Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
544/14.7GAVNO.E1
Relator: CARLOS JORGE BERGUETE
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A sujeição da pena acessória de inibição de condução a restrições viola a sua natureza e a sua finalidade intrínsecas pelo que o seu cumprimento tem de ser contínuo, tal como o é, em geral, o cumprimento das penas, sob pena de preterição do princípio da legalidade (art. 1.º do CP) nessa matéria.
Decisão Texto Integral:






Proc. n.º 544/14.7GAVNO.E1
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Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
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1. RELATÓRIO

Nos autos de processo sumário, com o número em epígrafe, da Instância Local de O, Secção Criminal, Juiz 1, da Comarca de S, realizado o julgamento e proferida oralmente a sentença, o arguido DSG foi condenado, pela prática, em 2 de Outubro de 2014, pelas 18 horas e 22 minutos, na Estrada Nacional 349, L, O, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia de € 675,00, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do CP.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando como conclusões:
I) - No caso concreto, foi aplicada ao arguido a pena acessória de inibição de conduzir veículos pelo período de sete meses, quando o limite mínimo se fixa em três meses;
II) Não foi portanto, devidamente sopesado pelo Tribunal, o facto de o arguido ser primário, a confissão integral dos factos, bem como a situação económica e social do arguido;
III) Com efeito, atendendo aos critérios de determinação da pena previstos no artigo 71º do Código Penal, a proibição de condução pelo período de sete meses mostra-se adequada e proporcional no caso concreto;
IV) O arguido tem necessidade de diariamente utilizar o automóvel para a realização de várias tarefas diretamente relacionadas com a sua atividade;
V) A pena acessória mais próximo do limite mínimo exigível demonstraria a consideração das circunstâncias pessoais e sociais do arguido, sendo certo que as exigências de prevenção especial não assumem particular relevo no presente caso, já que o arguido não regista antecedentes criminais e que se encontra familiar, social e profissionalmente bem integrado, mostrando-se juntamente com a pena de multa, adequada a afastar o arguido do cometimento de novos ilícitos;
VI) Acautelando ainda suficientemente as exigências de prevenção que a causa requer;
VII) Com efeito, o objectivo visado com a aplicação de uma pena acessória distingue-se do objectivo visado pela pena principal, sendo certo que a proibição de conduzir apenas concerne à perigosidade do agente e às exigências de prevenção geral;
VIII) Acresce que o arguido é um condutor cuidadoso, não tendo posto em perigo com a sua condução o trafego rodoviário.
IX) Não tendo antecedentes criminais pela prática deste tipo de crimes.
X) Confessou integralmente e sem reservas os factos, mostrando-se cooperante para a descoberta da verdade.
XI) Impondo-se ao arguido a aplicação da pena de inibição de conduzir, a mesma deverá ter plena aplicabilidade nos fins de semana e período de férias;
XII - O princípio da proporcionalidade em sentido amplo, maxime o subprincípio da necessidade acolhido no art. 18.º da CRP, impede a utilização de meio mais oneroso para os direitos, liberdades e garantias, quando os fins visados com a lei podem ser obtidos por meios menos onerosos, o que implica que devam aplicar-se penas menos graves.
Nestes termos e, louvando-nos quanto ao mais, nos factos constantes nos autos, somos de parecer que o presente recurso merece provimento e nos mais de direito que doutamente serão supridos, deverá ser revogada a douta decisão na parte ora em crise.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo que a Meritíssima Juiz de Direito não violou as normas que o recorrente invoca na sua peça processual a que ora se responde, pelo que a sentença aplicada ao recorrente deve ser mantida na íntegra e nos seus precisos termos como é de inteira e sã JUSTIÇA.


Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as de nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º do CPP, e as previstas no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.
Constituindo princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º do CPP), o recurso versa, unicamente, matéria de direito, incidindo em analisar:
A) – da redução da pena acessória aplicada;
B) – do cumprimento dessa pena em fins de semana e em período de férias.
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Tendo-se procedido a audição do suporte de gravação da sentença, desta resulta, no que ora releva:
Factos provados:

Factos constantes acusação, portanto que:
Vinha conduzindo, no local descrito no auto de notícia e na data e hora também aí indicada, o veículo aí identificado, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 2,31 g/l.
Sabia que apresentava a taxa de álcool no sangue; obviamente não sabia o valor concreto, mas sabia que o impedia de conduzir de uma forma consciente e, ainda assim, decidiu fazê-lo, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Considerou-se também que:
É mecânico, chefe de oficina.
Aufere cerca de 1000 euros mensais e paga de amortização de empréstimo bancário para habitação o valor de cerca de 250 euros mensais.
Não tem antecedentes criminais.
Confessou os factos pelos quias vinha acusado.

Motivação:
Todos estes factos se provaram com base nas declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas, de forma espontânea e sincera, e ponderou-se também o talão do alcoolímetro que se encontra junto aos autos.
Analisou-se ainda o certificado do registo criminal para a inexistência de antecedentes.
No que diz respeito à situação pessoal, ponderou-se também as declarações que aqui prestou.

Medida da pena:
(…)
Na determinação da pena de multa, há que aferir determinadas circunstâncias.
A ilicitude dos factos é muito elevada, atendendo à taxa de álcool no sangue apresentada.
O dolo, que é dolo directo, na medida em que sabia que não se encontrava em condições de conduzir, que se encontrava sob o efeito do álcool e, ainda, assim, decidiu conduzir.
E também as necessidades de prevenção geral no que diz respeito a este tipo de crime em concreto, para, também, podermos desta forma evitar a lesão de outros bens jurídicos mais elevados do que aquele que está em causa nestes autos, a vida e a integridade física que, neste caso, felizmente, não aconteceu, mas podia ter acontecido.
Importa também ponderar a taxa de sinistralidade rodoviária que existe em Portugal em consequência da condução sob efeito do álcool.
Por outro lado e a favor do arguido, a sua confissão e a inserção sócio-profissional que ficou também provada.
(…)
Nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, é também condenado na proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre 3 meses e 3 anos, quem for punido designadamente por este tipo de crime.
E, atendendo a todos os factos já elencados, o tribunal, dando especial ênfase à taxa de álcool que apresentava, fixa em 7 meses a duração da proibição de conduzir veículos com motor.

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Apreciando:

A) - da redução da pena acessória aplicada:
Preconizando a redução da pena acessória para medida próxima do limite mínimo legal, o recorrente invoca que confessou de forma integral e sem reservas, é mecânico de profissão e no âmbito de tal actividade é obrigado a testar viaturas de clientes e outras tarefas que dependem da condução de veículo automóvel, é um condutor cuidadoso, não pôs em perigo o tráfego rodoviário, não tem antecedentes
criminais e as necessidades de prevenção especial da perigosidade são diminutas.
A pena em apreço, como vem sendo pacificamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, justifica-se por exigências de prevenção, não só especial, mas sobretudo geral e com intimidação, dentro do limite da culpa, não só por o crime ter sido cometido no exercício da condução, como também pela apreciação das circunstâncias dos factos e da personalidade que se revelarem substancialmente censuráveis no âmbito da protecção dos bens visados pela incriminação.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, pág. 165, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano.
Evidentes são, pois, as razões de política criminal para o legislador ter incluído o crime de condução de veículo em estado de embriaguez no elenco que tipificou no art. 69.º do CP, já que, sendo um crime de perigo abstracto, teve em vista a acrescida protecção dessa mesma perigosidade, inerente à própria norma incriminatória, se bem que indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dada a sua natureza de consequência da prática de um crime e que, como a generalidade das penas acessórias no nosso ordenamento jurídico-penal, é sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal, que permite, desse modo, o reforço e a diversificação do conteúdo penal da condenação.
Sendo a segurança da circulação rodoviária, o bem jurídico protegido com a incriminação, compreensível e justificado é o sancionamento do agente em proibição de conduzir, para que, além do mais, interiorize adequadamente o desvalor da conduta e veja nisso uma especial advertência por comportamento potencialmente perigoso, embora a sanção esteja limitada, nos seus pressupostos, pela sua culpa e só se colocando a perigosidade como finalidade mediata da punição.
As exigências de prevenção geral relacionadas com o tipo legal em causa são elevadas, atenta a elevada frequência com que as infracções relacionadas com a condução sob o efeito do álcool são praticadas e a sua forte influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária, com centenas de vítimas e elevados danos patrimoniais, requerendo, assim, punição consentânea.
Emerge, pois, com acuidade, a necessidade de acautelar essa finalidade de protecção, como garantia da validade da norma e de confiança da comunidade, embora não possam deixar de ser confrontadas com outros valores relevantes, em que se incluem as exigências de integração pressupostas pelo legislador.
Na verdade, as consequências, para a condução, que decorrem da ingestão de bebidas alcoólicas, são variadas e de relevo não reduzido - a audácia incontrolada, a perda de vigilância em relação ao meio envolvente, a perturbação das capacidades sensoriais e perceptivas, o aumento do tempo de reacção, a lentidão da resposta reflexa, a diminuição da resistência à fadiga -, bem como são assinaláveis os perigos associados, para o próprio e para terceiros, motivados pelas mesmas, com riscos notoriamente relevantes de envolvimento em acidentes, muitas vezes, mortais.
A determinação da pena acessória rege-se pelos critérios definidos pelos arts. 40.º e 71.º do CP, em obediência ao princípio “acessorium principale sequitur”.
Não deixa, pois, de ter por subjacente o art. 40.º, n.º 1, do CP, enquanto norteador das suas finalidades, se bem que o propósito de reinserção social não assuma o relevo que, ao nível da pena principal, deve ser respeitado.
Assim, também, na protecção de bens jurídicos, vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem bens e valores, ou seja, de prevenção geral. E a previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja, uma finalidade de prevenção especial.
A medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, ou seja, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
Ainda que lhe sendo presente a finalidade de protecção do perigo inerente à condução em estado de embriaguez, a medida da culpa funciona como seu pressuposto axiológico-normativo (n.º 2 daquele art. 40.º).
A resposta punitiva exigida tem de merecer a aceitação da comunidade e ser adequada a que o recorrente sinta censura suficiente ao seu comportamento, com efeito útil de dissuasão de reiteração da conduta.
Provou-se que conduzia com taxa de álcool no sangue (2,31 g/l) bem superior ao mínimo legal para o efeito de responsabilização criminal, com grau de ilicitude e intensidade do dolo elevados, conforme salientado pelo tribunal “a quo”, circunstâncias que, embora não se tivesse provado criação de perigo concreto - que não é necessário ao preenchimento do crime -, não podem deixar de ser valoradas na sua dimensão, como factores que tornam o comportamento mais censurável.
A sua confissão assume relevo atenuativo muito reduzido, dado o verificado flagrante delito.
Por seu lado, a sua revelada inserção social não configura elemento com carga atenuativa de relevo, sabendo-se que, a tal nível de criminalidade, isso é realidade comum e não serve para justificar a conduta em que incorreu.
Acresce que, admitindo-se que a condução de veículos de clientes seja frequente na sua profissão, não assume, porém, aspecto que a experiência dite que o recorrente fique impedido ou seriamente afectado no seu trabalho de mecânico se não puder conduzir.
Aliás, vista essa alegada importância para a sua profissão, caber-lhe-ia que tivesse tido diferente reflexão quando se dispôs a conduzir nas condições em que se encontrava.
Em síntese, a sua culpa, valorada pela ponderação global dos factores atendidos, coloca-se num nível mediano, que não se compatibiliza com a cominação da pena acessória por período inferior ao fixado.
Inexiste fundamento, neste âmbito, para conferir preponderância aos objectivos de reinserção do recorrente e, contrariamente ao que invoca, manifestamente a aplicação de pena próxima do limite mínimo legal não acautelaria suficientemente as finalidades punitivas a que a pena em causa se destina.
Nem mesmo a sua redução se justifica.
A medida fixada é consentânea com os legais critérios e não contende com a restrição inerente necessária, afigurando-se equilibrada e justa, sem exceder a margem valorativa da culpa, que a adequada percepção dos factores atendidos reflecte.

B) - do cumprimento dessa pena em fins de semana e em período de férias:
O recorrente, reportando-se ainda à sua profissão e à necessidade de conduzir veículos automóveis, defende que a pena acessória venha a ser cumprida em fins de semana e em período de férias.
Ora, é manifesto que a sujeição da pena acessória a restrições viola a sua natureza e a sua finalidade intrínsecas e, contrariamente a outras situações legalmente previstas de interrupção de cumprimento de penas, como sejam, a de prisão por dias livres, a de semi-detenção ou do pagamento de multa a prestações (arts. 45.º a 47.º do CP), o seu cumprimento tem de ser contínuo, tal como o é, em geral, o cumprimento das penas, sob pena de preterição do princípio da legalidade (art. 1.º do CP) nessa matéria.
Ainda, além do mais, prevê o referido art. 69.º do CP, nos seus n.ºs 3 a 5, a forma como se torna exequível o cumprimento da pena acessória – “(…) o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido (…) A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir (…) bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento(…)”, identicamente ao preceituado no art. 500.º do CPP.
Tal previsão legal inculca a ideia do legislador de que a proibição de conduzir tem de ser contínua, sob pena de interpretação desconforme às regras gerais do art. 9.º do Código Civil, sendo que até a terminologia adoptada pelo legislador – “proibição” – igualmente a sufraga – entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 10.12.1997, in CJ ano XXII, tomo V, pág. 239, e o acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.2006, in CJ ano XXXI, tomo I, pág. 130.
As dificuldades de harmonia do seu cumprimento com alguma restrição, atinente a interrupções, são manifestas perante o regime legal imposto, não se divisando como algum controlo dessa situação, na prática, lograsse efeito e como permaneceria respeitado o princípio da legalidade das penas.
Inerentemente, a exclusão da proibição de conduzir em determinados períodos equivaleria a solução sem apoio legal e contrária à força executiva subjacente à decisão que comina essa pena acessória (art. 467.º, n.º 1, do CPP).
Não se vê, assim, como pudesse a proibição de conduzir aplicada ao recorrente ser cumprida e executada como invoca, de forma claramente perdendo a finalidade que prossegue e, por isso, desvirtuando-a, como se pudesse ser interrompida na sua execução, sem susceptibilidade, na prática, de controlo exequível, a não ser que se admitisse que, nos períodos de trabalho, pudesse conduzir sem título que o habilitasse ou que, por via da actividade profissional, pedisse a devolução do título de condução, deixando este, estranhamente, de estar, por períodos, apreendido nos autos.
É, pois, dentro de todas estas condicionantes, que a pretensão do recorrente tem de ser encarada.
Se bem que, admite-se, a sua situação profissional, através da aplicação da sanção, seja perturbada, redundando para si em sacrifício, não se prova, contudo, que inviabilize, sem mais, o exercício da respectiva actividade.
O sacrifício que lhe é imposto não é, na verdade, despiciendo e criar-lhe-á alguma dificuldade de compatibilizar as suas responsabilidades profissionais com a execução da sanção, mas a si o deve e, por isso, a si, também, caberá encontrar a melhor forma de o atenuar.
A censurabilidade do seu comportamento e a acrescida valoração que ao recorrente era, nas circunstâncias, imposta, mediante adequada reflexão das consequências do mesmo, não podem ser desvirtuadas pela necessidade que agora alega.
Ao ser limitado, de algum modo, o seu direito ao trabalho, isso funda-se na prática dos factos e não de forma arbitrária ou discriminatória, e a dignidade social do recorrente não é, por tal via, postergada, já que tem por subjacente a sua responsabilidade e a sua culpa e, assim, se respeita o princípio da aplicação não automática da sanção e dos seus efeitos, não sendo minimamente violada a imposição decorrente do art. 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Sobre a matéria, pronunciou-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/02, de 23.10.2002 (www.dgsi.pt), nele consignando-se designadamente:
(…) O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
(…) ainda que fosse demonstrada (…) que (…) inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão (…) adianta-se desde já que a objectiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.
Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido (…) a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool (…) o conteúdo essencial do direito ao trabalho (…) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens – que fundamentam a sua limitação (…) - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (…) são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam na estradas.
Daí que a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições (…) não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.
Acresce que nem mesmo se patenteia qualquer situação de excepcionalidade que pudesse perspectivar que a pena acessória fosse, de algum modo, modificada, sob pena de, por essa via de restrição, se atingirem resultados diferentes e finalidades diversas consoante a profissão de alguém, estranhamente concedendo-se benefício a conduta de quem, como o recorrente, afinal, merece uma maior censura.
O cumprimento contínuo da pena acessória aplicada não ultrapassa, de modo algum, qualquer limite para além do que é razoável exigir ao recorrente, em sintonia com o princípio subjacente ao art. 18.º, n.º 2, da CRP, revelando-se como meio adequado e proporcional para a prossecução dos fins que à mesma têm de presidir.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,
- manter integralmente a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, com a taxa de justiça em soma equivalente a 3 UC.
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Processado e revisto pelo relator.

(Carlos Jorge Berguete)
(João Gomes de Sousa)