Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | FUNDAMENTOS DE FACTO NULIDADE DA SENTENÇA | ||
Data do Acordão: | 02/08/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | A ausência de motivação de facto que determina a nulidade da sentença é a omissão total ou absoluta, como se infere da expressão “não especifique os fundamentos de facto” e não a ausência da discriminação dos factos no momento lógico anterior à aplicação do direito. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 111/10.4TBALR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório. 1. (…) e mulher, (…), residentes na Rua (…), n.º …, Frade de Baixo, Alpiarça, instauraram contra (…), residente na Rua (…), n.º …, em Alpiarça, (…) e marido (…), residentes na Rua (…), n.º …, em Alpiarça, ação declarativa com processo ordinário. Em resumo, alegaram que os pais do A. marido, no ano de 1970, por acordo verbal, compraram aos avós dos RR. o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Alpiarça sob o n.º (…), da freguesia de Alpiarça, atualmente inscrito na matriz sob o artigo (…) da secção (…), pelo preço de cento e cinquenta mil escudos e que desde a referida data, os pais do A. marido sempre se comportaram como verdadeiros proprietários do prédio, arrancando a vinha e plantando uma vinha nova, amanhando a vinha, abrindo no prédio um furo artesiano de captação de águas subterrâneas, plantando pessegueiros e amanhando-os, fazendo culturas de hortícolas, batatas, morangos, culturas estas que se praticam até hoje e que foram objeto de projetos com apoios comunitários, tendo o pai do A. marido cedido e arrendado o prédio para efeitos de cultivo à A. mulher. O que tudo fizeram na convicção de que eram donos do prédio, de forma contínua, pacífica, pública, de boa-fé, sem oposição de ninguém, posse esta continuada, após a sua morte, através do A. marido enquanto seu único e universal herdeiro. Concluíram pedindo que se reconheça que o A. marido adquiriu o prédio por usucapião. Citados os RR não contestaram.
2. Foi proferido despacho que certificou a regular citação dos RR e considerou confessados os factos alegados pelos AA. Seguiu-se a prolação da sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
3. É desta sentença que a ré (…) interpõe recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: 2. Os Réus, tendo sido citados daquele pedido – que foi procedente –, não contestaram a ação e seguidamente, foi proferida a douta sentença de que se recorre, a qual teve por base a fundamentação de facto descrita nos seguintes termos: “Em face do silêncio dos Réus, que, apesar de devidamente citados, não apresentaram contestação, e ao abrigo do disposto nos artigos 567.º, n.º 1, 568.º, a contrario, todos do Cód. Proc. Civil, julgo confessados todos os factos alegados pelos Autores na Petição Inicial.”. 3. A questão de direito em causa nestes autos tem sido objeto de decisões dos Tribunais Superiores, que se têm pronunciado no sentido de: “I. A causa, não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelo autor por falta de contestação, tem de ser julgada conforme for de direito. II. Mas uma sentença deve obedecer, na sua elaboração, ao estatuído no nº 3 do art.º 607º do CPC, que manda discriminar os factos que o julgador considera provados, o que implica naturalmente uma prévia seleção dos factos articulados pelo autor. III. Só depois devendo a causa ser julgada conforme for de direito.”, in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 4215/13.3TBBRG.G1, Relator Amílcar Andrade, de 03.07.2014. 4. Pois, o julgador não pode apenas referir-se aos factos como um todo, mas deve discriminá-los, já que a petição inicial, considerados todos os seus artigos, não encerra apenas factos, mas também observações, comentários, asserções conclusivas, entre outros. 5. E não compete à Recorrente fazer a seleção do que acha tratar-se de factos a considerar, ou de não factos, para poder saber qual a base para o seu recurso. 6. E apesar da existência de fundamentação de Direito, na verdade a nossa Lei impõe muito mais ao julgador do que fundamentar a sua decisão de Direito, porque deve desde logo se alicerçar nos factos dados como provados, tenham sido eles contestados ou não. 7. E não nos parece que a expressão “julgo confessados todos os factos alegados pelos Autores na Petição Inicial”, seja suficiente para conseguir “escolher” o que foi considerado facto ou não. 8. Não é pelo facto de existir a confissão por falta de contestação, que as imposições e as exigências legais, de discriminação dos factos provados deixam de ter aplicação, contrariamente a outra qualquer sentença, que tenha tido contraditório, ou mesmo julgamento. 9. Assim, a douta sentença de que se recorre padece do vício de nulidade, nos termos do artigo 615º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil, devido à falta de especificação dos fundamentos de facto, e dos próprios factos, cuja formalidade era exigida por imposição do artigo 607º, n.º 3, deste mesmo código. 10. Deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença do Tribunal A quo ser anulada, com base no vício de nulidade por falta absoluta de fundamentação de facto expressa, com as legais consequências. Com o que será feita JUSTIÇA” Não houve lugar a resposta. Do ora exposto extrai-se que os pais do Autor desde 1970 exerceram de forma reiterada e pública atos materiais correspondentes ao exercício do direito, atos estes que continuaram após a morte daqueles através do Autor, conforme resulta da factualidade assente. Assim sendo, conclui-se que os pais do Autor se encontravam na posse do imóvel desde 1970, na medida em que praticam atos suscetíveis de demonstrar o controlo material sobre a coisa, pois que arrancaram vinha, amanharam o prédio, plantaram pessegueiros, afetaram o terreno à cultura de hortícolas, batatas e morangos, cederam e arrendaram o prédio, exercendo, então, o poder de facto sobre o mesmo. Assim sendo, conclui-se que os antecessores do Autor se encontravam na posse da referida parcela. Mais ficou assente que os referidos atos de posse continuaram após a morte dos pais do Autor através de si. Assim sendo, de igual modo, o Autor exerceu de forma reiterada e pública atos materiais correspondentes ao exercício do direito. Ora, nos termos do disposto no artigo 1255.º, do Código Civil, por morte do possuidor, a posse continuar nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa. Com efeito, continuando a posse do de cujus no sucessor, há que admitir, como consequência necessária, que o sucessor não precisa de praticar qualquer ato material de apreensão ou de utilização da coisa, como expressamente se declara neste artigo e se repete na parte final do n.º 1 do artigo 2050.º, para ser havido, para todos os efeitos legais, como possuidor; ele pode inclusivamente ignorar a existência da posse. Em segundo lugar, há que concluir que a posse não é nova. A posse continua a ser a antiga, com todos os seus caracteres: de boa ou de má fé, titulada ou não titulada, pacífica ou violenta. – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição revista e atualizada, página 13. Assim sendo, e sendo o Autor sucessor de (…) e (…), não restam dúvidas de que a posse dos seus antecessores continua neste, independentemente da apreensão material da coisa. Nestes termos, conclui-se que o Autor se encontra na posse do imóvel desde 1970. Conforme supra referido, o exercício dos atos materiais faz presumir a existência de animus possidendi, nos termos do disposto no artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil, sendo certo que não foi produzida qualquer prova que ponha em causa tal presunção. Acresce que a posse exercida pelos antecessores do Autor e, consequentemente, por este era pública e pacífica, exercida de boa-fé, na medida em que era exercida à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, sendo que todos estavam convictos que a tal estavam legitimados. Por último, considerando o disposto nos artigos 1293.º a 1296.º, estando o imóvel na posse dos antecessores do Autor há mais de quarenta anos, não restam dúvidas de que o prazo legalmente exigido para a verificação da usucapião já decorreu. Assim sendo, e em face de tudo o que se deixou exposto, conclui-se que se encontram preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para a aquisição do direito de propriedade por via de usucapião. Em face do ora exposto, impõe-se concluir que o Autor é proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Alpiarça sob o n.º (…), da Freguesia de Alpiarça, atualmente inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…).” 2.1. Se a sentença é nula por não especificar os fundamentos de facto. A Recorrente considera a sentença nula por não especificar os fundamentos de facto e isto porque, aduz, a sentença se limita a julgar confessados todos os factos alegados pelos Autores na Petição Inicial e não compete à Recorrente fazer a seleção do que acha tratar-se de factos a considerar, ou de não factos, para poder saber qual a base para o seu recurso. Em conclusão, a sentença recorrida embora não haja discriminado separadamente os factos que julgou provados, não deixou de os especificar em momento lógico posterior, ou seja, aquando da subsunção dos factos ao direito e, assim, dela não se poderá, a nosso ver, validamente dizer que é nula por omissão da especificação dos fundamentos de facto. |