Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
26/12.1TBPTG-D.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ALIMENTOS A MENORES
MAIORIDADE
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - No domínio da anterior redacção do artigo 1905.º do Código Civil, a jurisprudência dominante perfilava o entendimento de que atingida a maioridade caducava a pensão de alimentos, pelo que, quando fixada durante a menoridade do alimentado tal pensão, para que a fixação da obrigação de alimentos, nos quadros do artigo 1880.º do Código Civil pudesse operar, tinha o filho, agora maior de idade, que requerer, em processo próprio, a fixação de alimentos através do processo previsto no artigo 1412.º do Código Civil.
II - Atenta a redacção introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, considerando a referida divergência de entendimentos, e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, sublinhando o legislador que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, deve concluir-se que estamos perante lei que é interpretativa do artigo 1880.º do CC, quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade, e até que o filho complete 25 anos.
III - Assim, a regra actualmente estabelecida no artigo 1880.º do CC, é a de que a pensão fixada em benefício do filho menor mantém-se até que este complete os 25 anos, cabendo deste modo ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador no segundo segmento do preceito em questão: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável.
IV - Acresce que, de modo inovador, com a alteração efectuada ao regime substantivo, a referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, mormente no n.º 3 do artigo 989.º do CPC, conferindo agora legitimidade ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos, para exigir a contribuição do obrigado a alimentos.
V - A aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, tem de ser concatenada com as disposições do Código de Processo Civil e do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma, porquanto, em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante a situação em presença.
VI - Assim, não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respectiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respectiva pretensão.
VII - Da interpretação do artigo 983.º, n.º 2, do CPC, efectuada de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC, decorre que: a) - se estiver a correr o processo de regulação das responsabilidades parentais e ainda não tiverem sido fixados os alimentos devidos ao filho, a maioridade ou emancipação que entretanto ocorram não impedem que tal processo se conclua, podendo consequentemente tal fixação ocorrer já após a maioridade; b) - se durante a menoridade do filho tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade ou emancipação que ocorram posteriormente a tal fixação não impedem que os incidentes posteriores quer de alteração quer de cessação dos alimentos corram por apenso àquele processo de regulação.
VIII - Assim, enquanto o meio processual de concretização do direito a alimentos do filho maior a que alude o artigo 1880.º do CC, que não foram fixados durante a respectiva menoridade, é o recurso à Conservatória do Registo Civil ou ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º do CPC, caso não exista ou não seja viável a obtenção de acordo; nos demais casos em que esteja em causa peticionar alimentos devidos por ascendente a filho maior, sem escopo educativo e sem limitação temporal, seguir-se-á a forma processual comum actualmente regulada nos artigos 552.º e seguintes do CPC.
IX - Já nos casos em que foi fixada uma prestação de alimentos em processo que correu termos durante a menoridade do filho, e após a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, podemos surpreender três possibilidades adjectivas de concretização do direito a alimentos do filho maior, com fundamento no disposto no artigo 1880.º do CC: a) - o progenitor obrigado a alimentos deixou de pagar voluntariamente e o filho pretende que lhe seja satisfeito tal montante: o meio próprio é o recurso à execução por alimentos, servindo a decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da referida lei; b) – o filho maior pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: para o efeito deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais; c) – o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, e que pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.
X - No caso dos autos, visando a progenitora exigir do pai da sua filha, agora maior, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação desta, em valor superior àquele que o progenitor se encontrava obrigado a pagar por via de anterior processo de regulação das responsabilidades parentais, nos termos inovatórios actualmente consentidos pelo n.º 3 do artigo 989.º, o meio processual próprio para o fazer, por força do n.º 2 do mesmo artigo, é deduzir incidente de alteração do montante dos alimentos fixados no processo, por apenso àqueles autos de regulação das responsabilidades parentais.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 26/12.1TBPTG-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO

1. AA, no dia 7 de Julho de 2016, propôs a presente acção acção de alimentos devidos a sua filha, CC, maior, contra o seu pai, BB, pedindo que este seja condenado a pagar à filha de ambos, uma pensão de alimentos, invocando - para o que importa neste recurso -, que por acordo extrajudicial, datado de 30 de Outubro de 2015 e homologado por sentença de 12-11-2015, já transitada em julgado, nos autos que correram seus termos sob APENSO B, ficou acordado que “o pai passa a pagar a pensão de alimentos de 87,15€ (oitenta e sete euros e quinze cêntimos) para cada filho, que deverá ser descontada no seu salário mensal e entregue directamente pela sua entidade patronal à mãe dos seus filhos; acontece que a CC nasceu a 5 de Julho de 1998; fez recentemente 18 anos; porém, o pai, deve continuar a contribuir para o seu sustento mantendo pelo menos a pensão mensal de alimentos fixada em seu benefício durante a menoridade; a CC está matriculada no 12º ano do ensino secundário, no curso de Línguas e Humanidades; pretende continuar a estudar, estando inscrita e, neste momento a realizar, os exames de acesso ao ensino superior; e pretende concorrer ao ensino superior e frequentar o curso superior de Direito em Lisboa, o que ocorrerá a partir de Setembro deste ano; a CC, apesar de maior, quer continuar a estudar e não pode sustentar-se porque não tem emprego, pelo que estará, como agora, necessariamente a cargo dos pais.
2. Por despacho proferido em 7 de Setembro de 2016 foi o requerimento inicial liminarmente indeferido, com o fundamento de que o Tribunal não é competente em razão da matéria para apreciar o pedido, em face do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, alínea a) do DL 272/2001, de 13 de Outubro, 96.º, n.º 1, e 590.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil[3], e terminando com a consideração de que deve a filha maior de idade, caso tenha essa pretensão, apresentar o respectivo requerimento na competente Conservatória do Registo Civil.
Em fundamento, aduziu-se, no despacho recorrido, para além do mais, que:
«(…) desde 01/01/2002, o tribunal não tem competência, ou melhor, jurisdição, para apreciar o pedido de alimentos de filho maior.
Trata-se efectivamente, ab initio, de falta de jurisdição do tribunal.
A competência para o efeito inicia-se na Conservatória do Registo Civil, não obstante poder o processo posteriormente transitar para o tribunal (no caso de falta de acordo), daí que não esteja a matéria contemplada na competência exclusiva do Conservador, nos termos do artigo 12.° do diploma citado.(…)
A aferição da consensualidade é apreciada na Conservatória, mediante a oposição apresentada e uma vez ali constatada a impossibilidade de acordo, então aí, e só aí, será o processo remetido ao tribunal, nos termos dos artigos 7.° e 8.°. do mencionado Decreto-Lei n.º 272/2001. (…)
Diga-se, ainda, que a acção em causa não deve correr por apenso ao processo de regulação do exercício do poder paternal no âmbito do qual foi regulado o modo de exercício do poder paternal sobre a filha da ora Requerente.
Na verdade, o n.° 2 do artigo 989.° do novo CPC, só tem aplicação às situações em que exista processo ainda a correr termos, no momento em que acontece a maioridade ou a emancipação do alimentando menor, ou quando se suscitem incidentes de alteração ou cessação da prestação alimentar ali fixada ao menor.
Idêntico raciocínio se deve empreender mutatis mutandis quanto ao disposto no artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13 de Outubro, uma vez que não constituem um caso de cumulação, incidente ou dependência de acção pendente, pendência essa que, de igual modo, não existe pois que não existe nenhum processo pendente.
Ora, a acção em apreço trata-se de uma acção de alimentos, nos termos do artigo 1880.° do CC, intentada a favor de uma pessoa maior de idade, pelo que nenhuma razão existe para que deva correr por apenso ao processo, já findo, que efectuou a regulação do respectivo exercício do poder paternal. (…)
In casu, nem a progenitora requerente tem legitimidade para representar a sua filha maior de idade, pois com a maioridade da mesma extinguiram-se as responsabilidades parentais, e consequentemente, os poderes de representação da mesma (cfr. artigos 1877.º e 1881.º, ambos do Código Civil).
Note-se que, in casu, o teor dos artigos 1880.º e 1905.º, n.º 2 do Código Civil em nada altera o explanando, pois que o que a requerente pretende não é a manutenção mas o aumento da pensão fixada em benefício da sua filha durante a menoridade a partir deste mês de Setembro».

3. Inconformada, a Recorrente apresentou o presente recurso, finalizando a respectiva minuta com as seguintes conclusões:
1 - «O douto despacho sob recurso ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 5º nº1,alínea a) do DL 272/2001 de 13 de Outubro, artigos 96º, nº1, e 590º, nº1 alínea a), do novo CPC e 1880º do Código Civil, indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada pela Recorrente, por considerar que carece de jurisdição para conhecer do pedido e que, bem assim que a Recorrente carece de legitimidade para o formular.
2 – Entendeu o respeitoso Tribunal que pedido formulado haveria de caber à filha maior de idade da Recorrente e que esta o deverá apresentar na Conservatória do Registo Cível, caso tenha essa pretensão,
3 - Com o devido respeito, não perfilha a Recorrente o douto entendimento do Tribunal a quo.
4 – Pois que, na acção proposta, a Recorrente requereu na qualidade de progenitora residente, que o Requerido fosse condenado a pagar-lhe uma contribuição para o sustento da filha de ambos agora maior ao abrigo das disposições conjugadas nos art.ºs 989 nº1 e 3 do CPC e 1880 do Cciv e não que o Tribunal fixasse uma pensão de alimentos a favor desta.
5 – Nos termos do legalmente previsto no Cap. III do DL nº 272/2011 de 13 de Outubro, o pedido de alimentos de filho maior, no exercício de um iure proprio, é apresentado pelo filho maior e deve ser apreciado pelo conservador do registo civil.
6 – Contudo, o nº3 do art.º 989 do Código do Processo Civil em conjugação com os art.ºs 1880 e 1905 do Cciv, na redacção que lhe foi dada pela Lei 122/2015 de 1 de Setembro, passou a prever a prerrogativa do progenitor residente poder exigir do outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos agora maiores, que dependam deste economicamente e quanto às despesas que com eles mantém.
7 – Ao propôr a acção que propôs e nos termos em que a propôs, a Recorrente respeitou a “nova” previsão do nº3 do art.º 989 do CPC.
8 – Por no exercício de um iure proprio não carece a Recorrente de legitimidade processual, outrossim a lei confere-lha (a legitimidade para tal)
9 – A contrario do que o douto despacho de indeferimento liminar defende, deve a pretensão da ora Recorrente ser apreciada pelo Tribunal, não carecendo ele de competência material atentas as disposições conjugadas dos art.ºs 989 nº1 do CPCiv, e assim o art.º 6º na sua al. d) do Regime Geral Tutelar Cível ex vi art.º 45 e ss do mesmo diploma legal.
10 - De facto, manda o art.º 989 nº 1 do CPCiv aplicar às situações, como a da petição liminarmente indeferida, em que haja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, o regime previsto para os menores – art.º 45 e ss do RGTC – , prevendo por sua vez o art.º 6 al. d) do mesmo regime que são da competência principal das secções de família e menores, as acções judiciais destinadas a fixar os alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos.
11 - Por acordo extrajudicial, datado de 30 de Outubro de 2015 e homologado por sentença de 12-11-2015, já transitada em julgado, proferida nos autos que correram seus termos sob APENSO B do processo nº 26/12.1TBPTG, pelo J1 da secção cível da Instância Local de Portalegre do Tribunal da Comarca de Portalegre, ficou estabelecido que “o pai o pai passa a pagar a pensão de alimentos de 87,15€ (oitenta e sete euros e quinze cêntimos) para cada filho, que deverá ser descontada no seu salário mensal e entregue directamente pela sua entidade patronal à mãe dos seus filhos, através de transferência para a conta bancária com o NIB ... .
12 - Devendo, e salvo melhor opinião, em face do exposto, e da previsão do art.º 989 nº 2 do CPCiv, correr a presente acção por apenso aos autos de regulação das Responsabilidades Parentais, em que foi determinada pensão de alimentos a favor da então menor, filha da Recorrente, que correu seus termos na Instância Local, Secção Cível, J1, do Tribunal da Comarca de Portalegre, sob o processo nº 26/12.1TBPTG.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a decisão da 1ª instância ser revogada e, em consequência, substituir-se por outra que declare competente o Tribunal da Comarca de Portalegre, mormente a sua instância local, para conhecer da presente acção proposta pela Recorrente nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 989 nº1 do CPCiv, e assim o art.º 6º na sua al. d) do Regime Geral Tutelar Cível ex vi art.º 45 e ss do mesmo diploma legal e bem assim que reconheça a legitimidade ativa da Recorrente na dita acção (art.ºs 989 nº1 e 3 do CPCiv e art.º1880 do Cciv) seguindo esta os seus termos legais até final».

4. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, no caso em apreço, a única questão que importa decidir é a de saber se o tribunal é ou não competente para conhecer da presente acção.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
A tramitação processual relevante para a decisão do presente recurso é a que se referiu no relatório supra.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Enquadramento jurídico
III.2.1.1. – Direito a alimentos e extensão da obrigação de alimentos
A requerente pretende fazer valer por via da presente acção o direito a obter do pai da sua filha, agora maior, a continuação do pagamento de uma prestação mensal a título de alimentos, porquanto a mesma pretende continuar a estudar e não trabalha.
Conforme é sabido, a noção de «alimentos» é-nos dada, para o que ora importa, pelo artigo 2003.º, n.º 1, do Código Civil[4], de acordo com cuja previsão «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», sendo a sua medida determinada nos termos do disposto no artigo 2004.º do CC, ou seja, «os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los», atendendo-se ainda na respectiva fixação «à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».
Tentando concretizar a noção legal de alimentos à luz de uma existência digna, a doutrina e a jurisprudência têm ainda densificado o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2004.º, através do binómio necessidade do alimentando/possibilidade do obrigado, e da avaliação da possibilidade de aquele prover à sua subsistência.
De acordo com o disposto nos artigos 2009.º, n.ºs 1 e 2, e 2010.º do Código Civil, a vinculação à obrigação de prestar alimentos encontra-se legalmente deferida pela ordem ali indicada nas sucessivas alíneas, encontrando-se em igualdade de posições nessa obrigação os ascendentes [alínea c)], salvo se algum dos onerados não puder satisfazer a parte que lhe cabe, caso em que o encargo recai sobre os demais obrigados.
Por seu turno, o artigo 1879.º do CC, a respeito das Despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as referidas despesas, na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos. Assim, deve entender-se logo deste preceito e, a contrario, que se os filhos não estiverem nestas condições, a obrigação dos pais proverem às sobreditas despesas mantém-se.
Diz-nos ainda o artigo 1880.º do CC, sob a epígrafe Despesas com os filhos maiores ou emancipados, que rege quanto à extensão da obrigação de alimentos que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Não obstante a redacção destes dois preceitos, no domínio da anterior redacção do artigo 1905.º do Código Civil, a jurisprudência dominante perfilava o entendimento de que atingida a maioridade caducava a pensão de alimentos[5], pelo que, quando fixada durante a menoridade do alimentado tal pensão, para que a fixação da obrigação de alimentos, nos quadros do artigo 1880.º do Código Civil pudesse operar, tinha o filho, agora maior de idade, que requerer, em processo próprio, a fixação de alimentos através do processo previsto no artigo 1412.º do Código Civil.
Ora, no dia 1 de Outubro de 2015 entrou em vigor a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro[6], que alterou o Código Civil e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados.
Assim, de acordo com a redacção introduzida pela referida Lei que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, estabelece agora este preceito legal que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência”.
Considerando a referida divergência de entendimentos, e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, sublinhando o legislador que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, deve concluir-se que estamos perante lei que é interpretativa do artigo 1880.º do CC[7], quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade, e até que o filho complete 25 anos.
Efectivamente, lei interpretativa “[é] aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado”[8], o que, como ficou suficientemente demonstrado supra chegou a ocorrer, decidindo alguma jurisprudência no sentido ora consagrado.
Na verdade, “[p]ara que a lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.
Se o julgador ou o intérprete em face de textos antigos não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova veio a consagrar, então a lei é inovadora”[9].
Como vimos, na situação vertente a nova lei veio claramente consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha entendido como sendo possível e adequado em face da lei antiga, pelo que devemos considerar que a nova lei é interpretativa por acolher uma das soluções objecto da querela jurisprudencial.
Ora, «o que está na base do normativo do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impõem aos pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar tais despesas. (…)
A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” a completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.(…)
Por isso, a lei impõe o dever de contribuição “pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete”»[10].
Daí que, conforme observa o Conselheiro Rodrigues Bastos[11] em comentário ao referido artigo 1880.º do Código Civil, “…Não se trata de um caso de direito a alimentos, mas de uma extensão da obrigação dos pais para além da menoridade dos filhos, de modo a que a estes seja, na prática, possível alcançar o termo da sua formação profissional. O auxílio assumirá a forma que melhor permita alcançar esse desígnio”.
Assim, a regra actualmente estabelecida por lei é a de que a pensão fixada em benefício do filho menor mantém-se até que este complete os 25 anos, cabendo deste modo ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador no segundo segmento do preceito em questão: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável.
Vista a vertente substantiva é tempo de apreciar como é que o legislador configurou o exercício deste direito do ponto de vista processual.
Para possibilitar a concretização desta modificação ao regime substantivo, a referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, atribuindo agora também ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respectiva contribuição.
Portanto, não pode concordar-se com o expendido na decisão recorrida ao considerar que «in casu, nem a progenitora requerente tem legitimidade para representar a sua filha maior de idade, pois com a maioridade da mesma extinguiram-se as responsabilidades parentais, e consequentemente, os poderes de representação da mesma (cfr. artigos 1877.º e 1881.º, ambos do Código Civil), porquanto à data em que a tutela jurisdicional foi requerida já se encontrava em vigor a nova redacção do preceito que expressamente atribui tal legitimidade ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, que exija do outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento desse filho.
De facto, tal é o que decorre cristalinamente da inovação introduzida com o aditamento no artigo 989.º do CPC - que na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, correspondia ao anteriormente estatuído no artigo 1412.º do CPC 95/96 -, dos n.ºs 3, e 4, com a seguinte redacção:
«3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.»
Acresce que, para além da sobredita alteração, devemos atentar também no artigo 6.º, alínea d), da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro[12], que aprovou o novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, de acordo com o qual «Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis: A fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos».
Considerámos necessário efectuar previamente este enquadramento jurídico porquanto, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, incumbindo-lhes ainda formular ao tribunal competente a pretensão cuja tutela pretendem ver assegurada por via da acção que introduzem (artigo 3.º, n.º 1, do CPC).
Postas estas considerações gerais, cabe agora olhar a questão suscitada no presente recurso, à luz do sobredito.
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III.2.1.2. – Competência em razão da matéria
Conforme é entendimento pacífico, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é apresentada pelo autor na petição inicial, ou seja, analisando o que foi alegado como causa de pedir e confrontando-a com o pedido formulado pelo demandante[13].
No caso dos autos a Senhora Juíza entendeu que a competência se encontrava ab initio deferida à Conservatória do Registo Civil porque o pedido se enquadrava no preceituado no artigo 1880.º do CC e deveria ser ali directamente formulado pela filha maior, não correndo por apenso à acção de regulação das responsabilidades parentais.
Porém, também neste segmento não podemos sufragar tal entendimento. Relativamente à afirmação de que tinha que ser formulado pela filha maior, pelas razões referidas no ponto anterior, e no que tange à afirmação de que se trata de competência ab initio deferida à Conservatória do Registo Civil, pelas que aduziremos seguidamente.
Conforme se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-2008[14] «O Decreto-lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, (…) procedeu à transferência de competência para as Conservatórias do Registo Civil de um conjunto de matérias respeitantes a processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, até aí atribuídas aos tribunais judiciais.
Um procedimento administrativo, a decorrer nas conservatórias de registo civil, seguramente mais célere, simples e vantajoso para as partes.
Conforme resulta do respectivo preâmbulo, teve o legislador por objectivo “desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial”, mas também na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável salvaguardando-se o acesso à via judicial com a remessa dos processos para efeitos de decisão final sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado.
Esse deferimento de competência material não se concretizou, todavia, de modo uniforme, pois que se surge exclusiva nos casos enunciados no art. 12º, nº 1 do mencionado diploma (reconciliação dos cônjuges separados, separação e divórcio por mútuo consentimento, e declaração de dispensa de prazo internupcial), é concorrente com a dos tribunais judiciais nas matérias e circunstâncias descritas nos nºs 1 e 2 do seu art. 5º, porque só pode ser exercida na ausência de cumulação com outras pretensões ou de dependência de outras acções processuais.
Tal concorrência ocorre quando estejam em causa: alimentos devidos a filhos maiores e emancipados, atribuição da casa de morada de família, privação do direito ao uso dos apelidos do outro cônjuge, autorização do uso dos apelidos do ex-cônjuge, e conversão de separação judicial de pessoas e bens em divórcio».
Ora, como dito, «a competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma ação deve ser aferida em concreto, tendo em atenção o respetivo regime legal (i) e a natureza da relação substancial em causa, a partir dos seus sujeitos, causa de pedir e pedido (ii)»[15].
No caso em apreço, a Recorrente alicerça precisamente a respectiva pretensão na obrigação de cariz temporário prevista no artigo 1880.º do CC, e não na obrigação de alimentos prevista no artigo 2003.º e seguintes do Código Civil, posto que assenta o respectivo pedido na alegação de uma necessidade de sustento decorrente do facto de a filha pretender continuar a estudar, no caso, para obtenção de uma licenciatura.
Efectivamente, importa neste tipo de situações proceder à distinção entre o que é a extensão da obrigação de alimentos existente relativamente ao filho menor e que apenas se prolonga na maioridade até completar o respectivo processo educativo - visando, no fundo permitir que o filho alcance a sua autonomia económica por via da formação profissional -, à qual se reporta o artigo 1880.º do CC, e aqueloutra que é a obrigação geral de alimentos cuja consagração legal se mostra plasmada na alínea c) do n.º 1 do artigo 2009.º do CC, e que os ascendentes devem aos descendentes mesmo após a respectiva maioridade, obrigação esta que não se encontra sujeita ao condicionalismo circunstancial e temporal previsto naquele indicado preceito, regendo para os casos em que o filho carece de alimentos não para a sua formação académica ou profissional mas antes para a sua própria subsistência e que pode eventualmente manter-se durante toda a vida do obrigado e daquele que tem a necessidade de ser sustentado, mormente nos casos em que existe uma deficiência profunda dos filhos que impede que consigam prover ao respectivo sustento.
Na verdade, esta distinção não é inócua, relevando, desde logo, em termos processuais, e na determinação da competência material, já que, enquanto o meio processual de concretização do direito a alimentos do filho maior a que alude o artigo 1880.º do CC é o recurso à Conservatória do Registo Civil[16] ou ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º do CPC, caso não exista ou não seja viável a obtenção de acordo; nos demais casos em que esteja em causa peticionar alimentos devidos por ascendente a filho maior, sem aquele escopo educativo e sem limitação temporal, seguir-se-á a forma processual comum actualmente regulada nos artigos 552.º e seguintes do CPC.
Mas, no tocante ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º, importa ainda precisar que o mesmo não se restringe aos casos em que não seja viável a obtenção de acordo, por isso que, também não se pode concordar com a interpretação efectuada na decisão recorrida de que o n.° 2 do artigo 989.° do novo CPC, só tem aplicação às situações em que exista processo ainda a correr termos, no momento em que acontece a maioridade ou a emancipação do alimentando menor, ou quando se suscitem incidentes de alteração ou cessação da prestação alimentar ali fixada ao menor.
Efectivamente, pese embora o referido preceito não tenha sido alterado pela Lei n.º 122/2015, não se nos afigura que da respectiva redacção resulte tal entendimento. Na verdade, o que se mostra estabelecido no indicado n.º 2 do artigo em referência, é que «tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso».
Por isso, entendemos que da interpretação do preceito, efectuada de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC, decorre até o sentido inverso, ou seja, que:
a) - se estiver a correr o processo de regulação das responsabilidades parentais e ainda não tiverem sido fixados os alimentos devidos ao filho, a maioridade ou emancipação que entretanto ocorram não impedem que tal processo se conclua, podendo consequentemente tal fixação ocorrer já após a maioridade;
b) - se durante a menoridade do filho tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade ou emancipação que ocorram posteriormente a tal fixação não impedem que os incidentes posteriores quer de alteração quer de cessação dos alimentos corram por apenso àquele processo de regulação.
Ora, no caso vertente, como vimos, estamos em presença de uma acção de alimentos a filho maior com fundamento no artigo 1880.º do CC, posto que, de acordo com a factualidade que alegou na petição inicial, a autora visa continuar a obter uma prestação de alimentos pelo requerido com vista a que a filha maior de ambos possa completar a respectiva formação.
Acresce que, durante a menoridade da filha foi fixada no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais uma prestação de alimentos a pagar pelo pai da menor.
Assim, visando a mãe da menor exigir do pai o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação da filha, nos termos previstos no n.º 3 do referido artigo 989.º, em valor superior àquele que o progenitor se encontra a pagar, o meio processual próprio para o fazer, por força do n.º 2 do mesmo artigo, é deduzir tal incidente de alteração do montante dos alimentos fixados no processo, por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais.
Se dúvidas houvesse que é este o meio processual próprio para o efeito, bastaria atentar na redacção do n.º 4 do mesmo preceito, onde claramente se afirma que o juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.
Claro está que a conclusão a que chegámos não surge evidente da mera leitura do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma.
Aliás, em anotação ao artigo 1.º do mesmo, já em 2004 Lopes do Rego[17] alertava precisamente para «a pouca cautela posta pelo legislador na articulação deste novo regime, quer com as normas do Código de Processo Civil atinentes à jurisdição voluntária, quer com os próprios preceitos da Lei n.º 3/99 (de algum modo afectados, no que se refere ao elenco das competências dos Tribunais de Família) e da Organização Tutelar de Menores é susceptível de criar numerosas dúvidas e dificuldades na sua aplicação prática». Ora, basta atentar na inúmera jurisprudência produzida a este respeito para concluirmos que a previsão do Ilustre autor se concretizou e, mais, que na actual Lei de Organização do Sistema Judiciário a competência se mantém nestes casos deferida aos tribunais.
Vejamos.
Conforme é sabido, os tribunais judiciais têm a sua competência regulada desde logo na Constituição da República Portuguesa, cujos artigos 202.º, n.º 1; 209.º; 210.º, e 211.º a 214.º, regem sobre a respectiva categoria e instâncias, podendo estas ser especializadas por matérias, encontrando-se a concretização da previsão genérica da lei fundamental actualmente consagrada na Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto[18], e, no que tange à concreta jurisdição de família e menores, também pelo Código de Processo Civil actualmente vigente, que - à semelhança do que já sucedia anteriormente -, nos artigos 64.º a 95.º faz a concretização da repartição da competência pelos tribunais judiciais, em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território, atribuindo às leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada – cfr. artigo 65.º do CPC.
Assim, no que respeita à competência em razão da matéria, os tribunais podem ser de competência especializada, mista e genérica, desdobrando-se em instâncias centrais e locais, sendo que, em face do disposto no artigo 80.º da LOSJ, em regra, se uma determinada causa não couber na competência de uma instância central de competência especializada ou mista, caberá na competência residual da instância local de competência genérica[19].
Cabe, pois, primeiramente atentar no que nos diz a actual LOSJ sobre a competência das instâncias centrais de família e menores, verificando-se, desde logo que a respectiva competência se concentra nas questões respeitantes: i) ao estado civil das pessoas e família (122.º), ii) a menores e filhos maiores (123.º); iii) e à matéria tutelar educativa e protecção (124.º).
Estando em causa um pedido de alimentos de um filho ao seu progenitor, atento o preceituado no artigo 123.º, n.º 1, alínea e), da LOSJ, a competência daquelas instâncias centrais abrange apenas a fixação dos alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil, e a preparação e julgamento das execuções por alimentos, ressalvando o n.º 3 os casos em que a lei reserve a competência referida nos números anteriores a outras entidades, situação em que a competência das secções de família e menores respeita à reapreciação das decisões dessas entidades.
Conforme decorre do próprio elemento literal do preceito em análise, a competência só se mostra deferida às instâncias de competência especializada quando está em causa a obrigação prevista no artigo 1880.º do CC, pelo que, as acções em que se pretenda a fixação de alimentos a filho maior que ali não sejam enquadradas[20], serão da competência da secção cível da instância central ou da secção de competência genérica da instância local, em função do valor do processo, nos termos previstos nos artigos 117.º, n.º 1, alínea a), e 130.º, n.º 1, alínea a) da LOSJ.
Acresce ainda na situação vertente que a LOSJ veio a ser regulamentada pelo DL n.º 49/2014, de 27 de Março, que estabeleceu o Regime Aplicável à Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, ressaltando quanto ao Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre o desdobramento constante do artigo 92.º, do qual resulta que nesta Comarca não foi criada a especialização na área de Família e Menores, pelo que, mesmo a competência para a tramitação das acções referidas no artigo 123.º da LOSJ, cabe à instância central cível prevista na alínea a) ou à instância local, secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Portalegre, prevista na alínea d), consoante o valor da causa, aplicando-se evidentemente também neste caso, a ressalva a que alude o citado n.º 3 do artigo 123.º da LOSJ.
Tudo para dizer que não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, - em cujo artigo 5.º regulou um conjunto de procedimentos relativamente aos quais deferiu a competência para a fase liminar, no dizer da lei, tendente à formação de acordo das partes, ao Conservador do Registo Civil -, tendo presente que em termos de hierarquia entre os diplomas, a lei e o decretolei têm o mesmo valor na ordem jurídica portuguesa, aplicando-se, em caso de conflito, o diploma que for mais recente ou aquele que contiver a regra que se adeqúe melhor ao caso concreto; e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respectiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respectiva pretensão.
De facto, tentando sistematizar o regime adjectivo verificamos que em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante a situação em presença.
Assim, quando está em causa a obrigação prevista no artigo 1880.º do CC, e não existiu previamente um processo de regulação das responsabilidades parentais nem se pretende cumular a pretensão com outro pedido, estando a competência liminar para a formação de acordo entre as partes, cometida ao conservador do registo civil, o requerimento deve ser apresentado na Conservatória do Registo Civil.
Neste caso, a competência da Conservatória para a tramitação do procedimento afere-se nos termos do artigo 6.º e o procedimento segue a tramitação prevista no artigo 7.º do citado decreto-lei. Frustrando-se este procedimento por ter havido oposição do requerido e ter sido constatada a impossibilidade de acordo em sede de tentativa de conciliação, o processo é remetido ao tribunal competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória (artigos 8.º e 9.º) seguindo-se o procedimento previsto nos artigos do Código de Processo Civil que regulam os processos de jurisdição voluntária.
Se, porém, correu termos um processo de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito do qual foi fixada uma prestação de alimentos, em face do n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 272/2001, não se aplica o procedimento tendente à formação de acordo entre as partes, porquanto as pretensões relativas a alimentos constituem um incidente ou dependência da acção principal.
Neste sentido, reportando-se ao então vigente artigo 1412.º, Lopes do Rego[21] ensina que o procedimento tendente à formação de acordo entre as partes previsto no DL n.º 272/2001, é aplicável aos processos regulados no artigo 1412.º do CPC – actualmente correspondente ao artigo 989.º do CPC -, salvo se forem cumulados com outros pedidos, no âmbito de acção judicial, ou constituírem incidente ou dependência de acção pendente (cfr. n.º 2 do artigo 5.º do referido DL).
«Daqui decorre (…) que tenha de se considerar reduzido o âmbito dos procedimentos regulados nos artigos 1412.º e 1413.º», e ainda que, «o processo regulado no artigo 1412.º continuará a ser aplicável quando ocorra a situação prevista no n.º 2, constituindo o pedido de alimentos ao filho maior incidente do precedente processo de fixação de alimentos ao menor».
Assim, nestes casos em que foi fixada uma prestação de alimentos em processo que correu termos durante a menoridade do filho, após a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, podemos surpreender três possibilidades adjectivas de concretização do direito a alimentos do filho maior, com fundamento no disposto no artigo 1880.º do CC: a) - o progenitor obrigado a alimentos deixou de pagar voluntariamente e o filho pretende que lhe seja satisfeito tal montante: o meio próprio é o recurso à execução por alimentos, servindo a decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da referida lei[22]; b) – o filho maior pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: para o efeito deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais; c) – o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, e que pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.
Em qualquer destes casos, incumbe ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando em sede de oposição à execução ou de contestação, que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos não é razoável.
Concluindo, pelas razões expendidas, atenta a legitimidade da progenitora e o pedido formulado na presente acção, não restam dúvidas que o tribunal recorrido é competente para conhecer da mesma, impondo-se a revogação do despacho de indeferimento liminar e o subsequente processamento dos autos, como for de direito.
Pelo exposto, procede o presente recurso.
*****
III.2.3. - Síntese conclusiva:
I - No domínio da anterior redacção do artigo 1905.º do Código Civil, a jurisprudência dominante perfilava o entendimento de que atingida a maioridade caducava a pensão de alimentos, pelo que, quando fixada durante a menoridade do alimentado tal pensão, para que a fixação da obrigação de alimentos, nos quadros do artigo 1880.º do Código Civil pudesse operar, tinha o filho, agora maior de idade, que requerer, em processo próprio, a fixação de alimentos através do processo previsto no artigo 1412.º do Código Civil.
II - Atenta a redacção introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, considerando a referida divergência de entendimentos, e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, sublinhando o legislador que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, deve concluir-se que estamos perante lei que é interpretativa do artigo 1880.º do CC, quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade, e até que o filho complete 25 anos.
III - Assim, a regra actualmente estabelecida no artigo 1880.º do CC, é a de que a pensão fixada em benefício do filho menor mantém-se até que este complete os 25 anos, cabendo deste modo ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador no segundo segmento do preceito em questão: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável.
IV - Acresce que, de modo inovador, com a alteração efectuada ao regime substantivo, a referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, mormente no n.º 3 do artigo 989.º do CPC, conferindo agora legitimidade ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos, para exigir a contribuição do obrigado a alimentos.
V - A aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, tem de ser concatenada com as disposições do Código de Processo Civil e do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma, porquanto, em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante a situação em presença.
VI - Assim, não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respectiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respectiva pretensão.
VII - Da interpretação do artigo 983.º, n.º 2, do CPC, efectuada de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC, decorre que: a) - se estiver a correr o processo de regulação das responsabilidades parentais e ainda não tiverem sido fixados os alimentos devidos ao filho, a maioridade ou emancipação que entretanto ocorram não impedem que tal processo se conclua, podendo consequentemente tal fixação ocorrer já após a maioridade; b) - se durante a menoridade do filho tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade ou emancipação que ocorram posteriormente a tal fixação não impedem que os incidentes posteriores quer de alteração quer de cessação dos alimentos corram por apenso àquele processo de regulação.
VIII - Assim, enquanto o meio processual de concretização do direito a alimentos do filho maior a que alude o artigo 1880.º do CC, que não foram fixados durante a respectiva menoridade, é o recurso à Conservatória do Registo Civil ou ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º do CPC, caso não exista ou não seja viável a obtenção de acordo; nos demais casos em que esteja em causa peticionar alimentos devidos por ascendente a filho maior, sem escopo educativo e sem limitação temporal, seguir-se-á a forma processual comum actualmente regulada nos artigos 552.º e seguintes do CPC.
IX - Já nos casos em que foi fixada uma prestação de alimentos em processo que correu termos durante a menoridade do filho, e após a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, podemos surpreender três possibilidades adjectivas de concretização do direito a alimentos do filho maior, com fundamento no disposto no artigo 1880.º do CC: a) - o progenitor obrigado a alimentos deixou de pagar voluntariamente e o filho pretende que lhe seja satisfeito tal montante: o meio próprio é o recurso à execução por alimentos, servindo a decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da referida lei; b) – o filho maior pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: para o efeito deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais; c) – o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, e que pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.
X - No caso dos autos, visando a progenitora exigir do pai da sua filha, agora maior, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação desta, em valor superior àquele que o progenitor se encontrava obrigado a pagar por via de anterior processo de regulação das responsabilidades parentais, nos termos inovatórios actualmente consentidos pelo n.º 3 do artigo 989.º, o meio processual próprio para o fazer, por força do n.º 2 do mesmo artigo, é deduzir incidente de alteração do montante dos alimentos fixados no processo, por apenso àqueles autos de regulação das responsabilidades parentais.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso, revogando o despacho de indeferimento liminar, e determinando o prosseguimento dos autos, como for de direito.
Custas do recurso pela parte vencida a final.
*****
Évora, 9 de Março de 2017
Albertina Pedroso [23]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
__________________________________________________
[1] Portalegre, Instância Local, Secção Cível, Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Doravante abreviadamente designado CC.
[5] Dessa divergência dá nota J. H. Delgado de Carvalho, in “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9”, disponível no Blog do IPPC, acessível in http://blogippc.blogspot.pt/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html, referindo que “Embora a obrigação de alimentos fixada durante a menoridade não cesse com a maioridade do filho enquanto este não tenha completado a sua formação profissional (cfr. art. 1880.º do CCiv), prevalecia na jurisprudência o entendimento segundo o qual o pedido de alimentos, formulado em processo pendente (Cr. art. 989.º, n.º 2, do NCPC) ou na instância renovada de processo findo (Cr. art. 282.º, n.º 1, do NCPC), apenas podia ser apreciado até ao momento em que o filho completasse 18 anos. A maioridade gerava a inutilidade superveniente da lide no que se refere à subsistência da obrigação para além desse momento.”.
[6] Cfr. artigo 4.º.
[7] Cfr. neste sentido, Ac. TRC de 15-11-2016, proferido no processo n.º 962/14.0TBLRA.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, nota l ao art. 13°.
[9] Cfr. J. Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1983, pág. 247.
[10] Cfr. Acórdão do STJ de 08-04-2008, proferido no Processo n.º 08A493, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Citado no indicado Acórdão, in “Notas ao Código Civil”, edição de 2002.
[12] Que entrou em vigor no dia 8 de Outubro de 2015, ex vi do disposto no respectivo artigo 7.º.
[13] Cfr. neste sentido o Ac. STJ de 18-06-2015, proferido no processo n.º 13857/14.9T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt referindo-se que o enquadramento genérico seguinte já foi por nós afirmado no acórdão deste TRE proferido em 03-11-2016, no processo n.º 490/16.0T8PTG.E1, disponível no mesmo sítio, mas que se reporta a pedido de alimentos de um filho maior, que invocou a respectiva deficiência como fundamento daquele direito.
[14] Proferido no processo n.º 08A493, e disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Acórdão do TRP de 5-2-2015, processo n.º 13857/14.9T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, que exaustivamente efectua o enquadramento da questão, com recurso a elementos sistemáticos e históricos.
[16] Em face do que estabelece o art. 5º, nº 1, al. a) do citado Decreto-lei nº 272/2001 que “O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados”.
[17] In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, Almedina 2004, pág. 539.
[18] Doravante abreviadamente designada LOSJ.
[19] Cfr. neste sentido, J.F. Salazar Casanova, in Lei de Organização do Sistema Judiciário, Revista da Ordem dos Advogados, ano 73, II/III – Lisboa, Abr-Set. 2013, pág. 468.
[20] Veja-se o caso que tratámos no Acórdão citado.
[21] Obra citada, pág. 543.
[22] Cfr. neste sentido, Ac. TRL de 30-06-2016, proferido no processo n.º 6692/05.7TBSXL-C.L1.-2, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Texto elaborado e revisto pela Relatora.