Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1392/19.3T8PTM.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO NOCTURNO
DESCANSO COMPENSATÓRIO
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário:
I – Não se verifica a nulidade por omissão de pronúncia, quando o tribunal a quo, por considerar que não foram alegados pelo Autor factos essenciais para a procedência dos pedidos solicitados, mas apenas conclusões jurídicas, as quais não podem ser objecto de prova, na sentença que profere, nos termos do art. 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, nela não faz constar quaisquer factos como provados.
II – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia não se reporta à justeza da argumentação tecida que esteve subjacente à decisão tomada, antes sim, e apenas, à inexistência de qualquer decisão sobre a questão apresentada.
III – O n.º 3 do art. 258.º do Código do Trabalho, ao estabelecer a presunção de que constitui retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, impõe, nos termos do n.º 1 do art. 344.º do Código Civil, a inversão do ónus da prova.
IV – Atenta tal presunção, compete ao Autor alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva.
V – Desse modo, para que possa haver procedência dos pedidos formulados pelo Autor, não necessita o mesmo de alegar, e posteriormente provar, em concreto, os dias e as horas em que prestou trabalho suplementar ou nocturno, por não estarem em discussão estes pagamentos, bastando-lhe alegar (e provar) que recebeu determinadas quantias, respectivos montantes e sua cadência, competindo à Ré a alegação e prova de que tais quantias não constituem contrapartida da actividade do trabalhador ou não têm a natureza periódica e regular invocada pelo Autor. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
J… (Autor)intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “F…, Lda” (Ré), solicitando, a final, que a Ré fosse condenada a pagar-lhe os seguintes valores pecuniários:
a) €9.123,68 a título de retribuição de férias;
b) €9.123,68 a título de subsídio de férias;
c) €3.551,43 a título de subsídio de natal;
d) €8.870,80 a título de descanso compensatório; e
e) juros moratórios sobre as quantias em dívida, à taxa legal, desde a propositura da acção e até integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegou que foi admitido ao serviço da Ré em Maio de 1987, para prestar serviço de motorista de veículos pesados de passageiros, tendo o contrato de trabalho cessado em 20 de Julho de 2018, por caducidade motivada pela sua reforma.
Mais alegou que, durante a vigência da relação laboral, a Ré pagou-lhe mensalmente quantias a título de trabalho suplementar (até Março de 2009, sempre sob a designação de trabalho suplementar e, a partir de Março de 2009, uma parte sob a designação de trabalho suplementar e outra sob a designação de tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade), e trabalho nocturno, por ter prestado, a solicitação da Ré, regularmente trabalho suplementar e trabalho nocturno, trabalho esse cuja média não foi considerada para o pagamento das férias, subsídio de férias e subsídio de natal, o que vem agora peticionar.
Alegou ainda que a Ré não lhe concedeu o descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar pagas ao Autor.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
A Ré contestou, solicitando, a final, a procedência da invocada excepção de prescrição de juros e, quanto ao demais, a improcedência da acção, devendo, em consequência, ser absolvida do pedido.
Alegou, em síntese, que, nos termos do art. 310.º, al. d), do Código Civil, se mostram prescritos os juros vencidos até ao dia 07-06-2014.
Mais alegou que durante o horário de trabalho do Autor houve vários períodos de inactividade, ou seja, períodos durante os quais não houve prestação de actividade de condução ou de outra natureza, de duração variável, sendo, porém, prática da Ré remunerar os seus motoristas de todas as horas compreendidas entre o início e o termo dos respectivos horários de trabalho, ressalvados os intervalos de refeição, quer se trate de tempo de efectiva actividade de motorista, quer se trate de tempo durante o qual nenhum trabalho de condução ou de outra natureza lhes era solicitado, razão essa pela qual a remuneração diária dos seus motoristas contemplava habitualmente os acréscimos previstos para o trabalho suplementar, sendo que até Abril de 2009 esse pagamento figurou nos recibos de vencimento na rúbrica respeitante ao trabalho suplementar e a partir de Maio de 2009 na rúbrica relativa a tempo de disponibilidade.
Alegou igualmente que, nos termos do art. 342.º do Código Civil, ao Autor incumbe a alegação e prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga, devendo indicar na petição inicial os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, assim individualizando a causa de pedir, nos termos do art. 552.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, pelo que, tratando-se de prestações relacionadas com a prestação de trabalho suplementar, o Autor deveria alegar (e não alega) e discriminar (e não discrimina) os dias em que o alegado trabalho suplementar foi prestado e quantas horas prestou em cada dia e não individualiza (devendo individualizar) os dias concretos de descanso compensatório que não gozou, limitando-se a alegar os quantitativos mensais e anuais que lhe foram pagos a título de trabalho suplementar, não cumprindo, assim, o ónus da substanciação do pedido.
Alegou ainda que, no âmbito do CCT aplicável, o regime dos descansos compensatórios aplica-se apenas em sede de trabalho prestado em dias de descanso semanal, estando excluído o trabalho suplementar prestado em dias úteis, e que as prestações pagas ao Autor como compensação do tempo de disponibilidade não possuem natureza retributiva, logo não integram o valor da remuneração paga pelo período de férias e pelo subsídio de férias.
Alegou, por fim, quanto ao subsídio de natal, que, em face dos CCT aplicáveis e da legislação em vigor, os suplementos remuneratórios indicados pelo Autor não são susceptíveis de integrarem tal subsídio.
Em 08-10-2019, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
Trabalho suplementar, tempo de disponibilidade, trabalho noturno ou descanso compensatório são conceitos jurídicos.
A integração de uma determinada situação da vida nesses conceitos necessita de uma correta alegação de factos.
Assim, a causa de pedir de um crédito (qualquer crédito) relativo à prestação de trabalho suplementar é constituída pela alegação do horário de trabalho, com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, os respetivos intervalos e a indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos.
O mesmo se diga relativamente aos outros conceitos acima referidos.
Só com a alegação de factos se pode dizer que existe trabalho suplementar, em período noturno ou em dia de descanso.
Assim, tendo presente o disposto no artigo 61.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, convida-se o autor a aperfeiçoar, no prazo de 10 dias, a alegação dos artigos 17.º a 1855.º da sua petição inicial.
Respondendo a tal convite, o Autor veio alegar, resumidamente, que a sua petição inicial tem como causa de pedir não, em primeira linha, a prestação de trabalho suplementar ou nocturno, mas antes, o facto de ter recebido, a esse título, determinadas quantias e se trabalho suplementar, tempo de disponibilidade, trabalho nocturno ou descanso compensatório são conceitos jurídicos, dizer que o Autor recebeu como retribuição uma certa quantia é matéria de facto.
Alegou ainda que, em sede de contestação, a Ré aceitou que efectivamente pagava horas de trabalho suplementar ao Autor, referindo, no entanto, que apenas uma parte dessa rúbrica é que serviria para o pagamento de trabalho suplementar, não elucidando, porém, que parte daqueles valores eram referentes a retribuição por trabalho suplementar, competindo-lhe a ela o ónus de demonstrar e provar qual a parte dos pagamentos que efectivamente serviam para pagar o referido trabalho suplementar.
Mais requereu a junção aos autos de discos de tacógrafo e registos de ponto referentes a vários dias de prestação de trabalho entre 1990 e 2018, dos quais, entende, ser possível inferir a respeito dos horários diários de trabalho que o Autor cumpriu ao longo da relação laboral.
Requereu, por fim, que fosse realizada perícia aos registos de tacógrafos juntos, em virtude de a sua informação se encontrar codificada.
Em resposta à junção dos documentos pelo Autor, veio a Ré alegar que tais documentos não lhe foram fornecidos e que, por não terem sido alegados os respectivos factos pelo Autor (não discriminou os dias em que foi prestado o alegado trabalho para além do período normal diário, nem quantas horas prestou em cada dia, como não individualizou os dias concretos de descanso compensatório que não gozou), não vislumbra qualquer utilidade ou interesse para a descoberta da verdade na junção de tais documentos, pelo que requereu o seu indeferimento.
O tribunal de 1.ª instância considerou, nos termos do art. 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, estar em condições de conhecer o mérito da causa e, com fundamento na manifesta improcedência da acção, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos contra si deduzidos.
Não se conformando com a sentença, veio o Autor interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A. Vem o presente recurso de apelação interposto da Sentença proferida em 12 de Novembro de 2019 pelo Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.
B. Na ação de processo comum proposta contra a Ré, o Autor peticionou que fosse a Ré condenada a pagar a este quantias a título de retribuição de férias; subsídio de férias; subsídio de natal; descanso compensatório e juros de mora à taxa legal.
C. A Sentença recorrida julgou improcedente a presente ação e, em consequência, foi absolvida a Ré.
D. Desde logo, a sentença recorrida é omissa quanto ao leque de factos provados e não provados, violando o disposto nos números 3 e 4 do art. 607º do Código de Processo Civil.
E. Além disso, salvo o devido respeito conforme se demonstrará, entende o ora recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo na apreciação feita, impondo-se decisão diversa da ora posta em crise. Vejamos;
F. Refere o Douto Tribunal na sua decisão que: “Deixar prosseguir esta ação, com estas insuficiências, é absolutamente inútil. Assim, como o autor não alega os factos essenciais necessários para a procedência dos pedidos, só pode considerar-se que a ação é manifestamente improcedente e, por isso, deve nesta fase (após os articulados) conduzir à sua improcedência. (…)”
G. Face ao exposto, em sede de decisão, julgou totalmente improcedente a ação.
H. Ora, nos termos do art. 5º, nº1, Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
I. Salvo melhor entendimento, o autor cumpriu, pelo menos em parte, o ónus que sobre si impendia!
J. Com efeito, o autor alega que foi admitido ao serviço da ré, com a categoria profissional de motorista de veículos pesados de passageiros e que no exercício das suas funções auferia mensalmente quantias pecuniárias a título de retribuição base, diuturnidades, subsídio de agente único, trabalho suplementar, subsídio noturno, refeições, tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade, sendo estes últimos pagos como trabalho suplementar até determinada altura, e que, ao longo da relação laboral que manteve consigo, a ré sempre pagou as retribuições relativas a férias e subsídio de férias por valor igual à retribuição base e diuturnidades, excluindo das mesmas as outras prestações regulares e periódicas que pagou ao longo de cada ano.
K. Porém, uma vez que o autor, em quase todos os meses do ano, recebeu quantias provenientes de trabalho suplementar e trabalho noturno (prestado para além do seu horário normal de trabalho, de 8 horas diárias e 40 horas semanais, parte dele em período noturno) sustentou o autor que as mesmas devem ser consideradas verdadeira retribuição, devendo ser atendidas para efeitos de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias.
L. Mais alegou que a ré nunca lhe concedeu descanso compensatório remunerado, nem procedeu ao pagamento de qualquer quantia a título de descanso compensatório.
M. Ora, notificada para o efeito, a ré contestou, referindo, inclusive que “A R. aceita igualmente que o A. prestou trabalho para além do seu período normal de trabalho diário, bem como trabalho em período considerado noturno (parte dos artigos 12º e 13º da PI).” (artigo 9º da Contestação)
N. Mais referiu que “Até Abril de 2009 e sob a designação genérica de “H EXTRA” a R. pagou ao A. todo o tempo após a oitava hora contada do início do horário de trabalho, ressalvado o tempo correspondente ao intervalo de descanso, quer se tratasse de tempo em que ele exerceu efetivamente a atividade de motorista, quer se tratasse de tempo em que ele não prestou, nem lhe foi solicitada, qualquer atividade, de condução ou de outra natureza.” (artigo 39º da Contestação).
O. Ora, se é a própria ré que contesta nos termos em que o faz, concluímos novamente que o autor cumpriu, pelo menos em parte, o ónus que sobre si impendia, motivo pelo qual outra decisão que não a obtida se impunha!
P. Tal conclusão resulta, salvo melhor entendimento, da leitura do art. 5º do Código de Processo Civil, de onde se depreende que a lei distingue vários tipos de factos, impondo o ónus de alegação das partes quanto aos factos essenciais e relegando a importância de outros para a fase de instrução e julgamento da causa.
Q. Segundo Teixeira de Sousa, “a causa de pedir não é constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da ação, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor”, só a sua falta implicando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (art. 186, n.º 2, al. a)).
R. Com efeito, de acordo com aquele autor, à luz do CPC de 2013, o direito processual civil português “impõe uma conceção «deflacionista» da causa de pedir correspondente à chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido”.
S. De resto, a falta de alegação dos factos complementares nos articulados (e a eventual prova), embora acarrete consequências ao nível da improcedência da ação, não tem qualquer efeito preclusivo.
T. Ora, quanto a nós, atenta a definição da causa de pedir constante do artigo 581.º, n.º 4, o preceituado no art. 571.º, n.º 2, in fine, e a articulação destas duas disposições com o citado n.º 1 do art. 5.º, são factos essenciais aqueles que integram o facto jurídico (ou conjuntos de factos jurídicos) de que procede a pretensão do autor.
U. Dito de outro modo: os factos “absolutamente indispensáveis à consistência da ação ou da defesa”
V. Temos, então, que questionar: no caso concreto, que factos são estes?
W. Procurando responder à questão, e salvo melhor entendimento, os factos aqui em causa são os de que o autor recebeu a título de determinada prestação de trabalho, determinado valor
X. Além do mais, não se pode ignorar que, como aqui já se referiu, em sede de contestação, a Ré aceitou que efetivamente pagava por trabalho prestado para além do período normal de trabalho, referindo, no entanto, que apenas parte dessa rubrica é que serviria para o pagamento de trabalho suplementar. (Cfr. art.º 39.º da contestação).
Y. Contudo, a ré não elucidou, que parte daqueles valores eram referentes a retribuição por trabalho suplementar
Z. Ora, entendemos nós que ao alegar o que alegou, cabia-lhe a ela o ónus de demonstrar e provar qual a parte dos pagamentos que efetivamente serviam para pagar o trabalho suplementar prestado pelo autor.
AA. Mas, ainda que não se concordando com tal tese, admitindo que os factos alegados eram, efetivamente, os essenciais, ainda que não se tivesse alegado as concretas horas de trabalho suplementar realizado, a ação merecia decisão diferente da ora posta em causa.
BB. Com efeito, considera o autor que existe alegação suficiente e factos que permitissem, ainda que não uma condenação líquida, o recurso do douto tribunal ao disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC, que é aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objeto ou a quantidade da condenação.
CC. Temos, portanto, como certo que tal disposição será aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objeto ou a quantidade da condenação.
DD. Salvo melhor entendimento, esta sempre seria uma possibilidade nos presentes autos, já que foi a própria ré quem, em sede de contestação, admitiu que o autor prestou trabalho suplementar.
EE. Em sentido coincidente, afirma Vaz Serra que “A aplicabilidade do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil não depende de ter sido formulado um pedido genérico; mesmo que o autor tenha deduzido na ação um pedido de determinada importância indemnizatória, se o tribunal não puder averiguar o exato valor dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provada, para execução de sentença…”.
FF. Nesse sentido se decidiu também no Acórdão do STJ de 22/09/2016, bem como o Acórdão do STJ de 08/11/2012 e ainda o Acórdão do STJ de 07/11/2006.
GG. Concluímos, portanto, que, para efeito de aplicação da norma citada, é irrelevante que o autor tenha formulado um pedido líquido ou específico.
HH. O que é absolutamente necessário é que se prove a existência da obrigação.
II. Ora, efetivamente, nem foi dada ao autor possibilidade se ver provada a existência da obrigação, não obstante a alegação dos factos essenciais à constituição da mesma.
JJ. Nestes termos, deve a decisão sob censura ser substituída por outra.
A Ré contra-alegou, sustentando que não se verifica qualquer nulidade da sentença e propugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal de 1.ª instância proferiu despacho no qual decidiu não se verificar qualquer nulidade da sentença e admitiu o recurso de apelação, com subida nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela rejeição da arguida nulidade da sentença e pela improcedência do recurso.
Dispensados os vistos com anuência dos Adjuntos, por vencimento da anterior relatora, o presente Acórdão é lavrado pela 1.ª adjunta, em obediência ao disposto no art. 663.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença;
2) Suficiência factual da petição inicial; e
3) Possibilidade de recurso ao mecanismo de liquidação em execução de sentença (art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
III – Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a sentença é nula; (ii) os factos constante da petição inicial são suficientes; e (iii) o que não constar da petição inicial pode ser apurado com recurso ao mecanismo de liquidação em execução de sentença (art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
1 – Nulidade da sentença
No entender do Apelante, a sentença sob recurso é nula, nos termos do art. 607.º, nºs. 3 e 4, do Código de Processo Civil, por ser omissa quanto ao leque de factos provados e não provados.
Dispõe o art. 607.º do Código de Processo Civil que:
1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.

Em primeiro lugar, importa salientar que, em face da actual versão do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho (versão da Lei n.º 107/2019, de 09-09), a nulidade da sentença foi devidamente arguida.
O Tribunal da 1.ª instância pronunciou-se sobre a invocada nulidade no sentido de que a mesma não se verifica, uma vez que a sentença “fundamenta-se, precisamente, na ausência de factos alegados e na perspectiva de que, mesmo que todos os factos alegados pelo autor estivessem provados, a consequência seria a mesma: total improcedência”.
Cumpre decidir.
O art. 607.º do Código de Processo Civil limita-se a indicar os requisitos que devem constar da sentença, elencando, por sua vez, o art. 615.º do Código de Processo Civil, as situações que determinam a sua nulidade.
Em face do alegado pelo Apelante, estaríamos perante uma situação de omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Consta, assim, do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Esta nulidade encontra-se particularmente relacionada com o disposto no art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

A nulidade por omissão de pronúncia (ou por excesso de pronúncia) traduz-se, assim, na violação do dever imposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.
Aliás, conforme bem esclareceu o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado[1]:
(…) resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.

Na realidade, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes (tendo de proferir decisão relativamente a todas, com excepção daquelas que tenham ficado prejudicadas por decisões anteriormente tomadas e não podendo decidir de outras a não ser que sejam de conhecimento oficioso), já não aos fundamentos/argumentações invocados.
E isto é assim quer quanto à circunstância de o tribunal não se encontrar obrigado a pronunciar-se sobre toda a argumentação apresentada pelas partes quer quanto à circunstância de poder apresentar argumentação diversa da invocada.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 15-12-2011, no âmbito do processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

No caso em apreço, importa atentar que o Meritíssimo Juiz a quo, no seguimento da tramitação prevista para a presente acção sob a forma de processo comum (arts. 51.º a 78.º do Código de Processo do Trabalho), após a fase de apresentação dos articulados, recorrendo ao disposto no n.º 1 do art. 61.º do referido diploma legal, proferiu despacho pré-saneador, convidando o Autor a aperfeiçoar a sua petição inicial, por entender que o mesmo não tinha alegado, no mencionado articulado, os factos integradores dos conceitos jurídicos trabalho suplementar, tempo de disponibilidade, trabalho nocturno ou descanso compensatório, sendo a causa de pedir de um crédito relativo a esses conceitos jurídicos constituída pelos factos concretos que os revelam.
Respondendo a tal convite, o Autor não alegou os solicitados factos, limitando-se a referir que a causa de pedir da presente acção se centrava, em primeiro lugar, no facto de ter recebido determinadas quantias a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, sendo o recebimento, por si, de uma certa quantia monetária, matéria factual. Remeteu ainda o assunto relativa aos horários por si praticados durante a vigência da relação laboral para prova documental, designadamente discos de tacógrafos e registos de ponto, cuja junção aos autos requereu, tendo igualmente solicitado a realização de perícia aos registos desses tacógrafos.
Em face dessa resposta, o tribunal a quo, relativamente à matéria factual, proferiu as seguintes considerações:
Perante a forma como o autor escolheu introduzir a sua petição inicial em juízo o Tribunal convidou-o a completar a sua alegação.
Porém, o autor tomou a posição de fls. 567 e ss.: na essência, não introduzindo qualquer facto novo. Pelo contrário, pretende que se faça prova sobre factos que não foram alegados.
Ou seja, vem requerer a realização de perícia para que, com esta, se chegue aos factos que não foram alegados.
Esta pretensão não pode, naturalmente, proceder.
A instrução de um processo cível (a produção de qualquer prova) tem por objecto os factos necessitados de prova. E estes são, em primeiro lugar, os factos alegados. As conclusões não podem ser objecto de prova para que desta se extraiam os factos essenciais que às partes cabe alegar (cf. artigos 5.º, n.º 1 e 410.º do Código de Processo Civil).
Está, por isso, o Tribunal em condições de conhecer do mérito da causa (cf. Artigo 61.º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho).

Assim, e em conclusão, o tribunal a quo considerou que, por não terem sido alegados factos essenciais para a procedência dos pedidos solicitados, mas apenas conclusões jurídicas, as quais não podem ser objecto de prova, encontrava-se, desde logo, nos termos do art. 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, em condições de conhecer do mérito da causa, sem poder proceder à análise factual, por os mesmos não existirem.
Atente-se que a nulidade de uma sentença, e concretamente a nulidade por omissão de pronúncia, não se reporta à justeza da argumentação tecida que esteve subjacente à decisão tomada, antes sim, e apenas, à inexistência de qualquer decisão sobre a questão apresentada.
Ora, na situação que nos ocupa, o tribunal a quo não procedeu à discriminação dos factos provados e não provados constantes da petição inicial (sendo esta a questão colocada ao tribunal), por ter entendido que o Autor não tinha alegado, na respectiva petição, os factos essenciais susceptíveis de permitir a procedência dos pedidos solicitados, pelo que, não os elencou na sentença proferida, por estar impedido de apreciar factos que considerava não existirem.
Nesta conformidade, por ter sido proferida decisão pelo tribunal a quo sobre a questão factual, não estamos perante qualquer situação de omissão de pronúncia, pelo que improcede a nulidade invocada.
2) Suficiência factual da petição inicial
No entender do Apelante, sendo os seus pedidos a condenação da Apelada a pagar ao Apelante quantias a título de retribuição de férias, subsídio de férias, subsídio de natal, descanso compensatório e juros de mora à taxa legal, o Apelante alegou, na sua petição inicial, nos termos do art. 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os factos essenciais que constituem a causa de pedir, uma vez que alegou receber, em quase todos os meses do ano, quantias provenientes de trabalho suplementar e trabalho nocturno (prestado para além do seu horário normal de trabalho, de 8 horas diárias e 40 horas semanais, parte dele em período nocturno), ou seja, alegou o Apelante que recebeu, a título de determinada prestação de trabalho, determinado valor, pelo que esses valores deveriam ser considerados verdadeira retribuição, e ser atendidos para efeitos de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias.
Referiu ainda que, na sua petição inicial, alegou igualmente que a Apelada nunca lhe concedeu descanso compensatório remunerado, nem procedeu ao pagamento de qualquer quantia a título de descanso compensatório.
Esclareceu também que a Apelada, ao contestar, reconheceu que o Apelante prestou trabalho para além do seu período normal de trabalho diário, bem como trabalho em período nocturno, considerando, porém, que parte da rúbrica de trabalho suplementar não se reportava a trabalho suplementar, sem elucidar que partes daqueles valores eram referentes a trabalho suplementar, competindo-lhe a ela o ónus de demonstrar e provar tal circunstância.
Por fim, considerou que a causa de pedir não sendo constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, só a sua falta implica a ineptidão da petição inicial, pelo que a falta dos factos complementares nos articulados, embora acarrete consequências ao nível da improcedência da acção, não possui qualquer efeito preclusivo.
Cumpre decidir.
Desde logo, importa esclarecer que na presente situação estamos perante uma sentença que, com fundamento na manifesta improcedência da acção, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos contra si deduzidos; e não perante um despacho judicial a julgar inepta a petição inicial.
Desse modo, o que importa aferir é se, em face do que se mostra alegado na petição inicial, existem ou não factos que, a provarem-se, permitam ao Autor obter provimento relativamente aos pedidos que formulou e não se da petição inicial constava, ou não, a sua causa de pedir.
Nos termos do art. 342.º do Código Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (n.º 1), sendo que “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” (n.º 2). Só não será assim, nos termos do art. 344.º, n.º 1, do Código Civil, quando haja presunção legal, situação em que há inversão do ónus da prova, visto que, nos termos do art. 350.º do Código Civil, “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (n.º 1), podendo esta ser ilidida mediante prova em contrário (n.º 2).
No caso em apreço, importará separar duas situações, a relativa ao pedido de pagamento de determinadas quantias a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, da relativa ao pagamento de determinada quantia a título de descanso compensatório.
Assim, quanto aos primeiros pedidos (quantias a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal), a causa de pedir, nos termos em que foi formulada pelo Apelante, reporta-se à circunstância de ter recebido durante os anos em que trabalhou para a Apelada, nos meses que circunstanciadamente descreve, quantias que expressamente indica, a título de trabalho suplementar e nocturno, as quais, pela sua regularidade e periodicidade, deveriam considerar-se parte integrante da retribuição, e, por isso, servirem de cálculo para a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.
Começaremos, em primeiro lugar, por analisar as disposições legais que se encontram actualmente em vigor, no âmbito do Código do Trabalho, na versão da Lei n.º 7/2009, de 12-02.
Nos termos do art. 258.º, nºs. 1 e 2, do Código do Trabalho, a atribuição patrimonial entregue pela entidade patronal ao trabalhador constitui retribuição se (i) se traduzir numa atribuição patrimonial em dinheiro ou espécie; (ii) se traduzir numa contrapartida do trabalho prestado pelo trabalhador; e (iii) for paga de forma regular e periódica[2].
Assim, para que determinada atribuição efectuada pela entidade empregadora ao trabalhador se considere retribuição tem a mesma de ter carácter patrimonial (em dinheiro ou espécie), ser a contrapartida do trabalho desempenhado pelo trabalhador e tem de ser paga de forma regular e periódica.
Pretendendo o Apelante que determinadas quantias que recebeu, a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, sejam consideradas retribuição, deveria, assim, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar estas três características.
Acontece, porém, que, o n.º 3 do art. 258.º do Código do Trabalho, estabelece uma presunção legal, segundo a qual “Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador”. E, a ser assim, nos termos do art. 344.º, n.º 1, do Código Civil, dá-se uma inversão do ónus da prova.
Conforme bem se elucidou no acórdão do TRP, proferido em 16-12-2015, no âmbito do processo n.º 364/14.9TTOAZ.P1, consultável em www.dgsi.pt[3]:
Os mesmos “princípios gerais da retribuição” ficaram plasmados, de modo similar, no artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009.É de destacar que, em todos os regimes – artigos 82.º, n.º 3, da LCT, 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009 –, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).

Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRP, proferido em 01-02-2016, no âmbito do processo n.º 124/14.7T8VNG.P1, consultável em www.dgsi.pt:
I - Considera-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador as remunerações complementares que, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual.
II - O que importa para aferir o carácter regular ou habitual da prestação complementar é que a repetição do pagamento por um número significativo de vezes e a um determinado título crie no trabalhador a convicção da sua continuidade de recebimento e que paute o seu consumo em função de tal expectativa (legítima) de recebimento.
III - Face à recente jurisprudência do STJ, no que respeita ao número mínimo de meses de pagamento dos complementos para integrarem a retribuição de férias e subsídio de féria e de Natal (este até 2003) é de onze meses no ano.
IV - Os arts. 82º, nº 3, da LCT, 249º, nº 3, do Código do Trabalho de 2003, e 258º, nº 3, do Código do Trabalho de 2009 consagram, como princípio geral em matéria de retribuições, a inversão do ónus da prova, o que equivale a dizer que é ao réu que compete demonstrar que, tendo efectuado o pagamento de certas prestações, elas não tinham o carácter de retribuição.
V - Integram o conceito de remuneração os pagamentos dos subsídios de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação de horário incómodo, compensação especial distribuição e subsídio de condução, quando prestados ao longo de todo o ano e por vários anos.

Cita-se, por fim, por se reportar ao TRE, o acórdão proferido 09-03-2016, no âmbito do processo n.º 166/14.2TTTMR.E1, consultável em www.dgsi.pt:
Anote-se ainda que por força do que dispõem os artigos 82.º, n.º 3, da LCT, 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador; ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação pelo empregador de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois ao empregador a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (cfr. artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).

Refira-se ainda que, no próprio parecer do Professor Júlio Gomes, junto pela Apelada, e conforme transcrição efectuada na respectiva contestação (fls. 35), consta que:
“… em matéria de retribuição vale também o princípio do realismo e não o do nominalismo. Em suma, o que importa saber para qualificar uma prestação como retribuição não é o nome que as partes lhe dão (…) mas sim se ela reúne as características legais e, designadamente, se é contrapartida do trabalho. Daí que (…) os empregadores possam demonstrar (…) que pagaram como trabalho suplementar, assim mencionado no recibo, não apenas trabalho suplementar genuíno, mas também horas de disponibilidade que não são tempo de trabalho e cuja contrapartida não é, por isso, retribuição”.

Na realidade, resulta também de tal parecer que compete ao empregador, e não ao trabalhador, a possibilidade de demonstrar que a prestação patrimonial recebida pelo trabalhador não constitui contrapartida da actividade do trabalhador.
Dir-se-á, ainda, quanto ao acórdão citado na contestação, do TRL, proferido em 01-07-2015, no âmbito do processo n.º 1890/13.2TTLSB.L1-4[4], que os factos constitutivos do direito ao recebimento das prestações peticionadas pelo Autor (pedido idêntico ao deste processo quanto à retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal), que não se mostravam alegados e concretizados pelo trabalhador na sua petição inicial, se reportam à cadência dos recebimentos, uma vez que os recebimentos foram alegados em termos globais anuais, o que impediu o conhecimento do apuramento dos meses em que tais recebimentos se concretizaram e de quantos meses por ano.
Relativamente ao acórdão do TRL, proferido em 16-12-2009, no âmbito do processo n.º 1881/07.9TTLSB.L1-4[5], igualmente citado na contestação, do mesmo apenas resulta que se para determinada prestação se provar a inexistência de algum dos requisitos que integram o conceito de retribuição, tal prestação não pode ser considerada como retributiva, pelo que, tendo resultado provado que a prestação invocada nesses autos não constituía contrapartida da actividade do trabalhador, não era o simples facto de tal prestação ter natureza regular e periódica que permitiria a sua consideração como retributiva.
Pelo exposto, atenta a mencionada presunção, compete ao Apelante alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva.
E, a ser assim, efectivamente para que possa haver procedência dos pedidos formulados pelo Apelante, que não se reportam ao pagamento de trabalho suplementar ou nocturno, antes sim a que as quantias recebidas a esses títulos integrem o conceito de retribuição e, desse modo, participem no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de natal, o Apelante não tem de alegar e provar que efectuou o trabalho suplementar e o trabalho nocturno (discriminando em concreto os dias e as horas em que prestou trabalho para além do horário normal ou em período nocturno), a título dos quais recebeu tais atribuições patrimoniais, bastando-lhe alegar e, posteriormente, provar, que recebeu determinadas atribuições patrimoniais da Apelada, os seus quantitativos e a respectiva cadência, competindo, posteriormente, à Apelada alegar e provar que tais atribuições patrimoniais não constituem contrapartida da actividade do trabalhador ou não têm natureza periódica e regular.
Ora, no caso em apreço, o Apelante efectivamente alegou entre os artigos 17) e 1855) da sua petição inicial, que recebeu determinadas quantias, os seus quantitativos e a respectiva cadência, pelo que se nos afigura ter cumprido com o ónus de alegação, previsto no art. 5.º do Código de Processo Civil, tendo em atenção a presunção legal de que beneficia.
E conforme resulta do acórdão já citado (acórdão do TRP, proferido em 01-02-2016, no âmbito do processo n.º 124/14.7T8VNG.P1), quer a definição do conceito de retribuição, quer a presunção de que constitui retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, previstas no art. 258.º do actual Código do Trabalho, na versão da Lei n.º 7/2009, de 12-02, são em tudo idênticas ao que já existia no art. 82.º da LCT (DL n.º 49408 de 24-11-1969) e no art. 249.º do Código de Trabalho de 2003 (na versão da Lei n.º 99/2003, de 27-08, e respectivas actualizações).
E não se venha defender que o Apelante, ao ter alegado em tal articulado, nos concretos factos relacionados com os meses em que recebeu as diversas quantias, que prestou trabalho suplementar e trabalho nocturno, ao invés de ter dito apenas que recebeu tais quantias a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, ficou, por isso mesmo, obrigado a provar a efectiva prestação de trabalho suplementar e nocturno, visto que os factos que importa provar são aqueles que se mostram necessários para a procedência do pedido e não todos os factos que tenham sido alegados, cuja irrelevância para a procedência do pedido é, porém, manifesta.
Competindo, então, ao Apelante alegar, e posteriormente provar, que recebeu determinadas quantias da Apelada, os seus quantitativos e a respectiva cadência, mesmo que tenha alegado, não só o motivo pelo qual as recebeu, como que efectivamente desempenhou as funções relacionadas com tal motivo, por não ser a si que compete fazer a prova de que as quantias recebidas representavam efectiva contrapartida da sua actividade profissional, da prova dessa alegação não depende, nem pode depender, a procedência do pedido.
Diga-se, aliás, que no acórdão proferido por esta relação em 19-12-2019, no âmbito do processo n.º 134/19.8T8PTM.E1 (não publicado), constava da respectiva petição inicial, relativamente ao alegado trabalho suplementar, designadamente, no art. 17) que “No mês de Abril de 1990, o A. prestou, de acordo com o recibo de vencimento, 26 horas de trabalho suplementar diurno, com um acréscimo de 50%, tendo recebido como retribuição dessas mesmas horas, $ 11 996,00, o que corresponde a € 59,84”; e no art. 18) que “No mês de Abril de 1990, o A. prestou, de acordo com o recibo de vencimento, 19 horas de trabalho suplementar diurno, com um acréscimo de 75%, tendo recebido como retribuição dessas mesmas horas, $ 10 227,00, o que corresponde a € 51,01”, porém, relativamente a estes factos, foi dado como provado na sentença proferida pelo tribunal a quo, não que o Autor tivesse prestado trabalho suplementar, mas tão somente que “No recibo de vencimento do autor e relativo a Abril de 1990 a ré fez constar o pagamento de 26 horas extra com acréscimo de 50%, no valor de 11.996$00 e o pagamento de 19 horas extra com acréscimo de 75%, no valor de 10.227$00” (art. 12.º dos factos provados). Acresce que este foi o procedimento adoptado para todos os factos que foram dados como provados em tal sentença.
Importa ainda mencionar relativamente a este processo, cuja petição inicial era bastante semelhante à dos presentes autos, que foi efectuado julgamento, tendo posteriormente sido proferida sentença, na qual foi julgada improcedente a acção. Porém, em sede de recurso, já neste tribunal, quanto ao trabalho nocturno[6], foi dado provimento ao recurso do Autor, considerando-se que:
Quanto ao trabalho nocturno, reúnem as características para serem qualificados como contrapartida da actividade desenvolvida pelo trabalhador, por pagos de forma regular e periódica em onze meses do ano, os valores relativos aos anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 2000, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015.

Assim, e pelo menos relativamente ao trabalho nocturno, no citado acórdão desta relação, não se impôs ao Autor o ónus de alegar e provar, em concreto, os dias e as horas em que efectivamente prestou trabalho nocturno.
Por último, dir-se-á apenas que a posição constante da decisão recorrida, quanto ao ónus de alegação do Autor, relativamente a este tipo de pedidos, mostra-se efectivamente defendida no acórdão proferido nesta relação, em 12-09-2019, no âmbito do processo n.º 2335/18.7T8PTM.E1, o qual foi subscrito pela presente relatora e pelo ora 2.º adjunto. Porém, reponderada a questão em análise, em face da inversão do ónus da prova quando existe presunção legal, como é o caso, e no seguimento do voto de vencido do ora 2.º adjunto no já citado processo n.º 134/19.8T8PTM.E1, também a presente relatora reviu o seu entendimento a respeito desta questão.
Nesta conformidade, por constar da petição inicial os factos necessários à procedência dos pedidos relativos aos pagamentos de quantias a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, importará proceder ao respectivo julgamento, a fim de se apurar da prova dos mesmos e consequente aplicação do direito, pelo que dá-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença proferida e determinando-se o prosseguimento do processo, com a realização do respectivo julgamento.
Já quanto ao pagamento de determinada quantia a título de descanso compensatório, por tal pedido não possuir qualquer ligação com o conceito de retribuição, não vigorando para o mesmo qualquer presunção legal, volta a aplicar-se plenamente o disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que compete ao Autor, ou seja, ao Apelante, alegar e provar os factos necessários para a procedência do pedido, que, no caso, sempre seriam os dias e as horas, em concreto, que o Apelante trabalhou e, que, no seu entender, dariam direito ao invocado descanso compensatório.
Não o tendo feito, mesmo após convite que lhe foi endereçado, encontra-se comprometida a possibilidade de procedência deste pedido, porém, tal situação apenas deverá ser apreciada em sede de sentença final e após realização do competente julgamento.
Por ficar prejudicada, em face da procedência do recurso, não se apreciará a última questão (possibilidade de recurso ao mecanismo de liquidação em execução de sentença).
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente o recurso, e, em consequência, revogar a sentença proferida, determinando-se o prosseguimento do processo, com a realização do respectivo julgamento.
Custas a cargo da Apelada.
Notifique.
Évora, 7 de Maio de 2020
Emília Ramos Costa (1.ª adjunta, que lavra o Acórdão por vencimento da relatora)
Moisés Silva
Paula do Paço, vencida, conforme declaração de voto que se segue:
Voto de vencida:

Com todo o respeito pela posição que mereceu vencimento no que concerne à questão da suficiência factual da petição inicial, entendemos que o referido articulado não contém, pelo menos parcialmente, os factos essenciais que deveriam preencher a causa de pedir subjacente aos pedidos formulados.

Na petição inicial o autor pede que a ré seja condenada no pagamento da quantia global de € 30.669,59, sendo € 9.123,68 a título de diferenças na retribuição dos períodos de férias, € 9. 123,68 a título de diferenças nos subsídios de férias, € 3 551,43 a título de diferenças nos subsídios de natal e € 8 870,80 a título de descanso compensatório.

De harmonia com o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 552.º, n.º 1, alínea d) e 5.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil e 49.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, na petição inicial de uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.
Os factos essenciais são aqueles sem os quais não ficaria identificada ou individualizada a situação jurídica alegada na ação.[7]
Por outras palavras, são aqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas.
No caso vertente, o autor pede a condenação da ré no pagamento da quantia de € 8.870,80, a título de descanso compensatório, decorrente das horas de trabalho suplementar que prestou entre 1990 e 2012

Em termos jurídicos, fundamenta o pedido no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de dezembro e no artigo 229.º do Código do Trabalho.

Da leitura destes artigos infere-se a consagração legal do direito ao descanso compensatório que deriva da prestação de trabalho suplementar em dias úteis, dias de descanso semanal complementar ou obrigatório e em dias feriados.

Assim, a procedência deste pedido está dependente da alegação e prova da prestação de trabalho suplementar nas circunstâncias ou pressupostos de que depende o direito ao descanso compensatório.

E tal prestação de trabalho suplementar em dias úteis, dias de descanso semanal complementar ou obrigatório e em dias feriados ter-se-á de deduzir a partir dos dias de trabalho e dos concretos horários de trabalho prestados pelo autor, ao serviço da ré.

A alegação genérica que foi prestado trabalho suplementar ou pago trabalho suplementar entre os anos de 1990 e 2012, no nosso entendimento, não satisfaz ou substitui a alegação da verificação dos factos concretos essenciais dos quais depende a procedência da pretensão deduzida.

“Trabalho suplementar” é um conceito jurídico.

Destarte, não contendo a petição inicial o essencial suporte factual que permita subsumir a realidade da vida ao conceito jurídico de trabalho suplementar, afigura-se-nos, que a petição inicial se mostra insuficiente no que respeita ao alegado trabalho suplementar prestado, entre os anos de 1990 e 2012.

Tal insuficiência da petição inicial, que a parte não supriu, quando convidada a fazê-lo, compromete, inevitavelmente, o pedido analisado.

Por conseguinte, face à manifesta improcedência do referido pedido, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, na parte agora analisada, pelo que decidiríamos, desde logo, e divergindo aqui da posição que mereceu vencimento, pelo não prosseguimento da ação para posterior conhecimento deste pedido.

No que concerne ao pedido respeitante ao pagamento das diferenças salariais a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, salienta-se que a petição inicial apresentada é, essencialmente, idêntica à que foi apresentada no processo n.º 2335/18.7T8PTM.E1[8] (salvo as particularidades de cada caso, naturalmente), que mereceu acórdão unânime deste mesmo coletivo, proferido em 12-09-2019, acórdão este que serviu, entre outros fundamentos, para justificar a decisão recorrida.

Nesse acórdão, resumidamente, entendeu-se que a petição inicial apresentada era insuficiente, em termos factuais, para a procedência do pedido relativo ao pagamento das diferenças a título de férias, subsídios de férias e subsídios de natal, pois não bastava alegar, como fez o autor dessa ação, que lhe foram pagas, mensalmente e durante a vigência da relação laboral, quantias a título de trabalho suplementar, tempo de disponibilidade, suplemento de disponibilidade e trabalho noturno.

Reponderando a questão, parece-nos que o entendimento então sustentado deve ser mantido, pelo menos, para o alegado trabalho suplementar prestado a partir de março de 2009.

Na petição inicial, alegou o autor que a partir da aludida data, prestou trabalho suplementar que foi pago pela ré, uma parte como trabalho suplementar e o restante como tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade (artigo 14.º da petição inicial).

Ora, escreveu-se no acórdão desta Secção Social proferido no processo n.º 2923/17.9T8PTM.E1, deduzido contra a mesma ré, num caso semelhante ao dos autos:

«Entende o A. que os períodos de disponibilidade são tempo de trabalho e como tal relevam para efeitos de descanso compensatório e cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal.

A jurisprudência maioritária desta Relação[9] e ainda da Relação de Lisboa[10] responde, no entanto, em sentido negativo, e o Supremo Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de suportar essa posição, de resto confirmando um aresto tirado por maioria nesta Relação.[11]

Entende-se não divergir desta posição.

Note-se que o DL 237/2007, de 19 de Junho, que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2002/15/CE, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam atividades móveis de transporte rodoviário, dispõe no respetivo art. 5.º que não é considerado tempo de trabalho o tempo de disponibilidade, ali definido no art. 2.º al. c) “como qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, nos termos previstos em convenção coletiva ou, na sua falta, antes da partida ou imediatamente antes do início efetivo do período em questão, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da atividade em caso de necessidade, bem como, no caso de trabalhador que conduza em equipa, qualquer período que passe ao lado do condutor ou num beliche durante a marcha do veículo.”

Ainda que o objetivo deste diploma seja definir os limites de duração do trabalho semanal e intervalos de descanso, o certo é que o mesmo prevê a existência de períodos de disponibilidade, em que o trabalhador não está no exercício da sua atividade nem está obrigado a permanecer no local de trabalho.

Se o trabalhador está obrigado a permanecer no local de trabalho, onde está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho. Mas se apenas permanece contactável para trabalhar, podendo livremente ausentar-se para tratar dos seus assuntos pessoais ou desenvolver outras atividades à margem da relação laboral, esse período de tempo não pode em regra considerar-se tempo de trabalho.[12]

No caso, nada foi alegado acerca da obrigatoriedade do A. permanecer no local de trabalho, ou se podia livremente ausentar-se para tratar de assuntos pessoais, devendo estar contactável.

A posição do A., expressa no modo como estruturou a sua petição inicial, foi enquadrar os tempos de disponibilidade na mesma figura jurídica do trabalho suplementar, não efetuando qualquer distinção e não alegando qualquer facto, como era seu ónus, que permitisse estabelecer a efetiva prestação de trabalho suplementar, com as exigências estabelecidas por lei, nomeadamente, a prestação de trabalho fora do horário estabelecido, com definição das horas de início e de termo do trabalho, e ainda que o mesmo foi prévia e expressamente determinado, ou realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

A referir, ainda, que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da atividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais que não sejam a contraprestação do trabalho prestado. Daí que seja necessário demonstrar não apenas a regularidade e periodicidade da atribuição patrimonial, mas ainda que esta não se destina a compensar o trabalhador por quaisquer outros fatores (…).»

Ora, se o autor alegou que as quantias pagas a título de tempo de disponibilidade e subsidio de disponibilidade, a partir de março de 2009, correspondem, juntamento com as que foram pagas a título de trabalho suplementar neste período temporal, ao pagamento de trabalho suplementar que prestou e sendo o conceito de trabalho suplementar um conceito jurídico, competia-lhe alegar (e demonstrar, posteriormente) a materialidade da qual se poderia inferir a alegada relação entre o aludido pagamento e o trabalho prestado subsumível ao conceito previsto nos sucessivos artigos 197.º do Código do Trabalho de 2003 e 226.º do Código do Trabalho de 2009.

A procedência da pretensão deduzida, que agora se analisa, depende da alegação e prova de tal materialidade.

E a mesma não consta da petição inicial, nem a sua falta foi suprida pelo autor após convite apresentado para o efeito.

Pelo exposto, nesta parte, é manifesto que o pedido do autor não pode proceder por falta de base factual que o sustente.

Por conseguinte, decidiríamos, atenta a manifesta improcedência de tal pedido, pela confirmação da decisão recorrida, também nesta parte.

No que concerne ao pedido relacionado com o trabalho noturno e com o trabalho suplementar alegadamente prestados e pagos, este último desde o início da relação laboral até março de 2009, reponderada a questão, afigura-se-nos que é suscetível de se inferir da petição inicial que, para sustentar o pedido apresentado, o autor apresentou uma causa de pedir múltipla, pois por um lado alega que prestou trabalho suplementar e trabalho noturno (que são conceitos jurídicos, que importavam concretizar com factos), mas, por outro lado, não deixa de alegar que recebeu, mensalmente, como contrapartida do trabalho, quantias pecuniárias sob os referidos títulos, visando o reconhecimento da sua natureza retributiva – artigos 82.º, n.º 3 da LAT, 249.º, n.º 3 do Código do Trabalho/2003 e 258.º, n.º 3 do atual Código do Trabalho.

Nesta conformidade, admitindo que existe uma base factual essencial para a procedência dos referidos pedidos, não divergimos, nesta parte, do decidido.

Paula do Paço

__________________________________________________

[1] Vol. V, p. 143.

[2] Veja-se neste sentido, entre outros, Código do Trabalho, Pedro Romano Martinez, Almedina, 2010, 5.ª edição, pp. 608 e ss..

[3] No mesmo sentido, vejam-se também o acórdão do TRP proferido em 01-12-2014 no âmbito do processo n.º 166/09.4TTOAZ.P1; e o acórdão do TRP proferido em 05-03-2018 no âmbito do processo n.º 271/14.5TTMTS.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.

[4] Consultável em www.dgsi.pt.

[5] Consultável em www.dgsi.pt.

[6] Importa referir que, quanto ao trabalho nocturno, ficou a constar na matéria dada como provada, para cada um dos meses em que o mesmo foi atribuído, factos com teor idêntico ao que se cita: “No recibo de vencimento do autor e relativo a Janeiro de 1994 a ré fez constar o pagamento de 16 horas de subsídio nocturno no valor de 1.824$20” – facto 55.

[7] Elisabeth Fernandez, “Um novo Código de Processo Civil?”, Ed. Vida Económica, pág. 54.

[8] O processo n.º 2335/18.7T8PTM.E1 foi deduzido contra a mesma ré e o ilustre mandatário que patrocina o trabalhador é o mesmo que patrocina o autor da presente ação.

[9] Acórdãos de 07.07.2016 (Proc. 119/14.0TTFAR.E1), de 07.09.2016 (Proc. 652/13.1TTFAR.E1), de 16.02.2017 (Proc. 618/13.1TTFAR.E1), e dois de 14.09.2017 (Procs. 97/14.6T8STR.E1, relatado pelo mesmo autor do presente, e 157/14.3TTSTR.E1), todos publicados em www.dgsi.pt.

[10] Acórdão de 17.12.2014 (Proc. 715/13.3TTVFX.L1-4), também na mesma base de dados.

[11] Em Acórdão de 02.05.2018 (Proc. 157/14.3TTSTR.E1.S1), confirmando o Acórdão desta Relação de Évora de 14.09.2017, supra citado.

[12] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.02.2005 (Proc. 04S3164), de 19.11.2008 (Proc. 08S0930) e de 14.05.2015 (Proc. 2428/09.1TTLSB.L1.S1), sempre na mesma base de dados.