Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
9396/17.4T8STB-C.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRECLUSÃO
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A prescrição, enquanto facto extintivo da obrigação exequenda, tem que ser deduzida na oposição à execução e no prazo para esta estabelecido; decorrido este prazo, o direito do executado de deduzir a prescrição da obrigação exequenda resulta precludido.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 9396/17.4T8STB-C.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. (…), residente na Rua (…), nº 15, em Sesimbra, executado no processo de execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente Caixa Geral de Depósitos, veio invocar a prescrição das livranças que servem de título à execução, no prazo para deduzir oposição.

O requerimento foi liminarmente indeferido nos seguintes termos:

“Veio o executado (…) através de requerimento entrado em juízo a 11.04.2019 denominado de oposição à penhora invocar a prescrição das livranças dadas à execução com a consequente extinção da ação executiva.

Ora bem.

O requerimento apresentado pelo executado não mais é do que um verdadeiro articulado (encapotado) de oposição à execução e, como tal, será tratado.

A oposição à penhora é indeferida liminarmente quando tenha sido deduzida fora do prazo, o fundamento não se ajuste ao disposto no art.º 784º, n.º 1, ou for manifestamente improcedente (cfr. art.º 785º, nº 2 e 732º, nº 1, do CPC).

Cotejando o referido dispositivo legal ali se estabelece: - Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada. - Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda. - Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência. Como se viu, tal incidente tem por finalidade, possibilitar ao executado reagir contra uma penhora ilegal, nomeadamente, se forem penhorados bens pertencentes ao próprio executado que não deviam ter sido atingidos pela diligência, quer por inadmissibilidade ou excesso da penhora, quer por esta ter incidido sobre bens que, nos termos do direito substantivo, não respondiam pela dívida exequenda. Trata-se, efetivamente, de situações de impenhorabilidade objetiva. No caso em apreço, não se invoca qualquer das situações supra enunciadas, pois a invocação da prescrição enquanto facto extintivo da obrigação apenas é admissível na oposição à execução e não na oposição à penhora.

E, neste conspecto, refira-se que está patenteado nos autos que o opoente/executado foi citado em 06.02.2018 (ref. 3373856) e não deduziu oposição. Assim, tem de se concluir que a oposição apresentada não consubstancia, de per si, a oposição à penhora efetivamente plasmada no artº. 784º do CPC. Nestes termos, pelos motivos explanados, a oposição à penhora, nos moldes em que foi formulada, jamais poderia obter êxito, nos termos constantes da alínea c) do nº. 1 do art. 732º do CPC., ex vi do nº. 2 do artº 785º do CPC.

Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, em conformidade com o disposto no art.º 785º, nº 2, do CPC, indeferir liminarmente o requerimento de oposição à penhora.”

3. O Executado recorre deste despacho e conclui, assim, a motivação do recurso:

“1. O agora recorrente intervém nos autos de execução apenas por ser proprietário do imóvel hipotecado como garantia dos créditos.

2. Nessa qualidade, o Sr. (…) usou do prazo para deduzir Oposição à Penhora para, invocar a prescrição dos títulos executivos, à data da instauração da ação executiva, a 18/12/2017, nos termos do Art.º 70.º, Parágrafo Segundo, da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), aplicável às livranças ex vi Art.º 77.º do mesmo diploma legal.

3. Nessa sede, pediu a declaração da prescrição das livranças que servem de título executivo à ação executiva e a declaração da extinção da ação executiva, no que respeita à dívida que tem por base ambos os títulos de crédito, com fundamento na prescrição dos títulos executivos.

4. O Tribunal a quo tratou o requerimento apresentado pelo executado como um «(…) articulado (encapotado) de oposição à execução (…).», e, nessa medida, decidiu «(…) nos termos e pelos fundamentos expostos, em conformidade com o disposto no art.º 785º, nº 2, do CPC, indeferir liminarmente o requerimento de oposição à penhora» – cfr. despacho recorrido.

5. Na nossa humilde opinião, andou mal o despacho recorrido.

6. Contrariamente ao que resulta do despacho em crise, com o requerimento com a Ref.ª 32154325, a intenção do executado não foi deduzir oposição à penhora mas somente aproveitar o prazo de oposição à penhora em curso para invocar a prescrição dos títulos executivos que servem de base ao processo executivo.

7. O recorrente podia ter-se feito valer do incidente de oposição à penhora, pois verificavam-se, no caso concreto, dois dos fundamentos para tal, os plasmados nas alíneas b) e c) do Art.º 784.º do CPC, a saber.

8. Atenta a prescrição, o bem penhorado não responde, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda e, por isso, não devia ter sido atingido pela diligência.

9. O requerimento apresentado é admissível de acordo com a lei substantiva, nomeadamente, o disposto em várias normas do Código Civil (CC), as quais permitem que o titular do bem hipotecado se defenda desta forma.

10. O regime jurídico da hipoteca prevê regras especiais respeitantes à defesa do dono da coisa ou do titular do direito no Art.º 698.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

11. Atento o disposto no Art.º 698.º, n.º 1, do CC, é lícito ao recorrente opor ao credor os meios de defesa que este tiver contra os créditos, aplicando-se o regime dos Art.º 637.º e 642.º do mesmo diploma legal, nos termos em que a sua doutrina está contida no Art.º 698.º, n.º 2 – In Código Civil Anotado – Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987.

12. Ao abrigo desta disposição legal, o dono da coisa ou titular do direito hipotecado poderá valer-se desses meios de defesa «(…) enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, ou o credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor» – cfr. Art.º 698.º, n.º 2, do CC.

13. Isto é, enquanto houver a possibilidade do devedor impugnar ou pagar, o dono da coisa ou titular do direito hipotecado poderá opor ao credor os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito.

14. «(…) o artigo 305.º admite que a prescrição seja invocada por terceiro com legítimo interesse na sua declaração, e é esse o caso do titular da coisa ou do direito hipotecado» – In Código Civil Anotado – Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987.

15. O hipotecado «(…) não é obrigado a pagar, enquanto o credor e o devedor puderem usar dos seus direitos de compensação (…)» – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao Art.º 642.º do CC – In Código Civil Anotado – Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987.

16. Não faz sentido obrigar o hipotecado a cumprir podendo amanhã o devedor impugnar o negócio de onde procede a obrigação – nesse sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao Art.º 642.º do CC – In Código Civil Anotado – Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987.

17. O recorrente pode avocar a si o regime do Art.º 698.º do CC por desconhecer se o devedor está em tempo ou tem a possibilidade de arguir as circunstâncias previstas nesse normativo legal.

18. É legítimo ao executado ora recorrente invocar a prescrição dos títulos executivos, sendo tempestivo o momento em que o fez.

19. A prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício (Cfr. Art.º 301.º do CC), no entanto, para ser eficaz esta necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (Cfr. Art.º 303.º do CC), admitindo a lei a sua oponibilidade por terceiros com legítimo interesse na sua declaração (Cfr. Art.º 305.º, n.º 1, do CC).

20. «São terceiros interessados na declaração da prescrição, entre outros, os que constituíram uma garantia real ou pessoal» – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao Art.º 305.º do CC – In Código Civil Anotado – Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987.

21. Esse é o caso do Sr. (…) que, por isso, tem legítimo interesse na declaração da prescrição dos títulos de crédito que serviram de base à ação executiva.

22. Sendo que, completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (Cfr. Art.º 304.º, n.º 1, do CC).

Sublinha-se que,

23. A oposição ao exercício do direito prescrito pode ser feita por qualquer modo;

24. Nada impedindo que a invocação judicial da prescrição se faça da forma eleita pelo recorrente – vide Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao Art.º 303.º do CC, in Código Civil Anotado – Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987.

25. Assim, o requerimento apresentado pelo recorrente em 11/04/2019, com a Ref.ª 32154325, deverá ser admitido.

26. E, consequentemente, o Tribunal a quo deverá apreciar a invocada prescrição dos títulos executivos (livranças) que servem de base à ação executiva, extraindo, nos ulteriores termos do processo executivo, as consequências legalmente impostas.

27. O Despacho Judicial recorrido violou os Art.ºs 732.º, n.º 1, alínea c); 784.º, n.º 1 e 785.º, n.º 2 do CPC e os Art.ºs 303.º a 305.º; 637.º; 642.º e 698.º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de Direito, o Despacho Judicial recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento apresentado pelo recorrente em 11/04/2019 (com a Ref.ª 32154325) e aprecie a invocada prescrição dos títulos executivos (livranças) que servem de base à ação executiva, extraindo, nos ulteriores termos do processo executivo, as consequências legalmente impostas.

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”

Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
Vistas as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto (artºs. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambos do CPC), importa decidir se a prescrição da obrigação exequenda pode ser deduzida no prazo de oposição à penhora.

III. Fundamentação.
1. Factos
Relevam os factos constantes do relatório supra.

2. Direito
2.1. Se a prescrição da obrigação exequenda pode ser deduzida no prazo de oposição à penhora
O Apelante veio invocar a prescrição das livranças dadas à execução, no prazo para deduzir oposição à penhora e a decisão recorrida, depois de concluir que a prescrição dos títulos executivos não se ajusta a nenhum dos fundamentos de oposição à penhora previsto na lei, indeferiu liminarmente a oposição.

Diverge o Apelante argumentando, em essência, que a sua “intenção (…) não foi deduzir oposição à penhora mas somente aproveitar o prazo de oposição à penhora em curso para invocar a prescrição dos títulos executivos que servem de base ao processo executivo” e que “o requerimento apresentado é admissível de acordo com a lei substantiva”.

Não se questiona, nem o teor da decisão recorrida o sugere, que à luz da lei substantiva os títulos executivos estejam prescritos, como não se questiona que o Apelante, enquanto titular do direito hipotecado, tenha o direito de opor ao credor os meios de defesa do devedor e de se opor à execução, enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde provém a obrigação, tal como prevê e permite o artº 698º do Código Civil, mas já não se vê como acompanhar a argumentação do Apelante na parte em que supõe que o prazo para deduzir oposição à penhora pode ser aproveitado para invocar a prescrição dos títulos executivos que servem de base ao processo executivo.

As razões constam no despacho recorrido e o Apelante, em bom rigor, não as ataca e isto porquanto tais razões são de forma ou procedimento e o Apelante argumenta com razões de substância.

A prescrição confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artº 304º, nº 1, do Código Civil) e, assim, invocada judicialmente por quele a quem aproveita constitui um facto extintivo do direito do autor com assento na contestação, uma vez que é nesta que toda a defesa deve ser deduzida (artº 573º, nº 1, do CPC).

Enquanto facto que pode ser invocado como defesa no processo de declaração, a prescrição constitui fundamento de oposição à execução baseada em título diferente da sentença (artº 731º do CPC); é o caso uma vez que a execução tem por título executivo duas livranças.

A oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação e a sua apresentação depois de esgotado este prazo constitui fundamento de indeferimento liminar (artº 732º, nº 1, al. a), do CPC).

Solução legal que constitui uma emanação do princípio da eventualidade ou da preclusão, segundo o qual, na lição de Manuel Andrade, há “ciclos rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os atos (máxime as alegações de factos ou dos meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludido” [Noções Elementares de Processo Civil, pág. 382].

Ainda que prescrita a obrigação exequenda a execução prossegue contra o executado como se a prescrição não se houvesse completado caso este não suscite a prescrição na oposição à execução ou deduza a oposição fora do prazo.

Efeito preclusivo que não é exclusivo da prescrição e abrange todos demais fundamentos de oposição à execução que a lei faculta ao executado designadamente quanto a execução se baseia em títulos de crédito (artºs 729º e 731º ambos do CPC).

In casu, afirma-se na decisão recorrida, o ora Apelante foi citado para a execução em 6/2/2018 e não deduziu oposição e, assim, o requerimento que determinou o despacho recorrido, apresentado em 11/4/2019, por manifestamente extemporâneo, não reunia condições processuais para a apreciação do direito a recusar, por prescrição, o cumprimento coercivo da obrigação exequenda.

Não se vê, pois, como extrair relevância normativa ao argumento central que o Apelante coloca no recurso, isto é, à sua “intenção” de “aproveitar o prazo de oposição à penhora em curso para invocar a prescrição dos títulos executivos que servem de base ao processo executivo”; admitir o apontado aproveitamento do prazo significaria abrir um espaço de discussão já precludido, ou seja, conhecer dum fundamento de oposição à execução que o executado tempestivamente não deduziu.

A prescrição da obrigação exequenda, por sua vez, não se ajusta aos fundamentos pelos quais o executado se pode opor à penhora e esta circunstância, tal como se anota na decisão recorrida, constitui motivo de indeferimento liminar da oposição à penhora (artº 732º, nº 1, al. b), ex vi do disposto no artº 785º, nº 2, ambos do CPC).

Em conclusão, a prescrição enquanto facto extintivo da obrigação exequenda tem que ser deduzida na oposição à execução e no prazo para esta estabelecido; decorrido este prazo, o direito do executado de deduzir a prescrição da obrigação exequenda resulta precludido.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

2.2. Custas

Vencido no recurso, incumbe ao Apelante o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Évora, 21/11/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho