Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1289/04.1TBBNV-A.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
TAXA DE JUSTIÇA
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No decurso da vigência do Código das Custas Judiciais, a taxa de justiça devida em 1ª instância deve ser calculada tendo como referência o valor da UC vigente no início do processo; ainda no âmbito do referido diploma, o valor da sucumbência, ainda que determinável, deve ser indicado no requerimento de interposição do recurso, sob pena de, não se fazendo, se tomar em consideração o valor da acção; numa acção de expropriação, por causa de utilidade pública, de complexidade e tramitação típicas, o “custo da justiça” – que fixou o montante da indemnização devida em € 243.498,47, acrescida de actualização – de € 52.327,33 não é razoável; nos casos de “desproporcionada taxação”, deve executar-se o artigo 27º, nºs 1 e 3, do Código das Custas Judiciais; é tempestiva a arguição da referida desproporção, na sequência da notificação da conta.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Agravo n.º 1289/04.1TBBNV-A.E1




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:





Relatório

Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S.A. e expropriados (…) e (…), recorreram estes do despacho que, em 18 de Setembro de 2012, indeferiu, parcialmente, a reclamação da conta de custas, nos termos do artigo 60.º do Código das Custas Judiciais, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

- Taxa de justiça devida na 1ª instância: os expropriados, apesar de concordarem com o valor tributário do processo fixado na 1ª instância, € 1.133.983,13, discordam do valor da taxa de justiça determinada a final, de € 21.654,08, que deveria ser fixada em € 18.894,25;

- Na decisão recorrida, entendeu-se que o valor da UC a atender no cálculo da conta de custas final do processo deve corresponder ao que esteja em vigor, no momento do trânsito da decisão final; os recorrentes, pelo contrário, entendem que o valor da UC a considerar é o que vigorava à data do início da acção;

- Os princípios da irretroactividade da lei fiscal e da protecção da confiança – correspondente ao que foi adoptado no artigo 5.º, nº 3, do vigente Regulamento das Custas Judiciais – suportam a posição dos recorrentes;

- Valor tributário dos recursos interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça: o valor tributário destas instâncias foi fixado em € 1.068.107,78, correspondente à diferença entre o valor peticionado pelos expropriados, em 1ª instância, € 1.311.606,25, e o valor fixado na sentença do Tribunal recorrido, € 243.498,47;

- Apesar dos expropriados não terem indicado o valor da sucumbência nos requerimentos de interposição de recurso de apelação e revista, a verdade é que esse valor é facilmente determinável a partir dos elementos constantes do processo, designadamente por referência às decisões recorridas e aos pedidos formulados nas alegações de apelação e de revista dos expropriados;

- Porque a sucumbência é determinável, no valor de € 515.283,08 em cada instância, é este o valor que deve atender-se no cálculo das custas finais, nos termos do artigo 11.º, nº 1, do Código das Custas Judiciais;

- No processo expropriativo, os expropriados apenas defenderam o seu direito de propriedade e viram ser-lhe reconhecido um direito ao pagamento de uma justa indemnização;

- O caso concreto deverá ser enquadrado na previsão normativa do artigo 27.º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, dispensando-se os recorrentes do pagamento do valor da taxa de justiça relativamente ao remanescente superior a € 250.000,00 e ficando responsáveis pelo pagamento de € 6.313,99, a título de custas finais do processo;

- Analisado o processado da presente acção, nada leva a concluir pela sua elevada ou anormal complexidade, de forma a justificar, como contrapartida do serviço público prestado, o pagamento/tributação de custas judiciais pelos valores que resultem da decisão recorrida;

- A interpretação do artigo 13.º, nº 1, do Código das Custas Judiciais e da Tabela anexa, no sentido de que a taxa de justiça final de um processo dever ser determinada exclusivamente em função do valor da acção, sem previsão de um qualquer limite máximo (em razão da natureza do processo, da complexidade da causa, da conduta processual das partes ou do carácter manifestamente excessivo e desproporcionado da taxa de justiça face ao serviço prestado pelos Tribunais), não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título, é inconstitucional, por violação do direito fundamental dos cidadãos de acesso à Justiça, aos Tribunais, ao Direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, bem como do princípio da proibição do excesso e da proporcionalidade (artigos 2.º, 18.º, nº 2 e 20.º da Constituição).


Inexistem contra-alegações.


Face às conclusões antes referidas, o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: a) valor da taxa de justiça devida na 1ª instância; b) valor tributário dos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça; c) valor da taxa de justiça devida pelos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça.


Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


A - Os factos


Decisão recorrida:


A - Quanto ao valor da taxa de justiça devida na 1ª instância


“ (…)


Dito isto, cumpre notar que as obrigações relativas à dívida de custas constituem-se, por regra, no momento do trânsito da decisão final.


Logo no início da vigência do Código das Custas Judiciais era entendimento corrente que o quantitativo correspondente a cada UC seria o que vigorasse nessa data (…).


E não vemos (…) motivo algum para alterar esta posição.


É certo que, entretanto, o Regulamento das Custas Judiciais alterou tal paradigma (cfr. artigo 5.º, nº 3). No entanto, segundo o artigo 12.º, nº 1, do Código Civil, por regra, a lei (nova) só dispõe para futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Destarte, as normas sobre as custas de natureza substantiva, como é o caso das que se reportam ao quantum da UC, só são aplicáveis às obrigações do pagamento de custas que se constituírem, por decisão transitada em julgado, no domínio da sua vigência.


No caso, datando o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos em 2011, temos o valor da UC a considerar correspondente a € 102,00 – cfr. artigo 67.º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro.


(…)”.





B- Quanto ao valor tributário dos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça


“Nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, “nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso; não sendo o mesmo determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção”.


Resulta, assim, em termos expressos, da lei que o valor do recurso é o da sucumbência se esta for determinável nas deve o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso. Não fazendo, ou não sendo aquele determinável, o valor do recurso é o da acção (…). Sucede que os próprios reclamantes admitem que não procederam a tal indicação. Nestes termos, e por apelo ao que se acaba de dizer, também, aqui nenhuma censura nos merece a conta elaborada nestes autos”.





C- Quanto ao valor da taxa de justiça devida pelos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça


“ (…)


Ora de acordo com o que vem sendo o entendimento do Tribunal Constitucional, o princípio da proporcionalidade, em matéria de custas, reveste, pelo menos, três sentidos: o de equilíbrio entre a consagração do direito de acesso aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício; o da responsabilidade de cada parte pelas custas de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional; e o do ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes.


Na medida em que o débito de custas está, no caso dos autos, ligado ao valor considerado excessivo por aplicação estrita dos critérios legais contidos no Código das Custas Judiciais, a solução do problema relaciona-se directamente com o terceiro sentido referido.


Porém, (…), é de entender que as normas em causa respeitam as referidas exigências de proporcionalidade, certo que se permite, na prática, em situações como a dos autos, uma redução de taxa de justiça, justamente em função da actividade judicial concretamente desenvolvida na acção – artigo 27.º do Código das Custas Judiciais.


Temos pois que, neste particular, não assiste razão ao reclamante.


Aliás, sempre se dirá que, nos termos da lei, esta questão nem sequer tem tratamento próprio em sede de reclamação da conta, porquanto não se trata, verdadeiramente, aqui, um erro de contagem, mas sim de um eventual erro de julgamento.


Dito de outro modo, pretendendo os ora reclamantes, como pretendem, que o juiz faça uso de um critério de proporcionalidade na determinação do débito final de contas, deveria ter reagido contra a decisão que fixou a responsabilidade nesta matéria, o que não fizeram, pelo que, uma vez transitada em julgado a respectiva decisão, está agora vedado ao juiz, pronunciar-se pela segunda vez, sobre o conteúdo de tal responsabilidade.


Termos em que não têm, aqui, razão os reclamantes”.





B - O direito





A - Quanto ao valor da taxa de justiça devida na 1ª instância


- Um dos traços do princípio do Estado de direito democrático coincide com a protecção da confiança dos cidadãos [1];


- As leis só se aplicam para futuro; “e mesmo que se apliquem para o passado – eficácia retroactiva – presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos” [2];


- “O primeiro recurso estabelecido na lei para disciplinar o caso omisso é o da norma aplicável aos casos análogos – norma essa que pode estar contida em lei posterior (…)”; na falta de caso análogo, a integração das lacunas da lei “é feita criando o próprio intérprete a norma que, como legislador, dentro do espírito do sistema, ele formularia para o tipo de casos em que a hipótese omissa se integra” [3];


- O valor correspondente à UC para cada processo fixa-se no momento em que o mesmo se inicia, independentemente do momento em que a taxa de justiça se paga [4].





B - Quanto ao valor tributário dos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça


- O valor da causa, nos recursos, é o da sucumbência, quando esta for determinável, “devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso”; se não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção [5].





Quanto ao valor da taxa de justiça devida pelos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça


- Nas causas de valor superior a € 250.000,00, o juiz goza da faculdade de, considerando, nomeadamente, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente [6];


- Oficiosamente ou a requerimento das partes, o juiz goza da faculdade de mandar reformar a conta, se esta não estiver de harmonia “com as disposições legais” [7].





C- Aplicação do direito aos factos





A - Quanto ao valor da taxa de justiça devida na 1ª instância


O valor da UC, em 2004 e 2011 – € 89,00 e € 102,00, respectivamente – não é contestado pelos recorrentes (…) e (…).


Aceitam, igualmente, que, na elaboração da conta, tenha sido aplicado o revogado Código das Custas Judiciais.


Este diploma não regulava a questão de saber se o valor da UC a considerar, para efeitos de quantificar a taxa de justiça, era o vigente aquando do início do processo ou no momento em que as custas eram devidas.


Assim, e considerando a impossibilidade de recurso ao caso análogo, competia a esta Relação criar a norma, “dentro do espírito do sistema”, onde, nomeadamente, pontificam os princípios da protecção da confiança dos cidadãos e da não retroactividade das leis.


A tarefa desta Relação está facilitada por, entretanto, o legislador ter regulado, expressamente, a questão do modo seguinte: o valor correspondente à UC, para cada processo, fixa-se no momento em que o mesmo se inicia.


Deste modo, resta apenas a este Tribunal acolher a opção legislativa.


Procede este segmento do recurso, pelo que, em conformidade, a taxa de justiça devida na 1ª instância deverá ser calculada tendo como referência o valor da UC em 2004 – € 89,00.





B - Quanto ao valor tributário dos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça


No critério dos recorrentes (…) e (…), sendo possível – como é – determinar o valor da sucumbência, o valor tributário do recurso coincide com aquele, ainda que não tenha sido indicado no requerimento de interposição.


Sem razão. Ainda que determinável, sobre os ditos recorrentes impendia o ónus de indicar o valor da sucumbência, o que, certamente, por lapso, não fizeram. Assim sendo, e como consequência/sanção, o valor tributário do recurso passou a ser o da acção.


O eventual excesso desta “sanção” apenas poderá colocar-se em abstracto. A este nível, não é, necessariamente, “desproporcional”.


Para a apreciação desta questão não releva a circunstância de o Tribunal recorrido, no âmbito do processo nº 395/05.0TBBNV, ter decidido de modo diferente.


Improcede, deste modo, esta parte do recurso.





C - Quanto ao valor da taxa de justiça devida pelos recursos interpostos para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça


Em primeiro lugar, sustentam os recorrentes (…) e (…) que o caso concreto deve ser enquadrado na previsão normativa do artigo 27.º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, dispensando-se os referenciados de “pagarem a taxa de justiça devida para além do valor da acção de € 250.000,00” ou, em alternativa, que, em nome dos princípios constitucionais da proporcionalidade/proibição do excesso, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, “se aplique no caso concreto uma qualquer outra solução/redução do valor das custas processuais devidas”.


Nos presentes autos de expropriação, o “custo da justiça” – que fixou o montante da indemnização devida em € 243.498,47, acrescida de actualização – foi para os mencionados recorrentes de € 52.327,33.


Não há notícia que os recorrentes (…) e (…) tenham tido, no processo, um comportamento atípico. É certo que recorreram, mas os recursos nada têm de anormal. Só teriam esta natureza se conhecimento existisse do uso deste meio processual com objectivo manifestamente reprovável, o que não se vislumbra.


Acresce que, também, não há notícia da complexidade acrescida dos presentes autos.


É, pois, seguro concluir que o “custo da justiça” de € 52.327,33 não é razoável, constituindo quase uma “expropriação” da indemnização devida pela expropriação.


Sucede ainda que não está “de harmonia com as disposições legais” uma conta de custas, onde não há correspondência entre as custas exigidas e o “serviço prestado”.


Como tal, a notificação da conta é, também, o momento próprio para arguir “uma desproporcionada taxação”.


Justifica-se, pois, a aplicação ao caso dos autos do limite consagrado no artigo 27.º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, o que se determina.


Procede, nesta parte, o recurso.


A invocada “inconstitucionalidade da interpretação do art. 13º, nº 1, do CCJ”, está, em consequência, prejudicada, razão pela qual dela não se toma conhecimento.


Decisão


Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando recurso parcialmente procedente, revogar o despacho recorrido, nas áreas acima mencionadas, com a consequente reforma da conta.


Custas pelas partes, tendo em atenção o seu decaimento.


Évora, 05 de Novembro de 2015

Sílvio José Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura

Maria da Conceição Ferreira

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[1] Artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
[2] Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 61, e artigo 12.º, nº 1, do Código Civil.
[3] Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 59, e artigo 10.º, nºs 1 e 3, do Código Civil.
[4] Artigo 5.º, nº 3, do Regulamento das Custas Judiciais.
[5] Artigo 11.º, nºs 2 e 3, do Código das Custas Judiciais.
[6] Artigo 27.º, nº 3, do Código das Custas Judiciais.
[7] Artigo 60.º, nº 1, do Código das Custas Judiciais.
[8] Artigo 663.º, nº 7, do Código de Processo Civil.