Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
718/12.5T2STC.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
JUROS
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: ALTERADA
Sumário: I – O dano biológico abrange uma variedade alargada de prejuízos na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, obrigando ainda o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados.
II - Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.
III - Tendo o autor a idade de 56 anos, à data do acidente, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 8%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas implicando grandes esforços suplementares, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como pedreiro/ladrilhador, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, aliado ao facto do autor não possuir qualificação profissional e ter fraca instrução escolar, mostra-se ajustada a indemnização de € 15.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial.
IV - Considerando a idade do autor, a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade do autor, tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00, reportado à data da decisão final em 1.ª instância.
V - Sendo a indemnização dos danos não patrimoniais fixada em função do valor da moeda ao tempo da sentença de 1.ª instância, só a partir de então se contam os juros moratórios.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, Companhia de Seguros, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 105.000,00, sendo € 70.000,00 a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) e € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, bem como os montantes que vier a despender futuramente em internamentos, tratamentos médicos, deslocações para tratamentos, tratamentos de fisioterapia e medicação, em consequência do acidente de viação dos autos, a apurar em sede de liquidação em execução de sentença.
Fundamenta este pedido, em síntese, na ocorrência de um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula 00-00-IQ, conduzido pelo seu proprietário, CC, o qual se traduziu no atropelamento do autor quando este se encontrava parado na berma da estrada, a cerca de 25/30 cm da faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido de circulação do IQ, que saiu da faixa de rodagem, indo embater no autor, atingindo-o na perna e pé esquerdo, sendo assim o referido condutor o único culpado na eclosão do acidente, em consequência do qual lhe sobrevieram os danos que indica e de que se quer ver ressarcido, sendo responsável pelo pagamento a ré para quem, à data do acidente, se encontrava transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo IQ.
A ré contestou, aceitando a culpa do seu segurado, alegando desconhecer parte dos factos invocados pelo autor, afirmando ainda que o autor se encontrava desempregado no momento do sinistro, ser falso que a situação de alegada incapacidade para o trabalho decorra do acidente e que o autor venha a necessitar de tratamentos relacionados com tal acidente.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto assente e da base instrutória, sem reclamação.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 18.500,00, acrescida de juros de mora nos termos referidos na respetiva fundamentação[1], bem como as despesas que futuramente o autor tenha de realizar com aquisição de medicamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos médicos, que se justifiquem neste acidente e bem assim os montantes necessários para fazer face às deslocações que venha a efetuar em ordem a realizar tratamentos de fisioterapia, consultas médicas ou internamentos que possam vir a ocorrer, ainda por via deste acidente.
Inconformados, a ré e o autor apelaram do assim decidido, tendo a primeira finalizado a sua alegação com as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Instância Central que decidiu condenar a Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de:
- € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) pela IPP de 8 pontos com esforços complementares;
- € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais;
- Pagamento ao A. das despesas que futuramente tenha de realizar com aquisição de medicamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos médicos, que se justifiquem neste acidente e bem assim os montantes necessários para fazer face às deslocações que venha a efetuar em ordem a realizar tratamentos de fisioterapia, consultas médicas ou internamentos que possam vir a ocorrer, ainda por via deste acidente.
2. Com interesse para a apreciação das questões objecto deste recurso, vejam-se os pontos 19, 21, 35, 36 e 56 da matéria de facto dada como provada;
3. A quantia de € 8.500,00 arbitrada a título de dano patrimonial futuro é flagrantemente excessiva, uma vez que considera um valor de rendimento mensal de € 867,50 quando resultou provado que o Recorrido nem o valor do ordenado mínimo auferia;
4. Considerando as características do caso concreto e os critérios habitualmente em consideração, recorrendo às fórmulas vulgarmente utilizadas, nomeadamente, a Portaria 377/2008, 26 de Maio, verifica-se que o valor arbitrado é, superior ao que daí decorreria, o que revela a sua desproporção.
5. Aplicar o valor do ordenado médio auferido num caso dos presentes autos é colocar em causa o princípio da igualdade, uma vez que está a beneficiar as pessoas que não tem emprego fixo em detrimento daquelas que ganham menos do que os € 867,50.
6. Acresce o facto que a situação económica do país também deveria ter sido considerada de forma diferente pelo tribunal.
7. Estes fatores, não sendo tomados em consideração ao estipular o montante indemnizatório, implicam uma mais-valia para o Recorrido, desvirtuando a razão da indemnização e transformando-a num lucro sem causa, violando manifestamente os arts. 564.º e 566.º, do CC.
8. Assim, deve ser equitativamente reduzido o montante indemnizatório atribuído a título de danos decorrentes da IPP ao Autor, nos termos supra preconizados.
9. Finalmente, também a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais peca por excesso, sendo violadora dos critérios fixados no art.º 496.º do CC.
10. Assim, por violar, entre outros, o disposto nos arts. 483.º, 494.º, 496.º e 566.º do CC deve o Acórdão sub judice ser alterado por outro, que corrija os montantes indemnizatórios arbitrados, de forma justa.
11. Face ao exposto, deve a sentença sub judice ser alterada por outra, que corrija os montantes indemnizatórios arbitrados e os respetivos juros, de forma justa.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão V. Exas. a costumada VERDADEIRA JUSTIÇA!»

Por sua vez, o autor rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«A) Constando da matéria de facto provada que o A. ora Recorrente sempre exerceu a atividade profissional de pedreiro/ladrilhador na construção civil, com gosto e competência e que no ano do acidente vinha exercendo essa mesma atividade, fazendo alguns biscates, consequentemente auferia rendimentos dessa atividade profissional. (Vide factos provados 35º, 36º e 42º)
B) Ganhando o Recorrente o seu sustento fazendo biscates e estando impedido de os fazer por motivo de doença decorrente do acidente, há diferença entre a situação (real) em que se encontra e aquela (hipotética) em que se encontraria, se não tivesse acontecido o facto lesivo, havendo ganhos cessantes.
C) Resulta da matéria de facto provada que o Recorrente, não tem apenas de desenvolver um esforço acrescido para desenvolver a atividade profissional de ladrilhador/pedreiro, mas que necessita de imprimir “grandes esforços suplementares”, o que implica sempre penosidade, um desgaste e/ou dificuldades físicas e psicológicas acrescidas no exercício da mesma.
D) Também resulta da matéria de facto provada que o Recorrente, em resultado das sequelas do acidente de que foi vítima, está impossibilitado de prosseguir as atividades de vida social e cultural que fazia há muitos anos, tendo deixado de fazer parte do grupo de dança do Rancho Folclórico, onde era um dos elementos de dança, resultando para o mesmo um défice funcional permanente da integridade físico – psíquica.
E) Deve ser entendido para efeitos de ponderação da indemnização/ compensação com recurso à equidade que das sequelas que resultaram para o A. ora Recorrente e decorrentes do acidente de viação de que foi vítima, pese embora não tenham resultado danos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual de ladrilhador, mas implicam grandes esforços suplementares.
F) A incapacidade /défice funcional representa um dano que releva para efeitos indemnizatórios como dano biológico, centrando-se na deficiente capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades em geral e numa consequente e previsível maior panosidade dispêndio e desgaste físico na execeução das parefas para além do agravamento natural resultante da idade. (Cifra Ac. STJ de 17/11/2005, 19/05/2009, 23/04/2009 e 27/03/2008 referidos na Decisão)
G) Os valores indemnizatórios atribuídos ao A. ora Recorrente, pela Sentença de que ora se recorre, quer a título de danos não patrimoniais quer a título de danos patrimoniais, além de se considerarem miserabilistas, acham-se desadequados, atendendo às consequências gravosas das lesões sofridas pelo mesmo. (Vide a propósito Ac. STJ de 07/06/2011 Proc. 160/2002; Ac. TRE 11/06/2015 – Proc. 163/11.0TBFZZ.E1, in www.dgsi.pt)
H) Resultando dos factos provados que o A. ora Recorrente exercia uma atividade profissional em “biscates”, pese embora nos anos anteriores não tenha procedido à entrega das declarações de IRS, o mesmo deixou de auferir rendimentos correspondentes ao período durante o qual esteve impedido de trabalhar, devido a internamento, repouso etc., até lhe ter sido dada alta médica, devendo mesmo assim ser ressarcido dos ganhos cessantes decorrentes da impossibilidade temporária total para o trabalho, que decorreu desde o dia do acidente (31.08.2009) até alta médica (28/04/2010). (Vide a propósito Ac. TRC de 03/03/2015, Proc. 332/11.2TBMGL.C1, in www.dgsi.pt)
I) Com efeito, a Portaria 377/2008 de 26 de Maio (RMN como parâmetro de referência – Portaria 377/2008 de 26/05), indicada por variada jurisprudência como diploma de referência para obter um quantum indemnização/compensação, em caso de acidente (depois sujeito aos juízos de equidade), também é aplicável para cálculo indemnizatório, referente aos ganhos cessantes.
J) Resultaria numa manifesta injustiça que atenta a Portaria nº 377/2008 de 26 de maio, não se aplicasse, para efeitos de cálculos de danos patrimoniais emergentes (ganhos cessantes) (nº3 do Artigo 10º), o previsto no Artigo 7º da mesma portaria (casos em que a vítima não apresentou declaração de rendimentos ou não tem rendimento fixo).
K) Ainda que não se determinasse a indemnização devida ao A. ora Recorrente por ganhos cessantes, com pelo auxílio de aplicação dos fatores insertos na referida portaria, sempre a injustiça causada pela omissão tinha de ser salvaguardada pelos doutos juízos de equidade porquanto, casos existem em que a declaração de rendimentos não é obrigatória (Vide Ac. STJ de 09/11/2008 – Proc. Nº 08B2087, in www.dgsi.pt)
L) O Recorrente teve alta médica em 28/04/2010; tendo o acidente ocorrido em 31/08/2009, decorreram 240 dias em que o mesmo esteve em situação de doença (8 meses), tendo de ser indemnizado pelos danos materiais decorrentes de 8 vezes o valor referente à retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência do acidente, que situava em 450,00 €. (DL nº 246/2008 de 18 de Dezembro)
M) Já tendo a R. ora Recorrida pago ao A. ora Recorrente a quantia global de 1.897,59 €, resta reclamar a quantia de 1.702.41 € (3.600,00 -1.897,59 € = 1.702.41 €).
N) Tratando-se de um valor por dano patrimonial, tem o A. ora Recorrente o direito a juros sobre a quantia, desde a citação até integral pagamento.
O) Com a não atribuição ao A. ora Recorrente de indemnização por danos patrimoniais decorrentes de ganhos cessantes, violou o Tribunal a quo com a sua Decisão, por omissão, os Artigos 483º, 503º e 564º todos do C.C..
P) O valor monetário compensatório atribuído ao A. ora Recorrente pelo douto Tribunal a quo a título de dano biológico, como resulta do texto da Decisão tem uma abrangência maior que a perda da capacidade de ganho, resultou da aplicação de uma equação matemática, sem que se fosse tida em consideração na douta Decisão as especificidades gravosas que para aquele advieram da ocorrência do acidente.
Q) O douto Tribunal a quo não efetuou qualquer recurso aos juízos de equidade que revelava necessitar a situação do A. ora Recorrente e caso tivessem acontecido permitiriam uma melhor justiça ao caso concreto. (Vide entre outros a propósito: Ac. STJ de 04/06/2015 – Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1; TRC de 03/03/2015 – Proc. 332/11.2TBMGL.C1 e STJ de 04/06/2015 Proc. 1166/1.7TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt).
R) Não foi considerado pelo Tribunal a quo na determinação do quantum indemnizatório/compensação a título de danos não patrimoniais - dano biológico – como resulta dos factos provados, o acidente se ter devido a culpa exclusiva do segurado da R. ora Recorrida, que assumiu desde logo a culpa total do mesmo na produção do acidente.
S) Também não foi ponderado na Decisão que o A. ora Recorrente, na sequência do acidente, foi vítima de um dano bastante significativo, porquanto as sequelas consequentes são causa de sofrimento físico, até ao fim da sua vida, como resulta dos factos provados, limitando-o em termos funcionais. (Vide factos provados 12, 15, 30, 31, 32, 33, 34, 37 e 53)
T) Não estamos perante uma situação em que se reclame a ressarcibilidade de um dano uma vez obtida a cura, as sequelas de que padece o A. ora Recorrente advenientes do acidente foram consideradas compatíveis com o exercício da atividade habitual de ladrilhador, mas implicam grandes esforços suplementares assim, têm uma repercussão permanente na atividade profissional.
U) Tem de ser considerado no valor compensatório a atribuir ao recorrente que o mesmo ficou afetado de uma incapacidade laboral permanente ainda que meramente parcial, porquanto, toda a sua situação clínica tem possibilidade de agravamento futuro, atendendo ao avanço na idade, à necessidade de ajudas médicas permanentes (medicamentosas).
V) Se for considerado que, como resulta dos factos provados, que no exercício da atividade profissional de pedreiro/ladrilhador é necessário transportar baldes de massa com algum peso, subir escadas, andaimes ou colocar-se em posições de cócoras, de joelhos ou outras que exigem esforço físico e que a lesão se situa no membro inferior – pé (Facto provado 41), conclui-se que o A. ora Recorrente, por decorrência das lesões consequentes do acidente, se encontra manifestamente limitado, sendo certo que as regras da experiência comum inequivocamente permitem tirar tal conclusão.
W) Presente toda a situação, com repercussão permanente para o desenvolvimento da sua atividade profissional, tem o A. ora Recorrente de despender grandes esforços suplementares, com tendência para piorar dada a sua idade (56 anos à data do acidente), resultando tal muito próximo de uma incapacidade total e permanente para o exercício da sua profissão de ladrilhador, o que para uma aplicação da justiça tem de ser considerado na compensação a atribuir ao A. ora Recorrente.
X) Como resulta dos factos provados (factos 20, 39 e 40), o A. ora Recorrente apenas sabe desempenhar a atividade profissional de pedreiro/ladrilhador na construção civil, tem 56 anos de idade, não tem qualquer qualificação profissional e fraca instrução escolar ora, não tem quaisquer possibilidades de encontrar outro emprego no mercado de trabalho, estando frustradas quaisquer expetativas futuras a propósito, o que não pode deixar de ser considerado no juízo de valoração da situação para atribuição da compensação. (Veja-se a propósito Ac. TRC 21/03/2013 – Proc. 793/07.4TBAND.C1, in www.dgsi.pt).
Y) Atentos todos os circunstancialismo dos autos, não estaremos longe da realidade se dissermos que os danos resultantes do acidente colocam em causa a possibilidade do Recorrente prover ao seu sustento e tal, para que se faça melhor justiça tem de ser considerado no valor da compensatório a atribuir ao mesmo.
Z) Assim julga o A. ora Recorrente justo que a título de danos biológico lhe seja atribuído um valor compensatório não inferior a 35.000,00 €.
AA) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo ao fixar o valor constante na douta Sentença violou o nº 1 e 4 do Art.º 496º do C.C..
BB) As dores que resultaram dos danos decorrentes do acidente, são uma penosidade que o A. ora Recorrente tem de suportar até ao fim da sua vida, dado que as lesões resultantes do acidente, como resulta dos factos provados, provocam dores clinicamente incuráveis, tendo sido também o quantum doloris” de valorado elevado (4/7).
CC) A Sentença sob recurso não valorou o elevado grau atribuído em consequência da repercussão das sequelas, a título do elevado grau atribuído de “Quantum Doloris”, a título de repercussão permanente na actividade recreativa e cultural do A. ora Recorrente, sendo aqui a sua incapacidade total e permanente.
DD) No que concerne ao “dano estético”, (2/7) ficando o A. ora Recorrente a coxear, sem que haja qualquer possibilidade de reparação, tal reveste repercussões gravosas, porquanto o mesmo há largos anos fazia parte do Rancho Folclórico do Isaías, tendo sido um dos elementos de dança e estando agora impossibilitado por decorrência da lesão de continuar a dançar.
EE) Resulta para o A. ora Recorrente um manifesto “prejuízo de afirmação socialjá que se tornou impossível a sua reintegração no Rancho Folclórico, além do desgosto de ter de deixar tal atividade que fazia há muitos anos.
FF) Nesta situação, a incapacidade do A. ora Recorrente é total e permanente, não podendo tal deixar de ser considerado no juízo para atribuição de compensação ao Recorrente, tanto mais que são lesões decorrentes de um acidente de que não teve qualquer culpa.
GG) Atento o local da lesão (no pé) do A. ora Recorrente e as dores que o acompanharão até ao final da vida, sempre que tiver necessidade de se deslocar, tal constituiu-se como um dano irreversível, sendo elevado o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, tendo repercussões também no seu bem-estar.
HH) Deve também ser levada em consideração que o autor padece de uma afectação psicológica, pelo facto da diminuição física de que ficou a padecer, a qual deve ser levada em consideração como facto notório, dado que se provou que, antes do acidente, era pessoa bem disposta, aparentava ser forte e rijo e dinâmico, havendo fundamento para se entender que sofre pelo facto de se ver diminuído pela perda da total fruição do seu corpo.
II) Assim, deve ser atendido no juízo de valoração para atribuição da compensação a atribuir ao A. ora Recorrente a título de danos não patrimoniais as especificidades da situação do A. ora Recorrente que logo acima se disseram, procurando-se espelhar no montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais o que o A. ora Recorrente sofreu e vai sofrer até ao fim da sua vida na decorrência do acidente de que foi vítima e para o qual em nada concorreu. (Vide a propósito TRE de 11/06/2015 – Proc. 163/11.0TBFZZ.E1;TRL 26/04/2005 – Proc. 4849/2004-5, in www.dgsi.pt).
JJ) Conhecidos os factos atras referidos, importa sobre eles aplicar os juízos de equidade de modo a ressarcir, na medida do possível, e, na linha de variada e respeitada jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que a compensação por danos não patrimoniais seja, efetivamente, um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isso, neste âmbito, já ninguém e nada consegue, mas representar uma verdadeira compensação que se afaste de velhos dogmas miserabilistas que não dignificavam o sistema de justiça.
KK) Na linha de pensamento atras referido, atenta a gravidade dos factos e as repercussões que os mesmos acarretaram para o A. ora Recorrente, revela-se adequada e justa a fixação a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, uma quantia não inferior a 30.000,00 €.
LL) O Tribunal a quo decidindo como decidiu fez uma errada uma errada interpretação dos factos provados e uma desadequada subsunção às normas aplicáveis, violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 483º e 496º do Código Civil.
MM) Ainda que ora se considere apenas um elemento objetivo, o valor indemnizatório decorrente da perda de capacidade (dano biológico), o mesmo foi calculado tendo por base uma remuneração base média dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2009, não resultando das operações de cálculo que a quantia apurada respeite a valores atualizados.
NN) Também da fundamentação da quantia indemnizatória determinada por compensação dos danos não patrimoniais não resulta que no valor da compensação existisse alguma operação que incluísse os juros.
OO) Mantendo-se o decidido, o que só por mero dever se patrocínio se admite, tem assim o Recorrente o direito a juros sobre todas as quantias, como peticionado, violando o douto Tribunal a quo na sua Decisão os Artigos 566º e 806º, nº1 e 2 do Código Civil.
Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a R. ora Recorrida:
A) A pagar ao A. ora Recorrente a quantia de 1.702,41 € a título de indemnização por danos patrimoniais, ganhos cessantes, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento;
B) A pagar ao A. ora Recorrente a quantia de 65.000,00 € sendo 35.000,00 € a título de dano biológico, e 30.000,00 € a titulo de danos não patrimoniais, conforme alegado e concluído, mantendo-se tudo o mais decidido pelo tribunal a quo, fazendo-se assim, mais uma vez, sã, serena e objectiva
JUSTIÇA!!!»

O autor respondeu às alegações da ré, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo nos termos do recurso por si interposto.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consistem em saber:
No recurso da ré:
- se deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído a título de danos decorrentes da IPP do autor;
- se é excessiva a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais.
No recuso do autor:
- se deve ser atribuído ao autor uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes de lucros cessantes;
- se o montante fixado a título de dano biológico deve ser aumentado para o valor de € 35.000,00;
- se deve ser atribuída ao autor uma a indemnização pelos danos não patrimoniais em quantia não inferior a € 30.000,00.
- se os juros devem ser contados desde a data da citação relativamente a todas as quantias arbitradas.
Tais questões serão apreciadas pela seguinte ordem:
A – Em primeira linha, a questão relativa à perda de remunerações do autor no período de incapacidade temporária absoluta (ITA);
B – Seguidamente e em conjunto:
a) – a questão relativa à indemnização pelo défice funcional do autor;
b) – a questão relativa aos danos não patrimoniais.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[2]:
1. C, havia transferido a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo de matrícula 00-00-IQ, ligeiro de passageiros, para a R., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 0045.10.583898 (A).
2. No dia 31/08/2009, pelas 10 horas, a viatura de matrícula 32-17-IQ circulava na Rua dos Pastores no sentido sul/norte (B).
3. A mesma viatura era conduzida por CC (C).
4. O piso da via era constituído por asfalto (D).
5. A via tem de largura cerca de 4 metros e a berma cerca de 1 metro (E)
6. Na data, hora e local atrás referido, o tempo estava limpo, a visibilidade era excelente e o piso da via encontrava-se em bom estado (F).
7. Nas circunstâncias antes referidas, o A. tinha acabado de sair da sua casa, sita também na Rua (G).
8. Quando o A. se encontrava parado na berma da estrada, a cerca de 25/30 centímetros da faixa de rodagem, do lado direito atento o sentido de circulação do veículo 00-00-IQ, este saiu da faixa de rodagem, indo embater no A., e atingindo-o na perna e pé esquerdo (H).
9. No momento do embate o A. ficou com inúmeras queixas na zona esquerda do corpo, sobretudo da zona do pé (I).
10. Após o atropelamento a A. foi transportado ao serviço de urgência do Hospital (J).
11. Nesse mesmo dia o A. foi transferido para o Hospital, a fim de realizar exames médicos mais pormenorizados (K).
12. Naquele Hospital o A. realizou um Raio X, de onde se retirou que tinha uma fratura no calcâneo esquerdo (L).
13. O A. foi contactado pela R. para se deslocar ao Hospital Particular, tendo em vista a realização de exames e avaliação do seu estado de saúde (M).
14. O A. deslocou-se ao Hospital Particular por quatro vezes, nos dias 23/02/2010, 09/03/2010, 26/03/2010 e 28/04/2010 (N).
15. Ali, foi-lhe fixada uma incapacidade parcial (I.T.P.) de 35% (O).
16. Numa dessas deslocações ao Hospital Particular, foi prescrita ao A. a realização de um TAC (P).
17. O A. foi presente, no dia 28/04/2010, a uma junta médica, onde o referido TAC foi examinado pelo médico presente, tendo-lhe sido diagnosticada uma incapacidade parcial com coeficiente de 3% (Q).
18. Nesse mesmo dia foi-lhe dada alta médica (R).
19. O A. não apresentou declaração de IRS relativa aos anos de 2009, 2010 e 2011 (S).
20. O A. nasceu em 1 de Agosto de 1953 (T).
21. Por via do sinistro em causa, a R. pagou ao A. as seguintes quantias:
- € 38,50 em 5 de Maio de 2010.
- € 288,17 em 5 de Maio de 2010, a título de ITA para o período de 1.3.10 a 26.3.10, tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado;
- € 630,00 em 10 de Novembro de 2010, a título de adiantamento salarial para o período de 1.9.09 a 30.10.09 (tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado);
- € 325,50 em 18 de Janeiro de 2010, a título de ITA para o período de 1.12.09 a 31.12.09, tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado;
- € 653,92 em 22 de Março de 2010, a título de ITA para o período de 1.1.10 a 29.2.10, tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado (U).
22. No Hospital, o A. foi tratado com imobilização do membro inferior esquerdo (1º).
23. Tendo permanecido ali internado durante 5 dias, após os quais teve alta para o seu domicílio (2º).
24. O A. permaneceu no seu domicílio com o membro inferior esquerdo engessado cerca de 37 dias (3º).
25. Foi revisto no dia 07/10/2009, em consulta no Hospital, para retirar a tala gessada (4º).
26. O A. passou a ser seguido em consultas de Ortopedia no Hospital da Misericórdia (5º).
27. O A. compareceu naquele Hospital para consultas nos dias 24/09/09, 28/09/09, 18/01/2010 e 25/01/2010 (6º).
28. Numa das consultas realizadas foi-lhe prescrito a realização de fisioterapia (7º).
29. Na sequência dessa prescrição o A. inscreveu-se no Centro de Fisioterapia, para realização dos tratamentos fisioterápicos (8º).
30. Em 25/01/2010, o A. teve alta clínica definitiva, tendo continuado em tratamento de fisioterapia (parte do 9º).
31. Aquando da alta o A. continuava com muitas dores (10º).
32. O A. não se mostra curado das lesões sofridas em consequência do acidente em causa (11º).
33. Tem dificuldades de locomoção, por sofrer de muitas dores no pé esquerdo (12º).
34. Que por vezes incha, chegando mesmo o A. a perder o equilíbrio e a cair (13º).
35. O A. sempre exerceu a atividade profissional de pedreiro/ladrilhador na construção civil (17º).
36. No ano de 2009, o A. vinha exercendo tal atividade, fazendo alguns biscates (18º).
37. Não tem equilíbrio nem força na perna esquerda (22º).
38. Devido a dores no pé (23º).
39. O A. não tem qualquer qualificação profissional e tem fraca instrução escolar (parte do 24º).
40. Apenas sabe desempenhar a profissão de pedreiro/ladrilhador (25º).
41. Para o exercício da atividade profissional de pedreiro/ladrilhador é necessário transportar baldes de massa com algum peso, subir escadas, andaimes ou colocar-se em posições de cócoras, de joelhos ou outras que exigem esforço físico (26º).
42. O A. gostava e exercia com competência a predita atividade (28º e 29º).
43. Muito provavelmente terá ainda que se submeter a futuras intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos médicos (33º).
44. Tem de continuar a adquirir medicamentos para fazer face aos tratamentos de que carece (34º).
45. E tem também de se deslocar para os tratamentos de fisioterapia, consultas médicas ou ainda para os internamentos que possam vir a ocorrer futuramente (35º).
46. O A. era uma pessoa bem disposta e aparentava ser forte e rijo (37º).
47. O A. sempre fez amizades, frequentando assiduamente locais de convívio e de lazer com amigos e conhecidos (38º).
48. Há largos anos que o A. fazia parte do Rancho Folclórico (parte do 39º).
49. Era um dos elementos de dança do mesmo rancho folclórico (40º).
50. O acidente deixou marcas muito fortes no A. que a nível físico lhe provocam frequentes dores, as quais são clinicamente incuráveis e acompanharão o A. para o resto da sua vida (41º e 45º).
51. No momento do acidente o A. sofreu um enorme susto, angústia e desespero (46º).
52. Durante o período de internamento, como durante o período de convalescença, o A. deixou de frequentar locais públicos, de que tanto gostava, deixando de conviver com amigos e conhecidos (47º).
53. Por via das lesões sofridas o A. deixou de poder fazer parte do grupo de dança do Rancho Folclórico (49º).
54. O A. sofreu imensas dores decorrentes dos tratamentos médicos e da fisioterapia a que foi submetido (52º).
55. O A. tem desgosto em não poder continuar a fazer parte do grupo de dança do Rancho Folclórico do Isaías (parte do 53º).
56. Do relatório pericial, em sede de conclusões consta:
“A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25.01.2010.
Período de défice funcional temporário total de 148 dias.
Período de repercussão temporária na atividade profissional total, de 148 dias.
Quantum doloris fixável no grau 4/7.
Défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 8 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro.
As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual de ladrilhador, mas implicam grandes esforços suplementares.
Dano estético permanente fixável no grau 2/7.
Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas”.

E foram julgados não provados os seguintes factos:
A) Que o A. tivesse continuado em tratamento de fisioterapia até ao final de Abril (parte do 9º).
B) O que determina uma incapacidade absoluta para o exercício da sua atividade profissional de ladrilhador (14º).
C) O condutor do veículo segurado na R., imediatamente antes do embate no A. avistou-o (15º).
D) O veículo segurado da R. ao aproximar-se do A. infletiu a sua marcha, aproximando-se da berma onde este se encontrava (16º).
E) Após o acidente o A. não mais exerceu qualquer atividade remunerada por estar incapacitado (19º).
F) Nem é previsível que alguma vez o possa voltar a fazer (20º).
G) O A. ainda está em processo de recuperação física (21º).
H) O A. mal sabe ler e escrever (parte do 24º).
I) A situação clínica do A. não permite tal tipo de atividade profissional (27º).
J) O A. não sabe exercer qualquer outro ofício ou profissão através do qual possa vir a ganhar a vida (30º).
K) Desde a altura do acidente o A. vive de ajudas de familiares e amigos (31º).
L) O A. tem de continuar a fazer tratamentos de fisioterapia durante um período de tempo que não é possível contabilizar (32º).
M) O A. gozava de boa saúde, não lhe sendo conhecidas doenças ou qualquer defeito físico (36º).
N) Que fosse há concretamente 30 anos, que o A. fazia parte do Rancho Folclórico (parte do 39º).
O) As dores agravam-se com as mudanças de tempo, nomeadamente em dias frios e húmidos (42º).
P) O esforço diário provoca dores que se vão agravando com o avançar do dia (43º).
Q) O A. não pode carregar pesos, dobrar as pernas, colocar-se de joelhos ou de cócoras, o que lhe provoca dores ao nível dos membros e do pé esquerdo (44º).
R) O A. ainda não retomou a sua vida totalmente autónoma (48º).
S) Em função das consequências que o acidente deixou no A., este sofre de um desgosto enorme, estando constantemente deprimido, evitando comunicar com outras pessoas, receando que o agravamento das sequelas o venham a impossibilitar de ser autónomo (50º).
T) Sentindo-se bastante traumatizado, inferiorizado e temendo o futuro (51º).
U) O facto de o A. não poder voltar a exercer a profissão de que muito gostava, provoca-lhe um elevado desgosto (parte do 53º).
V) Aquando do acidente o A. estava desempregado (54º).

O DIREITO
Da perda de remunerações no período da ITA
Quanto a esta questão, importa recordar que o autor alegou ter perdido, desde 31.08.2009 (data do acidente) até 31.07.2012, remunerações no valor de € 15.750,00 (€ 1.800,00 no ano de 2009, € 5.400,00 no ano de 2010, € 5.400,00 no ano de 2011 e € 3.150,00 no ano de 2012) [art. 72º da petição inicial].
Da factualidade provada, neste particular, colhe-se que:
- O autor deslocou-se ao Hospital Particular por quatro vezes, nos dias 23/02/2010, 09/03/2010, 26/03/2010 e 28/04/2010 (ponto 14 dos factos provados).
- Ali, foi-lhe fixada uma incapacidade parcial (I.T.P.) de 35% (ponto 15 dos factos provados).
- Numa dessas deslocações ao Hospital Particular, foi prescrita ao autor a realização de um TAC (ponto 16 dos factos provados).
- O autor foi presente, no dia 28/04/2010, a uma junta médica, onde o referido TAC foi examinado pelo médico presente, tendo-lhe sido diagnosticada uma incapacidade parcial com coeficiente de 3% (ponto 17 dos factos provados).
- Nesse mesmo dia foi-lhe dada alta médica (ponto 18 dos factos provados).
- Por via do sinistro em causa, a ré pagou ao autor as seguintes quantias:
- € 38,50 em 5 de Maio de 2010.
- € 288,17 em 5 de Maio de 2010, a título de ITA para o período de 1.3.10 a 26.3.10, tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado;
- € 630,00 em 10 de Novembro de 2010, a título de adiantamento salarial para o período de 1.9.09 a 30.10.09 (tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado);
- € 325,50 em 18 de Janeiro de 2010, a título de ITA para o período de 1.12.09 a 31.12.09, tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado;
- € 653,92 em 22 de Março de 2010, a título de ITA para o período de 1.1.10 a 29.2.10, tomando por base 70% do Salário Mínimo Nacional, dado que o Autor estava, ao tempo, desempregado (U).
A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:
«In casu o autor peticiona a verba de € 70.000,00 por danos patrimoniais decorrentes de incapacidade permanente para o exercício da sua atividade e € 35.000,00 por danos não patrimoniais.
No pedido do A., está incluída, ainda que de forma não completamente discriminada, a quantia respeitante ao período por que perdurou a IPP, 148 dias, computadas por referência ao salário mínimo da época.
É nosso entendimento que a consideração da retribuição mínima nacional como parâmetro de referência para cálculo de danos patrimoniais está circunscrita aos danos futuros (vd. artºs 7º, nº 1, al. c) e 6º, nºs 2 e 3 da Portaria 377/2008, de 26 de Maio).
Acontece que os danos ora em apreço, não assumem tal qualidade, mas antes a de ganhos cessantes na definição que acima ficou expressa.
Desta feita, este pedido tem de improceder, uma vez que não está sequer alegado/provado que o Autor auferisse à data quantia/subsidio em que ficasse desembolsado por via do acidente, designadamente no período de ita.
Motivo porque soçobra este segmento do pedido.
Insurge-se o recorrente contra este entendimento, defendendo que resultaria numa manifesta injustiça, para efeitos de cálculo dos danos patrimoniais emergentes a que alude o nº 3 do artigo 10º da Portaria nº 377/2008 de 26 de maio, a não aplicação do que se acha prescrito no artigo 7º da mesma portaria (casos em que a vítima não apresentou declaração de rendimentos ou não tem rendimento fixo), e que no caso de não ser possível determinar a indemnização devida ao autor por ganhos cessantes, com o auxílio de aplicação dos fatores insertos na referida portaria, sempre a injustiça causada pela omissão teria de ser salvaguardada por juízos de equidade, uma vez que existem casos em que a declaração de rendimentos não é obrigatória [conclusões J) e K)].
Adiantamos, desde já, que assiste razão ao recorrente.
Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações que lhe foram introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele[3].
A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º do CC).
Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art. 564º do CC).
O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art. 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, n.º 2, do CC).
Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do mesmo artigo).
No caso concreto, em consequência do acidente dos autos, a ré pagou ao autor as quantias supra referidas, a título de ITA, tomando por base 70% do salário mínimo nacional, por considerar que o autor se encontrava, ao tempo, desempregado, facto que não se provou (cfr. al. V) dos factos não provados).
Provou-se antes que o autor sempre exerceu a atividade profissional de pedreiro/ladrilhador na construção civil e que no ano de 2009, vinha exercendo tal atividade, fazendo alguns biscates (pontos 35 e 36 do elenco dos factos provados).
Assim, tendo o acidente ocorrido em 31.08.2009 e considerando que a alta médica foi dada em 28.04.2010, verifica-se que o autor esteve incapacitado de trabalhar durante o período de 240 dias (8 meses).
Deste modo, tem o autor direito a receber oito salários mínimos nacionais, no montante global de € 3.600,00, sabendo-se que à data da ocorrência do acidente a retribuição mínima mensal garantida (RMMG) se cifrava em € 450,00 (DL nº 246/2088, de 18-12).
Porém, há que abater à referida quantia de € 3.600,00 os pagamentos parcelares efetuados pela ré, no montante global de € 1.897,59 (€ 288,17 + € 630,00 + € 325,50 + € 653,92) [cfr. ponto 21 dos factos provados], pelo que o autor tem direito a receber a título de perda de remunerações no período da ITA o valor de € 1.702,41.
O recurso procede, pois, nesta parte.

Da indemnização pelo dano respeitante ao défice funcional
A Mm.ª Juíza a quo fixou a indemnização aqui em apreço no capital de € 8.500,00, partindo do valor do salário médio nacional no ano de 2009 (€ 867,50), da idade do autor que era de 56 anos à data do acidente e do grau de desvalorização de 37%, socorrendo-se ainda dos critérios fixados na Portaria nº 377/2008, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«Reportando-nos ao caso concreto, para uma desvalorização entre 36 e 40 pontos, o que é equivalente à percentagem (já que são considerados os pontos de 1 a 100), são estabelecidos os valores de € 964,44 a € 1097,82 quando a vítima tenha entre 51 a 55 anos de idade.
Havendo uma desvalorização de 37%, equivalente a 37 pontos e equivalendo cada ponto a € 1.031,13 (o que se atinge somando os dois valores e dividindo por 2, tendo em conta que a idade do lesado era de 53 anos à data do acidente situando-se por isso a meio entre os 51 e os 55 previstos na tabela), a indemnização seria de € 38.151,81.
Contudo, tais valores da portaria reportam-se à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que era de € 403,00 (nota 1 ao anexo IV) que é menos de metade da remuneração média nacional.
Se considerarmos a remuneração base média nacional de € 867,50 e observando uma regra de três simples, chegamos ao valor compensatório de € 82.125,79.”
Fazendo a adequação dos critérios transcritos ao caso vertente, encontra-se, em arredondamento por acréscimo, a quantia de € 8.500,00 euros (€ 487,35 x 8 = € 3.898,80 x 867,50 / 403,00 = € 8.392,57), que se condena a R. a pagar ao A.».
Considera a ré /recorrente que é excessiva aquela quantia, uma vez que se tem em conta um valor de rendimento mensal de € 867,50 quando resultou provado que o Recorrido nem o valor do ordenado mínimo auferia.
Acrescenta ainda a recorrente que, considerando as características do caso concreto e os critérios habitualmente adotados, recorrendo às fórmulas vulgarmente utilizadas, nomeadamente, a Portaria 377/2008, 26 de Maio, verifica-se que o valor arbitrado é, superior ao que daí decorreria, e que aplicar o valor do ordenado médio auferido num caso dos presentes autos é colocar em causa o princípio da igualdade, uma vez que está a beneficiar as pessoas que não tem emprego fixo em detrimento daquelas que ganham menos do que os € 867,50.
Defende, assim, a recorrente que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído a título de danos decorrentes da IPP ao autor, para um valor de aproximadamente € 3.500,00.
Já o autor/recorrente entende que não foi devidamente valorizado o dano biológico, não tendo o tribunal efetuado qualquer recurso aos juízos de equidade que a sua situação reclamava e que permitiram “uma melhor justiça ao caso concreto”, propondo como adequada à situação do autor uma indemnização no valor de € 35.000,00.
Vejamos.
No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, entre os danos patrimoniais, destacam-se, no que ora interessa, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho do lesado.
Na verdade, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária[4].
Como é sabido, os nossos tribunais, com particular relevância para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[5].
No seguimento desse entendimento, o Acórdão do STJ de 10.10.2012[6], considerou que:
«… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …».
Nesse mesmo aresto, acrescenta-se o seguinte:
«Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutiode que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal …».
Como se escreveu no recente Acórdão do STJ de 16.06.2016[7], a este propósito podem projetar-se duas vertentes:
«- por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
Em suma, o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis».
No caso em apreço, resulta dos factos provados que:
- o autor nasceu em 1 de Agosto de 1953;
- o autor não se mostra curado das lesões sofridas em consequência do acidente em causa;
- tem dificuldades de locomoção, por sofrer de muitas dores no pé esquerdo;
- o autor sempre exerceu a atividade profissional de pedreiro/ladrilhador na construção civil;
- no ano de 2009, o A. vinha exercendo tal atividade, fazendo alguns biscates;
- o autor não tem qualquer qualificação profissional e tem fraca instrução escolar;
- apenas sabe desempenhar a profissão de pedreiro/ladrilhador;
- para o exercício da atividade profissional de pedreiro/ladrilhador é necessário transportar baldes de massa com algum peso, subir escadas, andaimes ou colocar-se em posições de cócoras, de joelhos ou outras que exigem esforço físico;
- o autor gostava e exercia com competência a predita atividade (28º e 29º).
- não tem equilíbrio nem força na perna esquerda;
- devido a dores no pé;
-muito provavelmente terá ainda que se submeter a futuras intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos médicos;
- tem de continuar a adquirir medicamentos para fazer face aos tratamentos de que carece;
- o acidente deixou marcas muito fortes no A. que a nível físico lhe provocam frequentes dores, as quais são clinicamente incuráveis e acompanharão o A. para o resto da sua vida;
- o autor era uma pessoa bem disposta e aparentava ser forte e rijo:
- do relatório pericial, em sede de conclusões consta:
«A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25.01.2010.
(…).
Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro.
As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual de ladrilhador, mas implicam grandes esforços suplementares».
Daqui se extrai, em resumo, que o autor, à data do acidente, em 31.08.2009, contando então 56 anos de idade, exercia a profissão de pedreiro/ladrilhador na construção civil, sem remuneração mensal apurada, dado que nesse ano vinha exercendo aquela profissão, fazendo alguns biscates.
Das sequelas resultantes das lesões sofridas, consolidadas em 25.01.2010, resultou uma incapacidade genérica de 8%, em termos de rebate profissional, compatível com o exercício da sua profissão. Além disso, o autor, que não padecia de deformidade ou incapacidade física, antes do acidente, passou a sofrer de dores frequentes, as quais são clinicamente incuráveis e o acompanharão para o resto da sua vida.
Deste quadro fáctico não se extrai que o autor tenha deixado de poder exercer a sua profissão habitual, mas sim que, para executar as tarefas profissionais correspondentes e mesmos as tarefas domésticas o terá de fazer com muito maior esforço, ou nas palavras do relatório pericial, “com grandes esforços suplementares”.
Em tais circunstâncias, não se mostra ajustado determinar a indemnização devida na base de um cálculo matemático rigoroso em função do seu rendimento profissional, mas apenas por aproximação.
Como acima se deixou dito, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 07.06.2011[8]:
«(…), a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.
Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados.
A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução de diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.»
Restará agora ponderar a incapacidade genérica parcial do autor para, no período de vida expetável, até um horizonte acima dos 70 anos, para desempenhar com maior onerosidade as suas tarefas profissionais e pessoais, o que só poderá ser conseguido por via da equidade, ao abrigo do nº 3 do artigo 566º do Código Civil.
Assim, deve ter-se em linha de conta que o autor, apesar de permanecer com uma incapacidade genérica de 8%, em termos de rebate profissional, a mesma é compatível com a sua atividade profissional, mas implica grandes esforços suplementares, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como pedreiro/ladrilhador. De igual modo e atenta a idade do autor e a inexistência de qualquer qualificação profissional aliada à sua fraca instrução escolar, tais limitações são claramente suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de conseguir outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, para mais num mercado competitivo tão exigente como o atual.
Nessas circunstâncias e na linha dos padrões jurisprudenciais seguidos pelo STJ para situações do género, sem esquecer que o autor tinha 56 anos à data do acidente[9], não tinha qualificação profissional e possuía fraca instrução escolar, tem-se por ajustado compensar o dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, numa indemnização no valor de € 15.000,00[10], reportado à data da sentença em 1ª instância.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso da ré, e procede parcialmente o recurso do autor.

Dos danos não patrimoniais
Sustenta ainda a ré/recorrente que, no que respeita à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, o montante indemnizatório se mostra excessivo. Já o autor entende que o valor de € 10.000,00 fixado na sentença ´peca por defeito, propondo que seja fixada uma indemnização de € 30.000,00.
A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496º, nº 1, do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso vertente é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pelo autor, merecem ser indemnizados. Está apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Estabelece o art. 496º, nº 3, que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida»[11].
Como tem sido entendido de forma uniforme, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico[12].
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no art. 494º.”[13]
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso»[14].
Ora, em situações de gravidade e projeção superiores às do caso destes autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar ajustados valores indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais, entre € 30.000,00 e 60.000,00. Para casos de gravidade e extensão de nível inferior, têm sido considerados valores que ficam aquém do patamar de € 30.000,00, variando, casuisticamente, em função de uma ponderação conjugada dos diversos factores tidos por relevantes.
Assim, por exemplo, no acórdão do STJ, de 19.02.2015[15], considerou-se:
«(…) adequada a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que: (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão; (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com velpeau; (iv) foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms vertical, na face anterior do punho; (ix) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.»

No caso vertente, provou-se que:
- o autor nasceu em 1 de Agosto de 1953;
- quando o autor se encontrava parado na berma da estrada, a cerca de 25/30 centímetros da faixa de rodagem, do lado direito atento o sentido de circulação do veículo 00-00-IQ, este saiu da faixa de rodagem, indo embater no autor, e atingindo-o na perna e pé esquerdo;
- No momento do embate o autor ficou com inúmeras queixas na zona esquerda do corpo, sobretudo da zona do pé;
- após o atropelamento a autor foi transportado ao serviço de urgência do Hospital;
- nesse mesmo dia o autor foi transferido para o Hospital do a fim de realizar exames médicos mais pormenorizados;
- naquele Hospital o autor realizou um Raio X, de onde se retirou que tinha uma fratura no calcâneo esquerdo;
- no Hospital o autor foi tratado com imobilização do membro inferior esquerdo;
- tendo permanecido ali internado durante 5 dias, após os quais teve alta para o seu domicílio;
- o autor permaneceu no seu domicílio com o membro inferior esquerdo engessado cerca de 37 dias;
- foi revisto no dia 07/10/2009, em consulta no Hospital para retirar a tala gessada;
- o autor passou a ser seguido em consultas de Ortopedia no Hospital da Misericórdia;
- numa das consultas realizadas foi-lhe prescrito a realização de fisioterapia;
- na sequência dessa prescrição o autor inscreveu-se no Centro de Fisioterapia, Lda., para realização dos tratamentos fisioterápicos;
- em 25/01/2010, o autor teve alta clínica definitiva, tendo continuado em tratamento de fisioterapia;
- aquando da alta o autor continuava com muitas dores;
- o autor não se mostra curado das lesões sofridas em consequência do acidente em causa;
- tem dificuldades de locomoção, por sofrer de muitas dores no pé esquerdo;
- que por vezes incha, chegando mesmo o autor a perder o equilíbrio e a cair;
- não tem equilíbrio nem força na perna esquerda;
- muito provavelmente terá ainda que se submeter a futuras intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos médicos;
- tem de continuar a adquirir medicamentos para fazer face aos tratamentos de que carece;
- o autor era uma pessoa bem disposta e aparentava ser forte e rijo;
- há largos anos que o autor fazia parte do Rancho Folclórico;
- era um dos elementos de dança do mesmo rancho folclórico;
- o acidente deixou marcas muito fortes no autor que a nível físico lhe provocam frequentes dores, as quais são clinicamente incuráveis e o acompanharão para o resto da sua vida;
- no momento do acidente o autor sofreu um enorme susto, angústia e desespero;
- por via das lesões sofridas o autor deixou de poder fazer parte do grupo de dança do Rancho Folclórico;
- o autor sofreu imensas dores decorrentes dos tratamentos médicos e da fisioterapia a que foi submetido;
- o autor tem desgosto em não poder continuar a fazer parte do grupo de dança do Rancho Folclórico do Isaías:
Perante este quadro factual tão exaustivo, tendo em conta a idade do autor (56 anos à data da consolidação das sequelas), a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade do autor, tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00, reportado à data da decisão final em 1.ª instância.
Procede nesta parte, parcialmente, o recurso do autor e improcede o recurso da ré.

Dos juros
Sustenta, por fim, o autor/recorrente que os juros moratórios são devidos a partir da citação, sobre todas as quantias indemnizatórias e compensatórias, quer relativas a danos de natureza patrimonial, quer relativas a danos de natureza não patrimonial.
Quanto a esta questão, há que averiguar se os montantes indemnizatórios foram fixados tendo em conta o valor da moeda ao tempo da citação ou da decisão da 1.ª instância[16].
No primeiro caso, vale o regime emergente do artigo 805º, nº3.
No segundo, há que atentar no Assento n.º4/2002[17], agora com valor de Acórdão Uniformizador.
Na verdade, se, neste segundo caso, se contassem juros, o titular do direito à indemnização beneficiaria duma duplicação relativamente ao tempo que mediou entre a citação e a sentença. Acumularia juros e atualização monetária o que é inaceitável[18].
A clareza desta construção fica prejudicada nos casos em que nada se refere quanto ao momento que se teve em conta para a fixação das indemnizações. Mas, no nosso caso, a sentença foi bem explícita, no sentido de que fez reportar os juros a partir da citação, no que respeita aos danos patrimoniais, e a partir da data da atualização, ou seja, da decisão, no que tange aos danos não patrimoniais e patrimoniais com recurso à equidade.
Ora, tendo o Tribunal atualizado a indemnização fixada para os danos de natureza não patrimonial e de natureza patrimonial com recurso à equidade, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a ação, como pretende o recorrente, representariam uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederia o prejuízo, de facto, ocorrido, o que não pode suceder.
Foi também este o caminho seguido por esta Relação, que atualizou os danos não patrimoniais e o défice funcional à data da sentença em 1ª instância.

Sumário:
I – O dano biológico abrange uma variedade alargada de prejuízos na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, obrigando ainda o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados.
II - Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.
III - Tendo o autor a idade de 56 anos, à data do acidente, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 8%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas implicando grandes esforços suplementares, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como pedreiro/ladrilhador, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, aliado ao facto do autor não possuir qualificação profissional e ter fraca instrução escolar, mostra-se ajustada a indemnização de € 15.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial.
IV - Considerando a idade do autor, a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade do autor, tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00, reportado à data da decisão final em 1.ª instância.
V - Sendo a indemnização dos danos não patrimoniais fixada em função do valor da moeda ao tempo da sentença de 1.ª instância, só a partir de então se contam os juros moratórios.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, na improcedência da apelação da ré e na parcial procedência da apelação do autor, acordam os Juízes desta Secção Cível em alterar a decisão recorrida, nos segmentos respeitantes à indemnização pela perda de remunerações no período da ITA, pelo défice funcional (dano biológico) e ao dano não patrimonial, decidindo-se:
A – Condenar a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de € 1.702,41, a título de perda de remunerações no período da ITA, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação;
b) a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização pelo défice funcional, acrescida de juros de mora, à mesma taxa, desde a data da sentença em 1ª instância.
c) a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à referida taxa, desde a data da sentença em 1ª instância.

B – Confirmar no mais o decidido na sentença recorrida.

Custas da acção e do recurso a cargo de autor e ré, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor.
*
Évora, 3 de Novembro de 2016

Manuel Bargado

Albertina Pedroso

Francisco Xavier





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[1] Na qual se consignou que relativamente aos danos não patrimoniais e aos danos patrimoniais fixados com recurso à equidade, os juros serão apenas devidos desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4%, e quanto aos demais danos, vencerão juros à mesma taxa, contados desde a citação.
[2] Mantém-se a sequência dos factos constante da sentença, sendo que as letras indicadas a seguir a cada facto correspondem às alíneas da matéria de facto assente aquando da elaboração do despacho saneador, e os números aos artigos da base instrutória.
[3] Cfr., inter alia, o Acórdão do STJ de 17.12.2015, proc. 3558/04.1TBSTB.E1.S1, acessível, assim como os demais que vierem a ser citados sem outra indicação, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr., por todos, o Ac. do STJ, de 21-03-2013, proc. 565/10.9TBVL.S1.
[5] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o Ac. do STJ, de 7-6-2011, proc. 160/2002.P1.S1.
[6] Proc. 632/2001.G1.S1.
[7] Proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2, que aqui seguimos de perto.
[8] Proc. 160/2002.P1.S1.
[9] A esperança média de vida para os homens em Portugal era, em 2009, de 76,2 anos (cfr. www.pordata.pt), o que significa que à data do acidente o autor tinha pela sua frente duas décadas de vida.
[10] Para um caso em que se provou que a lesada tinha 22 anos de idade à data do acidente, um défice funcional permanente da integridade física fixado em 8% e possuindo o grau académico de licenciada, com hipóteses significativas de evolução no plano da obtenção de ganhos materiais – contrariamente ao que sucede no caso do autor -, fixou-se a título de danos patrimoniais (perda da capacidade de ganho), uma indemnização de € 25.000,00 (cfr. Ac. do STJ de 07.04.2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1).
[11] Código Civil Anotado, vol. I., 3ª ed., p. 474.
[12] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 19.04.2012, proc. 3046/09.0TBFIG.S1.
[13] Cfr. Ac. do STJ de 14.09.2010, proc. 267/06.0TBVCD.P1.S1.
[14] Ac. do STJ de 03.02.2011, proc. 605/05.3TBVVD.G1.S1.
[15] Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1.
[16] Como se escreveu no Ac. do STJ de 11.02.2015, proc. 6301/13.0TBMTS.S1, «…, ao considerar-se o momento do início do vencimento dos juros de mora incidentes sobre a indemnização pecuniária, por facto ilícito ou pelo risco, objecto de cálculo actualizado, reportado à decisão actualizadora, por oposição à data da citação, tal significa que esse momento tem como referência a data do encerramento da discussão da matéria de facto, em 1ª instância, o mais próximo possível da prolação da sentença, e não ao seu trânsito, sob pena de um seu mais ou menos demorado hiato temporal acabar por esvaziar esse efeito actualizador e lesar, injustificadamente, o credor da indemnização.»
[17] Publicado no Diário da República, I Série, de 27.06.2002.
[18] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 07.10.2010, proc. 370/04.1TBVGS.C1.