pela defesa dos arguidos – (…) – cujos depoimentos foram tidos por não credíveis pela forma pouco séria, parcial, por vezes até desafiadora e provocadora, como foram prestados. Em geral estas testemunhas começaram o seu depoimento dizendo não saber quais os factos que se discutiam, chegando mesmo uma das testemunhas, (…) A, a afirmar que só neste momento estava a saber que uma pessoa ficara sem parte de uma orelha!!!, facto que é totalmente inverosímil quando, para além de ter sido um acontecimento noticiado (cfr. doc. de fls. 41), é o mesmo imputado aos seus amigos.
Estas testemunhas, não obstante terem afirmado que os arguidos se encontravam no local (todos pertencentes ao mesmo grupo de amigos), procuraram sempre salientar que não viram nada de anormal, mormente a agressão física a F, nem se aperceberam que tal pudesse ter acontecido, o que também não nos parece credível. Uma coisa é, não terem visto quem foram os autores da agressão, outra bem diferente é, não terem dado conta do sucedido, sendo que os factos sucederam a 10 metros de distância – e foram certamente aparatosos considerando a gravidade da lesão e abundância de sangue na vítima – e foram a causa da cessação do conflito gerado entre os grupos.
Para além de tudo isto, por si só já bem suficiente para se descredibilizar os depoimentos destas testemunhas, estas foram compondo os seus depoimentos à medida das sucessivas perguntas que lhes eram dirigidas com isso se desmentindo, recordando-se de umas coisas e outras não…
Consideraram-se ainda as fotografias da vítima a fls. 9 e do recinto a fls. 10; informação da subocorrência da PSP a fls. 107 da qual consta 02/10/2010 05:05:37; relatório completo de episódio de urgência, com entrada da vítima pelas 06:06 do dia 02/10/2010, a fls. 125 (148); exame pericial médico-legal a fls. 134 (12.10.2010) e a fls. 172 (19.01.2011); e relatório de perícia de avaliação do dano corporal a fls. 434.
Os factos referentes ao conhecimento e intenção dos arguidos extraíram-se dos factos objectivos dados como provados, dos quais outra não pode ser a conclusão de que os arguidos sabiam que da sua conduta resultaria a provada lesão física do ofendido, lesão essa que logravam provocar o que conseguiram.
Os factos provados referentes ao pedido de indemnização civil formulado pelo assistente decorrem, para além das regras da experiência e normalidade das coisas e senso comum (...) aos factos objectivos ocorridos, das declarações prestadas pelo assistente e depoimento das testemunhas A F , G V, GU (…) (amigos do assistente e namorada, que o acompanharam após a agressão, sendo G também modelo), e RMMG(mãe do assistente). E documentos juntos aos autos: fotografias a fls. 217 a 224; recibo da universidade a fls. 225; anulação da inscrição (10.11.2010) a fls. 226; declaração da (...) Models (16.11.2011) a fls. 227; fotografias a fls. 228 a 233; publicidade do casting nacional a fls. 234; e exames e avaliação médico-legais já supra referidos. Também o documento a fls. 210 (factura do Hospital) onde se discriminam as consultas dadas ao ofendido.
Os factos provados referentes ao pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital foram-no com base no documento a fls. 210 (factura).
A prova dos factos sobre as condições pessoais e sócio-económicas dos arguidos teve por base (…)”.

***

Cumpre conhecer.

B.2 - Do recurso

É sabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

O presente recurso está fundado na inconformidade dos recorrentes quanto aos seguintes pontos, os quais resultam das suas conclusões (e apenas estes), independentemente da argumentação utilizada nas motivações:

De ambos os arguidos:

a) - a nulidade por falta de exame crítico da prova – artigo 374º, n. 2, al. a) do C.P.P., na qual os recorrentes inserem a não enumeração dos factos não provados;

b) – o erro na apreciação da prova – artigo 410º, n. 2, al. c) do C.P.P., no qual se inclui a violação do artigo 129º do referido código;

c) – a violação do princípio in dubio pro reo;

d) - a medida da pena;

e) - a condenação civil excessiva.

Do arguido R:

f) - da liquidação em execução de sentença;

g) – da não transcrição no registo criminal.

A ordem de conhecimento seguirá o alinhamento indicado, por metodologicamente correcto, com excepção da questão da condenação ilíquida, que será conhecida em conjunto com a al e).


*

B.3 – (a) - A nulidade por falta de exame crítico da prova – artigo 374º, n. 2, al. a) do C.P.P., na qual os recorrentes inserem a nulidade da sentença recorrida por não enumeração dos factos não provados.

Invocando os recorrentes a não indicação precisa dos factos não provados incumbia-lhes demonstrar esse facto através da sua delimitação e da indicação da sua origem processual. Dito de outra forma, se os factos pertinentes num processo são os factos normativamente relevantes constantes da acusação, do pedido cível, da(s) contestação(ões) e os eventualmente resultantes do decorrer da audiência de julgamento (arts 358º e 359º da CPP), cabia aos recorrentes delimitá-los e indicar a peça processual onde se encontravam ou as provas concretas que impunham a sua descriminação na sentença recorrida, bem como o seu relevo normativo.

Não o tendo feito, a sorte do recurso estava dependente do conhecimento oficioso e dos talentos detectivescos do tribunal. Apesar de estes não abundarem, constata-se que o assistente tem razão na sua resposta aos recursos dos arguidos pois que se não descortina a falta de qualquer facto que tenha relevo normativo.

Desde logo faz-se notar que os arguidos recorrentes não deduziram contestação crime desenvolvida, limitando-a ao oferecimento do mérito dos autos, e no que contestam em sede civil limitam-se a negar a existência dos pressupostos do respectivo pedido. E, invocar o “negativo” do que consta da acusação e/ou do pedido cível não é alegar factos novos.

No cotejo com os factos constantes da acusação – no fundo o termo comparativo implicitamente invocado – não se descortina qualquer falha, sendo certo que se não cotejam pontos, vírgulas e parágrafos, pois que o juiz não é copista de redacções.

Não há, portanto, nulidade a integrar na previsão dos arts. 374ª e 379º do CPP.


*

B.4 – (b) – O erro na apreciação da prova – artigo 410º, n. 2, al. c) do C.P.P., no qual se inclui a violação do artigo 129º do referido código.

A argumentação dos recorrentes nesta sede de erro na apreciação da prova assenta em três ideias base: a circunstância de ser apenas uma testemunha a asseverar ter visto os factos; de essa testemunha não ter reconhecido os arguidos em reconhecimento formalizado em inquérito; de a segunda testemunha a confirmar os factos ser o pai do arguido que o ouviu à referida primeira testemunha.

Do que expõem resulta que entendem tais vícios como resultantes do texto da decisão recorrida e, como tal, vícios de revista alargada de conhecimento oficioso

Como é sabido o “erro notório na apreciação da prova”, como vício relevante em processo penal, é segundo a doutrina e jurisprudência mais generalizadas, o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum. O erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325).

«Erro notório na apreciação da prova é aquele de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.» (Ac. STJ, de 9.12.98, BMJ 482 - 68).

Não nos parece que seja isto o alegado pelos recorrentes que antes impugnam – de forma incompleta se pensarmos nos pressupostos do artigo 412º, ns. 3 e 4 do Código de Processo Penal – a forma como o tribunal recorrido apreciou a prova e interpretou as normas quanto a apreciação probatória, através da violação do princípio da livre apreciação probatória a que acresce a violação do disposto no artigo 129º do C.P.P. no que respeita à última questão suscitada (depoimento indirecto).

Ou seja, não há nem se demonstra que haja “erro notório” havendo apenas discordância quanto à suficiência da prova para sustentar a matéria de facto dada como provada.

Mas mesmo nesta sede não nos parece que os recorrentes tenham razão.

Desde logo porquanto nenhuma regra proíbe que se dê credibilidade determinante a uma só testemunha.

A regra da apreciação tabelada de prova expressa no brocardo latino “unius testimonium non est credendum” (ou “unus testis, nullus testis”, ambas significando que o testemunho de um só não tem força probatória) foi abrogada pelo princípio de livre apreciação da prova pelo tribunal, desde que – em termos de convencimento – se justifique a atribuição de credibilidade a essa testemunha.

Daí que aqueles brocardos tenham sido substituídos pelo mais actual “testimonia ponderanda sunt, non numeranda” (As testemunhas são avaliadas, não contadas).

E do que se extrai dos autos é natural que apenas uma pessoa se tenha apercebido da identidade dos agressores, considerando o ambiente em que os factos ocorreram (a festa) e a forma da agressão, com forte possibilidade de passar desapercebida (a agressão, não as consequências).

Por outro lado, da ausência de reconhecimento em inquérito não resulta que se não possa provar a identidade dos arguidos em audiência de julgamento, pois que as declarações ou depoimentos prestados em audiência de julgamento são livremente apreciados e essa liberdade de apreciação não é excluída pelo não reconhecimento em inquérito.

Ou seja, não há um efeito de exclusão da probabilidade probatória de um agente de crime pela circunstância de o seu reconhecimento em inquérito não ser positivo.

Por outro lado, também o não reconhecimento de um agente de um crime não significa que se comprove que o identificando não seja o autor do ilícito. Significa apenas que naquele reconhecimento de pessoas não foi identificado como tal. E tal ocorre mesmo no caso de a vítima ou qualquer outro “reconhecedor” ser o autor do não reconhecimento.

Ambos os fenómenos são ou podem ser rodeados de circunstâncias factuais – diferenças nas roupas, posturas ou aspecto geral modificados - que impliquem a aceitação de uma identificação em audiência de julgamento.

Tudo dependerá da apreciação probatória feita pelo tribunal recorrido, devidamente fundamentada, sem que o não reconhecimento em inquérito, seguido de prestação de depoimento identificador em audiência, signifique a existência de um erro de apreciação probatória.

A circunstância de o pai do ofendido ter feito referência ao que ouviu dizer a uma testemunha não inquina a apreciação probatória feita pelo tribunal recorrido nem significa violação do disposto no artigo 129º do C.P.P. pois que não está sujeito esse depoimento a uma exclusão probatória na medida em que a testemunha a quem se ouviu dizer está identificada e foi ouvida em audiência de julgamento. Trata-se, pois, de reconduzir ambos os depoimentos à livre apreciação probatória.

E esta não se mostra inquinada pelas razões aduzidas pelo recorrente.


*

B.5 – (c) – A violação do princípio in dubio pro reo.

Nem, por outro lado, ocorre violação do princípio in dubio pro reo. Ao tribunal impunha-se uma decisão em função de toda a prova produzida de forma a obter uma verdade judicial, resultado do seu convencimento quanto à verificação dos factos (assente este em dados objectivos), no caso, a imputação dos factos ao arguido.

Questão está em saber se essa verdade judicial, essa probabilidade que roça a certeza, existe no caso dos autos ou se, ao invés, não estaremos já no campo de exclusão do “meramente possível”.

Neste campo, a fundamentação factual do tribunal recorrido permite-nos afirmar que a sua convicção se forma na credibilidade atribuída aos depoimentos com exclusão das declarações dos arguidos.

Não se revela nos autos que a aplicação do princípio in dubio pro reo se imponha, pois que, avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduziu à dúvida no espírito do tribunal sobre a existência do facto.

A circunstância de existirem duas versões dos factos e de o tribunal recorrido ter fundado a sua convicção em depoimentos não autoriza a conclusão de que existe violação do princípio.

O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997.

Essa «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» - Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170, relator Cons. Carmona da Mota, citando a autora anteriormente indicada.

A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.

O que não ocorre no caso em apreço.

Entende-se, portanto, que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção” – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar).

Não há, pois, que censurar o tribunal recorrido na apreciação e fundamentação da prova por ele efectuada e pela não aplicação do princípio in dubio pro reo.


*

B.6 – (d) - A medida das penas.

O tribunal recorrido condenou os arguidos pela prática em co-autoria material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, n.º 1, al. a) do Código Penal da seguinte forma:

RFSV na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao dever de pagar ao ofendido €10.000,00 (dez mil euros), devendo comprovar no presente processo o pagamento de pelo menos €1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), de seis em seis meses a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença; e acompanhamento com regime de prova assente no cumprimento de plano individual de reinserção social a elaborar pela DGRS – cfr. artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, 51.º, e 53.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal;

HDSV na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a acompanhamento com regime de prova assente no cumprimento de plano individual de reinserção social a elaborar pela DGRS, o qual deverá orientar-se para a promoção da sua ocupação e inserção laboral.

Quanto a este último arguido, H, argui com dois pontos, o ter-se limitado a agarrar o ofendido, tendo sido o co-arguido R a concretizar a agressão e o peso relativo das penas.

O primeiro argumento não serve pois que o recorrente não retira todas as consequências da existência de uma co-autoria.

A forma de actuação dos arguidos deve ser enquadrada neste preceito pela definição clara da “forma do crime”, através da figura dogmática da co-autoria (“tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”). Os arguidos actuaram em co-autoria, sem sombra de dúvidas já que se verificam os pressupostos da co-autoria, o elemento subjectivo (“o acordo, a decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica) e o elemento objectivo, “a realização conjunta do facto, o tomar parte directa na execução”.

Ou seja, houve “domínio funcional do facto”, o que define a co-autoria segundo a teoria do domínio do facto. Houve, por parte dos arguidos, decisão sobre a realização do facto (“domínio do facto material como domínio da decisão”) e domínio do facto através da configuração do facto (“domínio do facto material como domínio de configuração”), sendo certo que a ambos os arguidos coube assegurar a realização da acção executiva.

A co-autoria supõe sempre uma divisão de tarefas ou um agir conjunto que torne possível o crime, o facilite ou que diminua os riscos da acção. E, no caso, existe este “agir conjunto” que facilitou a agressão e diminuiu os riscos da acção (o “agarrar” para facilitar a agressão e impedir a defesa).

Como se afirma no acórdão do STJ de 10-01-2008 (Proc. 07P4277, rel. Cons. Simas Santos): “(3) “verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum”.

Ora isto está demonstrado no caso dos autos, pelo que se deve daqui retirar um inerente corolário, a assunção dos resultados da acção por todos os co-autores. Ou seja, o co-arguido H apenas agarrou mas é-lhe imputável a totalidade do resultado ilícito, a agressão e suas consequências.

Relativamente ao arguido R vem este arguir com a circunstância de ser jovem, primário, estar social e laboralmente integrado e ter a possibilidade de seguir uma carreira militar.

As razões invocadas – à excepção do “estar socialmente integrado”, mero juízo conclusivo que os factos não permitem afirmar na sua totalidade (não pode afirmar-se “socialmente integrado” quem anda em festas de jovens a arrancar orelhas à dentada) – sendo atendíveis, já foram acolhidas pelo tribunal recorrido e, (...) às razões que este apresenta para considerar elevadas as necessidades de prevenção e a culpa dos arguidos, devem ter-se como limitadas nos seus efeitos.

A possibilidade de progressão na carreira do arguido é um valor atendível, que deveria prima facie ser atendido e acautelado pelo próprio arguido enquanto elemento das Forças Armadas, integrado num corpo com centenária tradição em Portugal, a exigir a cada um dos seus membros uma postura adequada e respeitadora com acréscimo de exigência. Ou seja, o desempenho de funções em estruturas de soberania no Estado português é uma exigência de maior rigor de postura e não permite que condutas censuráveis sejam vistas como atenuantes, ou que devam ser ocultadas do comando da Marinha.

Ou seja, são mais as circunstâncias que agravam e fazem prementes as necessidades de prevenção e deve constatar-se a elevada culpa dos arguidos, pelo que bem doseadas foram as penas impostas. Comparativamente devemos concluir que as penas estão adequadas ao agir de cada um dos arguidos.

Improcede, pois, este ponto de inconformidade dos recorrentes.


*

B.7 – (e) - a condenação civil excessiva e (f) ilíquida.

Aqui impõe-se tornar claro que estamos a falar de três coisas distintas: uma a possibilidade de condenação ilíquida; outra a possibilidade de, não obstante ilíquida, a condenação ter sido arbitrada um montante indemnizatório parcial não pedido; por fim a possibilidade de condicionar a suspensão da pena ao pagamento desta última quantia parcial.


*

B.7.1 – Quanto ao primeiro ponto, a liquidação em execução de sentença, é matéria já abundantemente tratada pela doutrina e jurisprudência, permitida pelo anterior Código de Processo Civil no seu artigo 661º, n. 2 (a aplicável ao caso dos autos) e hoje prevista no artigo 609º, n. 2 do novo código aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06.

Tal previsão abrange a totalidade ou parte da condenação (“Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”), sendo que tal tipo de condenação pode estar dependente da definição do objecto e/ou da quantidade do pedido.

Ora, no caso concreto está fixado o objecto – os danos e suas características essenciais, se patrimoniais e quais, se não patrimoniais e como – apenas faltando quantificar tal objecto, sendo certo que para ambos os tipos de danos – patrimoniais e não patrimoniais – existem actos futuros, mas decorrentes do acto ilícito, que falta praticar e que, por isso, não é possível quantificar.

Nem, havendo a possibilidade de relegar a liquidação para execução de sentença, se acha adequado – como, aliás, bem afirma o tribunal recorrido – recorrer à equidade para a determinação do dano, que sempre seria critério residual, como decorre do disposto no artigo 566º, n. 3 do Código Civil e é corrente jurisprudencial maioritária. [1]

Não se concorda, pois, com a tese de que a liquidação em execução de sentença seja o método residual de fixação de danos, atribuindo à equidade um relevo não pretendido pelo legislador, como decorre dos artigos 565º e 566º do Código Civil. [2]

B.7.2 – Quanto à possibilidade de, não obstante ilíquida, a condenação ter sido arbitrada um montante indemnizatório parcial não pedido, tal não corresponde aos exactos termos da questão.

O montante foi pedido e a circunstância de não ter sido pedida a fixação provisória da indemnização não obsta a que a mesma seja considerada incluída no pedido inicial total e seja arbitrada, como aliás decorre da previsão do artigo 565º do Código Civil, desde a sua redacção inicial, e de alteração pretendida e efectivada pelo legislador no Código de Processo Penal, designadamente no novo n. 2 do artigo 82º (introduzido pelo Dec-Lei n.º 423/91, de 30/10).

Ou seja, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e pode, ainda, conferir a tal indemnização provisória o efeito previsto no artigo seguinte.

Ou seja, a quantia fixada provisoriamente a título de reparação pelos prejuízos sofridos deve, substancialmente, cumprir um requisito, o de existirem particulares exigências de protecção da vítima a imporem essa necessidade sendo posteriormente (n. 3 do preceito) tida em conta em acção que venha a conhecer, no caso, na liquidação.

Não obsta à sua fixação a não determinação dos danos pois que esta indemnização provisória tem que se entender referida a todos os danos já provados e a apurar em liquidação de sentença.

Mas impõe-se apurar se um requisito formal se deve ter por essencial, em abstracto decorrente da necessidade de contraditório, que o legislador teria consagrado no n. 2 do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal. Dito de outro modo, será aplicável ao artigo 82º, n. 2 do código a exigência de contraditório específico prevista no artigo seguinte (No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório)?

Recordemos que, por via da remissão expressa do artigo 82º do diploma à indemnização provisória com a expressão “conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte” se deve entender como a atribuição de um efeito executivo à dita indemnização, que nada tem a ver com a aplicabilidade de qualquer trecho do artigo 82º-A por remissão expressa.

Ou seja, “o artigo seguinte” de que fala o artigo 82º é o artigo 83º do diploma e não o posteriormente intercalado artigo 82º-A.

Lembremos que uma simples circunstância diferencia os artigos 82º e 82º-A do Código de Processo Penal. No primeiro caso a indemnização é peticionada no âmbito do princípio da adesão do pedido cível ao processo penal. No segundo caso não existe esse pedido cível nem acção cível pendente por via da previsão dos artigos 72.º e 77.º, do código.

Ora, no caso existe um pedido cível pendente e esse pedido foi objecto de contraditório pelo que a fixação de uma indemnização, mesmo que arbitrada oficiosamente, foi objecto de contraditório que não necessita de ser repetido para a específica indemnização provisória que, constando previamente de lei, deveria ser previsível, reunidos os pressupostos.


*

B.7.3 – Por fim a possibilidade de condicionar a suspensão da pena ao pagamento desta última quantia parcial em nada se diferencia da fixação de qualquer outra indemnização, pois que provados os factos ilícitos e os danos.

Ou seja, a natureza provisória da indemnização arbitrada não altera a subsunção do correspondente dever de pagamento à al. a) do n. 1 do artigo 51º do Código Penal.


*

B.8 – Relativamente à não transcrição da decisão impõe-se relembrar que rege o Artigo 17.º da Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto) que estatui que os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º

Dois requisitos, portanto, um formal, outro substancial.

O formal – “pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade” – deve entender-se como referido à pena concreta aplicada, como é de meridiana clareza. Entende-se preenchido pois que aplicada pena que, não obstante superior a um ano, foi substituída e esta é a determinante. [3]

O substancial – “sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes” – implica, de facto, um juízo de prognose não sobre a possibilidade da prática de novos crimes, sim uma análise das circunstâncias do ilícito e da culpa neste crime

E aqui a análise sempre seria desfavorável ao arguido pois que a violência exercida – a intensidade – e a evidente intenção de desfigurar revelam uma personalidade violenta com riscos elevados de reincidência.

Mas, antes disso, uma outra realidade processual se impõe afirmar.

O artigo 17º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto não impõe um poder/dever ao juiz de, oficiosamente, fazer a aplicação de tal medida pelo que, podendo ser de aplicação oficiosa, deve ser requerida para poder ser apreciada pelo tribunal de primeira instância para poder ser objecto de recurso.

De facto, a decisão de não transcrição deve ser apreciada “na sentença ou em despacho posterior” pelo que sendo apenas requerida em sede de recurso acaba por ser questão nova não apreciada pelo tribunal recorrido.

Neste sentido se pronunciaram os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-01-2009 [(proc. n. 1700/08-2, sendo relator o Desemb. Cruz Bucho): «III- A questão da transcrição da condenação no boletim de registo criminal deve ser suscitada em primeira instância, onde pode ser conhecida na sentença ou em despacho posterior, e não em recurso na Relação» e da Relação de Lisboa de 21-11-2002 [(proc. n. 0065569, sendo relator o Desemb. Nuno Gomes da Silva): «II - A não transcrição de condenação no boletim do registo criminal deve suscitar-se em primeira instância, onde pode ser conhecida na sentença ou em despacho posterior, e não em recurso na Relação»].

E como os recursos se não destinam a debater questões novas não pode ser aqui apreciada.


*

***


C - Dispositivo

Assim, em (...) do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento aos recursos.

Custas pelos recorrentes com 5 (cinco) UCs de taxa de justiça. (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 07 de Abril de 2015

João Gomes de Sousa

Felisberto Proença da Costa

__________________________________________________

[1] - V. g. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-2013 (Proc. 2047/05.1TASTB.E1.S1, sendo relator o Cons. Armindo Monteiro), proposições IV, V e VI: «IV -O STJ tem homologado o recurso à liquidação de sentença, bastando uma indefinição de prejuízos, tanto importando que se não haja logrado converter o pedido genérico em específico ou o específico em concreto, por impossibilidade incontornável de comprovação dos reais e efectivos danos. V - O recurso à equidade, segundo o n.º 3 do art. 566.º do CC, deve ser usado em termos meramente residuais, quando se verifique ser de todo impossível, em fase executiva, concretizar os danos, quando o recurso à liquidação se revelar de todo inconsequente. VI -A equidade não dispensa um mínimo de elementos que permitam aproximar a indemnização dos limites efectivamente devidos e que se ache esgotado o recurso aos elementos com base nos quais se fixaria com exactidão o valor do danos».

[2] - V. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2007 (Proc. 06B4664) terceira proposição: «3 - Só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove - em acção declarativa - a sua existência (como pressuposto da obrigação de indemnizar), não existem elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade (artº 566º nº 3 do CC e artº 661º nº 2 do CPC)».

[3] - Neste sentido os seguintes acórdãos: Ac. TRC de 29-09-2010 (Brizida Martins): «Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória conforme o disposto no artigo 17º da Lei nº17/98 de 18/08 o que releva é a pena de substituição aplicada»; Ac. TRC de 27-02-2013, (Orlando Gonçalves): «1.- A condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma "pena não privativa da liberdade", para efeitos do artº 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98; 2.- Daí que, preenchido que seja o requisito que “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, o juiz possa autorizar que essa condenação não seja transcrita no certificado do registo criminal»; e Ac. TRL de 21-11-2012 (Maria Elisa Marques): «O conceito de “pena não privativa da liberdade” contido no nº1 do artº 17º da Lei nº57/98, de 18 de Agosto abranje a pena de prisão de execução suspensa».