Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
49/20.7T8LLE-A.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Nos casos em que num contrato de mútuo ficou acordado que o pagamento do capital mutuado e dos juros remuneratórios respetivos será efetuado ao longo de um determinado período de tempo, em prestações de valor pré-determinado, compostas por capital e juros, com prazos de vencimento autónomos, ocorrendo uma antecipação do vencimento de todas as demais prestações por força do incumprimento do referido plano (artigo 871.º do CC), aquelas só se tornem exigíveis com a interpelação do devedor, sendo essa interpelação que define o momento do cumprimento pelo devedor, bem como o início do prazo de prescrição.
2 – O vencimento imediato das demais prestações devido à perda do benefício do prazo não tem por efeito modificar o objeto mediato do contrato – prestações compostas por capital e juros remuneratórios, de montante pré-determinado, insuscetível de alteração pelo mero decurso do tempo – pelo que o que continua a ser devido são as quotas de amortização individualmente consideradas.
3 – Consequentemente, cada uma das prestações de capital e respetivos juros vencidas e vincendas continua sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 49/20.7T8LLE-A.E1

(1.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), Unipessoal, Lda., exequente na ação de execução sumária que moveu contra (…) e (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Execução de Loulé, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, no apenso de embargos de executado deduzidos pelos segundos, o qual julgou aqueles totalmente procedentes, por provados e, em consequência, declarou extinta a execução.
Nos autos principais, a exequente reclamou o pagamento das seguintes quantias: (i) € 13.497,86, a título de capital mutuado através de contrato outorgado em 16.12.2008 outorgado entre os executados e o Banco (…), juros (remuneratórios) no valor de € 925,41 e juros de mora vincendos até efetivo pagamento, calculados sobre o capital em dívida, à taxa de 4%, e respetivo imposto de selo (ii) € 34.725,52, a título de capital mutuado mediante contrato outorgado em 16.12.2008 entre os executados e o Banco (…), juros (remuneratórios) no valor de € 9.406,38 e juros de mora vincendos até efetivo pagamento, calculados sobre o capital em dívida, à taxa de 4%, e respetivo imposto de selo.
Para tal desiderato, a exequente alegou que foi acordado que os mencionados empréstimos seriam reembolsados em 408 prestações mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 26.01.2009 e que os executados faltaram ao pagamento das prestações que se venceram a partir de 26.07.2021 e 26.05.2012, respetivamente, pelo que o Banco mutuante considerou ambos os contratos resolvidos, ao abrigo da cláusula 7.ª dos documentos complementares anexos aos contratos.
Em sede de embargos de executado, os apelados invocaram a exceção de prescrição das prestações reclamadas pela exequente e dos juros, considerando, no que respeita às dívidas de capital, que entre a data do alegado incumprimento e a data da propositura da execução decorreram mais de cinco anos e o prazo de prescrição aplicável é o previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil e que com o alegado vencimento antecipado da dívida, à data da propositura da ação executiva os juros liquidados se encontravam totalmente prescritos nos termos do disposto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.
Admitidos liminarmente os embargos, foi a exequente notificada para contestar, o que fez, defendendo que os valores peticionados encontram-se sujeitos ao prazo ordinário de vinte anos.
Convocada e realizada a audiência prévia, foi facultado às partes a possibilidade de alegarem de facto e de direito, após o que foi proferida a decisão objeto do presente recurso.

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«a) Salvo o merecido respeito, não se conforma a Recorrente com tal entendimento, pois, s.m.o., o prazo de prescrição a aplicar, in casu, será o prazo ordinário de 20 anos.
b) Pese embora o vencimento da dívida – constante da factualidade provada – o Tribunal a quo, decidiu que seria aplicável a norma de prescrição dos 5 anos. Ora,
c) Nos presentes autos vieram então os executados/recorridos invocar a prescrição do direito da exequente, ora recorrente, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
d) Considerando então o incumprimento contratual e o vencimento da dívida não poderá considerar-se a previsão legal invocada pelo Tribunal a quo uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir.
e) A este propósito, e a título de exemplo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/03/2017, Processo n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 – onde se conclui “em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”.
f) Veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/06/2018, Processo n.º 17012/17.8YIPRT.C1 – onde se conclui “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamentos em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.
g) Assim, os valores peticionados encontram-se sujeitos ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, que não ocorreu.
h) Entende o Recorrente, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, que ao crédito peticionado nos presentes autos é aplicável o prazo de prescrição ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, pelo que a obrigação exequenda não se encontra prescrita.
i) Existem decisões do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à prescrição de 5 anos quando se trate de quotas de amortização, contudo,
j) Tal interpretação só se aplica nos casos em que o direito de crédito peticionado corresponda à soma das prestações de capital e juros que haviam sido contempladas no plano de pagamentos previsto originalmente.
k) Ou seja, nos casos em que o credor, perante o não pagamento de uma ou mais prestações quebra o programa contratual, optando pelo vencimento antecipado a que alude o artigo 781.º C. Civil, exigindo-se de imediato a totalidade da dívida, a referida unanimidade jurisprudencial já não será de aplicar.
l) Isto porque quando o credor resolve o contrato, deixa de haver plano de pagamento ou quotas de amortização, pelo que o devedor deixa de beneficiar do prazo de que dispunha para, de forma faseada, resolver a dívida, sendo portanto imediatamente exigível a totalidade do capital.
m) Por outro lado, vencida a totalidade do capital, deixam se existir razões para estimular a proteção dos credores pois já não será possível evitar a acumulação da dívida.
n) Entende-se em consequência que o risco de insolvência do devedor não deriva do prazo da prescrição, mas do próprio funcionamento do artigo 781.º do Código Civil.
o) Ainda assim, mesmo que se aceitasse que operaria a prescrição de 5 anos (o que se aceita apenas por mero dever de patrocínio), apenas se aplicaria sobre as prestações vencidas e não sobre as prestações vincendas.
Deve então o presente recurso proceder, substituindo-se a decisão do Tribunal a quo por uma que defenda a prescrição de 20 anos, sendo que apenas assim,
Se fará a costumada Justiça!»

I.3.
Os recorridos apresentaram resposta às alegações de recurso, pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese, que o prazo de prescrição aplicável ao mútuo, em especial ao mútuo bancário, está sujeito ao prazo de prescrição quinquenal disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil e que o vencimento antecipado, ao abrigo do artigo 781.º do Código Civil, das restantes prestações em dívida objeto do contrato de mútuo não permite influir no prazo de prescrição (quinquenal) a que a mesma está sujeita, mantendo-se as respetivas prestações circunscritas ao prazo de 5 anos de prescrição, desde a data do incumprimento, in casu, desde 23-10-2012, conforme decorre da nossa doutrina e jurisprudência.
I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
No caso, a única questão que importa decidir consiste em saber se à dívida de capital e juros se aplica o prazo de prescrição ordinária de 20 anos (como defende a apelante) ou o prazo quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil (como entendeu o tribunal recorrido) e, neste último caso, se toda a dívida reclamada nos autos se encontra prescrita.
II.3.
FACTOS
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1 - A «(…)-Unipessoal, Lda.» em 26/12/2019 intentou execução contra (…) e (…), apresentando como títulos executivos:
- O escrito que faz fls. dos autos de execução, no essencial com o seguinte teor: (…).
Documento Complementar (…).
- e o escrito que faz fls. dos autos de execução, no essencial com o seguinte teor: (…).
Documento Complementar (…).
2. Os executados não liquidaram a prestação relativa ao acordo “Contrato de Mútuo com Hipoteca” no valor de € 14.499,25, vencida em 26/07/2012, nem as que se venceram posteriormente, ficando em dívida o capital de € 13.497,86 e não liquidaram a prestação relativa ao acordo “Contrato de Mútuo com Hipoteca” no valor de € 37.053,84, vencida em 26/05/2012, nem as que se venceram posteriormente, ficando em dívida o capital de € 34.725,52.
3. O Banco (…) subscreveu e remeteu ao executado (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
4. O Banco (…) subscreveu e remeteu à executada (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
5. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 31/03/2016, mediante o qual o Banco (…) cedeu ao (…) Banco, S.A., mediante contrapartida monetária, uma carteira de empréstimos, na qual estão incluídos os empréstimos concedidos a (…) e (…) em 16/12/2008.
6. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de posição contratual e cessão de créditos e garantias” datado de 01/10/2018, mediante o qual o (…) Banco, S.A. cedeu à «(…), Unipessoal, Lda.» um conjunto de créditos, entre os quais os que detinha sobre (…) e (…), emergentes dos empréstimos concedidos em 16/12/2008.
7. O (…) Banco, S.A. e a «(…), Unipessoal, Lda.» subscreveram e remeteram à executada (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
8. O (…) Banco, S.A. e a «(…), Unipessoal, Lda.» subscreveram e remeteram à executada (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
9. O (…) Banco, S.A. e a «(…), Unipessoal, Lda.» subscreveram e remeteram à executada (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
10. O (…) Banco, S.A. e a «(…), Unipessoal, Lda.» subscreveram e remeteram ao executado (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
11. O (…) Banco, S.A. e a «(…), Unipessoal, Lda.» subscreveram e remeteram ao executado (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
12. O (…) Banco, S.A. e a «(…), Unipessoal, Lda.» subscreveram e remeteram ao executado (…), a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor: (…).
13. A fração autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano denominado “Lote 27” da Urbanização (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o número (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), está inscrita a favor de (…) e (…), pela Ap. … de 1999/01/15 e sobre a mesma incide uma hipoteca voluntária a favor da “(…), Unipessoal, Lda.” inscrita pelas Aps. … de 2008/12/22, … de 2017/03/02 e … de 2018/12/22, para garantia de empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de € 19.198,01 e incide uma hipoteca voluntária a favor da “(…), Unipessoal, Lda.” inscrita pelas Aps. … de 2008/12/22, … de 2017/03/02 e … de 2018/12/22, para garantia de empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de € 49.061,88.
*
Resulta, ainda dos autos, que:
14. Os executados foram citados para a execução em 21-01-2020.

II.3.
Mérito do recurso
No presente recurso está em causa a decisão do tribunal de primeira instância que, tendo julgado verificada a exceção de prescrição prevista no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, arguida pelos embargantes/apelados, julgou procedentes os embargos de executado e, consequentemente, julgou extinta a execução movida contra aqueles.
Estão em causa nos autos dois contratos de mútuo outorgados entre os apelados e o Barclays Bank, através dos quais o segundo emprestou aos primeiros os valores de € 14.499,25 e de € 37.053,84, respetivamente, mediante o pagamento, em quatrocentos e oito prestações mensais, sucessivas e iguais, das quantias mutuadas acrescidas de juros remuneratórios à taxa acordada e das despesas resultantes da execução dos contratos, designadamente, as respeitantes aos prémios de seguro, licenças, contribuições, taxas e impostos.
Não é posto em causa no presente recurso que nos referidos mútuos bancários o reembolso de ambas as dívidas deles decorrentes foi originariamente objeto de um plano de amortização, com a duração de 34 anos, composto por diversas quotas/prestações (408), cada uma delas constituída por uma parte de capital e outra pelos juros remuneratórios respetivos, todas com prazos de vencimento autónomos.
Consequentemente, também não é posto em causa que, pelo menos originariamente, as referidas prestações de amortização dos mútuos se integravam na previsão da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, de acordo com a qual estão sujeitos a uma prescrição de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
Sucede que, no caso, os executados/apelados incumpriram ambos os mútuos pois não pagaram as prestações que se venceram em 26-07-2012 (relativa ao empréstimo de € 14.499,25) e em 26-05-2012 (relativa ao empréstimo de € 37.053,84), nem as que venceram posteriormente, tendo a exequente movido ação executiva contra aqueles, onde, invocando expressamente o artigo 871.º do Código Civil, reclamou o capital mutuado em dívida à data e juros remuneratórios, para além de juros de mora vincendos.
O tribunal a quo considerou que aos créditos peticionados pela exequente é aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil e que tendo aquele começado a correr a partir de 23 de outubro de 2012 – data em que o Banco mutuante «resolveu» ambos os contratos – julgou que, à data da instauração da ação executiva – 26-12-2019os créditos emergentes daqueles dois contratos já se encontravam prescritos na sua totalidade.
Discorda a apelante, defendendo que quando o credor opta pelo vencimento antecipado a que alude o artigo 781.º do CC, exigindo ao devedor a totalidade da dívida ou quando o credor resolva o contrato, deixa de haver plano de pagamento ou quotas de amortização, pelo que o devedor deixa de beneficiar do prazo de que dispunha para, de forma faseada, pagar a dívida, sendo, portanto, imediatamente exigível a totalidade do capital, e o prazo de prescrição passa a ser o de 20 anos, pelo que, in casu, tendo ficado sem efeito o plano de pagamento acordado, por via do incumprimento dos mutuários, o prazo de prescrição passou a ser o de 20 anos; e que, ainda que se se entenda que continua a aplicar-se o prazo de cinco anos, as prestações vencidas não estão prescritas.
Quid juris?
É consabido que a prescrição concede ao seu beneficiário a faculdade de recusar, legitimamente, a realização da prestação devida, em virtude do decurso de um certo lapso de tempo (artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil). Trata-se de um instituto que visa, essencialmente, tutelar o interesse do devedor, o qual iria ter, com o avançar do tempo, uma dificuldade cada vez maior em fazer prova do(s) pagamento(s) que haja efetuado.
Nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do CC, o prazo prescricional inicia-se quando o direito a que está sujeito esse prazo possa ser exercido. Isto é, «quando o direito estiver em condições objetivas de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, fórmula que não pode ser assimilada, sem mais, ao momento da constituição do crédito. (…) Impõe-se, assim, atender à natureza e ao tipo de obrigação (…)» – Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, p. 63.
Em suma, o prazo de prescrição inicia-se quando a obrigação é exigível, isto é, quando deve ser cumprida imediata e incondicionalmente pelo devedor.
Nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito.
Para o que ora releva, a lei estabelece, a par do prazo prescricional ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), prazos de curta duração, designadamente um prazo prescricional de cinco anos para as situações que se mostram elencadas no artigo 310.º do Código Civil.
Sobre a ratio dos prazos de curta duração previstos no artigo 310.º do Código Civil, afirma Ana Filipa Morais Antunes[1] que aquela «reside na ideia de evitar a ruína do devedor pela acumulação de pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas» e Júlio Gomes[2] diz que com a existência de tais prazos visa-se evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja existência poderia revelar-se extremamente penosa para o devedor.
Como supra assinalámos, nos termos da alínea e) do referido artigo 310.º estão sujeitos a uma prescrição de 5 anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
Explicando o regime consagrado na referida alínea e) do artigo 310.º do CC, escreveu-se no Ac. STJ de 27.03.2014, processo n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. que: «(…) na situação prevista no art. 310.º, alínea e) não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante de um acordo, entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida» (sublinhados nossos). E no Ac. STJ de 29.09.2016, processo n.º 201/13.1TBMIR.C1.S1, relator Lopes do Rego[3]: «no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fracionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310.º, já que – por explícita opção legislativa – esta situação foi equiparada à das típicas prestações periódicas renováveis, ao considerar a citada alínea e) que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelar ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para a amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310.º».
No caso sub judice, como assinalámos, em cada um dos contratos de mútuo foi convencionado um plano de amortização do capital, com 408 quotas, cada uma de valor pré-determinado e composta por uma parte de capital e outra de juros remuneratórios, todas elas com prazos de vencimento autónomos.
Quando a obrigação se encontra sujeita a um prazo, aquela é inexigível durante a pendência do prazo, ou seja, o credor não pode reclamar a realização da prestação porquanto o prazo concedido ao devedor é, justamente, o lapso de tempo que ele dispõe para cumprir. Porém, durante aquele lapso de tempo podem sobrevir circunstâncias que conduzam à perda, pelo devedor, do benefício do prazo. É justamente o caso previsto no artigo 781.º do Código Civil: quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas, importa o vencimento de todas (a menos que as partes hajam convencionado coisa diversa). Ou seja, com a falta de pagamento de uma das prestações de uma dívida pagável em prestações, ocorre um vencimento antecipado das restantes, o que significa que o credor pode exigir, a todo o tempo, o seu cumprimento (daquelas cujo prazo ainda se não tenha vencido). Mas, para tal desiderato, o credor tem de interpelar o devedor para que realize todas as prestações restantes, interpelação que mais não é que a manifestação de vontade do credor de aproveitar o benefício que a lei lhe concede – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, pp. 51 e ss. No mesmo sentido, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º Volume, 1987, Reimpressão AAFDL, p. 193, quando afirma que a necessidade de interpelação do devedor infere-se do artigo 805.º, n.º 1, do CC e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2018, pp. 1017-1018.
Nos casos em que num contrato de mútuo ficou acordado que o pagamento do capital mutuado e dos juros remuneratórios respetivos seria efetuado, ao longo de um determinado período de tempo, em prestações de valor pré-determinado, compostas por capital e juros, com prazos de vencimento autónomos, e em que ocorre uma antecipação do vencimento de todas as prestações por força do incumprimento do referido plano, existe divergência na jurisprudência dos tribunais superiores quanto à questão do enquadramento dessa situação no que à prescrição respeita. Explicando: uma corrente entende que continua a aplicar-se a prescrição de curto prazo porquanto o artigo 781.º do CC prevê apenas o vencimento imediato de todas as frações por via da falta de pagamento de uma delas, com perda do benefício do prazo, não sendo pelo facto de as quotas de amortização deixarem de estar ligadas ao pagamento dos juros que deixa de ser aplicável o regime de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC, pois que o fundamento da prescrição quinquenal continua a existir com tal vencimento, qual seja, o evitar a perpetuação da situação de insegurança e incerteza do devedor[4]; já para uma outra corrente, ocorrendo o vencimento antecipado das prestações, o plano de amortização da dívida inicialmente acordado desfaz-se e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e juros; logo, os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos e o capital fica sujeito ao prazo de 20 anos[5].
Perfilhamos a primeira das posições acima referidas. Com efeito, o que está contemplado no artigo 871.º do CC é uma situação de perda, pelo devedor, do benefício do prazo relativamente a todas as demais prestações que, à data do incumprimento do devedor, ainda não se mostravam vencidas. Mas o vencimento imediato das demais prestações com perda do benefício do prazo não tem por efeito modificar o objeto mediato do contrato – prestações compostas por capital e juros, sem que, portanto, o passar do tempo influencie o respetivo montante que deve ser pago em cada momento da execução do contrato –, ou seja, «o que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida» – Acórdão do STJ de 10-09-2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1, relator Rijo Ferreira. Para além de que «(…) se é certo que não se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor), não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, (…) evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança da situação do credor» – Ac. do STJ de 10.09.2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1. (negrito nosso).
Ocorrendo a resolução do contrato, julgamos que a solução já será diversa.
O direito de resolução consiste no poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude da ocorrência de factos posteriores que afetem de forma séria o interesse do credor ou que tornem impossível ou prejudiquem de forma grave a realização do fim visado pelas partes com a celebração do contrato.
Em regra, a resolução tem efeitos retroativos, exceto se contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução ou se se tratar de um contrato duradouro pois nestes casos os seus efeitos produzem-se apenas para o futuro (cfr. artigo 434.º do Código Civil).
Por força do exercício do direito de resolução o vínculo contratual extingue-se, total ou parcialmente, e as partes deixam de estar obrigadas ao cumprimento das obrigações acordadas. Por efeito da declaração de resolução surge assim uma nova relação obrigacional, retroativa, de liquidação[6], a qual visa evitar que uma das partes sofra qualquer prejuízo subsequente à cessação da relação contratual. Desta feita, da nova relação obrigacional de liquidação nascem novos deveres de prestação, fruto da retroatividade, para além de um dever de reparação dos danos eventualmente causados ao credor (cfr. artigo 801.º, n.º 2, do CC), pelo que aos direitos de crédito emergentes dessa nova relação obrigacional e decorrentes do princípio da retroatividade haverá que aplicar o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.
In casu, pese embora a apelante mencione no seu recurso a resolução do contrato, o que é certo é que aquilo que ela veio reclamar através da ação executiva, foi o próprio cumprimento do contrato pois pediu a devolução do capital mutuado ainda em dívida em cada um dos contratos, o pagamento dos juros remuneratórios respetivos e dos juros moratórios vincendos (e não apenas os valores do capital em dívida à data do incumprimento como resultaria da extinção dos contratos por resolução).
Por conseguinte, e na senda do que acima dissemos, cada uma das prestações de capital e respetivos juros vencidas e vincendas continua sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Aqui chegados, importa determinar se todas as prestações se encontram prescritas como entendeu o tribunal recorrido.
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito de exigir a realização da prestação puder ser exercido. No caso, como se disse, o tribunal de primeira instância entendeu que o prazo de prescrição se iniciou na data de 23 de outubro de 2012 – data da comunicação da resolução dos contratos; cfr. supra II.3 – em relação a todos os créditos emergentes dos contratos de mútuo, concluindo, portanto, que à data da propositura da ação executiva – 26-12-2019 – todos eles estavam prescritos.
No que respeita à prestação vencida em 26-07-2012 relativa ao contrato de mútuo no valor de € 14.499,25 e à prestação vencida em 26-05-2012 respeitante ao contrato de mútuo no valor de € 37.053,94 é manifesto que as mesmas se encontravam já prescritas quando a ação executiva foi proposta.
Quanto às demais, a perda de benefício do prazo prevista no artigo 781.º do CC não torna, por si só, aquelas prestações exigíveis. Dito de outra forma, o vencimento imediato não significa exigibilidade imediata, mas tão só que as quantias devidas podem ser exigidas pelo credor a qualquer momento, exigindo-se, todavia, uma interpelação do devedor, sendo essa interpelação que define o momento do cumprimento pelo devedor (bem como o início do prazo de prescrição).
No caso, verifica-se que não consta do elenco dos factos provados (nem foi alegado pela exequente) que antes da citação para a execução, os executados hajam sido, em algum momento, efetivamente interpelados para procederem ao pagamento das prestações que, nos termos do artigo 871.º do CC, se venceram com o incumprimento do plano de amortização por parte dos primeiros. Com efeito, pese embora esteja provado que o Banco … (mutuante) subscreveu e remeteu a cada um dos executados uma carta registada com aviso de receção, datada de 23 de outubro de 2012, na qual declarava que considerava ambos os contratos de mútuo em causa nos autos resolvidos porque, à data, se encontravam por regularizar várias prestações dos contratos de crédito concedidos, sem se ter verificado qualquer liquidação das mesmas, informando-os ainda que «decorrido o prazo máximo de 8 dias a contar da presente data, sem que se verifique a integral regularização das situações supra identificadas, o processo será enviado para os Serviços de Contencioso do Banco de Portugal para interposição da competente ação judicial (…)», não foi alegado, nem está provado, que os executados/apelados receberam a referida comunicação ou tiveram conhecimento do seu teor (cfr. artigo 224.º do CC). Ademais, a missiva não interpela os executados/apelados para cumprirem toda a obrigação, isto é, todas as prestações, as incumpridas por força da falta do respetivo pagamento nas datas fixadas no plano de amortização e as que se venceriam apenas no futuro.
Daí que haja de considerar que a interpelação dos executados/apelados do vencimento antecipado das prestações vincendas só se concretizou com a citação daqueles para a ação executiva, ocorrida em 21-01-2020.
Destarte, apenas estarão prescritas, pelo decurso do prazo de cinco anos, as prestações de ambos os contratos de mútuo que se venceram até 21-01-2015, o que legitima a recusa, pelos executados, do respetivo pagamento. Já aquelas que se tornaram exigíveis apenas com a citação dos executados para a ação executiva não estão prescritas.
Desta feita, impõe-se a revogação da sentença recorrida na parte em que julgou que os créditos emergentes de ambos os contratos de mútuo se encontram prescritos na sua totalidade, devendo a quantia exequenda ser reduzida tendo em atenção as prestações já prescritas conforme exposto supra, prosseguindo a execução para satisfação da quantia exequenda remanescente.

Sumário:
(…)

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, e, consequentemente:
1 – Declaram que o crédito da exequente/apelante se encontra prescrito, pelo decurso do prazo de cinco anos, relativamente às prestações de ambos os contratos de mútuo que se venceram até 21-01-2015;
2 – Ordenam a redução da quantia exequenda em conformidade e o prosseguimento da execução para pagamento do crédito exequendo remanescente.
As custas de parte na presente instância recursiva são da responsabilidade das partes na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.
Évora, 11 de Novembro de 2021
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato


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[1] Ob. cit. p. 79.
[2] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, página 755.
[3] Consultável em www.dgsi.pt., como todos os demais doravante referidos.
[4] Vd., por todos, acórdão do STJ de 09.02.2021, processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1, relator Fernando Samões, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Vd., por todos, Ac. RE de 10.05.2018, processo n.º 627/16.9T8ABT-A.E1, relator Paulo Amaral.
[6] Joana Farrajota, A Resolução do Contrato Sem Fundamento, Coleção Teses, Almedina, p. 43.