Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
625/12.1TBLL-C.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
VENDA EXECUTIVA
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O direito de retenção caduca com a venda executiva do bem sobre o qual aquele direito incidia;
2 - O que se verifica ainda que o direito de retenção só venha a ser judicialmente reconhecido, em ação declarativa de condenação em que se aprecie a relação contratual decorrente do contrato-promessa, em data posterior à da venda operada no processo executivo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargante de Terceiro: (…)

Recorridas / Embargadas: (…), SA e (…), SA

Os presentes autos consistem em embargos de terceiro deduzidos com vista a fazer valer o direito de crédito e o direito de retenção, judicialmente reconhecidos, sobre fração autónoma penhorada e vendida no âmbito da ação executiva que (…), SA move contra (…), SA.

II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferido saneador sentença julgando os embargos de terceiro totalmente improcedentes por intempestividade na dedução dos embargos e, bem assim, por ter caducado o direito de retenção com a venda executiva da fração autónoma em causa.

Inconformada, a Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a procedência dos embargos. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A) A venda judicial não prejudica nem faz caducar o direito de retenção reconhecido sobre o bem objeto daquela venda.
B) O direito de retenção é oponível ao anterior proprietário e a todos quanto, independentemente da causa, lhe sucederem naquela titularidade.
C) Os embargos são o meio apto e adequado a reagir contra os fatos que consubstanciem a iminente violação daquele direito de retenção.
D) Os embargos apresentados pela apelante foram-no, em tempo.
E) Os embargos deverão ser julgados procedentes.»

Em contra-alegações, a Recorrida (…), SA pugna pela manutenção da decisão recorrida, considerando a falta de fundamento dos argumentos esgrimidos em sede de recurso.

Assim, atentas as conclusões da alegação de recurso, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], são as seguintes as questões a decidir, salvo prejudicialidade decorrente do anteriormente apreciado[2]:
- da tempestividade dos embargos de terceiro;
- do direito a embargar de terceiro.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância, que não foram impugnados em sede de recurso:

1. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. 14 a 16 destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato Promessa de Compra e Venda. Entre: Primeiro Outorgante, na qualidade de Promitente Vendedora: “(…), Lda.” (…) neste acto representada pelo seu procurador com poderes para o acto Exmo. Sr. Dr. (…) de ora em diante designado por “PV”; E Segunda Outorgante, na qualidade de Promitente Compradora: (…) adiante designado por “PC”; Considerando: 1. Que a “PV” é proprietária de uma fracção, sita no (…) Golf (…), nº 112 (Lote 6.2/1/2), r/c, Esquerdo, correspondente à fração “M”, freguesia de Vilamoura, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o artº (…), da mesma freguesia e inscrito sob a matriz urbana nº (…) 3. Que as negociações em curso com vista ao distrate da hipoteca que incide sobre o imóvel identificado no ponto 1, ainda não estão concluídas, a “PV” autoriza a entrega das chaves e ocupação da fração a que corresponde o r/c Esquerdo pela “PC”. Tendo em vista os considerandos supra enumerados e essenciais para este contrato, é celebrado o presente Contrato Promessa de Compra e Venda. Cláusula Primeira. Pelo presente contrato a “PV” promete vender à “PC”, e esta promete comprar, livre de ónus ou encargos, a fracção autónoma destinada a habitação, correspondente ao r/c esquerdo, com parqueamento na cave designado pela letra “M”, conforme planta apresentada na primeira folha anexa. Cláusula Segunda. O preço global da prometida compra é de € 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros), que será pago nas seguintes condições: a) A título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 125.000,00 € (cento e cinte e cinco mil euros) entregues nesta data, considerando-se como prestada a respectiva quitação pela “PV”, b) O remanescente do preço, isto é € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), será entregue no acto de assinatura da escritura pública de compra e venda. Cláusula Terceira. A escritura pública de compra e venda ocorrerá no prazo máximo de 60 (sessenta) dias após a assinatura do CPCV. A escritura será efectuada em Cartório Notarial, ou através do sistema Casa Pronta, em dia e hora a marcar pela “PC” que notificará o “PV” por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias. Cláusula Quarta. O incumprimento do presente contrato-promessa, por parte do “PC” implicará para este a perda do sinal. O incumprimento do presente contrato-promessa por parte da “PV” terá como consequência a restituição do sinal em dobro e o reconhecimento do direito de retenção a favor do “PC” (…) Cláusula Sétima. Este contrato promessa, conjuntamente com os seus anexos, traduz e constitui o integral acordo celebrado entre as partes, só podendo ser modificado por documento escrito e assinado por ambos. Cláusula Oitava. Ambos os outorgantes declaram prescindir do reconhecimento notarial das suas assinaturas no presente contrato, para efeitos do disposto no número 3 do artigo 410º do Código Civil, renunciando em consequência, ao direito de invocar a nulidade do presente contrato. Cláusula Nona. Em caso de incumprimento do presente contrato por causa imputável ao “PV”, a “PC” poderá optar pela execução específica do contrato, nos teros do artº 830º do Código Civil e demais legislação aplicável (…) Cláusula Décima Primeira. Declaram as partes estarem de acordo com todas as cláusulas deste Contrato Promessa de Compra e Venda e terem conhecimento e darem a sua aquiescência expressa a todas as considerações que as antecedem, o qual é feito em duplicado e assinado por ambas as partes, em Lisboa, ficando um dos exemplares na posse de cada uma das partes. Feito em dois exemplares em 2 de Janeiro de 2012. Pela Promitente Vendedora (…) O Promitente Comprador (…)”;
2. (…) intentou contra «(…), Lda.» ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, a qual corre termos sob o nº 976/14.0TBLLE em cuja petição inicial, além do mais, se pode ler: “O pedido. Neste termos, e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá requer seja julgada procedente, por provada, a presente ação e, em consequência seja: a) a R condenada a pagar-lhe a quantia global de € 265.000,00 correspondendo € 250.000,00 ao dobro do sinal prestado e € 15.000,00 ao valor das benfeitorias realizadas; b) a R condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia de € 265.000,00 desde a citação e até efetivo e integral pagamento; e, ainda, c) reconhecido à A. o direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra M do prédio descrito sob o nº (…) da freguesia de Quarteira até efetivo e integral pagamento pela R ou quem lhe possa vir a suceder das quantias em que venha a ser condenada…”;
3. Nos autos nº 976/14.0TBLLE foi proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora em 03 de Dezembro de 2015 douto acórdão, no qual, além do mais, se pode ler “Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se, em parte, sentença recorrida e condena-se a ré: a) a pagar à autora a quantia de € 250.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescida de juros de mora; à taxa legal desde a citação; b) a reconhecer a existência à autora do direito de retenção sobre a fração autónoma em causa nos autos, pelo crédito referido em a). Custas por apelante e apelada na proporção do respectivo decaimento. Évora, 03 de Dezembro de 2015 (…) Mata Ribeiro. (…) Sílvio Teixeira de Sousa (…) Rui Machado e Moura…”;
4. Em 01 de Março de 2012 a exequente, então com a denominação social “(…) – Banco Internacional do (…), S. A» intentou contra «(…), Lda.» e (…) a execução de que estes embargos de terceiro constituem apenso, a qual corre termos sob o nº 625/12.1TBLLE;
5. Nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE foram penhoradas a frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z” e “AA” do prédio urbano sito em (…), Lote 6.2.1/2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº (…)/19980402 e inscrito na matriz sob o artigo (…), penhora registada pela Ap. (…) de 25 de Outubro de 2013;
6. O senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 19 de Dezembro de 2014 afixou na fração autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano sito em (…), Lote 6.2.1/2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº (…)/19980402 e inscrito na matriz sob o artigo (…), o escrito denominado “Edital – Imóvel penhorado”;
7. Nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE no dia 12 de Maio de 2015 realizou a diligência de abertura de propostas em carta fechada, e relativamente à fração autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano sito em (…), Lote 6.2.1/2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº (…)/19980402 e inscrito na matriz sob o artigo (…), foi apresentada uma proposta de aquisição por parte do exequente, então denominado «(…) – Banco (…), S. A» no valor de 269.800,00 €, a qua foi aceite pelo Tribunal, adjudicando a dita fração autónoma ao exequente;
8. A Embargante (…) apresentou nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 15 de Junho de 2015 um requerimento com a referencia CITIUS 19909270, onde refere que teve conhecimento da venda da fração autónoma ao exequente e alega que é promitente-comprador e possuidor da referida fração autónoma e que já tinha dado conhecimento desses factos ao senhor Agente de Execução;
9. Na mesma data a Embargante apresentou nos autos de execução os requerimentos com as referências CITIUS 19909376 e 19909436;
10. A Embargante (…) apresentou nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE, no dia 30 de Junho de 2015 um requerimento com a referência CITIUS 20048200 onde refere que a fração autónoma designada pela letra “M” de que é promitente-comprador e possuidor foi adjudicada ao exequente e que no dia 17 de Junho de 2015 o senhor Agente de Execução e os representantes do exequente se tinham dirigido à referida fração autónoma fazendo-se acompanhar de uma empresa de arrombamentos e fechaduras, deixando na caixa do correio o aviso de que iriam proceder ao arrombamento no dia 01 de Julho;
11. O senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução n.º 625/12.1TBLLE no dia 16 de Junho de 2015 deslocou-se à fração autónoma designada pela letra “M” para proceder à entrega da mesma ao exequente mas não o fez por não se encontrar ninguém presente, deixando aviso de que a entrega seria efetuada no dia 01 de Julho de 2015;
12. No dia 01 de Julho de 2015 o senhor Agente de Execução nomeado nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE no dia 16 de Junho de 2015 deslocou-se à fração autónoma designada pela letra “M” para proceder à entrega da mesma ao exequente mas não o fez porque no local estava a ora Embargante que exibiu um contrato promessa de compra e venda;
13. Em 31 de Dezembro de 2015 o Tribunal proferiu despacho nos autos de execução nº 625/12.1TBLLE determinando a notificando da ora Embargante (…) para que em 20 dias proceder à entrega da fração autónoma livre de pessoas e bens, bem como das respetivas chaves, sob pena de ser autorizada a solicitação da força pública para investir o exequente na posse da referida fração;
14. A Embargante (…) foi notificada do despacho referido em 13), na pessoa do seu ilustre mandatário em 03 de Fevereiro de 2016 e na sua própria pessoa em 03 de Fevereiro de 2016;
15. O senhor Agente de Execução emitiu o título de transmissão da fração autónoma denominada pela letra “M” a favor do exequente, então denominado «(…) – Banco (…), S. A», que registou a aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial, pela Ap. (…) de 2015/05/18;
16. Os presentes embargos de terceiro deram entrada em juízo em 17 de Fevereiro de 2016.

B – O Direito

Nos termos do disposto no art. 754.º do CC, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Conforme determina o art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, o promitente-comprador que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido goza de direito de retenção sobre essa coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º do CC.

O direito de retenção é, assim, uma garantia real que se destina a garantir um direito obrigacional daquele que, estando adstrito à entrega da coisa retida, sendo devedor, é simultaneamente credor daquele a quem deve a restituição, ou seja, consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem a pode exigir enquanto esta não cumprir uma obrigação a que está adstrita para com aquela.

Está, pois, afirmada a relatividade do direito de crédito que o direito de retenção se destina a garantir – dirige-se apenas e só contra o promitente-vendedor faltoso; donde, o direito de retenção só a este é oponível, apenas pode ser invocado contra o promitente-vendedor se e enquanto este se recusar a cumprir as obrigações decorrentes do seu incumprimento do contrato promessa para com o promitente-comprador.

Como direito real de garantia, e uma vez que os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerem – art. 824.º, n.º 2, do CC – o direito de retenção caduca com a venda executiva.[3] É que, com a venda operada no processo executivo, «os direitos de garantia caducam todos; os direitos de gozo só caducam se não tiverem um registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, ou seja, anterior à mais antiga destas garantias.»[4]

Ora, a penhora realizada em sede do processo executivo para pagamento de quantia certa, em execução do património do devedor por a obrigação não ter sido voluntariamente cumprida, consiste no ato destinado a afetar concretos bens do devedor à satisfação da dívida exequenda e demais créditos que venham a ser reclamados. O pagamento alcança-se pela entrega em dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação de rendimentos ou pelo produto da respetiva venda – art. 795.º, n.º 1, do CC. Por conseguinte, a penhora tem em vista a afetação do bem penhorado ou do respetivo produto ao pagamento da dívida exequenda de demais créditos reclamados.

Por via disso, são incompatíveis com a penhora os direitos que venham a extinguir-se com a venda executiva. O que legitima o respetivo titular, que não seja parte na ação executiva, a fazê-lo valer mediante embargos de terceiro – cfr. art. 342.º, n.º 1, do CPC.

Não é, no entanto, pacífico que o retentor tenha direito a embargar de terceiro, opondo-se à penhora do objeto da retenção. Sustenta-se que «os embargos de terceiro constituem o meio processual adequado para que se viabilize o direito de retenção a quem assistir a faculdade de peticionar a execução específica, sem necessidade de reclamar o seu crédito em execução tendente à venda da coisa retida.»[5] Em sentido diverso, sustenta-se que «não podem embargar de terceiro todos aqueles a quem a lei confere a possibilidade de fazerem valer os seus direitos por outra via; o credor que goza de direito de retenção sobre a coisa apreendida judicialmente só tem direito de reclamar o seu crédito e fazer, aí, valer a sua garantia real.» [6]

Apresenta-se, no entanto, consolidado o entendimento de que o direito de retenção reconhecido ao promitente-adquirente nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 755.º do Código Civil se destina a garantir os créditos que para ele emergem do incumprimento definitivo do contrato-promessa pela contraparte, ou seja, nos termos do art. 442.º do Código Civil, o dobro do sinal prestado ou o valor da coisa traditada, calculado nos termos aí previstos.[7] O direito de retenção existe para garantir o crédito gerado pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa, e não para garantir o crédito à prestação de facto ou seja, o uso ou fruição da coisa.
O direito de retenção, como qualquer outro direito real de garantia, extingue-se com a venda executiva, passando a incidir sobre o produto da venda (cfr. art. 824.º, n.ºs 2 e 3, do CC) desde que o respetivo credor garantido tenha reclamado o seu crédito na execução. Assim sendo, o direito de retenção titulado pelo promitente-comprador não é oponível à penhora, ou seja, não obsta à efetivação ou subsistência de penhora incidente sobre o imóvel que lhe tenha sido entregue pelo promitente-vendedor, ora executado, no âmbito do contrato-promessa. Por conseguinte, a penhora mantém-se, e a nomeação do retentor como depositário (até à venda executiva do imóvel) só sucederá se o direito de retenção for reconhecido com base em incumprimento contratual judicialmente verificado (cfr. art. 756.º, n.º 1, alínea c), do CPC).


Assim, o direito de retenção sobre imóvel confere ao seu titular o direito de executar a coisa nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (n.º 1 do art. 759.º do CC), ou de invocar o seu direito em execução instaurada contra o devedor por terceiro, no âmbito do concurso de credores, meio através do qual é assegurada a sua posição jurídica (cfr. arts. 786.º e ss do CPC).[8]

Feito este breve enquadramento jurídico da posição do retentor em face do processo executivo que incide sobre o objeto retido, importa analisar as questões concretamente colocadas nesta instância de recurso.

Os embargos foram tempestivamente deduzidos? Não foram.

Nos termos do disposto no art. 344.º, n.º 2, do CPC, «o embargante deduz a sua pretensão, (…), nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados (…)»

A admitir-se a dedução de embargos pela titular do direito de retenção judicialmente reconhecido, a atuação teria de operar-se como reação à penhora do bem retido. Por um lado, à data da dedução dos embargos, e como bem se salienta na sentença recorrida, já há muito que tinha decorrido o prazo de 30 dias desde a data do conhecimento da diligência pela embargante. Por outro lado, à data da dedução dos embargos, tinha já tido lugar a venda do bem mediante abertura de propostas em carta fechada, com adjudicação do bem ao exequente.

Logo, os embargos são intempestivos à luz do citado art. 344.º, n.º 2, do CPC.

Acresce que a venda executiva implicou na caducidade do direito de retenção que incidisse sobre o bem objeto da venda. O que não é colocado em causa pela circunstância de tal direito ter sido judicialmente reconhecido em data posterior. Na verdade, trata-se de decisão judicial que apreciou a relação creditícia estabelecida entre promitente-vendedor (o devedor na execução) e promitente-compradora, pronunciando-se sobre os efeitos jurídicos decorrentes das atuações de cada uma dessas partes contratantes, não contendendo com a dinâmica do processo executivo nem com as decorrências dos atos nele praticados. Por conseguinte, o reconhecimento judicial de que à promitente-compradora assistia o direito de retenção sobre o objeto do contrato-promessa não faz renascer tal direito se, por acaso, entretanto caducou por força do regime inserto no art. 824.º, n.º 2, do CC, aquando da venda executiva do bem retido.

Não resta, pois, outra sorte ao recurso que não seja a improcedência, confirmando-se a decisão proferida em 1.ª Instância.

As custas recaem sobre a Recorrente – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Concluindo:
- são sempre intempestivos os embargos de terceiro deduzidos após a venda ou adjudicação dos bens que foram objeto de penhora;
- o direito de retenção caduca com a venda executiva do bem sobre o qual aquele direito incidia;
- o que se verifica ainda que o direito de retenção só venha a ser judicialmente reconhecido, em ação declarativa de condenação em que se aprecie a relação contratual decorrente do contrato-promessa, em data posterior à da venda operada no processo executivo.

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 28 de Junho de 2018
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] Art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2, do CPC.
[3] Acs. STJ de 12/02/2004 (Quirino Soares), 08/10/2013 (Fonseca Ramos), entre outros.
[4] Pires de Lima e Antunes varela, CC Anotado, II vol. 3.ª edição, p. 99.
[5] Ac. STJ de 20/01/1999 (Noronha do Nascimento).
[6] Ac. STJ de 26/06/2001 (Silva Paixão).
[7] Remédio Marques, Curso de processo executivo comum à face do Código revisto, 2000, p. 331, nota 934; Luís Miguel de Andrade Mesquita, Apreensão de bens em processo executivo e oposição de terceiro, 2.ª edição, 2001, p. 170 e 171; João Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, 12.ª edição, 2007, p. 178 e 182; L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência, in Cadernos de Direito Privado, n.º 33, Janeiro/Março de 2011, p. 4; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 5.ª edição, 2009, p. 283, nota 24; Acs. STJ, de 04/12/2007; STJ 08/10/2013; STJ 04/02/2014; STJ 30/04/2015.
[8] Cfr., entre muitos outros, Ac. TRL de 17/03/2016 (Jorge Leal).