Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
37/18.3T8OLH.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
RENDA CONDICIONADA
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Na sequência da missiva do senhorio a que alude art.º 30.º do NRAU (na versão da Lei nº 31/2012, de 14.8.) tendente a operar a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e a proceder à actualização da renda, ainda que o inquilino não tenha chegado a afirmar expressamente que dissentia do valor de renda proposto ou à transição do contrato para o NRAU, a junção da certidão na qual o serviço de finanças atesta que foi pelo mesmo “requerida a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (…) e, bem assim, que a mesma é emitida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto(…)” conduz a que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, a entenda como uma refutação do valor proposto e reclamação pela aplicação do regime previsto no art.º 35º;

II- É que desde que o RABC do agregado familiar do arrendatário seja inferior a cinco RMNA, o aumento da renda é condicionado pelo valor desse mesmo RABC.

III- Ademais tal resposta do inquilino não se enquadra – nem pode enquadrar – no disposto no nº6 do art.º 31ºque pressupõe a ausência de qualquer resposta.

IV- Ao aprestar-se a enviar tempestivamente, por correio registado com aviso de recepção certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao Rendimento Anual Bruto Corrigido do seu agregado familiar, o inquilino deu cumprimento ao disposto na alínea a) do nº4 do art.º 31º do NRAU, na redacção constante da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.

V- Por consequência, quer a actualização da renda , quer a transição imediata do contrato para o regime do NRAU que foi comunicada pelo senhorio cedem perante a aplicação do regime previsto no citado art.º 35.º do NRAU (sumário do relator).

Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1. C…, Lda., intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra J… pedindo seja declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo ao imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, com o consequente despejo imediato do Réu do arrendado, com vista à sua entrega à Autora livre e devoluto, e o Réu condenado a pagar, à mesma Autora, a quantia de €4.125,00, a título de rendas vencidas e não pagas, bem como as que se vencerem até à efectiva entrega do arrendado, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

Alegou, para tanto e em síntese, ser proprietária do prédio urbano identificado no artigo 1.º da petição inicial, o qual, por contrato escrito datado de 11.06.1986, foi dado de arrendamento ao Réu, pelo anterior proprietário, para habitação daquele, com início em 01.07.1986, e mediante o pagamento da renda mensal de 2.500$00, que fruto das sucessivas actualizações se cifra em €50,00 pelo menos desde 2012.
Referiu também que, por comunicação de 07.03.2013 por carta registada com aviso de recepção, fez transitar o contrato de arrendamento em apreço para o NRAU, com uma duração do contrato de 5 anos e renda de €75,00 mensais, por o Réu não ter rejeitado tal transição e montante de renda proposto, não tendo, contudo, o Réu pago qualquer das rendas que se venceram desde o mês de Junho de 2013.
Acrescentou, ainda, ter o Réu construído, sem autorização da Autora, nas imediações do arrendado, um abrigo para automóvel e um pavilhão para criação de pombos, e que deposita grandes quantidades de lixo, restos de máquinas e ferro velho no terreno que circunda o imóvel arrendado, o que proporciona abrigo a ratos e outros animais, maus cheiros, riscos de doença e de incêndio, levando a reclamações dos vizinhos.
O Réu apresentou contestação , excepcionando o pagamento de todas as rendas através de depósito na C… em nome da Autora, atenta a recusa desta, através do seu representante V…, em receber as rendas como até então, refutando a transição do contrato de arrendamento para o NRAU com a duração de 5 anos e renda mensal de €75,00, por ter exercido o seu direito de resposta em prazo, informando que requereu certidão do Rendimento Anual Bruto Corrigido à Autoridade Tributária.
Quanto às alegadas construções feitas pelo Réu, alegou que nunca o anterior proprietário se opôs, nem a Autora, até agora, desconhecendo quem colocou lixo e “ferro velho” no terreno adjacente, não tendo sido o Réu.

Procedeu-se à realização da audiência final, vindo subsequentemente a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu o Réu de todos os pedidos formulados pela Autora.

2. É desta sentença que, descontentada, recorre a Autora formulando na sua apelação as seguintes conclusões:

i- Os procedimentos legais destinados a fazer transitar para o NRAU os contratos de arrendamento bem como a respectiva actualização de renda dependem de forma escrita e obedecem aos requisitos previstos nos arts 30º a 36º do NRAU (Lei 6/2006 na sua actual redacção).

ii- A senhoria ora recorrente tomou a iniciativa de fazer transitar para o NRAU o contrato de arrendamento celebrado com o R mediante carta registada com A/R, datada de 07 de Março de 2013 propondo contrato a prazo certo com a duração de 5 anos e a renda mensal de 75,00€, cumprindo todos os demais requisitos exigidos pelo art.º 30 do NRAU na redacção vigente ao tempo.

iii- O arrendatário, por carta datada de 25 de Março de 2013 acusou a recepção da carta da A e referiu que pediu uma certidão à autoridade Aduaneira e que “logo que a mesma esteja na sua posse dirá o que tiver por conveniente”.

iv- A carta do R de 25 de Março de 2013 é uma declaração escrita que tem que ser interpretada nos termos do art. 236 e 238 do Cod. Civil com o sentido que um declaratário normal o entendesse, não podendo valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no seu respectivo texto.

v- A declaração em causa é totalmente omissa relativamente a qualquer das alíneas dos nºs 3 e 4 do art. 31º do NRAU sobre as quais se podia e devia pronunciar, designadamente não se opõe ao valor da renda proposta, não se pronuncia sobre o tipo e duração do contrato proposto, nem alega que o RABC do seu agregado familiar fosse inferior a cinco RMNA.

vi- O prazo para o arrendatário se pronunciar sobre as propostas do senhorio relativamente ao tipo e duração do contrato bem como a renda proposta e ainda para poder alegar que o seu agregado familiar auferia um RABC inferior a 5 RMNA é de 30 dias a contar da comunicação da proposta do senhorio nos termos previstos no art. 31º nº 1 do NRAU.

vii- O R na carta que enviou à A datada de 25-03-2013 não se pronunciou sobre as propostas do senhorio relativamente ao tipo, duração do contrato e renda propostos, nem alegou que o seu agregado familiar auferia um RABC inferior a 5 RMNA, valendo a falta de resposta como aceitação do tipo de contrato, sua duração e montante da renda propostos, ficando o contrato submetido ao NRAU (art. 31º nº 10 do NRAU.

viii- Apesar do o R ter comunicado à A que logo que estivesse na posse da certidão da AT diria o que tivesse por conveniente, o certo é que após ter recebido tal certidão, em 6 de Setembro de 2013 nada disse à A sobre o que tinha por conveniente, não se pronunciou sobre as alíneas do nº 3 do art. 31º do NRAU nem invocou qualquer das circunstancias previstas no nº 4 da mesma disposição legal, sendo certo que também já não o poderia fazer atento o disposto no nº1 do artigo 31º do NRAU.

ix- O contrato de arrendamento transitou para o NRAU desde 1 de Julho de 2013 com o prazo certo de 5 anos e a renda mensal de 75,00€ (artigo 31º nº10 do NRAU).

x- O R não pagou no mês de Julho de 2013 e nos seguintes a renda de 75,00€ que era devida.

xi- O R depositou 50,00€ na C… no dia 9 de Julho de 2013 para pagamento da renda desse mês mas tal deposito não é liberatório por a renda ser de 75,00€, mas mesmo que fosse de 50,00€ também não era liberatório por ter sido depositado fora de prazo (art. 1039º do Cod. Civil), e nem tampouco foi comunicado ao senhorio (art. 19º da NRAU).

xii- O deposito da indemnização de 50% efectuado pelo Reu em 26.04.2018 relativamente à renda depositada no dia 9 de Julho de 2013 não afasta a mora das rendas subsequentes (art. 1041º nº 3 e 4 do Cod. Civil) enquanto relativamente a elas o locatário não oferecer ao senhorio o pagamento da respectiva indemnização pelo mora (art. 1041º nº 3 e 4 e 1042º do Cod. Civil).

xiii- O contrato de arrendamento celebrado entre A e R destinava-se à habitação deste e não comporta qualquer autorização para o mesmo proceder a obras no exterior do local arrendado.

xiv- A A alegou e provou que o R construiu no exterior do local arrendado um pavilhão para criação de pombos e um abrigo para veículo automóvel nos termos que as respectivas fotografias documentam (factos provados 17 e 18) como era seu ónus, sendo ónus do Reu alegar e provar que não executou tais obras ou que as mesmas lhe foram autorizadas pelo senhorio, o que não logrou provar.

xv- O R incumpriu o contrato de arrendamento ao não pagar durante mais de 3 meses a renda devida e ao efectuar obras que se não provou terem sido autorizadas o que constitui fundamento para resolução do contrato de arrendamento previsto no art.º 1083º nº 2 al. a), b) e nº 3 do Cod. Civil.

xvi- Na douta sentença recorrida mostram-se violadas, por não aplicadas as disposições conjugadas dos artigos 19º nº 1 e 31º nº 10 do NRAU, artigos 236º, 238º, 1039º, 1041º, 1083º nº 1 e 2 todos do Cód. Civil.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável a suprir doutamente por V. Exas. deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por uma outra que, julgando a acção procedente, declare resolvido o contrato de arrendamento decretando o despejo do local arrendado, com o que se fará a costumada J U S T I Ç A”.

3. Não houve contra-alegações.

4. O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa proceder à reapreciação da decisão jurídica do caso abordando as seguintes questões:

- Do procedimento de transição do contrato de arrendamento para o NRAU;

- Do (in) cumprimento do dever de pagamento da renda e da (in) existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.


II- FUNDAMENTAÇÃO

i. É a seguinte a decisão da matéria de facto inserta na sentença recorrida e da qual não houve dissidência por parte da recorrente:

“Discutida a causa, tendo em conta as regras do ónus da prova e de acordo com os temas de prova delineados, mostram-se provados os seguintes factos, com relevo para a sua boa decisão:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o n.º …, da freguesia de Olhão, o prédio urbano sito na Rua 18 de Junho, composto por quatro compartimentos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
2. Pela AP. 52 de 2001/05/24, foi inscrita a aquisição, por compra, da propriedade do prédio urbano referido em 1, a favor da Autora.
3. Por contrato escrito celebrado em 11 de Junho de 1986, José de Aragão Barros, proprietário à data do prédio referido em 1, deu o mesmo de arrendamento ao Réu, para sua habitação, com início em 1 de Julho de 1986, mediante a renda anual de 30.000$00, a pagar em duodécimos de 2.500$00, em casa do senhorio ou do seu representante no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
4. Mais ficou estipulado no aludido contrato de arrendamento que “toda as obras interiores de conservação e limpeza são da obrigação do inquilino e as benfeitorias que fizer sem autorização do senhorio ficam pertencendo ao prédio não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização e as obras exteriores são a cargo do senhorio”.
5. A renda foi sendo sucessivamente actualizada sendo de €50,00 mensais pelo menos desde 2012.
6. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 07.03.2013, a Autora comunicou ao Réu a sua intenção de passar o contrato de arrendamento em apreço para o Regime do Novo Arrendamento Urbano (NRAU), propondo um contrato de arrendamento habitacional com prazo certo e duração de 5 anos, e um novo valor de renda no montante de €75,00.
7. Por carta datada de 25.03.2013, dirigida à Autora, o Réu acusou a recepção da carta referida em 6 e comunicou que “para poder exercer o seu direito pediu uma certidão à Autoridade Aduaneira que junto se anexa cópia. Logo que a mesma esteja na sua posse o Requerente dirá o que tiver por conveniente”.
8. Com a carta referida em 7, o Réu juntou declaração emitida pelo Serviço de Finanças de Olhão, com data de 18.03.2013, da qual consta, além do mais, o seguinte: “A solicitação do arrendatário J… (…) e no âmbito do processo de actualização de rendas solicitado pelo senhorio (…) referente ao imóvel sito em Rua 18 de Junho n.º … 8700-132 Olhão, identificado sob o artigo matricial urbano …, DECLARA-SE que, na presente data, foi requerida a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (…). A presente declaração é emitida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto(…)”.
9. Por carta datada de 22.04.2013 a Autora comunicou ao Réu que entendia que o mesmo não tinha rejeitado a renda proposta, o tipo de contrato ou a sua duração, pelo que considerava que os aceita, ficando o contrato de arrendamento sujeito ao NRAU, com um prazo certo de cinco anos, e com a renda mensal de setenta e cinco euros, a contar do primeiro dia do segundo mês subsequente ao termo.
10. Por carta datada de 19.06.2013, dirigida à Autora, o Réu informou-a que havia solicitado novamente a declaração de Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) uma vez que a validade da anteriormente solicitada já se encontrava finda e a respectiva declaração ainda não foi disponibilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como que após a recepção de tal declaração a mesma será enviada à Autora.
11. Por correio registado com aviso de recepção, em 11.09.2013 e em 04.10.2013, o Réu dirigiu à Autora a certidão emitida em 06.09.2013 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao Rendimento Anual Bruto Corrigido do seu agregado familiar junta a fls. Dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
12. Ambas as missivas foram devolvidas ao remetente.
13. Até Julho de 2013 o Réu sempre procedeu ao pagamento da renda no arrendado, na data em que Vitorino José Tavares, em representação da Autora, se apresentava para a receber e entregar o respectivo recibo.
14. Em 3 Junho de 2013 o Réu procedeu ao pagamento da renda no montante de €50,00, tendo-lhe sido entregue o respectivo recibo.
15. A partir de Julho de 2013 o Réu passou a depositar o montante de renda referente ao arrendado, na Caixa Geral de Depósitos, o que fez nas seguintes datas e montantes:
i. Em 09.07.2013, o montante de €50,00;
ii. Em 05.08.2013, o montante de €50,00;
iii. Em 03.09.2013, o montante de €50,00;
iv. Em 07.10.2013, o montante de €50,00;
v. Em 06.11.2013, o montante de €50,00;
vi. Em 04.12.2013, o montante de €50,00;
vii. Em 06.01.2014, o montante de €50,00;
viii. Em 04.02.2014, o montante de €50,00;
ix. Em 03.03.2014, o montante de €50,00;
x. Em 07.04.2014, o montante de €50,00;
xi. Em 02.05.2014, o montante de €50,00;
xii. Em 02.06.2014, o montante de €50,00;
xiii. Em 03.07.2014, o montante de €50,00;
xiv. Em 07.08.2014, o montante de €50,00;
xv. Em 03.09.2014, o montante de €50,00;
xvi. Em 02.10.2014, o montante de €50,00;
xvii. Em 05.11.2014, o montante de €50,00;
xviii. Em 02.12.2014, o montante de €50,00;
xix. Em 02.01.2015, o montante de €50,00;
xx. Em 04.02.2015, o montante de €50,00;
xxi. Em 03.03.2015, o montante de €50,00;
xxii. Em 06.04.2015, o montante de €50,00;
xxiii. Em 04.05.2015, o montante de €50,00;
xxiv. Em 04.06.2015, o montante de €50,00;
xxv. Em 03.07.2015, o montante de €50,00;
xxvi. Em 06.08.2015, o montante de €50,00;
xxvii. Em 07.09.2015, o montante de €50,00;
xxviii. Em 02.10.2015, o montante de €50,00;
xxix. Em 03.11.2015, o montante de €50,00;
xxx. Em 02.12.2015, o montante de €50,00;
xxxi. Em 04.01.2016, o montante de €50,00;
xxxii. Em 01.02.2016, o montante de €50,00;
xxxiii. Em 02.03.2016, o montante de €50,00;
xxxiv. Em 05.04.2016, o montante de €50,00;
xxxv. Em 04.05.2016, o montante de €50,00;
xxxvi. Em 07.06.2016, o montante de €50,00;
xxxvii. Em 06.07.2016, o montante de €50,00;
xxxviii. Em 02.08.2016, o montante de €50,00;
xxxix. Em 05.09.2016, o montante de €50,00;
xl. Em 08.10.2016, o montante de €50,00;
xli. Em 03.11.2016, o montante de €50,00;
xlii. Em 06.12.2016, o montante de €50,00;
xliii. Em 04.01.2017, o montante de €50,00;
xliv. Em 06.02.2017, o montante de €50,00;
xlv. Em 06.03.2017, o montante de €50,00;
xlvi. Em 04.04.2017, o montante de €50,00;
xlvii. Em 03.05.2017, o montante de €50,00;
xlviii. Em 07.06.2017, o montante de €50,00;
xlix. Em 04.07.2017, o montante de €50,00;
l. Em 08.08.2017, o montante de €50,00;
li. Em 05.09.2017, o montante de €50,00;
lii. Em 03.10.2017, o montante de €50,00;
liii. Em 07.11.2017, o montante de €50,00;
liv. Em 05.12.2017, o montante de €50,00;
lv. Em 03.01.2018, o montante de €50,00;
lvi. Em 05.02.2018, o montante de €50,00;
lvii. Em 06.03.2018, o montante de €50,00;
lviii. Em 06.04.2018, o montante de €50,00;
lix. Em 26.04.2018, o montante de €25,00.
16. O Réu passou a proceder como referido em 15 em virtude da Autora, através de V…, se ter recusado a receber mais rendas no montante de €50,00 e este não mais ter comparecido no arrendado para as receber.
17. Há mais de vinte anos o Réu construiu, no terreno contíguo ao arrendado, um pavilhão em estrutura de metal e madeira, coberto com chapas de zinco destinado à criação de pombos.
18. Há mais de dez anos o Réu construiu, no terreno contíguo ao arrendado, um abrigo para colocar o seu veículo automóvel.
(…) Factos Não Provados
Com interesse para a decisão e de acordo com os temas de prova delineados não se provaram os seguintes factos:
A. As construções referidas em 17 e 18 não foram autorizadas ou consentidas pelo senhorio, tendo sido efectuadas contra a vontade deste.
B. O Réu deposita no terreno que circunda o arrendado, grande quantidade de lixo, restos de máquinas e ferro velho, o que proporciona que no referido local se refugiem ratos e outros animais, produzindo maus cheiros e risco de doenças para os moradores decorrentes dos parasitas quer dos ratos, quer dos pombos.
C. Em decorrência da actuação do Réu descrita em B, verifica-se um grave risco de incêndio e os vizinhos temem pela sua integridade física e dos seus bens.”.

ii. Do mérito do recurso

1. Do procedimento de transição do contrato de arrendamento para o NRAU

Estamos em presença de uma relação jurídica arrendatícia constituída em 11 de Junho de 1986, portanto, antes da vigência do próprio RAU aprovado pelo D.L. nº 321-B/90 de 15.10 e, por consequência, anterior ao NRAU aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro.

Conquanto este novo regime se aplicasse às relações constituídas que subsistissem à data da sua entrada em vigor, logo o legislador salvaguardou o “previsto nas normas transitórias” (cfr. art.º 59º, 1) contemplando nestas matéria atinente à “actualização de rendas” em contratos de arrendamento celebrados em momento anterior à sua vigência.

Entendeu, então, como emerge da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano que “(…) tem sido o congelamento das rendas que tem impossibilitado a renovação e requalificação urbana (…). Em relação aos contratos de arrendamento anteriores a 1990 e relativamente aos arrendamentos comerciais anteriores a 1995, trata-se de uma reforma que visa permitir ao proprietário a valorização do seu património e ao inquilino viver numa habitação condigna.”

A Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto que introduziu alterações ao NRAU visando “dinamizar o mercado de arrendamento urbano”, manteve, naturalmente, a previsão de os senhorios nos contratos mais antigos procederem à actualização das rendas, ainda que observando os limites nela estabelecidos destinados à protecção dos arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% ou com um RABC ( Rendimento Anual Bruto Corrigido) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais.

Consagrou, outrossim, normas tendentes a facilitar a transição dos contratos anteriores à Lei nº 6/2006, de 27.2., para o novo regime.

Sem embargo, foi reforçada a negociação entre as partes e consagrada a possibilidade de acordo das partes, quer na definição da renda actualizada, quer na transição dos contratos de arrendamento antigos para o NRAU.

Estando em presença, como dissemos, de um contrato com fim habitacional celebrado antes da vigência do Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de Outubro (RAU), aplicam-se-lhe os art.º 30.º a 37.º que definem as regras a observar quando o senhorio pretenda usar da faculdade de actualizar a renda e de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU.

É, portanto, nessas normas que vêm estabelecidas as circunstâncias em que podia, à data (já que tais normas foram posteriormente alteradas) ter lugar a actualização da renda e a transição do contrato de arrendamento subjudice para o NRAU, bem como, o modo de o concretizar.

Dispunha o art.º 30.º do NRAU na versão da Lei nº 31/2012, sob a epígrafe, “Iniciativa do senhorio”:

“A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;

c) Cópia da caderneta predial urbana.”.

Por seu turno, no art.º 31.º disciplinava-se o regime da “resposta do arrendatário” nos seguintes moldes:

“1 - O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior.

2 - Quando termine em dias diferentes o prazo de vários sujeitos, a resposta pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.

3 - O arrendatário, na sua resposta, pode:

a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;

b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 33.º;

c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e à duração do contrato propostos pelo senhorio;

d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 34.º

4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:

a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º e 36.º;

b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36.º

5 - As circunstâncias previstas nas alíneas do número anterior só podem ser invocadas quando o arrendatário tenha no locado a sua residência permanente ou quando a falta de residência permanente for devida a caso de força maior ou doença.

6 - A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos n.os 1 e 2.

7 - Caso o arrendatário aceite o valor da renda proposto pelo senhorio, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção da resposta:

a) De acordo com o tipo e a duração acordados;

b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.

8 - O RABC é definido em diploma próprio.”.

No artigo 32.º regulava-se a “Comprovação da alegação” nos seguintes termos:

1 - O arrendatário que invoque a circunstância prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar.

2 - O arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.

3 - O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.

4 - O arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) do n.º 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias. “.

Estas circunstâncias têm uma relevância muito significativa, quer para o arrendatário, quer para o senhorio, como se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional nº277/2016 de 14.6 que julgou inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de excepção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção».

Como aí se assertivamente se explicita: “A primeira, só por si, condiciona ao acordo das partes a submissão do contrato em causa ao NRAU ou, na falta de acordo, difere tal submissão por cinco anos, condicionando medio tempore a atualização da renda em função de percentagens do RABC (artigo 35.º, n.os 1 e 2). No termo desse período de cinco anos, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 30.º e seguintes, com as seguintes especificidades: (a) o arrendatário não pode invocar as circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 4 do artigo 31.º; (b) no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos (artigo 35.º, n.º 6).

A segunda circunstância referida determina que o contrato só fique submetido ao NRAU mediante acordo das partes (artigo 36.º, n.º 1). Isto sem prejuízo da possibilidade de negociação da atualização da renda (artigo 36.º, n.os 2 a 6).

Se o arrendatário invocar, cumulativamente, que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o valor da renda é apurado nos termos do n.º 2 do artigo 35.º - correspondendo a uma dada percentagem do RABC -, devendo vigorar por um período de cinco anos (artigo 36.º, n.º 7). Findo este período, o valor da renda pode ser atualizado por iniciativa do senhorio, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 30.º e seguintes, não podendo o arrendatário invocar a circunstância prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º, mas o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes (artigo 36.º, n.º 9).

É devido à respectiva importância que a lei comete ao arrendatário o ónus da comprovação das aludidas circunstâncias pessoais, nos termos do artigo 32.º:

- Quanto ao RABC inferior a cinco RMNA: o arrendatário deve instruir a resposta à comunicação do senhorio a que se refere o artigo 30.º com documento emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar ou, na falta deste, do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção (n.os 1 e 2);

- Quanto à idade: o arrendatário faz acompanhar a aludida resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias (n.º 4).”.

No caso dos autos, a questão gira em torno da circunstância conexionada com o RABC do Réu/apelado.

Decorre dos factos provados que recebida a missiva da Autora/senhoria nos termos e para os efeitos do citado art.º 30º do NRAU na versão da Lei nº 31/2012, de 14.8.. logo o R./inquilino se aprestou, dentro do prazo previsto no nº1 do art.º 31º, a comunicar-lhe que “para poder exercer o seu direito pediu uma certidão à Autoridade Aduaneira que junto se anexa cópia. Logo que a mesma esteja na sua posse o Requerente dirá o que tiver por conveniente”.

É de salientar que igualmente se provou que: “Com a carta referida em 7, o Réu juntou declaração emitida pelo Serviço de Finanças de Olhão, com data de 18.03.2013, da qual consta, além do mais, o seguinte: “A solicitação do arrendatário J… (…) e no âmbito do processo de actualização de rendas solicitado pelo senhorio (…) referente ao imóvel sito em Rua 18 de Junho n.º … 8700-132 Olhão, identificado sob o artigo matricial urbano …, DECLARA-SE que, na presente data, foi requerida a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (…). A presente declaração é emitida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto(…)”.

Entende a apelante que uma vez que o “R. na carta que enviou à A datada de 25-03-2013 não se pronunciou sobre as propostas do senhorio relativamente ao tipo, duração do contrato e renda propostos, nem alegou que o seu agregado familiar auferia um RABC inferior a 5 RMNA” tal equivale a falta de resposta e, por consequência, como aceitação do tipo de contrato, sua duração e montante da renda propostos, ficando o contrato submetido ao NRAU.”.

Defendeu o Tribunal “a quo” que: “Atenta a referida factualidade, parece-nos indubitável que, ao contrário do alegado pela Autora, não ocorreu falta de resposta e, desse modo, aceitação, pelo Réu, quanto ao montante de renda proposta pela Autora.

Bem pelo contrário, o Réu, ao juntar comprovativo do pedido de certidão à Autoridade Tributária para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 4, do artigo 31.º, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, está a opor-se ao valor da renda proposto e a invocar, tacitamente, a circunstância do RABC do seu agregado familiar ser inferior a 5 RMNA.

Tal como qualquer outra declaração de vontade, também esta invocação pode ser expressa ou tácita – a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

Tal é o que sucede no caso em presença. O teor da carta datada de 25 de Março de 2013, remetida à Autora pelo Réu, em resposta à iniciativa de actualização do montante de renda, em conjugação com o teor da declaração emitida pelo Serviço de Finanças de Olhão que comprova ter sido solicitada, pelo Réu, a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar, revelam claramente a sua oposição à renda proposta e a invocação da circunstância do RABC do seu agregado familiar ser inferior a 5 RMNA. “.

A interpretação que foi feita é, a nosso ver, a única legalmente admissível e consonante com o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional sobre esta matéria no aresto referido.

Na verdade, como se salienta no Acórdão desta Relação de 25.5.2017[1] “o que se exige na referida norma é que o arrendatário indique na sua resposta o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), sendo que no caso vertente o réu marido, embora não tenha indicado concretamente aquele rendimento, juntou documento comprovativo de ter requerido à repartição de finanças declaração nesse sentido, como se colhe com meridiana clareza do documento que juntou com a petição inicial.”.

E acrescenta-se: “ A junção deste documento não pode deixar de ser entendido como uma manifestação clara, por parte do arrendatário, de invocar a exceção prevista no mencionado normativo, não sendo razoável exigir que o mesmo indique um valor exato daquele rendimento, sem obter a declaração do respetivo serviço de finanças.

Assim, ao afirmar na sua resposta que não concorda com o valor da renda e, que pediu às finanças declaração do RABC, não deixou o réu de invocar, pelo menos tacitamente, que pretende valer-se da exceção prevista na alínea a) do nº 4 do art. 31º do NRAU.”.

No nosso caso, o inquilino não chegou a afirmar expressamente que dissentia do valor de renda proposto mas a junção da certidão na qual o serviço de finanças atesta que foi pelo mesmo requerida a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (…) e, bem assim, que a mesma é emitida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto(…)” não pode, para um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, deixar de ser entendida como uma refutação do valor proposto e reclamação pela aplicação do regime previsto no art.º 35º.

É que, não nos podemos olvidar que desde que o RABC do agregado familiar do arrendatário seja inferior a cinco RMNA, o aumento da renda é condicionado pelo valor desse mesmo RABC.

Para que se iria o inquilino dar ao trabalho de anexar uma certidão deste jaez se não fosse para justificar a sua rejeição ao que lhe era proposto e clamar pela sujeição a outras condições mais favoráveis, precisamente as previstas no art.º 35º?

Além disso, é manifesto que a situação em apreço não se enquadra – nem pode enquadrar – no disposto no nº6 que pressupõe a ausência de qualquer resposta.

Refere também a apelante que “apesar do o R ter comunicado à A que logo que estivesse na posse da certidão da AT diria o que tivesse por conveniente, o certo é que após ter recebido tal certidão, em 6 de Setembro de 2013 nada disse à A sobre o que tinha por conveniente, não se pronunciou sobre as alíneas do nº 3 do art. 31º do NRAU nem invocou qualquer das circunstancias previstas no nº 4 da mesma disposição legal, sendo certo que também já não o poderia fazer atento o disposto no nº1 do artigo 31º do NRAU.”

Vejamos.

Ao aprestar-se a enviar tempestivamente, por correio registado com aviso de recepção, logo em 11.09.2013 e em 04.10.2013, a certidão emitida em 06.09.2013 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao Rendimento Anual Bruto Corrigido do seu agregado familiar, o inquilino deu cumprimento ao disposto na alínea a) do nº4 do art.º 31º do NRAU, na redacção constante da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
Resta retirar as consequências desta constatação para o contrato de arrendamento subjudice: Tempestivamente comunicada pelo inquilino ao senhorio ser o seu RABC inferior a cinco RMNA, este fica de antemão a saber que a sua intenção de fazer transitar o arrendamento para o NRAU está comprometida ou limitada.

O mesmo se diga quanto à sua pretensão de ver a renda aumentada para € 75,00.

Em suma: Quer a actualização da renda , quer a transição imediata do contrato para o regime do NRAU que foi comunicada pela senhoria pela missiva de 7.3.2013 cedem perante a aplicação do regime previsto no citado art.º 35.º do NRAU, não podendo consequentemente dizer-se que está em falta o pagamento das rendas no valor de € 75,00 mensais.

Portanto, ao contrário do afirmado pela apelante, o contrato de arrendamento não transitou para o NRAU desde 1 de Julho de 2013 com o prazo certo de 5 anos nem com a renda mensal de 75,00€.

2. - Do (in) cumprimento do dever de pagamento da renda e da (in) existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.

É evidente que o não pagamento da suposta renda no valor de 75,00 não pode sustentar a resolução do contrato, sendo o montante mensal de renda devido a partir de Junho de 2013 o mesmo que até então, ou seja, €50,00.

Argumenta a apelante que o R depositou 50,00€ na C… no dia 9 de Julho de 2013 para pagamento da renda desse mês mas tal deposito não é liberatório por a renda ser de 75,00€, mas mesmo que fosse de 50,00€ também não era liberatório por ter sido depositado fora de prazo (art. 1039º do Cod. Civil), e nem tampouco foi comunicado ao senhorio (art. 19º da NRAU).

Para nós, tal depósito da renda devida não ocorreu “fora de prazo”.

Senão vejamos.

De acordo com o contrato de arrendamento em causa, a renda deveria ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.

No caso, tal primeiro dia útil coincide com o dia 1 de Julho de 2013.

O direito à indemnização previsto no nº1 do art.º 1041º do Cód. Civil ou à resolução do contrato cessa, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo. ( Cfr. nº3 do art.º 1041º do Cod. Civil).

O termo de tal prazo coincide precisamente com o dia 9 de Julho, data em que foi efectuado o depósito na C… por ocorrer mora do senhorio em receber a renda, verificando-se, por isso, os pressupostos da consignação em depósito ( art.º 17º, nº1 do NLAU e 1042º, nº2 do Código Civil).

Ademais, a apelante olvida o que dispõe o nº2 do art.º 19.º do NLAU no que concerne à notificação do senhorio: “A junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito à contestação, ou figura processual a ela equivalente, de acção baseada na falta de pagamento produz os efeitos da comunicação”.

Por conseguinte, é apodíctico que não há fundamento para resolver o contrato de arrendamento por falta de pagamento de renda ( art.º 1038º a) do Cód. Civil).

Como também não existe tal fundamento em razão das obras efectuadas no exterior do local arrendado, a saber: um pavilhão em estrutura de metal e madeira, coberto com chapas de zinco destinado à criação de pombos e um abrigo para colocar o seu veículo automóvel, aquele construído há mais de 20 anos e este há mais de 10 anos.

Tal como afirmado na sentença, da factualidade provada não decorre qualquer incumprimento por parte do Réu que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível, à Autora, a manutenção do arrendamento.

Não se mostram, pois, de igual modo, preenchidos os pressupostos do invocado direito da Autora à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (art.º 1083ºnº2 , proémio, do Cód. Civil).

Como se assinala no Acórdão desta Relação de 13.3.2014[2] : “Trata-se de uma cláusula geral, que veicula a ideia de justa causa de resolução, o que implica sempre a alegação e prova de factualidade que determine o seu preenchimento, razão pela qual se faz realçar que, “competindo ao senhorio, autor na acção de despejo, o ónus de alegação e prova (cfr. artº 342º do CC) de factualidade subsumível, não apenas às diferentes alíneas do n.º 2 ou no n.º 3 do artº 1083.º (quando seja caso disso), mas também, na cláusula geral constante da 1ª parte do n.º2.

(…) Resta saber se, atendendo às concretas peculiaridades e particularidades da relação contratual em causa, deverá atribuir-se à violação dessa obrigação potencialidade resolutiva do negócio, em termos de – num juízo objectivo e proporcional – se tornar inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.

(…) Tem particular relevância e acuidade, na avaliação da possível eficácia resolutiva, a circunstância de não resultar do elenco dos factos provados que as obras tenham envolvido qualquer afectação da estabilidade construtiva do prédio ou prejuízo estético ou funcional relevante ou que tenham implicado uma diminuição do valor locativo.”.

E, tal como ali, “não nos parece razoável “que a introdução pelo locatário de algumas inovações na parte exterior do prédio, há tantos anos, de natureza amovível, possa justificadamente legitimar, neste caso, a resolução da relação contratual iniciada em 1987.

Consequentemente, é de considerar, também, que as obras realizadas pela R. no imóvel locado “carecem de relevância resolutiva, por não preencherem adequadamente a cláusula geral, prevista no nº2 do art.1083º do CC, de inexigibilidade de manutenção do arrendamento.”

III- DECISÃO

Por todo o exposto, se julga a apelação totalmente improcedente e se mantém na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Évora, 10 de Setembro de 2020

Maria João Sousa e Faro (relatora)

Florbela Moreira Lança

Elisabete Valente

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[1] Relatado pelo Desembargador Manuel Bargado e consultável na Base de Dados do IGFEJ.
[2] Relatado pela Desembargadora Elisabete Valente e consultável na Base de Dados do IGFEJ.