Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
Descritores: | OMISSÃO DA DECLARAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS NULIDADE DA SENTENÇA | ||
Data do Acordão: | 06/28/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Deve anular-se - mesmo oficiosamente - o saneador-sentença que conheceu do mérito da causa, mas que se apresenta totalmente omisso dos factos provados e não provados e respectiva análise crítica das provas – deixando o Tribunal Superior sem elementos para apurar da justeza e da bondade da sentença recorrida. | ||
Decisão Texto Integral: | P. 4832/14.4T8ENT-A.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) e mulher (…) e ainda (…) (filha daqueles) instauraram os presentes embargos de executado – por apenso aos autos de execução principais – contra o exequente (…) Banco, S.A., pedindo ao tribunal que, recebidos os mesmos, e após ulterior tramitação, sejam julgados procedentes, por provados, e em consequência determinar-se a absolvição dos executados, da instância e do pedido, no que tange, respectivamente, ao primeiro e ao segundo mútuo, com base em ilegitimidade activa do exequente, a inexequibilidade dos títulos, o benefício de excussão prévia, e o pagamento integral ao banco exequente pela venda/adjudicação do imóvel. Devidamente citado para o efeito veio o exequente/embargado apresentar as suas contestações, impugnando a factualidade articulada pelos embargantes e respondendo às excepções por aqueles deduzidas. Por entender que os autos continham todos os elementos necessários para se conhecer imediatamente do mérito da causa veio o M.mo Juiz “a quo” a proferir saneador-sentença, no qual decidiu julgar integralmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado propostos pelos executados/embargantes, absolvendo o exequente/embargado dos respectivos pedidos contra ele formulados. Inconformados com tal decisão dela apelaram os executados, aqui embargantes, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões: 1 - Os recorrentes, em sede de oposição por embargos alegaram ocorrer, no seu entendimento, uma excepção dilatória, concretamente de ilegitimidade activa do "(…) Banco SA", o qual intentou a execução na qualidade de exequente, alegando ter sucedido ao "Banco (…) SA" na titularidade das obrigações exequendas e respectivas garantias. 2 - Em resposta, o embargado, juntou documentação relativa à criação do "(…) Banco SA", na qual consta a referência em termos genéricos dos activos do "Banco (…) SA", para aquele, sem qualquer alusão expressa aos créditos sobre os executados. 3 - Não bastando para nos elucidar a referência que o Meretíssimo Juiz "a quo", faz ao conhecimento que sobre tal questão foi dada pela comunicação social, pois esta vale o que vale e não supre as deficiências declarativas de outras entidades... 4 - Pelo que também em sede de recurso se defende a ilegitimidade activa do exequente, nos termos do art. 30° nºs 1 e 2, do CPC, cominada como excepção dilatória nos termos do art. 577°, e), do CPC, a qual determina a absolvição da instância, nos termos do art. 576°, nºs. 1 e 2, do mesmo código, tendo a sentença ao não entender assim, violado tais preceitos legais. 5 - Em sede de oposição os ora primeiros recorrentes invocaram a sua ilegitimidade passiva, inexequibilidade do título e impenhorabilidade dos seus bens. 6 - Porquanto a redacção dada a fls. 133 do mútuo celebrado a 17/06/2011 é completamente omissa, além de ser dúbia, quanto à constituição dos primeiros recorrentes como fiadores, principais pagadores e quanto a renunciarem ao benefício da excussão prévia. Tendo sido a mutuária quem, de acordo com a redacção em causa, na primeira pessoa assumiu tais compromissos para si, não podendo a redacção por dúbia e omissa, comprometer os primeiros recorrentes, pois não se encontra sustentação para tanto no texto. 7 - Em face do que, os primeiros recorrentes não têm qualquer responsabilidade no mútuo em causa, no mútuo não consta sequer a sua constituição como devedores solidários daquele. 8 - São constituídos expressamente nessa qualidade, apenas no mútuo celebrado a 22/03/2013. 9 - Porém, ainda que investidos nessa obrigação solidariamente, tal não obsta a que beneficiem da excussão prévia (arts. 638° e sgs do CC) dos bens da mutuária, igualmente executada nos presentes autos. 10 - Sendo certo que em nenhum dos títulos trazidos à execução, consta a constituição dos ora opoentes como fiadores e principais pagadores. 11 - Não deviam ter sido pois, os primeiros recorrentes demandados quanto ao primeiro mútuo, por este não lhes conferir legitimidade passiva, sendo excepção dilatória quanto ao primeiro mútuo, art. 577°, e), do CPC, a qual determina a absolvição da instância, nos termos do art. 576°, nºs. 1 e 2, do mesmo código. 12 - Não podendo quanto ao segundo mútuo executar-se o património dos opoentes ora primeiros recorrentes, sem a prévia excussão (arts. 638° e sgs do CC) dos bens da mutuária. 13 - Verifica-se assim, a inexequibilidade do título quanto ao primeiro mútuo e a impenhorabilidade dos bens dos opoentes, quanto ao segundo mútuo. 14 - O que se alega nos termos dos arts. 729°, a) e c), 784°, n° 1, b), por referência aos arts. 731° e 732°, n° 1, b), todos do CPC. Constituindo excepção dilatória quanto ao primeiro mútuo, art. 577°, e), do CPC, a qual determina a absolvição da instância, nos termos do art. 576°, nºs. 1 e 2, do mesmo Código. 15 - Ao não decidir neste propugnado sentido, a sentença violou os invocados preceitos legais. 16 - A recorrente, (…), em sede de oposição por embargos, alegou que juntamente com o então marido, celebrou em 2006 com o Banco (…) SA, dois mútuos para aquisição de uma moradia sita em S. José da (…), concelho de Coruche, inscrita na matriz sob ao número (…), e hipotecada ao banco mutuante, o qual a avaliou à data, em 310.000,00€. 17 - A avaliação foi da responsabilidade do banco mutuante, que a assumiu como idónea a cumprir o seu desiderato, não só para se garantir em termos de segurança da boa cobrança do crédito, mas também para promover junto dos mutuários a convicção de que o imóvel cobre as responsabilidades resultantes dos créditos concedidos. 18 - Face ao que, entende a recorrente que detém património que deve ser objecto de contabilização mediante o seu valor da avaliação pelo banco para efeitos de concessão dos mútuos, para pagamento da dívida, sendo que o banco mutuante deve receber a propriedade do imóvel em questão pelo valor dessa avaliação, ou outro, se superior, pagando-se do montante em execução, dentro das forças de tal avaliação. Nada mais tendo a recorrente ou os primeiros recorrentes, a pagar relativamente ao crédito dos mútuos. 19 - Entende-se na sentença que o banco não é obrigado a receber o imóvel por dação em cumprimento, mas também nada o impede de receber, nem o tribunal pode abdicar de o determinar, atento o propósito de garantia de tal imóvel, da sua avaliação e da constituição de hipoteca sobre o mesmo. 20 - Salvo o devido respeito, assim se devia ter decidido na sentença. E nesse sentido ora se requer. 21 - Face ao alegado, requerem os recorrentes que, dando-se provimento ao recurso, a sentença recorrida seja revogada e proferida decisão no sentido do propugnado por aqueles. Assim, com o Douto suprimentos de V /Exas. se fazendo Justiça. Pelo exequente, aqui embargado, foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida. Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelos executados, ora embargantes, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões: 1º) Saber se a exequente é parte ilegítima; 2º) Saber se os executados/embargantes (…) e (…) são parte ilegítima; 3º) Saber se se verifica a inexequibilidade do primeiro contrato de mútuo dado à execução e o alegado beneficio da excussão prévia quanto ao segundo contrato de mútuo. Antes de apreciar as questões supra referidas importa desde já ter presente que, como é sabido, as decisões judiciais (sejam elas sentenças ou simples despachos) carecem de ser fundamentadas: assim o impõem, desde logo, o art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível da lei adjectiva ordinária, o art. 154º, nº 1, do C.P.C. Especificamente no que à sentença diz respeito, o art. 607º, nº 3, do C.P.C., ao ocupar-se daquela parte da sentença que designa por “fundamentos”, impõe ao juiz o dever de “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”. Porém, «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» - cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2001, pág. 669; Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, pág. 687; cfr., igualmente no sentido de que «a falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito», Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 48 – sublinhado nosso. Por isso, «a motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso» - cfr., Amâncio Ferreira, ibidem. «Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no nº 3 do art. 659º (607º do actual C.P.C.), e que suportam a decisão» - cfr., Amâncio Ferreira, ibidem e Antunes Varela, ob. cit., pág.688 - sublinhado nosso. Assim sendo, nos termos dos preceitos legais supra referidos, resulta claro que a decisão só estará ferida de nulidade se estiver total e absolutamente desprovida de fundamentação, quer ao nível da descrição da factualidade dada como provada e não provada, quer ao nível do direito aplicado – sublinhado nosso. Ora - como se extrai da decisão sob recurso proferida pelo tribunal “a quo” - tal decisão não enumera, nem contém, quais os factos tidos por provados e não provados, nem tão pouco a respectiva fundamentação da factualidade apurada e não apurada, desrespeitando, desta forma, totalmente, o estipulado no art. 607º, nº 4, do C.P.C. – sublinhado nosso. Na verdade, a tal respeito, a decisão sob censura limita-se, tão só, a afirmar o seguinte: - (…) os factos pertinentes à presente decisão, com interesse para a boa decisão da causa, que se encontram provados, resultam dos documentos juntos aos autos, e/ou daqueles dos quais depende a prova legal/tarifada dos factos respectivos (arts. 347.°, 362.°, 363.°, n.º 2, 364.°, 369.° e 371.° do Código Civil, 3.° do Código do Registo Civil, e 659.°, n.º 3, do Código de Processo Civil), do efeito de caso julgado e/ou autoridade de caso julgado entre as partes, nessa eventualidade (arts. 264.°, n.º 2, 514.°, n.º 2, 497.°, 498.°, do Código de Processo Civil) e/ou o acordo/confissão das partes em sede de articulados e/ou em sede de audiência preliminar julgado juridicamente relevante, estando em causa acção sobre direitos disponíveis (arts. 347.°, 352.° e ss., esp. 352.°, 355.°, 356.° e 358.° do Código Civil, e 490.° e 659.°, n.º 3, do Código de Processo Civil), e de todos aqueles factos que o Tribunal conhece oficiosamente, no exercício das respectivas funções, ao abrigo do disposto nos arts. 264.°, n.º 2, e 514.°, n.º 2, do Código de Processo Civil, normas legais aqui dadas por integralmente reproduzidas, que se mantêm no NCPC. Assim sendo, face à total omissão dos factos tidos por provados e não provados e respectiva análise crítica das provas – cfr. citado art. 607º, nº 4 – que se verifica na decisão sob censura, não tem este Tribunal Superior quaisquer elementos (fácticos) que lhe permitam apurar da justeza e da bondade da sentença recorrida e, nomeadamente, para aferir, concretamente, se o exequente / embargado e/ou os executados / embargantes (…) e (…) são partes ilegítimas, bem como se se verifica a inexequibilidade do primeiro contrato de mútuo dado à execução e o alegado beneficio da excussão prévia quanto ao segundo contrato de mútuo. Daí que, atenta a já mencionada omissão de qualquer factualidade apurada na decisão recorrida, não permitindo – de todo em todo – a sua sindicância por este Tribunal Superior para apreciar devidamente as questões acima referidas suscitadas pelos apelantes, forçoso é concluir que esta Relação tem de anular tal decisão, o que desde já se determina para os devidos e legais efeitos e que, aliás, lhe é permitido pelo estipulado no artigo 662º, nº 2, alínea c), do C.P.C. (cfr. nº 4 do art. 712º do C.P.C. anterior) - cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. da R.L. de 1/7/99, CJ, 1999, Tomo 4º, pág. 90. Em consequência, deverão os autos prosseguir os seus ulteriores termos na 1ª instância, com a prolação de nova decisão, na qual venha a ser fixada, não só a matéria fáctica apurada e a não apurada e a respectiva fundamentação, como também venha a ser efectuado (de novo) o respectivo enquadramento jurídico ao caso dos autos – sublinhado nosso. Decisão: Pelo exposto, ao abrigo do estipulado no art. 662º, nº 2, alínea c), do C.P.C., decide-se julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, anula-se a decisão proferida pelo tribunal “a quo” nos exactos e precisos termos supra explanados. Custas pela parte vencida a final (sem prejuízo do apoio judiciário de que os apelantes são beneficiários). Évora, 28-06-2017 |