Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
45/16.9T8ABT.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRECLUSÃO
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo o executado - aqui Autor - disposto, em tempo útil (quando para tal foi citado), de um meio de defesa apropriado no âmbito da acção executiva (embargos de executado), a sua não dedução tem como consequência inexorável a preclusão de um direito à repetição do indevido, tornando inadmissível, por isso, a instauração da presente acção declarativa com o mesmo objecto.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P.45/16.9T8ABT.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra (…) Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., pedindo que a presente acção seja julgada provada e procedente e, consequentemente, seja a R. condenada a restituir ao A. todas as quantias que dele tenha recebido por via de penhoras efectuadas nos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa, pendentes na Instância Central da Comarca de Santarém, Secção de Execução – J1, com o nº 4917/14.7T8ENT, bem como a pagar-lhe quaisquer importâncias provenientes de liquidação de custas, honorários ou encargos, nesses autos de execução, que o A. seja forçado a pagar, mais se condenando a R. a pagar ao A. juros, à taxa legal, sobre todos e quaisquer valores de que o A. se veja desse modo desapossado, nos mencionados autos de acção executiva, desde as datas em que o A. tenha ficado privado de qualquer um desses valores, até integral pagamento.
Através da presente acção pretende o A. pôr em causa a resolução do contrato de que resultou o preenchimento, por parte da ora R., então exequente, da livrança que constituiu o título executivo, nos referidos autos de execução, a qual havia sido assinada pelo A., enquanto avalista. Entende este último que o contrato foi resolvido com base numa cláusula contrária à lei e que se afigura como sendo absolutamente proibida, dado que estávamos perante um contrato de adesão, termos em que a livrança foi preenchida de forma abusiva pela R., a qual, em consequência, deve indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos em consequência da instauração da execução, designadamente quanto ao reembolso da quanta recebida pela R., por conta da quantia exequenda. Para além disso, o A. reconheceu não ter deduzido oposição à execução, alegando não ser obrigado a fazê-lo, até porque a oposição não suspende os termos da execução.
Devidamente citada para o efeito veio a R. contestar, por excepção e impugnação, deduzindo, desde logo, a preclusão do direito do A., precisamente por não ter deduzido oposição à execução, pelo que o direito que ora invoca na presente acção precludiu.
Foi realizada audiência prévia, destinada aos fins previstos nos arts. 591°, n° 1, al. b), parte final e al. d) e 595°, n° 1, al. b), do C.P.C., tendo sido proferido saneador-sentença, que decidiu sobre o mérito da causa e, por via disso, considerou que o direito do A. se encontra precludido (com o fundamento de que não foi exercido na acção executiva, através da instauração de embargos de executado, mas, por via de uma acção declarativa, instaurada contra a então exequente), tendo sido a acção julgada improcedente e, em consequência, a R. absolvida do pedido.

Inconformado com tal decisão dela apelou o A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
1º) O art. 728º do Cod. Proc. Civil confere ao executado uma faculdade, permitindo-lhe opor-se à execução através da dedução de embargos, que revestem natureza processual declaratória, em ordem a dirimir, por esse meio, o litígio que substantivamente o opõe ao exequente, mediante a visada declaração de um direito, cujo efeito será, em caso de procedência, a inutilização e arquivamento da acção executiva;
2º) O executado que se socorra desse meio processual poderá, ademais, obter a suspensão da execução, prestando caução, ficando, por outro lado, garantido, relativamente ao pagamento ao exequente ou outros credores, os quais só poderão obtê-lo se prestarem caução;
3º) A dedução de embargos de executado apenas produz, porém, efeitos, na tramitação e no âmbito da acção executiva, nos termos previstos no art. 733º do Cod. Proc. Civil;
4º) A falta de dedução de embargos de executado não tem qualquer outro efeito, nomeadamente, de preclusão do direito do executado a propor uma acção de restituição do indevido;
5º) Sendo este entendimento aquele que decorre da escorreita interpretação da lei, e da lição da doutrina e da jurisprudência, surge hoje tanto mais reforçado quanto é certo que não existe já, no processo de declaração um efeito cominatório pleno, como existia no anterior Código de Processo Civil, para os processos sumário e sumaríssimo, prevendo a condenação no pedido, no caso de revelia do réu;
6º) No processo declarativo actual, a falta de contestação em caso algum implica a condenação no pedido, determinando apenas a confissão dos factos articulados na petição, pelo autor;
7º) Mal se compreenderia que, ao invés, a falta de oposição à execução implicasse a perda dos direitos do executado, quando é certo que a falta de contestação não determina, só por si, de modo necessário, a perda dos direitos do réu;
8º) Sendo esse, precisamente, o sentido normativo que decorre da interpretação do art. 728º do Cod. Proc. Civil que a douta decisão recorrida, todavia, adopta, tem de dizer-se que, salvo o devido respeito, a interpretação da referida norma, com esse sentido, viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 13º da Constituição da República, sendo por isso, materialmente inconstitucional;
9º) Pois que, na verdade, introduz um regime discriminatório, no processo da acção executiva, relativamente ao processo da acção declarativa, que surge, a todas as luzes, como essencialmente injusto, arbitrário, injustificado e irrazoável.
10º) A douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 2º, nº 2, e 728º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, bem como o art. 13º da Constituição da República.
11º) Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, consequentemente se revogando a douta decisão recorrida, substituindo-a por não menos douto acórdão que determine o prosseguimento dos autos, para se fazer a costumada Justiça.
Pela R. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o facto do recorrente, enquanto executado, não ter deduzido, tempestivamente, oposição à execução não tem qualquer efeito, nomeadamente o da preclusão do direito deste propor uma acção de restituição do indevido contra a exequente, aqui R.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pelo recorrente importa aqui ter presente que o A. instaurou a presente acção com o intuito de reagir a factos (alegado preenchimento abusivo de uma livrança) que se desenrolam no âmbito de uma acção executiva, a qual se encontra pendente na Instância Central de Santarém, Secção de Execução, J1, P.4917/14.7T8ENT.
Ora, o A. foi citado em 29/10/2015 na referida acção executiva para querendo se opor à mesma, nomeadamente através de embargos de executado, mas nada disse, remetendo-se ao mais puro silêncio!
Por isso, este comportamento omissivo do A., que não usou o contraditório para sua defesa na acção executiva, fez precludir, de todo, o seu alegado direito – de peticionar a restituição do indevido contra a exequente, aqui R. – o qual pretendia fazer valer nesta acção declarativa.
Nesse sentido, pode ver-se o que, a tal propósito, é afirmado por Lebre de Freitas e que, desde já passamos a transcrever:
- Assim, uma vez que o princípio do contraditório é, nos embargos de executado, plenamente assegurado, não se justificaria admitir posteriormente outra acção com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda – cfr. Acção Executiva e Caso Julgado, pág. 232.
E mais adiante:
(…) Uma vez que o executado tem ao seu alcance o meio de defesa proporcionado pelos embargos de executado, a sua não utilização ou a sua não dedução nele duma excepção peremptória terá como consequência a preclusão de um eventual direito á repetição do indevido.
(…) Na medida em que os embargos de executado são o meio de oposição à execução idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo faz precludir o direito de os invocar. – cfr. ob. cit., págs. 242/243.
E nem se diga – como sustenta o recorrente – que tal preclusão do direito, por não ter deduzido embargos de executado viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade previstos no artigo 13º da Constituição, pois a inexistência de contestação a uma acção declarativa apenas tem como efeito a confissão dos factos alegados pelo A.
Isto porque, no processo declarativo imperam os princípios da igualdade de armas e do contraditório, só havendo um processo justo, à luz de um Estado de Direito, quando as partes tenham tido a possibilidade de interferência efetiva sobre o sentido da decisão.
Por outro lado, na acção executiva, o princípio do contraditório atenua-se, enquanto garantia do executado, uma vez que tal acção tem como objectivo a reparação efectiva de um direito violado, sendo que a realização coactiva da prestação é conseguida à custa do património do devedor, pois o título executivo faz presumir a existência desse direito, presunção essa que, no entanto, é ilidível. E, o meio próprio para afastar essa presunção - que recai sobre o executado – é na acção executiva, o instituto da oposição à execução (cfr. art. 728º do C.P.C.).
Na verdade, o alegado princípio da igualdade exige que situações identificadas e entendidas como iguais devem ser tratadas do mesmo modo, mas tratando-se de maneira diferente o que em si é também diferente…
Ora, como vimos supra, a acção declarativa e a acção executiva assentam em pressupostos distintos e, por isso, não pode colher a tese sufragada pelo A., aqui apelante, de que a ausência de oposição à execução não pode ter uma consequência mais gravosa no processo executivo, do que aquela que tem a falta de contestação na acção declarativa.
Com efeito, a acção executiva e a acção declarativa apresentam configurações distintas que justificam, de todo em todo, um tratamento mais gravoso do executado, numa execução, relativamente ao réu numa acção declarativa, sendo que tal entendimento não atenta contra os referidos princípios da igualdade e da proporcionalidade!
Acresce que – ao contrário do sustentado pelo recorrente – a dedução (tempestiva) de embargos de executado suspende a execução, nomeadamente nos casos previstos no art. 733º, nº 1, alíneas a), b) e c), do C.P.C.!
Por isso, não podemos deixar de sufragar, por inteiro, aquilo que, a dado passo, é afirmado pelo Julgador “a quo” na decisão recorrida e que, desde já, passamos a transcrever:
- (…) A oposição à execução, ora processo de embargos de executado, constitui, precisamente, o meio processual próprio para o executado reagir contra a pretensão do exequente, apresentando-se como uma acção declarativa funcionalmente acessória da acção executiva, porquanto justificada pela oposição de uma defesa à dedução de uma pretensão executiva: sem execução, não há oposição (cfr., na doutrina, Rui Pinto, ob. cit., pág. 393; Anselmo de Castro, A Acção executiva, págs. 262-263; Lebre de Freitas, A acção executiva, págs. 292-293 e, na jurisprudência, só como exemplo, o Ac. do S.T.J. de 29/9/2009 - Proc. n° 2258/07.5TBSTS.S1 – in www.dgsi.pt.).
Sendo a oposição à execução, ou embargos de executado, um processo declaratório instrumental, o mesmo surge como sendo algo de extrínseco à acção executiva, tomando o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e/ou da acção em que ele se baseia (Ac. da RG de 21/4/2004 - Proc. n° 525/04-1. e Ac. da RP de 22/2/2007 - Proc. n° JTRP00040098 – in www.dgsi.pt).
É precisamente para obviar à instauração de uma acção como a presente, com a causa de pedir e o pedido daquela que ora foi instaurada, que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, pedindo a extinção da mesma e fazendo valer o seu direito perante o exequente.
O que o executado não pode fazer é deixar de se defender na sede própria, que é a execução, e, posteriormente, defender-se por via da acção.
Se assim fosse, então os embargos de executado não teriam qualquer função útil, porque, caso não embargasse, sempre o executado poderia reagir contra a execução, através de outro meio processual, noutra sede processual, quando bem entendesse.
Seria o desvirtuamento total dos embargos de executado na sua função e na sua estrutura.
Assim sendo, forçoso é concluir que o executado (aqui A.) tendo disposto, em tempo útil (quando para tal foi citado em 29/10/2015), de um meio de defesa apropriado no âmbito da acção executiva (embargos de executado), a sua não dedução tem como consequência inexorável a preclusão de um direito à repetição do indevido, tornando inadmissível, por isso, a instauração da presente acção declarativa com o mesmo objecto.

Pelo exposto, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelo A., ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ele indicados.

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Tendo o executado – aqui A. – disposto, em tempo útil (quando para tal foi citado em 29/10/2015), de um meio de defesa apropriado no âmbito da acção executiva (embargos de executado), a sua não dedução tem como consequência inexorável a preclusão de um direito à repetição do indevido, tornando inadmissível, por isso, a instauração da presente acção declarativa com o mesmo objecto.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pelo A., ora apelante.
Évora, 08-06-2017
Rui Moura
Mário Serrano
Eduarda Branquinho
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).