Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
622/18.3GARMR.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A suspensão da execução da pena de prisão assenta no juízo fundado de que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

II. Em vista do objetivo da ressocialização a suspensão pode ser sujeita a deveres especiais, como o de reparar o mal causado com a prática do crime; ou ao cumprimento de certas regras de conduta de conteúdo positivo ou negativo; ou a um regime de prova – sendo este em certos casos de aplicação obrigatória.

III. No curso do cumprimento da pena surgem, por vezes, perturbações ou incidências, que exigem uma atempada e criteriosa avaliação.

IV. A revogação só deverá ocorrer em caso de infração grosseira ou repetida dos deveres ou das regras de conduta impostas ou constantes do plano de reinserção criminal; ou, em caso de cometimento de crime pelo qual venha a ser condenado e isso revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam por meio dela, ser alcançadas.

V. Demonstrando-se que o condenado não só não cumpriu os deveres fixados como condição da suspensão, como procurou enganar o Tribunal através de um documento forjado e que, no período da suspensão, cometeu dois crimes da mesma espécie e natureza do que esteve na base da condenação, impõe-se o cumprimento da pena de prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO

a. AA foi condenado nos presentes autos por sentença transitada em julgado em 4 de setembro de 2019 pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, § 1.º e 2.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com a obrigação de comprovar a inscrição em escola de condução, a frequência de todas as aulas teóricas e a sua apresentação a exame, e, caso fosse provado, frequência de todas as aulas de condução e apresentação ao respetivo exame.

b. No termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, o condenado (1) foi notificado para apresentar comprovativo de cumprimento dos deveres agregados à suspensão da execução da pena de prisão. Mas nenhuma resposta se apresentou!

Oito meses depois o condenado remeteu ao Tribunal um documento comprovativo da sujeição a exame teórico, o qual, porém, não continha indicação da data do exame nem certificação do IMT!

Sequentemente determinou-se a sua audição presencial, a qual decorreu a 11 de novembro de 2021 (ref.ª eletrónica 87987058), no âmbito da qual o condenado deu conta da sua situação pessoal e se comprometeu a juntar os comprovativos de inscrição em escola de condução e sujeição a exame teórico. Mais declarando, expressamente, estar disponível para cumprir a prisão em regime de permanência na habitação, se viesse a ser revogada a suspensão da pena em referência.

Mas nada veio a juntar!

Entretanto instruíram-se os autos com o CRC atualizado, no qual se contatou a condenação a 26/1/2021, já transitada, pela prática, em 27/1/2020, de um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5€; com certidão extraída do processo n.º 128/20.0GBCCH, do Juízo de Competência Genérica de Coruche, relativa a sentença condenatória de 4/6/2021 transitada a 14/7/2021, relativa à prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, em 16/3/2020, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 5€; e ofício do IMT, informando que o condenado não realizou qualquer exame teórico de condução desde 4/9/2019.

Na sequência do que o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Notificado o condenado para se pronunciar este nada disse.

c. Pelo que o Mm.o Juiz proferiu o seguinte despacho:

« O arguido AA foi condenado nos presentes autos por sentença transitada em julgado em 2019/09/04 (cfr. ref.ªs eletrónicas 81411387 e 82107770), pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e sujeita à obrigação de comprovar nos autos a inscrição em escola de condução, a frequência de todas as aulas de código e a sua apresentação a exame, e, caso fosse provado, frequência de todas as aulas de condução e apresentação ao respetivo exame.

O período de suspensão da pena teve o seu termo inicial em 2019/09/04 e o seu termo final em 2020/09/03.

Findo o prazo de suspensão da execução da pena de prisão, foi o arguido notificado em 2021/01/28 no E.P. onde se encontrava preso preventiva à data para juntar aos autos comprovativo de cumprimento dos deveres subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão (ref.ª eletrónica 7449508), nada tendo dito ou requerido.

Por requerimento datado de 2021/10/06 (ref.ª eletrónica 8076958), veio o arguido, com vista à comprovação da sua inscrição em escola de condução, juntar aos autos documento respeitante a uma alegada sujeição a exame teórico, sem conter, porém, qualquer identificação da data do exame e certificação do IMT.

O arguido foi ouvido presencialmente pelo Tribunal em 2021/10/11 (ref.ª eletrónica 87987058), tendo alegado que se inscreveu em duas escolas de condução, inscrições essas já caducadas, a última das quais por alegada insolvência da sociedade proprietária da escola de condução, confirmando as suas atuais condições socioeconómicas, nomeadamente ser possuidor do 4.º ano de escolaridade, residindo com a companheira e os quatro filhos atualmente com 15, 9, 4 e 2 anos de idade em casa da companheira, tendo em vista iniciar em breve atividade profissional como eletricista por contra doutrem, mais declarando expressamente autorizar o eventual cumprimento de pena de prisão que lhe venha a ser aplicada em regime de permanência na habitação, tendo-se comprometido a juntar aos autos os comprovativos de inscrição em escola de condução e sujeição a exame teórico, nada tendo feito ou requerido desde então.

Foi junta aos autos certidão extraída do processo n.º 128/20.0GBCCH, a correr termos pelo Juízo de Competência Genérica de Coruche (ref.ª eletrónica 8110512), no âmbito do qual foi proferida sentença em 2021/06/14, transitada em julgado em 2021/07/14, que condenou o arguido pela prática, em 2020/03/16, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o total de € 1.100,00.

Foi também autuado CRC devidamente atualizado do arguido (ref.ª eletrónica 88099541), do qual resulta que no processo n.º 41/20.1GBCCH, a correr termos pelo Juízo de Competência Genérica de Coruche, foi proferida sentença datada de 2021/01/26, transitada em julgado em 2021/01/26, que condenou o arguido pela prática, em 2020/01/27, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o total de € 600,00.

Por ofício entrado nos autos em 2021/11/16 (ref.ª eletrónica 8194644) o IMT informou os autos que o arguido não realizou exame teórico de condução desde 2019/09/04.

Aberta vista, pelo Digníssimo Procurador da República foi promovida a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e consequente cumprimento da pena principal aplicada ao arguido, em face do incumprimento das obrigações subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão nos auto e da sua condenação pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal durante o período de suspensão (ref.ª eletrónica 88372591).

Devidamente notificado do teor da douta promoção antecedente para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 (dez) dias, o arguido nada disse ou requereu.

Cumpre decidir.

O Código Penal traçou um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objetivo que a existência da própria prisão parece comprometer.

Daí que o legislador tenha tido a preocupação de prever todo um conjunto de medidas não institucionais que, embora não determinem a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, consoante seja determinada a imposição de condições à suspensão (pelo cumprimento de deveres e/ou regras de conduta) ou sujeição a regime de prova pelo arguido (artigos 51.º, 52.º e 53.º do Código Penal), ou na manutenção de uma conduta afastada da prática de crimes, no caso da suspensão simples da execução da pena de prisão (art.º 50.º do Código Penal).

Nos presentes autos optou-se pela subordinação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ao cumprimento de múltiplas obrigações.

Os artigos 55.º e 56.º do Código Penal, que tratam do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão, oferecem claros parâmetros de referência sequencial, no sentido de afetação da consequência máxima às situações limite.

Pelo que se deverá, antes de mais, verificar como esgotadas e ineficazes as providências do artigo 55.º do Código Penal, podendo o tribunal, em caso de incumprimento pelo arguido dos deveres impostos:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano, nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5, do artigo 50.º.

Por outro lado, prevê o art.º 56.º, n.º 1, do Código Penal que o tribunal possa já decidir a revogação da suspensão da execução da pena de prisão sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

As causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. Neste sentido, o arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.

Com efeito, conforme vem notando a jurisprudência dos tribunais superiores relativamente a casos similares ao vertente, “a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por violação de deveres e regras de conduta impostos, só pode ser decretada se tiver havido infração grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social, que revelem que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Não se encontrando definida na lei, de forma concretizada, o que deve entender-se por infração grosseira dos deveres impostos pela sentença, deverão seguir-se os critérios que comummente vêm sendo adotados pela jurisprudência nacional, devendo ter-se em consideração a culpa temerária, o esquecimento dos deveres gerais de observância, a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos, uma inobservância absolutamente incomum.

A necessidade de observância daqueles critérios sublinha, pois, a não automaticidade da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Conforme resulta do iter processualis seguido até à data, o arguido não comprovou nos autos o cumprimento de qualquer das obrigações/deveres impostos em sede de sentença como condição de suspensão por 1 ano da execução da pena de 8 meses de prisão a si aplicada nos autos, e que consistiam na demonstração da sua inscrição em escola de condução e na frequência de todas as aulas de código e a sua apresentação a exame, e, caso fosse provado, frequência de todas as aulas de condução e apresentação ao respetivo exame.

Com efeito, o documento por este junto aos autos em 2021/10/06 (ref.ª eletrónica 8076958), além de não demonstrar o cumprimento pelo arguido de qualquer das obrigações/deveres a que se adstrito por força da sentença, foi frontalmente contrariado pelo teor da informação prestada pelo IMT nos autos em 2021/11/16 (ref.ª eletrónica 8194644), no sentido de que o arguido não realizou exame teórico de condução desde 2019/09/04.

Há, pois, inequivocamente, uma infração grosseira pelo arguido das condições de suspensão da execução da pena de prisão que, além de não ter demonstrado, sequer, ter-se inscrito em escola de condução, tentou, de forma destrambelhada, iludir o Tribunal com um documento supostamente comprovativo da sua sujeição a exame de código (que claramente se reporta a momento anterior ao do período de suspensão de execução da pena de prisão em apreço nos autos).

Além disso, em pleno período de suspensão decorrido entre 2019/09/04 e 2020/09/03 o arguido praticou dois novos crimes, pelos quais foi condenado por sentenças já transitadas em julgado, a saber:

- um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, praticado em 2020/03/16, pelo qual foi condenado numa pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o total de € 1.100,00; e

- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, praticado em 2020/01/17, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o total de € 600,00.

Note-se que o arguido já havia sido condenado pela prática de quatro crimes de condução sem habilitação legal (incluindo a condenação proferida nestes autos) e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, além de ter sido já condenado pela prática de um crime de furto qualificado e de três crimes de dano simples (cfr. CRC sob a ref.ª eletrónica 88099541).

Resulta evidente que a indiferença do arguido para com a solene censura contida na sentença condenatória encerra uma grosseira violação das obrigações e deveres a si ali impostos, sendo expectável, de uma pessoa medianamente inserida socialmente, uma preocupação no cumprimento dos mesmos ou, pelo menos, na justificação do seu incumprimento, nunca identificada no arguido que, além do mais, voltou a reincidir na prática do mesmo tipo de crime, o que faz concluir inequivocamente que o mesmo não interiorizou a ilicitude da sua conduta.

O comportamento do arguido, pela sua gravidade, revela que as finalidades que pressupuseram aquela suspensão não se encontram sequer perto de ser alcançadas, podendo-se afirmar que as mesmas se encontram até irremediavelmente comprometidas, não mais se podendo manter o juízo de prognose favorável ao arguido (art.º 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal).

Impõe-se, por isso, a revogação da suspensão da pena de prisão e a determinação do cumprimento efetivo da pena de 6 meses de prisão aplicada a título originário nos presentes autos.

Importa ponderar pela determinação do cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação.

Dispõe o art.º 43.º do Código Penal, sob a epígrafe “regime de permanência na habitação”, na sequência da alteração introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, que:

“1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações;

c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;

d) Não exercer determinadas profissões;

e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;

f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.

5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação”.

Conforme se faz notar no AcTRL de 2019/01/29, proc. n.º 310/15.2SILSB-5, in www.dgsi.pt/, “(…) [c]om as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão (…) a nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação (…)” [sublinhado nosso].

Ora, as finalidades da punição referidas comportam quer a proteção de bens jurídicos, quer a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal), sendo de entender que este regime corresponde de modo mais eficaz à reintegração do arguido do ponto de vista social, ao permitir manter de forma contínua os laços familiares, bem como a possibilidade de frequência de aulas de código/condução, caso o arguido se motive para isso no futuro, não sendo prejudicada neste processo pelo corte provocado pela institucionalização decorrente da prisão em estabelecimento prisional, oneroso para um jovem adulto, atualmente com 25 anos de idade.

Acresce ainda que a pena aplicada ao arguido é inferior a 2 anos, pelo que igualmente é admissível, pela sua dosimetria, o cumprimento da mesma neste regime, para o qual o arguido prestou também o seu consentimento nos autos (cfr. auto de audição do arguido datado de 2021/10/11 sob a ref.ª eletrónica 87987058).

A sua efetivação ficará condicionada à reunião pelo mesmo dos pressupostos previstos pelos artigos 4.º, n.º 4, e 7.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, efeito para o que se requererá a elaboração pelos serviços da DGRSP do competente relatório, com obtenção dos legais consentimentos em falta por escrito.

Face ao exposto, decido:

a) Revogar a pena substitutiva de suspensão de execução da pena de prisão originária de 6 (seis) meses aplicada ao arguido AA nos presentes autos; e, consequentemente,

b) Determinar o cumprimento pelo arguido AA da pena originária de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por igual período de tempo, regime cujo cumprimento se encontra condicionado à reunião pelo arguido dos pressupostos previstos pelos artigos 4.º, n.º 4, e 7.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro.

Notifique.

Após trânsito:

a) Remeta boletins aos Serviços de Identificação Criminal, nos termos dos artigos 5.º, 6.º, alínea a), e 7.º, n.º 2, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio;

b) Solicite aos serviços da DGRSP da elaboração do relatório previsto pelos artigos 7.º, n.º 2, e 19.º, n.º 1, da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, no prazo de 7 (sete) dias, com os

legais consentimentos por escrito, devendo para o efeito ali ser remetida certidão da presente decisão.»

d. Não se conformando com esta decisão dela veio o condenado recorrer, formulando deste modo as conclusões da sua motivação (transcrição):

«1. O recorrente pretende insurgir-se contra a decisão do Tribunal a quo de revogação da suspensão da execução da pena de 6 meses de prisão em que foi condenado, com o consequente cumprimento em regime de permanência na habitação.

2. É certo que o recorrente foi condenado por dois crimes durante o período da suspensão – um crime de condução sem habilitação legal e cum crime de detenção de arma proibida.

3. No entanto as condenações, ainda que posteriores à dos presentes autos, bastaram-se com a aplicação de penas de multa;

4. A ilicitude e a culpa prefiguram-se, assim, com um grau relativamente reduzido;

5. A revogação da suspensão da execução da pena não é, consabidamente, uma operação automática;

6. Em face do quadro de circunstâncias em que os factos foram praticados, será, ainda possível, por ora, formular um juízo de prognose favorável;

7. Demonstrou-se que o recorrente esteve, pelo menos, inscrito em escola de condução e pagou, pelo menos, as taxas de exame;

8. Acresce que, antes de decorrido o período da suspensão, ficou privado da liberdade, tendo sido sujeito a prisão preventiva, medida recentemente revogada;

9. Afigura-se-nos, pois, que não contrariará as finalidades da punição oferecer ao recorrente uma derradeira oportunidade para se habilitar a conduzir,

10. Justificando-se, ainda, a prorrogação do período da suspensão da execução da pena de prisão, por período entre 6 e 12 meses, de modo a que o recorrente termine as aulas teóricas e se submeta, novamente, ao respectivo exame.

11. Impõe-se, assim, a revogação da douta decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que prorrogue o período da suspensão da execução da pena de prisão, mantendo-se as obrigações a que o recorrente já estava adstrito relativamente à frequência de aulas e apresentação a exame.»

e. Na sua resposta o Ministério Público junto do órgão jurisdicional recorrido sustentou a bondade da decisão judicial, sintetizando a sua posição nos seguintes termos (extrato):

«2. O mero cometimento de idêntico crime volvidos apenas seis meses após o trânsito em julgado da condenação proferida nos presentes autos seria, quanto a nós, suficiente para se concluir que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, patenteando-se uma óbvia indiferença sobre a sua situação processual e penal mas também, e principalmente, gorando através do seu comportamento posterior, o juízo de prognose favorável efectuado pelo Tribunal a quo.

3. A tal acrescendo que, também durante o período de suspensão, o arguido cometeu, a 27-1-2020, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 alínea d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3 alíneas e) e p) e artigo 3.º, todos da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

4. O que compaginando com os antecedentes criminais do arguido - prática de múltiplos ilícitos criminais que protegem tão dissemelhantes bem-jurídicos, entre os quais, três idênticos crimes aos aqui julgados, e quatro de natureza rodoviária - nos leva a concluir – sem qualquer margem de dúvida – que o arguido possui uma personalidade absolutamente contrária ao respeito do mínimo ético imposto pelo Direito, sendo de nenhum efeito no processo ressocializador as penas anteriormente aplicadas e, principalmente ao que nos importa, sendo de nenhum efeito a mera ameaça de prisão a que foi sujeito nos presentes autos.

5. Conforme resulta da informação veiculada pelo IMT (constante no citius sob a ref. 8194644), “AA com o NIF ... não realizou exame teórico desde 04-09-2019 até à presente data”.

6. A apresentação de documentos como se demonstrassem o cumprimento da condição imposta, bem sabendo o arguido que estavam a ser contextualizados em circunstâncias inverídicas, é mais uma vez demonstrativa da personalidade do arguido, que tentou – mas não logrou – ludibriar o Tribunal a quo.

7. Incontornável é que a pessoa física e existencial do arguido (excluindo-se o que é subscrito pelo seu representante forense) nunca demonstrou, no decurso dos autos, pretender uma nova oportunidade, além da constatação jurídica e valorativa de que essa oportunidade não pode ser concedida, por ter sido definitivamente gorado o juízo de prognose favorável que havia fundamentado a decisão de suspensão da execução da pena de prisão, pelo incumprimento grosseiro da obrigação, pelo comportamento amplamente censurável de tentativa de ludibriar o Tribunal a quo, pelo cometimento de dois ilícitos criminais durante o período de suspensão, um deles idêntico ao crime pelo qual foi o arguido condenado nos presentes autos, ao que acresce o facto do arguido se encontrar sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, pela forte indiciação do cometimento de vários ilícitos criminais, o que só pode ser circunstância ao mesmo imputável, e que é impeditiva do cumprimento da obrigação caso fosse prorrogado o prazo de suspensão da execução da pena de prisão.»

f. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

g. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido não apresentou resposta.

h. Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento do recurso foram os autos aos vistos e depois à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do(s) recorrente(s), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2). A única questão que se suscita no presente caso é a de saber se estão (ou não) reunidos os pressupostos que legitimam a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que vem impugnada.

2. Pressupostos da revogação da suspensão da pena

O recorrente considera que não obstante as condenações respeitantes à prática de crimes no período da suspensão da execução da pena de prisão, não deverá revogar-se aquela, seja porque as condenações não levam automaticamente a tal revogação, seja porque as penas condenações foram em pena de multa, seja ainda porque cumpriu parcialmente as condições fixadas.

Já o Ministério Público considera exatamente o contrário. Isto é, que a prática de dois crimes no período da suspensão, constituem a demonstrativo da falência do juízo de confiança em que assentou a suspensão da execução da pena de prisão, tanto como a falsidade da putativa demonstração de cumprimento (parcial) das condições fixadas.

Pois bem.

A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.º CP, é uma verdadeira pena, com um conteúdo autónomo de censura, medido à luz de critérios gerais de determinação da pena concreta (artigo 71.º), assente em pressupostos específicos, sendo na sua categorização dogmática uma pena de substituição, isto é, uma pena que se aplica na sentença condenatória em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada (3). A aplicação desta pena assenta num risco prudencial (4) sobre a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Exige-se ao tribunal de julgamento a ponderação de todos os elementos disponíveis que possam sustentar a conclusão de que o facto ilícito praticado terá sido como que um acidente de percurso e de que a solene advertência, que constitui a condenação e a ameaça da prisão, terá inevitável reflexo sobre o comportamento futuro do agente, em benefício da reintegração social.

Fatores essenciais são: a capacidade da pena concreta apontar ao arguido o rumo certo no domínio dos valores prevalecentes na sociedade, impondo-lhe num sentido pedagógico e autorresponsabilizante o seu comportamento futuro; e a capacidade dele para sentir e compreender a ameaça da prisão, de molde a que ela exerça sobre si efeito contentor.

O juízo final exige ainda, de acordo com o princípio vertido no artigo 40.º, § 1.º do CP, que se acautelem as razões de prevenção geral positiva, isto é, que a suspensão da pena não comprometa a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal que foi violada. Em vista desses objetivos a suspensão pode ser sujeita a deveres especiais para reparar o mal causado com a prática do crime (artigo 51.º CP) ou ao cumprimento de regras de conduta de conteúdo positivo (artigo 52.º) ou a um regime de prova - que em certos casos é de aplicação obrigatória (artigos 53.º e 54.º CP).

No curso da execução da pena surgem, por vezes, perturbações ou incidências quanto ao cumprimento das condições da suspensão, que impõem a sua atempada e criteriosa avaliação. Sendo, normalmente, as suas consequências, as previstas no artigo 55.º CP (como a advertência, o reforço de garantias, a imposição de novos deveres ou regras de conduta, ou a prorrogação do período de suspensão). Mas as circunstâncias, de significativa gravidade, poderão impor a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (artigo 56.º CP).

Sobre a revogação rege precisamente o artigo 56.º, § 1. CP, nos seguintes termos:

«1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.»

A revogação da suspensão só pode ocorrer, pois, em caso de infração grosseira ou repetida dos deveres ou das regras de conduta impostas ou constantes do plano de reinserção criminal; ou, em caso de cometimento de crime pelo qual venha a ser condenado, isso revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam por meio dela, ser alcançadas. No caso em análise o M.mo Juiz a quo realizou todas as diligências necessárias para permitir ao condenado a demonstração do cumprimento das condições fixadas e a explicação das dificuldades no seu cumprimento. Tendo ficado demonstrado que o condenado não só as não cumpriu, como procurou iludir o Tribunal, com um documento inidóneo. A falta de cumprimento das condições foi certificada pelo IMT. Mas pior que isso (conforme o próprio recorrente logo anteviu quando autorizou o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, em caso de revogação da suspensão): no período da suspensão da execução da pena de prisão, o condenado cometeu dois crimes, pelos quais veio a ser condenado, estando tais condenações já transitadas em julgado. Estas não têm efeito automático sobre a suspensão em curso, conforme bem assinala o recorrente, mas exigem que se podere o seu significado (incluindo a circunstância de as penas respetivas serem não privativas da liberdade), em conjugação com o assinalado modo como se incumpriram os deveres da condição, tendo em conta os pressupostos e objetivos da suspensão da execução da pena.

Preconiza a lei que se ajuíze não apenas da inconciliabilidade do incumprimento objetivamente verificado com a teleologia da suspensão da execução da pena de prisão; como ainda sobre a inadequação das medidas menos gravosas previstas no artigo 55.º CP; e também que se avalie se o(s) novo(s) crime(s) cometido(s) é/são revelador(es) de que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não podem ser alcançadas; i. e. se dali decorre a demonstração definitiva de que a suspensão é incompatível com o não cometimento de novos crimes por banda do condenado (5).

No presente caso temos, por um lado, que o condenado não cumpriu os deveres fixados como condição da suspensão, como procurou enganar o Tribunal. E, por outro, que violou o primeiro dos deveres decorrentes da suspensão da execução da prisão: abster-se de praticar outros crimes (pois a finalidade precípua desta pena é a de o afastar da criminalidade e de o reintegrar na comunidade). Com refere Anabela Mirando Rodrigues a propósito das condições de suspensão da execução da pena, mas para aqui integralmente transponível, «a sociedade tolera uma certa perda do efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão» (6).

Ora, a conjugação do referido circunstancialismo, como bem assinala o Tribunal a quo, são inequívoca e definitivamente demonstrativas de uma prognose negativa sobre a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão (designadamente por ser comunitariamente insuportável mantê-la). E, como assim, consideramos que a decisão recorrida respeitou os critérios definidos na lei (artigo 56.º, § 1.º, als. a) e b) do CP) e decidiu judiciosamente, pelo que o recurso deverá improceder.

III - DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, acordamos:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a decisão recorrida.

b) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se em três UC a taxa de justiça devida (art.ºs 513.º, § 1.º a 3.º CPP e 8.º, § 9.º e tabela III, do Reg. das Custas Processuais).

Évora, 21 de junho de 2022

J. F. Moreira das Neves (relator)

José Proença da Costa (adjunto)

Gilberto da Cunha (presidente da Secção)

----------------------------------------------------------------------------------------

1 «Condenado» e não «arguido», pois (não por acaso) é desse modo que a lei designa aquele que foi arguido, após o trânsito em julgado da decisão condenatória (cf. artigos 470.º/2, 477.º/3, 478.º, 490.º/1, 490.º/3, 491.º/2, 491.º-A/1 e 2, 492.º/1 e 2, 493.º/2 e 3, 494.º/3, 495.º/1 e 2, 496.º/3, 498.º/5, 499.º/1, 2, 4 e 5, 500.º/2 e 3 e 504.º/3 CPP e em todo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade. O condenado tem, evidentemente, direitos, mas não seguramente todos os previstos no artigo 61.º CPP, desde logo por já não beneficiar da presunção de inocência que caracteriza o arguido.

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91; e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020 [reimpressão da edição de 2017], pp. 30.

4 Hans-Heirich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Bosch, Barcelona, 1981, 2.º vol., pp. 1154.

5 Neste exato sentido cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Noticias, 1993, pp. 356/357.

6 Anabela Miranda Rodrigues, Critério de escolha das penas de substituição no Código Penal Português, Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia, Coimbra, 1984, vol. I, pp. 21 ss.