Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
241/22. 0YREVR
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
CAUSAS DE RECUSA
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Não se verificando, no que diz respeito à existência de causa de recusa, nenhum dos fundamentos de recusa obrigatória ou facultativa previstos nos arts 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, nem se vislumbrando que com a entrega da requerida ao Estado membro emitente, se coloquem em causa os seus direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais, inexiste motivo para não deferir a execução do presente mandado de detenção europeu.

Assim, obedecendo os mandados de detenção emitidos pelo Reino dos Países Baixos a todos os requisitos legais e não ocorrendo fundamento de recusa, seja obrigatória seja facultativa, deve a cidadã requerida ser entregue ao Estado emitente, para que a mesma seja sujeita ao correspondente procedimento criminal.

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Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, em funções neste Tribunal da Relação de Évora, promoveu a execução do presente Mandado de Detenção Europeu, emitido em 2022/11/03, pela autoridade judiciária de Neerlandesas (Procurador-geral da comarca de ...), no âmbito do processo n.º …, …, em que é requerida a cidadã AA, nacional dos Países Baixos, titular do passaporte dos Países Baixos n.º … válido até …, nascida …, (detida no dia 5-12-2022, pelas 16 horas por elementos do SEF na via pública, na localidade de …), tendo em vista a prossecução de procedimento criminal, nos Países Baixos, por factos susceptíveis de integrarem a prática, por aquela, de crime de “rapto de menores de custódia legal”, previsto e punível pelo artigo 279.º do código penal holandês, punido com pena máxima de 9 (nove) anos de prisão.

Na sequência da detenção da requerida em 5 de Dezembro de 2022 e após promoção do Ministério Público junto desta Relação, nos termos dos Arts 16º e 18º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, foi proferido despacho liminar e ordenado o prosseguimento do processo, sendo designado dia para a sua audição, que teve lugar no dia 7 de Dezembro de 2022.

Após nomeação de defensor oficioso, bem como de intérprete idóneo, teve lugar a audição a que se refere o Art.º 18° da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, durante a qual a supra mencionada requerida declarou opor-se ao pedido de execução do mandado formulado pelo Estado requerente e não renunciar à aplicação da regra da especialidade, tendo requerido prazo para deduzir oposição.

Validada então a sua detenção foi ordenado que a mesma aguardasse os ulteriores termos processuais na situação de privação de liberdade.

Decorrido o prazo de dez dias que lhe foi concedido para esse efeito, não foi apresentada qualquer oposição.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Considera-se provado o seguinte:

a) A cidadã AA, nacional dos Países Baixos foi apresentada no Tribunal, em dia 7 de Dezembro de 2022, por ser pedida a sua entrega para efeitos de procedimento criminal por factos puníveis pela lei do Estado membro emitente com pena privativa de liberdade cujo máximo será de 9 (nove) anos e os factos que lhe são imputados integram crime elencado na alínea q), do nº2, do art.2 da Lei nº65/2003 de 23/8, ( crime de rapto e sequestro).

b) Após ser informada da existência e conteúdo do Mandado de Detenção Europeu, bem como da possibilidade de consentir em ser entregue à autoridade Judicial do Reino dos Países Baixos e de renunciar à regra da especialidade, disse não consentir na entrega e não renunciar à regra da especialidade;

c) No prazo que lhe foi concedido para esse efeito, não deduziu oposição.

d) Segundo o conteúdo dos mandados, é a cidadã de nacionalidade Neerlandesa AA procurada para efeitos de procedimento criminal por factos susceptíveis de integrarem a prática, por aquela, de crime de “ rapto de menores de custódia legal” previsto e punível nos termos do art.º 279º do Código Penal Holandês, punível com pena de prisão cujo máximo será de 9 (nove) anos de prisão, crime que se consubstanciará na prática, pela cidadã de nacionalidade Neerlandesa AA, dos seguintes factos:

“Em 03-11-2022, dois funcionários do Serviço de Proteção & Reinserção Social de Jovens da Fundação do Exército de Salvação em …, localizado em …, apresentaram uma queixa contra a pessoa procurada por ter retirado, sem autorização, os menores BB, CC e DD. Desde 31-05- 2022 que o Serviço de Proteção & Reinserção Social de Jovens da Fundação do Exército de Salvação tem sido responsável pela implementação do controlo judicial dos menores BB, nascido a …2012, CC, nascido a …2014, e DD, nascido a …2015. Existe, desde 31-10-2022, uma autorização urgente da colocação sob custódia das três crianças. A Sra. AA levou as crianças para o estrangeiro, sem autorização do Serviço de Proteção & Reinserção Social de Jovens da Fundação do Exército de Salvação, sem intenção de regressar aos Países Baixos. O Tribunal de Menores concedeu autorização para a colocação dos menores fora de casa: BB, nascido a 09-…, em …, CC, nascido a …2014, em …, DD, nascido a …2017, em …, numa instalação para a rede de acolhimento do lado da avó, de 28-11-2022 a 28-03-2023. É relevante visto existirem sérias preocupações para com BB, CC e DD. Nos últimos anos, a mãe viajou bastante com as crianças. As crianças mudam de local várias vezes e vivem em diferentes países durante curtos períodos. Até final de agosto de 2022, as crianças nunca irão ter qualquer forma de presença na escola num grupo. Durante todos estes anos, a mãe propiciou às crianças ensino em casa. A mãe evita qualquer tipo de interferência. Em maio de 2022, as crianças regressaram aos Países Baixos, e foram colocadas numa casa de família junto com a avó materna. Existem grandes receios sobre o risco de fuga da mãe com as crianças. Foram então impostas condições ao regresso para a mãe. As crianças regressaram à mãe desde 01-09-2022. Ficou-se a saber que a mãe viajou novamente para o estrangeiro com as crianças. A mãe e as crianças viajaram para …, …. Primeiro, pareceu tratar-se de umas férias de curta duração, mas a mãe comunicou à escola das crianças nos Países Baixos que não tinha intenção de regressar. Ela pretende permanecer em …, onde todas as três crianças podem frequentar a mesma escola. As crianças precisam de descanso, estrutura, uma casa estável, cuidados e escolaridade para obterem um bom desenvolvimento. Tornou-se claro para com o tribunal de menores que a mãe não pode prover tal situação, visto nunca ter existido um longo período de estabilidade para as crianças. O tribunal de menores considera importante que as crianças sejam colocadas junto com a avó materna, de modo a ser criada estabilidade e as crianças possam possuir um desenvolvimento adequado à idade.”

e) Não se verifica qualquer causa extintiva do procedimento criminal pelo crime referido.

I – FUNDAMENTAÇÃO

Na definição legal dada pelo art.1º da Lei nº65/2003, «O mandato de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade».

Trata-se de um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, substituindo o recurso ao tradicional e mais complexo processo de extradição, para se alcançar o mesmo fim.

O objecto do presente processo encontra-se delimitado pelos termos do mandado de detenção europeu.

No caso em apreço inexiste qualquer dúvida sobre a aplicação da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio.

No que concerne ao presente mandado a executar contra a requerida cidadã de nacionalidade Neerlandesa AA, não se suscitam dúvidas sobre a sua autenticidade e proveniência, observando o mesmo o disposto no art.º 3.º da citada Lei e está devidamente traduzido para português.

Verifica-se, de igual modo, que os factos em causa integram segundo as autoridades judiciárias do Reino dos Países Baixos crime de “ rapto de menores de custódia legal” previsto e punível nos termos do art.º 279º do Código Penal Holandês, punível com pena de prisão cujo máximo será de 9 (nove) anos de prisão”, infracção incluída na alínea q) do n°2 do art.º 2º da Lei 65/2003 de 23.08, não sujeita ao princípio da dupla incriminação.

Segundo o conteúdo dos mandados, é a cidadã de nacionalidade Neerlandesa AA procurada para efeitos de procedimento criminal por factos que integram a prática de crime de “ rapto de menores de custódia legal” previsto nos termos do art.º 279º do Código Penal Holandês.

A arguida opôs-se, porém, à sua entrega às autoridades judiciárias do Reino dos Países Baixos.

Preceitua o art.21º, n.º2 da mencionada Lei n.º 65/2003 que a oposição pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do MDE.

Porque não foi invocado qualquer erro de identificação, resta-nos verificar se existe alguma causa de recusa obrigatória ou facultativa (Arts 11° e 12° da supra citada Lei n.º 65/2003).

Estabelece o art.11º da Lei nº 65/2003, sob a epígrafe “Causas de recusa de execução do mandado de detenção europeu” que:

“A execução do mandado de detenção europeu será recusado quando:

a) A infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu tiver sido amnistiada em Portugal, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento da infracção;

b) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado membro onde foi proferida a decisão;

c) A pessoa procurada for inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;”

Por seu turno, preceitua o art.º 12º da citada Lei, sob a epígrafe “Causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu” que:

“A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

a) O facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu não constituir infracção punível de acordo com a lei portuguesa, desde que se trate de infracção não incluída no n.º 2 do artigo 2.º;

b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu;

c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido decidido pôr termo ao respectivo processo por arquivamento;

d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro em condições que obstem ao ulterior exercício da acção penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11.º;

e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;

f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado da condenação;

g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;

h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que:

i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou

ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional.

2 - A execução do mandado de detenção europeu não pode ser recusada, em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, com o fundamento previsto no n.º 1, pela circunstância de a legislação portuguesa não impor o mesmo tipo de contribuições ou impostos ou não prever o mesmo tipo de regulamentação em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios que a legislação do Estado membro de emissão.

3 - A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada.

4 - A decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo à revisão e confirmação de sentenças condenatórias estrangeiras.

No caso sub juditio, e no que diz respeito à existência de causa de recusa, não se verifica nenhum dos fundamentos de recusa obrigatória ou facultativa previstos nos mencionados arts 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, nem se vislumbra que com a entrega da requerida ao Estado membro emitente, se coloquem em causa os seus direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais.

Destarte, motivo não existe para não deferir a execução do presente mandado de detenção europeu.

Assim, obedecendo os mandados de detenção emitidos pelo Reino dos Países Baixos a todos os requisitos legais e não ocorrendo fundamento de recusa, seja obrigatória seja facultativa, deve a cidadã de nacionalidade Neerlandesa Joyce Marielle Barnhoorn ser entregue ao Estado emitente, para que a mesma seja sujeita ao correspondente procedimento criminal.

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Dada a urgência invocada pela Requerida na sua entrega ao Reino dos Países Baixos, (requerimento datado de 02/01/2023), informe-se a mesma de que poderá agilizá-la vindo aos autos renunciar ao Direito de recurso.

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DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juízes que compõem a secção criminal deste Tribunal da Relação de Évora em deferir a execução do presente Mandado de Detenção Europeu emitido pelas Autoridades do Reino dos Países Baixos, referente à cidadã de nacionalidade neerlandesa AA e ordenar a sua entrega às autoridades do Reino dos Países Baixos.

- Notifique e cumpra-se o disposto no art.28.º da Lei n.º 65/2003 de 23 de Agosto.

- Após trânsito, proceda-se à entrega no mais curto prazo possível, sem exceder 10 dias (art.29º da mesma Lei).

- Sem custas, por não serem devidas.

Évora, 10 / 01 / 2023