Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1162/17.3T8BJA.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
OBRIGAÇÕES
RECUSA
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Existe a obrigação de entrega imediata ao fiduciário de qualquer quantia recebida que integre rendimentos objecto de cessão, por impulso do insolvente e sem necessidade de intervenção directora do Tribunal ou do administrador judicial nomeado para fase de exoneração do passivo restantes.
2 – A gravidade das consequências para o devedor da revogação da exoneração – com a consequente vinculação à satisfação integral de todos os créditos sobre a insolvência – impõem, por aplicação de um princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, que aquela revogação só possa fundamentar-se numa conduta dolosa do devedor que seja causa de um dano relevante para os seus credores, objectivamente imputável àquela conduta, ainda que o fundamento jurídico da decisão esteja indexado à violação do dever de colaboração devido.
3 – A relevância do prejuízo para os credores da insolvência da violação dolosa, pelo insolvente, da sua obrigação de entrega do rendimento disponível, deve aferir-se pelo quantum do valor desse rendimento e do não cumprimento daquele prestação, pelo valor global dos débitos do insolvente, pela natureza dos créditos e pela qualidade dos credores insatisfeitos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1162/17.3T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Cível de Beja – J2
*
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
(…) foi declarada insolvente e requereu o procedimento de exoneração do passivo restante. Ao ser recusada a exoneração do passivo restante, a devedora veio interpor recurso.
*
Por decisão datada de 31/07/2017, foi declarada a insolvência de (…).
*
Foi determinado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
*
Em 26/10/2017, foi admitido liminarmente o incidente de exoneração do passivo e foi fixado como limiar do rendimento disponível individual o valor correspondente a um salário mínimo nacional, acrescido de metade, que em cada momento vigorasse, devendo todo o excedente mensal ser entregue ao fiduciário designado.
*
Após requerimento apresentado pela insolvente, em 05/06/2018, o Tribunal a quo decidiu indeferir a exclusão dos valores a auferir a título de subsídio de férias e de Natal do montante a ceder ao Fiduciário durante o período em que vigorasse a exoneração do passivo restante.
*
Em 09/05/2019, o Fiduciário veio informar que a devedora não procedeu à entrega de quaisquer valores de rendimento disponível, nem apresentou qualquer justificação.
*
Em 26/04/2020, o Fiduciário comunicou aos autos que a devedora não procedeu à entrega de quaisquer montante de rendimento disponível, nem apresentou qualquer justificação.
*
Após requerimento do credor “Banco (…), SA”, em 13/05/2020, o Tribunal determinou a notificação da devedora para se pronunciar e prestar todas as informações que comprovassem o cumprimento das suas obrigações e / ou requerer o que tiver por conveniente, sob pena de a exoneração do passivo restante ser recusada.
*
A devedora veio então manifestar o seu interesse na manutenção da exoneração do passivo restante e juntou os elementos contabilísticos em falta (recibo de vencimento de 2019 e 2020, bem como declaração de IRS de 2019).
*
Analisados esses documentos, o Fiduciário comunicou que a devedora não entregou nos 2 primeiros anos de cessão de rendimentos o montante de € 922,66 e que a mesma foi notificada através do seu Mandatário para proceder à entrega do montante em falta, por transferência para a conta da massa insolvente aberta para o efeito.
*
Após ter sido notificada para se pronunciar, a sociedade “Banco (…), SA” veio reiterar que deveria ser decidida a cessação da exoneração do passivo restante.
*
Em 17/06/2020, a devedora foi notificada para, ao abrigo do princípio do contraditório, justificar a respectiva omissão e / ou requerer o que tiver por conveniente.
*
A devedora nada disse. E, em 02/02/2021, o Fiduciário foi notificado para esclarecer se a devedora procedeu, ou não, à entrega dos rendimentos que deviam ter sido objecto de cessão.
*
Em 03/02/2021, o Fiduciário veio propor a cessão antecipada de exoneração do passivo restante.
*
Em 09/02/2021, o Tribunal a quo concedeu prazo, como última oportunidade de contraditório, para a devedora se pronunciar, justificar a respectiva omissão e / ou requerer o que tiver por conveniente.
*
Em 13/02/2021, através do respectivo mandatário, a devedora informou que tinha dificuldades económicas e requereu a concessão de prazo, não inferior a 30 dias, a fim de reunir competente acervo documental que mais facilmente possa esclarecer a razão de existência do montante em causa.
*
Em 15/02/2021, o requerimento em causa foi deferido e, seguidamente, a 15/04/2021, o Tribunal solicitou que o Fiduciário informasse se a devedora lhe remeteu alguma documentação comprovativa da respectiva situação pessoal e patrimonial.
*
Em 16/04/2021, o Fiduciário comunicou aos autos que a devedora não procedeu ao depósito do montante em falta, nem remeteu qualquer documentação justificativa da respectiva situação pessoal e patrimonial.
*
Em 22/04/2022, o Tribunal deu conhecimento aos restantes sujeitos processuais (devedora e credores) da informação prestada por parte do Fiduciário e para se pronunciarem, no prazo de dez dias.
*
Em 23/04/2022, a devedora pronunciou-se e alegou a existência de dificuldades económicas impeditivas da entrega dos montantes ordenados na decisão de cessão, requerendo que fosse permitido mais algum tempo para o tentar realizar, «sendo que sempre que possa passará a fazer transferências nos montantes que consiga assumir».
Na mesma data, através de requerimento autónomo, a devedora juntou documentação comprovativa da sua situação económica.
*
Em 26/04/2021, o Fiduciário entregou novo relatório anual que mencionava que a devedora durante os três anos de cessão, não procedeu à entrega de qualquer rendimento, estando assim em falta, no final do terceiro ano, o valor de € 1.415,56.
*
Em 19/05/2021, o Juízo Local de Competência Cível de Beja notificou em 19/05/2021 os credores para se pronunciarem sobre a possibilidade de pagamento em prestações e informarem da manutenção do interesse no requerimento de cessação antecipada de 11/05/2020.
*
Em 27/12/2021, o Fiduciário informou que, no quarto ano de cessão, a devedora voltar a não proceder ao envio dos comprovativos de rendimento, nem informou a sua situação profissional, indicando que o montante em falta era de € 1.415,56, relativo aos períodos do primeiro ao terceiro ano.
*
Em 14/01/2022, a devedora foi notificada para proceder a remessa das informações requeridas por parte do Fiduciário quanto aos seus rendimentos e património, bem como situação profissional.
*
Em 31/01/2022, o Fiduciário comunicou aos autos que «a devedora no 4º ano de cessão, não procedeu à entrega de qualquer montante.
Em 31/01/2022, o Ilustre Mandatário da devedora, juntou aos autos os recibos de vencimento, relativos ao 4º ano de cessão, mas a devedora não entregou o rendimento disponível no valor de € 246,50, conforme mapa em anexo.
Quanto ao montante em falta no valor de € 1.415,56, relativo ao período do 1º ao 3º ano, procedeu à transferência para conta bancária da Massa Insolvente, os valores de € 30,00 em Maio de 2021 e € 24,00 em Outubro de 2021.
Face ao exposto, a devedora está em falta na entrega do rendimento disponível, relativo a 4 anos de cessão, no valor total de € 1.608,06».
*
Em 1/02/2022 o Banco (…), SA veio requerer que fosse ordenada a notificação do Insolvente com vista à entrega imediata à Massa Insolvente do montante total indicado no referido relatório, sob pena de requer a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante.
*
Em 22/02/2022, a devedora foi notificada para se pronunciar e requerer o que tiver por conveniente.
*
Em 28/03/2022, foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: «Ante o decurso do tempo e a ausência de resposta, renova-se a notificação determinada na segunda parte do despacho proferido em 22/02/2022, desta feita, não só ao respectivo defensor, mas também pessoalmente à própria devedora».
*
Em 14/03/2022, a devedora veio requerer, pessoalmente, o pagamento da dívida em prestações mensais de € 30,00, por motivo de dificuldade económica.
*
Em 11/05/2022, o Fiduciário veio informar que a devedora não entregou o rendimento disponível no valor de € 1.608,06, relativo a quatro anos de cessão e manifestou-se no sentido de não conceder a exoneração do passivo restante da devedora.
*
Em 04/07/2022, o Tribunal a quo determinou a notificação [através de notificação ao respectivo defensor, mas também pessoalmente à própria devedora], para esta «se pronunciar ou requerer o que tiver por conveniente, especificamente:
a) Da regularização, dos montantes em dívida [€ 1.608,06], a que o Fiduciário alude no parecer apresentado e ante a obrigação a que se encontra adstrita de entrega dos rendimentos objecto de cessão (alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
b) Da prorrogação, ou não, do período de cessão, por referência ao artigo 242.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e respectivas consequências normativas».
*
Encontra-se em falta a quantia total de € 1.608,06, relativo a quatro anos de cessão.
*
Em 19/09/2022, foi proferida a decisão recorrida, que, na parte mais relevante, tinha o seguinte conteúdo:
«(…) Verifica-se, assim, que a insolvente violou o dever imposto pelo disposto no artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
Assim, nos termos dos artigos 243.º, n.º 3 e 244.º do CIRE, não tendo o insolvente, sem motivo razoável, fornecido no prazo fixado, informação que comprove o cumprimento das suas obrigações, recuso a exoneração do passivo restante, liminarmente admitido».
*
A insolvente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões:
«I – O presente recurso visa a impugnação da sentença proferida em 19/09/2022, que recusa a exoneração do passivo restante, inicialmente formulado pela Recorrente aquando da PI de Insolvência e liminarmente admitida em 31/07/2017.
II – Entendimento tido pelo Fiduciário Nomeado e secundado por parte dos credores.
III – Mas com o qual a ora Recorrente não tem como concordar.
IV – O Fiduciário, atenta a elaboração dos relatórios anuais previstos no 240.º/2, do CIRE sempre os produziu de forma incompleta e incompreensível, pouco mais mencionando a falta de entrega da documentação necessária para conhecimento dos rendimentos da Insolvente.
V – Optando, a espaços e face à insistência, por parte da Insolvente, que nunca deixou de assumir a existência de dívidas para com a MI, comunicar as quantias em causa, ainda que não as justificando.
VI – Até o IBAN da conta bancária da MI, não se vislumbrou de obtenção fácil.
VII – Ainda assim e como antedito, solicitou a Insolvente, ao seu Fiduciário, acordo prestacional, visando liquidar esses valores.
VIII – O que por 3 vezes o realizou, cfr. demonstram 3 comprovativos de transferência juntos.
IX – A Insolvente, que nada lucrou, nem enriqueceu pelo facto de se encontrar na presente situação, continua a enfrentar situação de penúria, onde o seu único rendimento é um salário mínimo nacional, decorrente de se encontrar inserida laboralmente, na categoria de auxiliar, em lar de 3.ª idade, em Beja.
X – Mantendo-se a viver de favor, em habitação emprestada, conjuntamente com uma filha menor e suportando sozinha todas as despesas do seu dia-a-dia.
XI – Por outro lado, em jeito de contrição, a Insolvente, que assume não ter entregue parte do seu rendimento disponível ao Fiduciário (episódios que se verificaram aquando de pagamento de subsídios de Natal e/ou de Férias).
XII – Não deixa igualmente de se penitenciar por ter confiado plenamente neste último, acabando por confundir as suas funções com as do Patrono que lhe foi nomeado inicialmente.
XIII – De modo negligente e nunca culposo, passou a Insolvente a responder às solicitações que lhe eram tidas, directamente no processo e sem de tal dar conhecimento ao Patrono Nomeado.
XIV – Tal facto, pode ser explicado primeiro pela baixa escolaridade da Insolvente e depois pelo grau de vergonha que, não poucas vezes, quem atravessa estes processos sofre e, portante, tende a esconder a sua situação.
XV – Só com a notificação da decisão que ora se impugna, a Insolvente percebeu que ainda se podia socorrer Patrono Nomeado.
XVI – Manifestando a total injustiça de quem, a muito custo e solicitando favores perante terceiros, logrou entregar cerca de € 500,00 à Massa Insolvente.
XVII – E teve como recompensa ver-se cerceada do benefício de exoneração do passivo restante.
XVIII – De facto, o único que a Insolvente pretende é ser-lhe permitido prosseguir com o pagamento dos valores em dívida a favor dos credores.
XIX – Entende a Insolvente, que, a decisão ora impugnada, não reflecte culpa da devedora na criação ou agravamento da situação de insolvência, tal como plasmado nos artigos 244.º e 243.º, do CIRE mas, outrossim, um carácter negligente, tido pela mesma.
XX – E sobre o qual esta já prolongada e dolorosamente se arrepende.
XXI – Situações desta génese não são únicas e já decisões superiores, casos da Relação de Coimbra, Acórdão de 7 de Abril de 2016, Processo nº 3112/13.7TJCBR.C1, ou da Relação do Porto, Acórdão de 11 de Novembro de 2017, Processo n.º 1050/13.2TBOAZ.P1, ou dessa própria Relação, em Acórdão de 16 de Maio de 2019, proferida no Acórdão 1203/11.8TBELV.E1, têm vindo a dar segundas oportunidades, a quem, por uma miríade de razões, a vida tem sido castigadora.
XXII – Razão pela qual, se pede a alteração da decisão tida, de não conceder a exoneração do passivo restante, permitindo a prossecução da liquidação das quantias em dívida à MI.
Nestes termos em que e nos melhores de direito, sempre com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser revogado o despacho recorrido no que tange à não concessão do benefício de exoneração do passivo restante, permitindo à Insolvente continuar a liquidar as quantias devidas a favor da Massa Insolvente, seguindo o processo a sua tramitação subsequente.
Modo único de atingir a clamada Justiça».
*
Não houve lugar a resposta.
*
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as conclusões das alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito ao apuramento se deve ser recusada a cessão do passivo restante.
*
III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa decisão da causa constam do relatório inicial quanto à tramitação processual e, bem assim, os seguintes:
1 – A insolvente trabalha como auxiliar no Centro Paroquial e Social do (…) e aufere uma remuneração mensal de valor inferior ao do salário mínimo nacional.
2 – Acrescia a este rendimento, uma pensão de alimentos do progenitor de sua filha à sua filha, no valor de € 150,00 mensais acrescido do valor de € 40,00 como abonos escolares.
3 – Não existem bens imóveis nem viaturas automóveis registados em nome da insolvente.
4 – Não foram encontrados saldos bancários susceptíveis de apreensão.
*
IV – Fundamentação:
4.1 – Considerações gerais sobre a exoneração do passivo:
Como se pode ler no Preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no que respeita aos insolventes singulares, procura-se conjugar de «forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica».
A exoneração do passivo restante constitui uma novidade do nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão (Restschuldbefreiung), determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo[1]. Este instituto é igualmente tributário da Discharge da lei norte-americana (Bankruptcy Code).
O procedimento de exoneração do passivo restante encontra assento nos artigos 235.º a 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com particular enfoque no regime substantivo do instituto da cessão do rendimento disponível provisionado no artigo 239.º[2] do diploma em análise.
A exoneração do passivo restante traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento das condições fixadas no incidente[3] (à data cinco anos). Daí falar-se de passivo restante. Excepcionam-se, contudo, as dívidas abrangidas pela estatuição do n.º 2 do artigo 245.º[4] [5].
Para além das obras genéricas relacionadas com o direito falimentar, sobre a problemática específica da exoneração do passivo restante podem consultar-se as posições de Luís Carvalho Fernandes[6] [7], Catarina Serra[8] [9], Adelaide Menezes Leitão[10] [11], Ana Filipa Conceição[12] [13], Alexandre Soveral Martins[14], Catarina Frade[15], Cláudia Oliveira Martins[16], Francisco de Siqueira Muniz[17], Gonçalo Gama Lobo[18] [19], José Gonçalves Ferreira[20], Mafalda Bravo Correia[21], Maria Assunção Cristas[22], Maria do Rosário Epifânio[23], Paulo Mota Pinto[24] e Pedro Pidwell[25].
*
4.2 – Da decisão recorrida:
A decisão recorrida estriba-se no seguinte premissa: «não tendo o insolvente, sem motivo razoável, fornecido no prazo fixado, informação que comprove o cumprimento das suas obrigações, recuso a exoneração do passivo restante, liminarmente admitido».
As causas que fundamentam a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante vêm estatuídas nas alíneas do n.º 1 do artigo 243.º[26] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A decisão de cessação tem uma especificidade processual nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do presente artigo e isso implica que, antes de emitir decisão, o juiz oiça «o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência».
A alínea a) refere-se a comportamentos do devedor, ocorridos no período de cessão, que envolvam violação dolosa ou com negligência grave das obrigações que lhe são impostas pelas alíneas do n.º 4 do artigo 239.º, desde que daí resulte prejuízo para a realização dos créditos sobre a insolvência[27].
Pergunta-se assim se a violação da obrigação aqui em causa tem a susceptibilidade de integrar a previsão normativa estabelecida nos artigos 243.º, n.º 3, e 244.º[28] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas?
Em situação que entronca com a presente hipótese jurisdicional já escrevemos noutro acórdão proferido que «o eventual incumprimento da obrigação de entrega dos montantes que ultrapassem o salário mínimo mensal apenas pode ser imputado na esfera jurídica dos insolventes. Na realidade, os insolventes estão vinculados a um dever de informação, mostravam-se representados por mandatário forense – mesmo que esta relação tivesse sido interrompida ou que existissem dificuldades de comunicação com o advogado ou com o fiduciário – que, em caso de dúvida, deveria accionar os meios processuais adequados em ordem a perfectibilizar a ordem judicial prévia.
Não está demonstrado nos autos que existisse qualquer erro ou omissão do fiduciário e a obrigação é de depósito e não de mera comunicação de rendimentos»[29].
Existe a obrigação de entrega imediata ao fiduciário de qualquer quantia recebida que integre rendimentos objecto de cessão, por impulso do insolvente e sem necessidade de intervenção directora do Tribunal ou do administrador judicial nomeado para fase de exoneração do passivo restantes.
É fácil constatar que a recorrente incumpriu o dever fundamental de entregar imediatamente ao fiduciário a parte dos rendimentos objecto da cessão, nos termos consagrados pela alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Porém, a jurisprudência constante dos Tribunais Superiores relacionada com a cessação antecipada do instituto da exoneração do passivo restante entende que a procedência da mesma exige a verificação de dois pressupostos: a reiterada existência de negligência grave ou dolo das suas obrigações e desse facto resultar prejuízo efectivo para a satisfação dos créditos.
Como adverte a jurisprudência mais eloquente, «ao não entregar ao fiduciário parte do seu rendimento, o apontado incumprimento não é susceptível de gerar, a se, a cessação antecipada requerida, porquanto esta pressuporia um comportamento doloso daquele, que tivesse sido causa de um dano relevante para os seus credores, e o nexo de imputação deste à conduta daquele»[30].
Concorda-se com a jurisprudência contida neste último aresto quando adianta que o mero incumprimento da entrega de quantias ao fiduciário, por banda do devedor, sem que se apure que o mesmo tenha sido doloso e que tenha causado prejuízo aos credores, não poderá sem mais conduzir à cessação antecipada ou à recusa da exoneração prevenida naquele segmento normativo.
*
Estamos confrontados com dois interesses conflituantes, por um lado, a subsistência dos insolventes e, por outro, a finalidade primária do processo de insolvência que consiste no pagamento dos credores, à custa dos bens e dos rendimentos que deveriam ser canalizados para a massa insolvente.
A exoneração do passivo não se traduz numa faculdade do direito falimentar para o insolvente se libertar, incondicionalmente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações que tem para com os seus credores durante o período de cessão e isso implica que seja encontrado um ponto de equilíbrio entre o ressarcimento desses credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar.
Na situação judicanda, o Juízo Local de Competência Cível de Beja foi pródigo na concessão de oportunidades e foram sucessivas as intervenções processuais da iniciativa do Tribunal no sentido de ser exercido o contraditório e de serem facultados ao decisor os elementos justificativos da falta de entrega da quantia objecto da cessão.
Como elemento inovador e solucionando dissídios jurisprudenciais sobre a interpretação da extensão da obrigação de colaboração contidas no regime precedente, o motivo subjacente à recusa da exoneração consiste no não fornecimento «no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações».
Porém, ainda assim, deve aqui vigorar o princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três sub-princípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)[31].
A actividade interpretativa é levada a cabo por todos os Tribunais como é postulado no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa e, assim, nesta dimensão, devemos recorrer ao critério da interpretação conforme à lei fundamental, à luz do sobredito princípio da proporcionalidade.
Efectivamente, tal como já foi decidido pelos Tribunais Superiores, a gravidade das consequências para o devedor da revogação da exoneração – com a consequente vinculação à satisfação integral de todos os créditos sobre a insolvência – impõem, por aplicação de um princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, que aquela revogação só possa fundamentar-se numa conduta dolosa do devedor que seja causa de um dano relevante para os seus credores, objectivamente imputável àquela conduta[32], ainda que o fundamento jurídico da decisão esteja indexado à violação do dever de colaboração devido.
A relevância do prejuízo para os credores da insolvência da violação dolosa, pelo insolvente, da sua obrigação de entrega do rendimento disponível, deve aferir-se pelo quantum do valor desse rendimento e do não cumprimento daquele prestação, pelo valor global dos débitos do insolvente, pela natureza dos créditos e pela qualidade dos credores insatisfeitos[33].
Numa leitura segundo um critério de razoabilidade e de equidade a relação concretamente existente entre a carga coactiva e repressiva decorrente da medida adoptada – recusa da exoneração – e o peso real da dívida em causa – entretanto, num aparente acto de contrição, existe notícia que foram canalisados mais € 500,00 (quinhentos euros) para o Fiduciário – tem aqui um parâmetro de aparente desproporção, em face das circunstâncias do caso concreto, designadamente na conjugação com os rendimentos auferidos pela requerida (tem um vencimento mensal inferior ao ordenado mínimo e suporta as despesas típicas de qualquer cidadão).
Tendo presente a conclusão XVIII e o sentido do pedido recursal formulado (permitir à Insolvente continuar a liquidar as quantias devidas), por via da aplicação do disposto no artigo 242.º-A[34] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por existir a probabilidade séria de cumprimento, já tendo sido ouvidos os sujeitos processuais[35], prorroga-se o período de cessão por mais 1 (um) ano.
Neste enquadramento, deve prevalecer o padrão da dignidade humana sobre um critério formal do não cumprimento da obrigação de cessão que lhe estava cometida e, assim, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, prorrogando-se o período de cessão por mais 1 (um) ano.

*
V – Sumário:
(…)

*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, prorrogando-se o período de cessão por mais 1 (um) ano.
Sem tributação, atento o disposto no artigo 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 24/11/2022
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões

__________________________________________________
[1] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 320.
[2] Artigo 239.º (Cessão do rendimento disponível), na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro:
1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º
2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada por fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.
[3] Artigo 235.º (Princípio geral):
Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo.
[4] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição (actualizada de acordo com o Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro, e o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 848.
[5] Artigo 245.º (Efeitos da exoneração):
1 - A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º.
2 - A exoneração não abrange, porém:
a) Os créditos por alimentos;
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;
c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;
d) Os créditos tributários e da segurança social.
[6] Luís Carvalho Fernandes, La exoneración del passivo restante en la insolvência de personas naturales en el Derecho Português, Revista de Derecho Concursal y Paraconcursal, n.º 3-2005.
[7] Luís Carvalho Fernandes, A exoneração do passivo restante na insolvência das pessoas singulares no Direito Português, in Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Colectânea de estudos sobre a insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, págs. 275 e seguintes.
[8] Catarina Serra, As funções do Direito da Insolvência no âmbito de life time contracts (breve reflexão), in Nuno Manuel Pinto Oliveira e Benedita McCrorie (coordenação), Pessoa, Direito e direitos, Braga, Direitos Humanos – Centro de investigação Interdisciplinar, Escola de direito da Universidade do Minho, 2016.
[9] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 556 e seguintes.
[10] Adelaide Menezes Leitão, Pré-condições para a exoneração do passivo restante – Anotação ao Ac. do TRP de 29.9.2010, Proc. 995/09”, Cadernos de Direito Provado, 2011, 35, págs. 65 e seguintes.
[11] Adelaide Menezes Leitão, Insolvência de pessoas singulares: a exoneração do passivo restante e o plano de pagamentos: as alterações da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, in AA. VV. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs. 509 e seguintes.
[12] Ana Filipa Conceição, Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, in I Congresso de Direito da Insolvência.
[13] Ana Filipa Conceição, A jurisprudência portuguesa dos tribunais superiores sobre exoneração do passivo restante – Breves notas sobre a admissão da exoneração e a cessão de rendimentos em particular”, Julgar on line, Junho de 2016.
[14] Alexandre Soveral Martins, A reforma do CIRE e as PMEs”, Estudos de Direito da Insolvência, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 15 e seguintes.
[15] Catarina Frade, O perdão das dívidas na insolvência das famílias, In Ana Cordeiro Santos (coordenação) Famílias endividadas: uma abordagem de economia política e comportamental. Causas e Consequências, Almedina, Coimbra, 2015.
[16] Cláudia Oliveira Martins, O procedimento de exoneração do passivo restante – controvérsias jurisprudenciais e alguns aspectos práticos, Revista de direito da Insolvência, 2016, ano 0, págs. 213 e seguintes.
[17] Francisco de Siqueira Muniz, O sobre-endividamento por créditos ao consumo e os pressupostos de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante no processo de insolvência, Estudos do Direito do Consumidor, 2017, n.º 12, págs. 337 e seguintes.
[18] Gonçalo Gama Lobo, Da exoneração do passivo restante, in Pedro Costa Azevedo (coordenação), Insolvência, Volume especial, Nova Causa, 2012.
[19] Gonçalo Gama Lobo, Exoneração do passivo restante e causas de indeferimento liminar do despacho inicial, in Catarina Serra (coordenação), I Colóquio do Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 257 e seguintes.
[20] José Gonçalves Ferreira, A exoneração do passivo restante, Coimbra Editora, Coimbra, 2013.
[21] Mafalda Bravo Correia, Critérios de fixação do rendimento indisponível no âmbito do procedimento de exoneração do passivo restante na jurisprudência e na conjugação com o dever de prestar alimentos, Julgar, 2017, 31, págs. 109 e seguintes.
[22] Maria Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, edição especial, 2005.
[23] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
[24] Paulo Mota Pinto, Exoneração do passivo restante: fundamento e constitucionalidade, in Catarina Serra (coordenação), III Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 175 e seguintes.
[25] Pedro Pidwell, Insolvência de pessoas Singulares. O “Fresh Start” – será mesmo começar de novo? O fiduciário. Algumas notas”, revista de Direito da insolvência, 2016, págs. 195 e seguintes.
[26] Artigo 243.º (Cessação antecipada do procedimento de exoneração), na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
1 - Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respetiva prova.
3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
4 - O juiz, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.
[27] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 867.
[28] Artigo 244.º (Decisão final da exoneração), na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro:
1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, o juiz decide, nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão, sobre a respetiva prorrogação, nos termos previstos no artigo 242.º-A, ou sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor.
2 - A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
3 - Findo o prazo da prorrogação do período de cessão, se aplicável, o juiz decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante nos termos dos números anteriores..
[29] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/12/2019, consultável em www.dgsi.pt.
[30] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/04/2019, publicado em www.dgsi.pt.
[31] Neste sentido, podem ser consultados acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2 de Maio, n.º 632/2008, de 23 de Dezembro e n.º 360/2016 de 8 de Junho de 2016, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/ acordaos/.
[32] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2014, pesquisável em www.dgsi.pt.
[33] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2014, pesquisável em www.dgsi.pt.
[34] Artigo 242.º-A (Prorrogação do período de cessão):
1 - Sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 243.º, o juiz pode prorrogar o período de cessão, até ao máximo de três anos, antes de terminado aquele período e por uma única vez, mediante requerimento fundamentado:
a) Do devedor;
b) De algum credor da insolvência;
c) Do administrador da insolvência, se este ainda estiver em funções; ou
d) Do fiduciário que tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, caso este tenha violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, sendo oferecida logo a respetiva prova.
3 - O juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão, e decretar a prorrogação apenas se concluir pela existência de probabilidade séria de cumprimento, pelo devedor, das obrigações a que se refere o n.º 1, no período adicional.
[35] Conforme despacho datado de 04/07/2022 que colocou em alternativa a possibilidade de prorrogação ou de recusa da exoneração do passivo, optando por esta última, circunstância que motivou o presente recurso. Em sede impugnação por via recursal, os restantes sujeitos processuais envolvidos optaram por legitimamente não apresentar resposta, mas existiu novamente a possibilidade de exercício do contraditório relativamente a este assunto.