Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5121/20.0T8STB-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: CASO JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- Uma sentença ou despacho transita em julgado quando se torna insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação, como estipula o artigo 628.º do CPC.
II.- A condenação como litigante de má-fé, a título de negligência grave, pode ocorrer se se apurar que a parte litigou de forma temerária, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, artigo 542.º/2, a), do CPC, designadamente se deduziu pretensão que já havia sido indeferida por decisão transitada.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 5121/20.0T8STB-A.E1



Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)


Recorrida: (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 2, na ação executiva proposta pela recorrida contra o recorrente, veio este arguir, em 05.11.2021, a nulidade do termo de autenticação da confissão de dívida e, consequentemente, a extinção da execução por inexistência de título executivo.
Após contraditório, foi proferido despacho em 13.02.2022 com o seguinte teor:
«Nulidade do termo de autenticação/falta de título executivo.
O meio próprio de oposição à execução são os embargos de executado, sendo que estes devem ser deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação (artigos 626.º, n.º 2, 728.º, n.º 1 e 856.º do CPC).
Como salienta Lebre de Freitas (“A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro 2014, págs 214 e 215),«[…] Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: (…) Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo».
Com efeito, ainda que se possa admitir, em determinadas situações, a utilização de um simples requerimento do executado no próprio processo executivo (apenas quando se trate da invocação de um vício cuja demonstração não carece de factos novos nem de prova, de que são exemplo o erro na forma do processo, a não indicação do valor da acção no requerimento executivo ou a falta de um requisito legal da petição – Lebre de Freitas, ob.cit, pág. 187), tal não ocorre, seguramente, com o fundamento invocado pelo executado (nulidade/falta de título executivo) que não só carece de produção de prova como constitui matéria a aduzir exclusivamente por meio de embargos de executado tendo em vista a extinção da execução (artigo 732.º, n.º 4, do CPC).
Nesta conformidade, tendo o executado sido citado em 14.06.2021 e mostrando-se decorrido o prazo para dedução de embargos, conclui-se que precludiu o direito a praticar tal ato (artigo 139.º, n.º 3, do CPC), não sendo legalmente admissível a invocação em mero requerimento de factos ou exceções não invocados em momento próprio.
Em face do exposto e por se tratar de ato que a lei não prevê nem admite, fora de particulares circunstancialismos que no caso não se verificam, declaram-se não escritas as alegações constantes dos artigos 11º a 18º do requerimento apresentado pelo executado em 05.11.2021 e que, como tal, não serão apreciadas pelo Tribunal.»
A decisão supratranscrita foi notificada às partes e transitou em julgado.
Em 21.04.2022, veio novamente o executado requerer que se declare a nulidade do documento termo de autenticação da confissão de dívida, e consequentemente seja determinada a extinção da presente execução por inexistência de título executivo; invocou, para o efeito, que o Tribunal se absteve de se pronunciar concretamente sobre a invocada nulidade e, como tal, não operou caso julgado sobre a questão suscitada, sendo que a nulidade é invocável a todo o tempo.
A exequente respondeu, alegando a existência de caso julgado formal, mais requerendo a condenação do executado por litigância de má-fé, em multa e em indemnização.
O executado pronunciou-se, concluindo pela inexistência de litigância de má-fé.
Apreciando.
Dispõe o artigo 620.º, n.º 1, do CPC que «As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.»
Como ensina Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 307: «Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário. É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual.»
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida – efeito negativo – e a vinculação do mesmo tribunal (e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material) à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado – acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.10.2015, processo 231514/11.3YIPRT.C1, www.dgsi.pt.
Na situação em apreço, verifica-se inequivocamente a existência de caso julgado formal traduzido na força obrigatória que o despacho de 13.02.2022 possui neste processo quanto à questão suscitada no âmbito da mesma relação processual.
Não colhe, portanto, o argumento de que o Tribunal não apreciou concretamente a questão pois, se é verdade que não foi decidido o mérito da exceção alegada pelo executado, não é menos certo que o Tribunal já decidiu pela inadmissibilidade de invocação dessa mesma questão – é esta a decisão, a de não conhecimento da nulidade, que já transitou em julgado e possui força de caso julgado formal, impondo-se assim ao Tribunal e às partes neste processo.
Note-se que «como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos» (Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 578), no caso, a preclusão do direito do executado a deduzir a exceção de nulidade do título executivo.
Em resumo, não é admissível nova apreciação sobre a questão da admissibilidade de alegação da nulidade do título executivo, por força do caso julgado formal da decisão proferida em 13.02.2022, sempre se acrescentando, de todo o modo, que com a prolação daquela decisão esgotou-se o poder jurisdicional do juiz (artigo 666.º, nºs 1 e 3, do CPC), não podendo o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre o requerimento já anteriormente apreciado.
Dito isto, resta ainda concluir pela litigância de má-fé do executado, tal como alegado pela exequente e que, entende-se, resulta bem patenteado nos autos.
Com efeito, o executado veio primeiramente arguir fundamentos de embargos, o que fez fora de prazo, tal como foi declarado por decisão transitada em julgado no processo e, não obstante, voltou a insistir com o mesmo pedido, o que configura uma atuação processual evidentemente censurável e que tem por único efeito o protelar do normal andamento dos autos.
Esta atitude do executado não resulta de uma simples interpretação jurídica distinta, antes se afigurando indiscutível que o executado deduziu novamente uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar pois, como bem sabia, este Tribunal já decidira anteriormente que tal não seria admissível nesta fase do processo.
Deste modo, entende-se que resulta suficientemente demonstrado o comportamento processual censurável por parte do executado e que se integra no previsto pelo artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) e d), do C.P.C..
De harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 542.º, n.º 1 e 543.º do mesmo diploma legal, a parte deve ser condenada em multa (entre 2 e 100 UC – artigo 27.º, n.º 3, do RCP) e em indemnização à parte contrária, se esta a pedir, como sucedeu (não sendo necessário que a parte prejudicada formule um pedido certo, devendo o Tribunal fixar a indemnização de acordo com o prudente arbítrio – acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.05.2017, processo 1639/14.2 TBVCT.G2, www.dgsi.pt).
Face ao que fica exposto, atenta a gravidade da conduta do litigante (intensidade do dolo), a natureza e o valor da ação ( € 8.740,62) e os efeitos da litigância de má-fé, traduzidos na maior delonga processual (a ação foi intentada em 13.10.2020, o executado citado em 14.06.2021, e desde então a execução tem aguardado a decisão dos sucessivos requerimentos do executado a arguir a nulidade do título), entendo adequado fixar a multa em 4 UC, bem como atribuir à exequente uma indemnização no valor de € 1.000,00 a qual se reputa perfeitamente razoável e adequado dadas as circunstâncias do caso.
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Em face de tudo o exposto, decido:
a) Indeferir o requerimento apresentado pelo executado em 21.04.2022;
b) Julgar verificada a litigância de má-fé do executado nos termos do disposto pelo artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) e d), do CPC, condenando-o em multa que se fixa em 4 (quatro) UC e em indemnização no valor de € 1.000,00 (mil euros) que se arbitra à exequente.
Custas do incidente a cargo do executado, fixando a taxa de justiça em 2 UC (artigo 7.º, n.º 4, do RCP e Tabela II).
Notifique.
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Não se conformando com o decidido, o recorrente apelou formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:
a) O tribunal a quo indeferiu o requerimento apresentado pelo recorrente sustentando a sua posição na verificação de caso julgado formal, e, consequentemente, absteve-se de se pronunciar sobre a nulidade invocada.
b) A douta decisão ora recorrida ignora que a questão invocada é de conhecimento oficioso.
c) Resulta da lei substantiva que a nulidade é invocável a todo tempo, sendo o seu conhecimento oficioso.
d) Também a lei processual permite que no âmbito da execução, o juiz conheça até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado a inexistência do título executivo.
e) Tendo sido invocado perante o tribunal, vício sobre o qual poderia e devia pronunciar-se, não poderia aquele abster-se de o fazer com base num pressuposto processual.
f) Ainda que não tivesse sido invocado pelo recorrente, impunha-se, em qualquer caso, ao Tribunal a quo conhecer da nulidade do título executivo.
g) O mesmo se dizendo quanto ao Tribunal de recurso.
h) Sendo tal matéria de conhecimento oficioso, não poderá considerar-se, como fez o douto despacho ora recorrido, que pelo facto de se ter pronunciado sobre a inadmissibilidade de invocada nulidade – abstendo-se de decidir sobre o mérito da mesma – se verificou caso julgado.
i) Tendo o Tribunal a quo decidido sobre a inadmissibilidade da invocação da exceção com base num pressuposto formal não significa que se tenha pronunciado sobre a questão substantiva invocada pelo recorrente.
j) Pelo que, está ainda por decidir nos autos de execução em apreço a questão da nulidade do título executivo.
k) O recorrente estava, e está, convicto da sua pretensão bem como, da bondade dos seus fundamentos, que têm respaldo legal.
l) Não se tendo o tribunal a quo pronunciado sobre o mérito da invocada nulidade, que era de conhecimento oficioso, poderia voltar a requerê-lo em total boa-fé processual.
m) O recorrente sustentou juridicamente a sua pretensão aquando da invocação pela segunda vez da exceção em causa.
n) Inexistindo qualquer dolo ou se quer negligência por parte do ora recorrente.
o) Nestes termos, não poderá deixar de se concluir não estarem verificados os pressupostos da litigância de má-fé.
p) Assim, o douto despacho recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 286.º do Código Civil e do n.º 1 do artigo 734.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, ser a douta decisão proferida pelo tribunal a quo revogada e substituída por outra que conheça do mérito da nulidade invocada e, bem assim, julgue não verificada a litigância de má-fé do recorrente.
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A recorrida contra-alegou, concluindo:
a) Dispõe o artigo 620.º, n.º 1, do CPC que “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”
b) «Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário. É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual». Assim ensina Antunes Varela, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., pág. 307.
c) Na situação em apreço, verifica-se inequivocamente a existência de caso julgado formal traduzido na força obrigatória que o despacho de 13.02.2022 possui neste processo quanto à questão suscitada no âmbito da mesma relação processual;
d) Não colhe, portanto, o argumento de que o Tribunal a quo em despacho de 13.02.2022 não apreciou concretamente a questão da nulidade invocada pelo Recorrente, o Tribunal a quo referiu "com efeito, ainda que se possa admitir, em determinadas situações, a utilização de um simples requerimento do executado no próprio processo executivo (apenas quando se trate da invocação de um vicio cuja demonstração não carece de factos novos nem de prova, de que são exemplo o erro na forma do processo. a não indicação do valor da ação no requerimento executivo ou a falta de um requisito legal da petição – Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 187), tal não ocorre, seguramente, com o fundamento invocado pelo executado (nulidade/falta de titulo executivo) que não só carece de produção de prova como constitui matéria a aduzir exclusivamente por meio de embargos de executado tendo em vista a extinção da execução (artigo 732.º, n.º 4, do CPC).
e) Para além de acrescentar o seguinte: 'O meio próprio de oposição à execução são os embargos de executado, sendo que estes devem ser deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação (artigos 626.º, n.º 2, 728.º, n.º 1 e 856.º do CPC) ... que não só carece de produção de prova como constitui matéria a aduzir exclusivamente por meio de embargos de executado tendo em vista a extinção da execução (artigo 732.º, n.º 4, do CPC) ... Nesta conformidade, tendo o executado sido citado em 14.06.2021 e mostrando-se decorrido o prazo para dedução de embargos, conclui-se que precludiu o direito a praticar tal ato (artigo 139.º, n.º 3, do CPC, não sendo legalmente admissível a invocação em mero requerimento de factos ou exceções não invocados em momento próprio ... Em face do exposto e por se tratar de ato que a lei não prevê nem admite, fora de particulares circunstancialismos que no caso não se verificam, declaram-se não escritas as alegações constantes dos artigos 11º a 18º do requerimento apresentado pelo executado em 05.11.2021 e que, como tal, não serão apreciadas pelo Tribunal:"
t) Foi esta a pronúncia por parte do Tribunal a quo que o Recorrente que não respondeu ao que era colocado em causa por si.
g) Concluindo-se assim ter havido por parte do Tribunal a quo, tanto na decisão do primeiro incidente, como no segundo, a pronuncia quanto à nulidade invocada, sendo que neste último incidente, obrigatoriamente, já havia sido consolidado o caso julgado formal, ao qual a Mm. Senhora Doutora Juíza se viu obrigada a respeitar, porquanto decorre da lei.
h) Em consonância com o mui douto despacho recorrido, não é admissível nova apreciação sobre a questão da admissibilidade de alegação da nulidade do título executivo, por força do caso julgado formal da decisão proferida em 13.02.2022, sempre se acrescentando, de todo o modo, que com a prolação daquela decisão esgotou-se o poder jurisdicional do juiz (artigo 666.º, n.º 1 e 3, do CPC), não podendo o Tribunal a quo voltar a pronunciar-se sobre o requerimento já anteriormente apreciado."
i) Sem prescindir, sempre se dirá que à luz do CPC [artigo 703.º, n.º 1, alínea b)], os documentos particulares constitutivos ou recognitivos de obrigações só adquirem força executiva mediante a sua válida autenticação por entidade com competência para o efeito, destinando-se o termo de autenticação a assegurar a compreensão do conteúdo dos mesmos pelas partes.
j) Devem outorgar no termo de autenticação aqueles que se obrigaram no respetivo documento particular, isto é, todos os devedores e a respetiva entidade autenticadora.
k.) A validade da autenticação depende da realização do registo informático do respetivo termo em conformidade com as exigências/requisitos de modo e tempo previstos nos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06.
1) Uma vez elaborada e devidamente assinada a referida confissão de dívida pelo Recorrente, e Recorrida, a Advogada, Exma. Sra. Dra. (…), lavrou o respetivo termo de autenticação, perante ambos, nos termos do preceituado no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, mediante o qual ambos declararam, perante si, através de tal instrumento, terem lido, ficado cientes do seu teor e assinado a referida declaração e que o conteúdo da mesma expressava a vontade de todos, tendo ambos Recorrente e Recorrido assinado o Termo de autenticação e o Acordo de Confissão de Dívida perante a entidade autenticadora com poderes para o ato e que assim, conferiu a natureza de título executivo, não padecendo o título de qualquer nulidade ou falsidade.
m) Conforme o Acórdão 26/04/2022 do Tribunal da Relação de Coimbra, "as questões que devem ser apreciadas por serem de conhecimento oficioso são (...) as constantes do artigo 726.º, n.º 2, do CPC, ou seja: – a manifesta falta ou insuficiência do título, ou seja, a que resulte do próprio título, sem necessidade de produção de prova, quando o Recorrente apresenta um incidente pedindo que fosse ouvida prova testemunhal, afasta de uma vez por todas a tese de que esta "dita" nulidade poderia ser invocada a todo o tempo e teria que ser apreciada pelo Tribunal.
n) Sendo que o Tribunal a quo, conforme se consegue verificar fê-lo, com recurso ao que dita a Lei, nomeadamente o CPC, respeitando-o em todos os seus alcances, pronunciando-se sobre a questão levantada novamente pelo Recorrente, pelo que não colhe o argumento de que não houve pronúncia por parte do Tribunal a quo.
o) O procedimento do Recorrente evidenciou indícios graves e suficientes de uma conduta dolosa, com alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo).
p) O Recorrente com este último requerimento deturpou mais uma vez, a factualidade que carreou para os autos, conhecedor da falta de fundamento da sua pretensão e faltando, de modo censurável, à verdade.
q) Atuando assim com manifesta má-fé, pelo que o Tribunal a quo, e a pedido da Recorrente, decidiu condenar o Recorrente como litigante de má fé em multa e numa indemnização à Exequente.
r) Decisão que deverá ser mantida pelo Tribunal de recurso, senão até agravada, já que, mais uma vez, a fase da venda do imóvel ficará em suspenso até decisão deste Tribunal, com sérios prejuízos para a Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa, sempre doutamente suprirá, deve a presente apelação ser julgada improcedente, negando-se assim provimento ao presente recurso e confirmar-se o mui douto despacho de indeferimento exarado a 30-06-2022 pelo Tribunal a quo, com todos os efeitos legais, respeitando-se, assim, o caso julgado formal e condenando-se o Recorrente nos precisos termos ali mencionados.
Como é de justiça.
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A questão que importa decidir é a de saber se o tribunal a quo esgotou o poder jurisdicional para apreciar a questão colocada pelo recorrente.
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A matéria de facto a considerara é a que resulta do relatório inicial.
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Conhecendo.
Como todos sabemos, uma sentença ou despacho transita em julgado quando se torna insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação, como estipula o artigo 628.º do CPC.
No caso dos autos, o recorrente arguiu, inicialmente, a nulidade do título executivo e o tribunal a quo indeferiu tal pretensão porque deveria tal defesa do executado ter sido deduzida em sede de embargos de executado, e, não o tendo sido nesta sede, porque havia decorrido o prazo para esse efeito, indeferiu a pretensão liminarmente dada a preclusão do direito de praticar o ato.
Após ter sido notificado de tal indeferimento, o recorrente voltou a deduziu a mesma pretensão, com o argumento de que o tribunal a quo não havia apreciado a pretensão.
Numa expressão que o mundo do direito por vezes utiliza em casos semelhantes, o recorrente pretende entrar pela janela porque lhe foi vedado entrar pela porta.
Ora, como também se sabe, o processo, em sentido estrito ou técnico é uma sequência de atos destinado à justa composição de um litígio por uma entidade imparcial de autoridade, o tribunal –, como dizia Castro Mendes, no seu Direito Processual Civil, 1º, pág. 33/34, AAFDL, 1980.
O que no caso dos autos não foi seguido, a parte pretende praticar um ato acerca do qual já foi informada pelo tribunal de que se encontrava precludido o direito de o praticar.
A renovação do pedido, introduz, agora, uma nova realidade.
Tendo o tribunal a quo já apreciado o requerido e tomado uma decisão que transitou em julgado, esgotou o poder jurisdicional para apreciar de novo a mesma questão.
É por esse motivo que a apelação só pode improceder como bem decidiu o tribunal a quo, devendo manter-se o decidido.
Quanto à condenação em multa por litigância e má-fé, deve também manter-se a decisão com os argumentos acima expendidos.
Para além disso, acrescenta-se que as evidências acima descritas são do conhecimento dos ilustres mandatários, mas não das partes, sendo por esse motivo que, em regra, as partes só podem dirigir-se ao tribunal através de uma entidade especialmente qualificada, o seu advogado.
O quadro legal da litigância de má-fé está previsto nos artigos 542.º a 545.º do CPC, sendo que a possibilidade de responsabilizar o infrator está limitada aos casos em que atue com dolo ou negligência grosseira; só quando se mostre preenchido um destes requisitos se pode passar a analisar as ações descritas no texto legal.
A questão agora a decidir é saber se a conduta processual do recorrente é enquadrável num destes conceitos nos seus aspetos de vontade e cognoscibilidade.
Sabendo o recorrente que o direito de se defender por embargos de executado havia precludido e que o tribunal de primeira instância já havia decidido o que lhe foi requerido, em despacho transitado em julgado, o recorrente atuou com negligência grave, pelo que deve ser condenado por litigância de má fé, mantendo-se o decidido também, nesta sede, artigo 542.º/2, a), do CPC.
Sobre a questão cfr. Acórdão do STJ de 18-02-2015, Processo n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1:
I - A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.
II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
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Sumário: (…)
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DECISÃO.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente – artigo 527.º do CPC.
Notifique.
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Évora, 30-03-2023
José Manuel Barata (relator)
Cristina Dá Mesquita
Rui Machado e Moura