Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2671/17.0T9FAR.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
ESCOLHA DA PENA
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não obstante o arguido não ter condenações prévias, a gravidade da ilicitude do crime em discussão – homicídio por negligência_ e, em particular, as consequências graves – morte da vítima -, apontam para uma elevada exigência de prevenção especial. Acresce que o arguido, não obstante do arrependimento manifestado quanto às consequências da sua conduta, não revelou uma total interiorização do desvalor do seu comportamento e do perigo que o mesmo provocou aos demais utentes da via publica
Assim, é de considerar que as finalidades de prevenção, quer geral quer especial, constantes do artigo 40º do Código Penal, não poderão ser alcançadas mediante a aplicação ao arguido de uma pena de multa, porquanto resulta evidente que esta não serve as finalidades a que se destina.

Com efeito, ponderando o consignado nos artigos 40º, nº 1 e 70º, do Código Penal e no que tange à prevenção geral, dita positiva ou de integração, cumpre afirmar que se verifica uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a acentuada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas, de que resultam milhares de vítimas anualmente, para a qual a imponderação e a desatenção dos condutores contribuem em larga medida.

E, no que concerne à prevenção especial de socialização, não obstante a sua inserção social, verifica-se uma insuficiente interiorização do desvalor da conduta delituosa.

De onde resulta que a pena de multa não se mostra suficiente para impedir a sua recidiva, nem satisfaz as necessidades de prevenção geral.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 2671/17.0T9FAR, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 21/10/2022, nos seguintes termos:

Pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses.

Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Juízo Local Criminal de …, Juiz …, pelo qual condenou o Recorrente pela prática, como autor de um crime de homicídio por negligência, nos termos do artigo 137.º n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão de 8 (oito) meses, suspensa na sua execução por 12 (doze) meses e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses.

B. A Douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, resultando, com o devido respeito, incorretamente julgado o facto enunciado na alínea s) da matéria de facto provada com relevância para a decisão criminal.

C. O decidido em primeira instância é ainda ilegal quanto à determinação da pena que foi aplicada ao Recorrente em virtude de ao crime em apreço ser punido com uma pena alternativa de prisão ou de multa, sendo o Arguido primário, e ainda quanto à medida concreta da mesma, bem como da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, que in casu se afiguram excessivas e desproporcionais à culpa do Recorrente e às exigências de prevenção, violando os limites impostos pelos princípios legais e constitucionais orientadores da reação penal no nosso sistema judicial e todos os direitos e garantias reconhecidos aos arguidos num atual Estado de Direito Democrático.

D. Entende o Arguido que não foi feita prova de que “O arguido encontrava-se sob o efeito de substância estupefaciente, designadamente, tetrahidrocanabinol, que havia consumido anteriormente, tendo apresentado os seguintes resultados: 11- Nor-9 Carboxi-D9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) de 37,7 ng/ml, 11-Hidroxi- D9- tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) de 2,2 ng/ml e D9-tetrahidrocanabinol (THC) de 1,3 ng/ml”, dado como provado na alínea s) da matéria de facto provada com relevância para a decisão criminal;

E. Salvo melhor opinião, a decisão da matéria de facto enunciada na referida alínea encontra-se incorretamente julgada pelo Douto tribunal a quo como provada, quando relativamente à mesma não foi produzida prova válida nestes autos e, nessa medida, terá que resultar não provada.

F. Não obstante a existência nos presentes autos, do relatório de exame químico toxicológico referente ao arguido, datado de 8 de agosto de 2017 [cfr. fls. 48 e 49, 141, 154, 425 a 427], não se pode concluir que foi produzida prova bastante e válida de que o arguido se encontrava sob o efeito de substância estupefaciente, designadamente tetrahidrocanabinol, nos precisos termos em que o tribunal considerou provado e reproduziu na referida alínea s) dos factos provados com relevância para a decisão criminal.

G. Com efeito, o Arguido, após a ocorrência do acidente de viação, foi conduzido pelas forças de autoridade para o Centro de Saúde de …, onde lhe foi efetuada uma colheita de sangue para efeitos de sujeição a exame toxicológico. [Veja-se a este respeito trecho da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, referente ao depoimento do Arguido de 35:44 a 37:20 do ficheiro 20211025100637_3987529_2870869]

H. Não foi, o mesmo, nesse estabelecimento, sujeito a exame de rastreio prévio, designadamente através de amostra de urina, nem dos autos resulta qualquer prova de o Instituto Nacional de Medicina Legal, para onde a amostra de sangue foi remetida, tenha realizado o dito exame de rastreio, conforme impõe artigo 10.º da Lei n.º 18/2007 de 17 de maio.

I. O quadro 2 da Portaria 902-B/2007 de 13 de abril determina os valores de concentração para exame de rastreio na urina, sendo que, relativamente ao grupo de substâncias canabinóides, a concentração (ng/ml) exigível para que o exame de rastreio possa ser considerado como contendo um resultado positivo, a partir do qual o examinado fica obrigado a sujeitar-se a um exame de confirmação, é de 50 ng/ml, valores estes que servem de padrão de referência para os resultados obtidos através de exames de rastreio realizados a partir de outros métodos, incluindo os exames ao sangue.

J. Só no caso de o exame de rastreio previamente realizado acusar um resultado superior a 50ng/ml [no caso de estarmos na presença de estupefacientes canabinoides] é que poderá realizar-se um exame de confirmação, o qual terá como objetivo identificar a substância ou substâncias e ou os seus metabolitos que, em exame prévio de rastreio, apresentaram resultados positivos.

K. Bem como que só poderá ser considerado como exercendo a condução sob a influência de produtos estupefacientes aquele que, tendo sido submetido a um exame prévio de rastreio, tenha revelado uma concentração de canabinóides superior a 50ng/ml, posteriormente confirmada através do exame de confirmação. [cfr., designadamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo n.º 1050/13.2GCFAR.E1, em 7/01/2016; Acórdão proferido no processo número 1328/10.7TASTS.P1, pelo Tribunal da Relação do Porto, em 9/04/2014, Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal, no Processo 2489/17.5T8STR.E1, datado de 07/11/2019]

L. Outro entendimento que não este poderia conduzir à circunstância de um arguido ser submetido a um exame de rastreio à urina, que em virtude de não se ter obtido um resultado superior a 50ng/ml, conduziria a um resultado negativo e não desencadearia a obrigação de sujeição a um exame de confirmação, podendo o arguido em questão continuar a exercer a condução do seu veículo e se se viesse a envolver num acidente de viação, no qual viesse a ser sujeito a exame sanguíneo, vir a ser considerado como estando sob a influência de produtos estupefacientes.

M. A expressão “o arguido encontrava-se sob o efeito de substância estupefaciente” que a Meritíssima Juiz a quo verteu na alínea s) dos factos provados com relevância para a decisão criminal, configura um juízo de natureza meramente conclusivo, estando dependente de, previamente, se demonstrar o teor do consumo.

N. Nos presentes autos, não resultou, salvo melhor opinião, demonstrado ou provado, que o Recorrente tivesse sido sujeito a exame de rastreio, encontrando-se apenas [fls. 48 e 49, 141, 154, 425 a 427], o relatório final do exame toxicológico, no qual resultou a confirmação qualitativa e quantitativa de canabinóides no sangue por LC/MS-MS (UPLC-TDQ) numa amostra de Sangue, com os seguintes valores- 11-Nor-9-carboxi-S9- tetrahidrocanabinol (THC-COOH) – 37 ng/ml;- 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) – 2,2ng/ml e- D9-Tetrahidrocanabinol (THC) – 1,3ng/ml. . [Cfr. trecho da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, referente ao depoimento do Arguido de 35:44 a 37:20 do ficheiro 20211025100637_3987529_2870869 e trecho da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, referente ao depoimento da testemunha BB de 15:39 a 16:46 do ficheiro 20211025112132_3987529_2870869];

O. Acresce que a concentração de canabinóides [37+2.2+1.3 ng=40,50ng/ml], é manifestamente inferior ao limite mínimo legal de concentração de ng/ml que a Portaria 902-B/2007 impõe, no quadro 2 do Anexo V, de 50ng/ml para ser considerado um resultado positivo, em sede de exame de rastreio após recolha de amostra de urina.

P. Caso o Arguido tivesse sido sujeito a exame de rastreio, por recurso a amostra de urina, após a intervenção no acidente de viação que esteve na origem da morte de CC, o resultado do mesmo teria sido negativo, não podendo o mesmo ser sujeito à realização de exame de confirmação, nem considerado legalmente sob a influência de estupefacientes, em virtude da concentração detetada ser inferior aos exigíveis 50ng/ml.

Q. O exame de confirmação, na lógica dos diploma legais supra enunciados, só será válido se precedido de um exame de rastreio positivo e se o valor da concentração de estupefaciente for superior aos limites mínimos indicados no quadro 2 do Anexo V da referida Portaria.

R. Nos autos em apreço, não só não se sabe se o exame de rastreio foi realizado, como se desconhece se tal nível de concentração seria detectável em exame prévio de rastreio, caso o mesmo tivesse sido realizado e, do qual a lei, não prescinde.

S. Nessa medida, não fazendo o relatório final cuja cópia consta designadamente de fls 154, prova de que o arguido conduzia sob a influência de estupefacientes e não sendo possível dar como comprovado tal facto por recurso a regras da experiência, considerando precisamente os referidos níveis de concentração, necessariamente se terá de concluir que a prova existente nos autos não assumiu a consistência necessária para que se pudesse dar como provada a factualidade enunciada na alínea s), que ora é impugnada.

T. Salvo o devido respeito, o Douto tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida sobre o facto constante na alínea s) dos Factos Provados, o qual, face ao que acima vem exposto, não resultou provado nos autos, violando o disposto nos artigos 10.º 11.º e 12.º da Lei n.º 18/2007 de 17 de Maio e artigos 14.º a 24.º e quadro 2 anexo V da Portaria n.º 902-B/2007 de 13 de Abril.

U. A decisão proferida quanto à matéria de facto constante da alínea s) dos factos provados encontra-se incorretamente julgada e deve, por conseguinte, ser por esse Venerando Tribunal, modificada para não provada.

V. Caso assim não se entenda, o que não se admite, deve a redação da referida alínea s) ser extirpada de todo e qualquer juízo de natureza meramente conclusiva, circunscrevendo-se a redação da mesma a meros factos.

W. Crê-se ainda que a aplicação de uma pena privativa da liberdade ao Recorrente de 8 meses de prisão viola os arts. 40.º, 70.º, 71.º e 40.º, nº 2, do Cód. Penal, a qual se considera in casu excessiva e desproporcional às exigências e necessidades de prevenção especial que o caso concreto exige, sem perder de vista que o Arguido não tem antecedentes criminais, cfr. Ponto bb), tem 26 anos de idade, está plenamente inserido não só a nível social, familiar como profissional, como deixou desde meados de 2018 que se encontra abstinente de consumo de substâncias estupefacientes, bem como se encontra a cumprir o tratamento para a doença de saúde mental de que padece. Cfr. Ponto aa).

X. Pelo que se impunha-se a aplicação de uma pena não privativa da liberdade – pena de multa – por realizar também no caso concreto de forma adequada as finalidades da punição exigidas, que ainda assim não deverá ultrapassar o limite médio da moldura penal prevista, considerando as necessidades de prevenção geral.

Y. Assim não se entendendo, mas também sem conceder, a medida concreta da pena de prisão que foi aplicada ao Arguido, de 8 meses de prisão, afigura-se também excessiva e violadora do princípio da proporcionalidade, sendo que in casu, smo., deverá ser reduzida a pena para medida inferior que não ultrapasse 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 12 meses.

Z. Bem como, pelas mesmas razões, deve ser igualmente reduzida a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir aplicada, para período não superior a 5 meses.

AA. Ao decidir como decidiu, a Douta sentença violou as disposições previstas nos 10.º 11.º e 12.º da Lei n.º 18/2007 de 17 de Maio e artigos 14.º a 24.º e quadro 2 anexo V da Portaria n.º 902-B/2007 de 13 de Abril, bem como os artigos 137.º, n.º 1; 69.º, n.º 1, alínea a), 40.º; 70.º, 71.º e 72.º, todos do Código Penal

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele,

i) Ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão em que:

ii) seja modificada a decisão da matéria de facto enunciada na alínea s) da matéria de facto, julgando a mesma não provada ou, subsidiariamente, modificando a sua redação,

iii) seja alterada a pena aplicada ao arguido, condenando, o mesmo em pena de multa e não em pena de prisão;

iv) Caso assim se não entenda, seja reduzida a medida concreta da pena principal aplicada ao arguido, para pena de prisão de duração não superior a 6 (seis) meses, suspensa na sua execução pelo período de 12 (doze) meses e

v) Devendo ser igualmente reduzida a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi aplicada, para período não superior a 5 (cinco) meses.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando pelo provimento parcial quanto à escolha da pena, entendendo ser adequada a de multa.

5. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a sentença revidenda não merece censura e, no que que se refere à escolha da pena, aduz:

No que concerne à pena concreta, peticiona o arguido que lhe seja aplicada a pena de multa e o magistrado do ministério público em primeira instância conforma-se com essa aplicação.

Discordamos!

Embora, o arguido seja primário e esse fato seja relevante, não o é de modo substancial atenta a sua idade, jovem.

Atento o bem jurídico em causa e o modo como ocorreu o acidente, violando regras rodoviárias importantes como a prioridade de passagem, depois de ter ingerido produtos estupefacientes e com desatenção, julgo que quer os fins da prevenção especial quer os fins da prevenção geral não se satisfazem com a aplicação ao caso de uma pena de multa, mas antes com a aplicação de uma pena de prisão como o fez a sentença recorrida.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.

Escolha da pena principal/dosimetria da pena.

Dosimetria da pena acessória.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

a) No dia 17 de julho de 2017, pelas 0 h e 20 m, o arguido conduzia o veículo

automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, na Av. …, em …, seguindo no sentido Norte-Sul.

b) O ofendido CC seguia no sentido oposto (Sul-Norte), no motociclo com a matrícula ….

c) Ao se aproximar do entroncamento com a Rua … o arguido mudou de direção, virando para a sua esquerda.

d) Desta feita o arguido invadiu a faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito no qual o ofendido circulava intercetando a sua trajetória.

e) Perante a manobra de mudança de direção realizada pelo arguido, o ofendido não teve tempo de imobilizar o seu veículo, acabando por colidir com a parte frontal do veículo que conduzia na parte lateral direita do veículo conduzido pelo arguido.

f) Nesta sequência o ofendido foi transportado para o Hospital de … – Centro Hospitalar do …, onde veio a falecer em 22 de julho de 2017.

g) Como consequência necessária e direta do referido embate o ofendido sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálica (melhor descritas no relatório da autópsia junto a fls. 175 a 178, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido), as quais determinaram a sua morte.

h) O embate deu-se na hemi-faixa na qual seguia o veículo conduzido pelo ofendido.

i) A via tem a classificação de estrada municipal.

j) O pavimento é betuminoso, encontrava-se em regular estado de conservação e seco.

k) A faixa de rodagem na Av. … tem 8,45 m.

l) É constituída por duas vias de sentidos opostos.

m) Ambas as vias têm a largura de 3,50 m.

n) O separador central tem 1,45 m de largura.

o) O limite de velocidade no local é de 50 km/h.

p) A via na qual seguiam arguido e ofendido é uma recta com boa visibilidade.

q) A visibilidade e a luminosidade eram boas, estando bom tempo.

r) A intensidade do tráfego era reduzida.

s) O arguido encontrava-se sob o efeito de substância estupefaciente, designadamente, tetrahidrocanabinol, que havia consumido anteriormente, tendo apresentado os seguintes resultados: 11- Nor-9 Carboxi-D9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) de 37,7 ng/ml, 11-Hidroxi- D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) de 2,2 ng/ml e D9-tetrahidrocanabinol (THC) de 1,3 ng/ml

t) O arguido conduzia com manifesta falta de cuidado, atenção e perícia, não observando as elementares regras da circulação rodoviária, designadamente as que impõem prudência e cuidado aos condutores e, em especial, desrespeitando os sinais de trânsito, como podia e deveria ter feito.

u) Ao agir da forma descrita, virando à esquerda sem ceder a passagem ao veículo conduzido pelo ofendido intercetando a sua trajetória e não permitindo à vítima, ao avistá-lo, tempo necessário para imobilizar ou dele se desviar, o arguido deu causa ao acidente descrito, às lesões sofridas pelo ofendido e, consequentemente, à sua morte, resultado esse que não poderia deixar de prever como possível, embora não se tenha conformado com esse facto.

v) O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e era punida por lei.

Mais se apurou que:

w) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a) a c), o veículo automóvel com a matrícula … circulava a uma velocidade provável apurada de 10 km/h (+/- 5 km/h) e o motociclo com a matrícula … a uma velocidade provável apurada de 64 km/h (+/- 5 km/h).

x) O arguido exerce a atividade de barman, com a qual aufere a renumeração mensal de €1.000,00, encontrando-se atualmente desempregado, recebendo a quantia de €400,00 a titulo de subsidio.

y) Vive com a progenitora e a irmã, as quais ambas laboraram, numa habitação arrendada, contribuindo para as despesas do agregado familiar com a quantia mínima de €200,00.

z) Concluiu o 9.º ano de escolaridade.

aa) Do seu relatório social:

AA vive com a mãe e um irmão mais novo. Residem em apartamento arrendado de tipologia T1, com adequadas condições de habitabilidade. O relacionamento familiar é descrito como adequado e afetivamente compensador. Frequentou a escola até aos 19 anos, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade. O arguido frequentou curso profissional que não terminou. Está atualmente a trabalhar numa empresa de limpezas desde novembro de 2018, auferindo um salário idêntico ao mínimo nacional. Anteriormente trabalhou como empregado de mesa. Refere à data dos factos um consumo habitual de canabinóides, encontrando-se atualmente e desde meados de 2018 abstinente. Refere que esteve internado em psiquiatria, mantendo acompanhamento por eventual psicose induzida por cannabis. A situação económica é descrita como adequada à satisfação das necessidades básicas. A mãe trabalha, auferindo salário idêntico ao filho. Pagam de renda de casa a quantia de 350 Euros. O arguido contribui para a economia familiar com 100 Euros. Não foram referidos antecedentes criminais. Obteve a carta de condução em 2015 e desde então tem conduzido habitualmente, sem anteriores acidentes rodoviários. Atualmente é a mãe que o leva para o emprego, uma vez que ficou sem viatura. Em termos pessoais e no decurso da entrevista, assumiu crenças adequadas quanto a comportamentos socialmente desajustados bem como juízo crítico dos bens jurídicos em causa no âmbito do presente processo. Demonstrou preocupação pelo desfecho do presente processo, mostrando disponibilidade para se sujeitar a eventuais obrigações. Em termos pessoais e no decurso da entrevista mostrou-se colaborante, dando um relato coerente e aparentemente honesto do seu historial de vida.

bb) Do certificado de registo criminal nada consta.

Com relevância para a decisão cível:

Factos provados do pedido de indemnização cível por DD e EE, na qualidade de progenitores do falecido CC.

1. CC nasceu em ….2000, tendo dezasseis anos à data do seu falecimento.

2. Faleceu no estado de solteiro e sem filho, sendo os seus progenitores os seus herdeiros habilitados.

3. O “de cujus” era uma pessoa saudável, sociável e alegre, o qual laborava, à data dos factos, durante o período do veraneio, como empregado de mesa.

4. CC tinha uma namorada à data dos eventos e mantinha uma relação de proximidade com os progenitores com quem residia.

5. Em consequência do decesso de CC, os seus progenitores sofreram dor emocional e psicológica.

6. Despenderam a quantia de €500,00 pela concessão do terreno para a sepultura e €1.650.00 pelas despesas funerárias.

Factos provados do pedido de indemnização cível por Centro Hospitalar do …, EPE

7. CC deu entrada no CH…, EPE como politraumatizado com traumatismo cranioencefálico, traumatismo torácico e traumatismo ortopédico.

8. Em termos de assistência e intervenções medicas prestadas ao decesso, o CH…, EPE, prestou-lhe as seguintes: reanimação com apoio de Neurocirurgia para colocação de sensor de pressão intracraniana, intervenção cirúrgica de urgência e foi realizado TAC cervical, tórax, abdómen e pélvis e angio TAC.

9. O “de cujus” foi internado em cuidados intensivos onde se manteve todo o período de internamento, no decurso do qual foram-lhe administrados sedativos e analgésicos, controlada a pressão intracraniana, tendo estado sempre a ser ventilado mecanicamente, sendo que diariamente era realizado Eco doppler trans craniano e colheita de sangue, bem como regularmente era lhe administrado aminas e antibióticos, após deteção de infeção.

10. Realizou mais dois TACS no dia 19 e 21 de julho, tendo sido sujeito cirurgia no dia seguinte, sendo que, no percurso para o bloco operatório com vista a realização de uma segunda cirurgia, sofreu uma paragem cardiorrespiratória, na sequência da qual foi declarado o seu óbito, não obstante as manobras e procedimentos de reanimação realizados.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

i. O motociclo conduzido pelo ofendido encontrava-se em bom estado de conservação em momento prévio à colisão.

ii. Aquando da colisão o motociclo conduzido pelo ofendido circulava com as luzes de cruzamento (médios) ligadas.

iii. Tal substância afetou a capacidade do arguido para o exercício da condução, uma vez que essa substância afeta a coordenação psicomotora e a concentração.

Factos não provados do pedido de indemnização cível por DD e EE, na qualidade de progenitores do falecido CC:

1) A vítima tinha dezenas de amigos.

2) O “de cujus” e sua namorada tinham projetos de iniciarem uma relação análoga à dos cônjuges.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente à luz das regras da experiência comum e da nossa livre convicção (cf. art. 127.º do Código de Processo Penal), junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento.

Quanto a este princípio, “o que está na base do conceito é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contraprova, porque o sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica” (cf. A. dos Reis in CPC anotado, Coimbra Editora, 1950, vol. III, p. 245).

Assim, “(…) O princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável, e portanto arbitrária, da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever, o dever de perseguir a chamada verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos, e portanto, em geral suscetível de motivação e controlo…”(cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 202/203).

O princípio da livre apreciação da prova “não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objetivável e motivável” (cf. Ac. do STJ de 4-11-98, CJ, tomo III, p. 209).

É dentro deste contexto aqui assinalado que o Tribunal se estribou, alicerçado no princípio da livre apreciação da prova, perspetivado como um dever, o de alcançar a verdade material, para julgar provada e não provada a matéria supra transcrita.

Atendeu prima facie o Tribunal às declarações prestadas pelo arguido, o qual admitiu ser o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, no dia e hora descritos na acusação, bem como que circulava, a cerca de 30 km/h, na Av. …, em …, seguindo no sentido Norte-Sul, quando decidiu proceder à mudança de direção à esquerda no entroncamento com a Rua ….

Mais admitiu que o embate ocorreu na hemi-faixa na qual seguia o veículo conduzido pelo ofendido, assim como que a via aonde circulava é uma recta com boa visibilidade (mais de 500 metros sem qualquer obstáculo no sentido aonde seguia), que se encontrava em bom estado de conservação, sendo que, não obstante os factos terem ocorrido à noite, o local apresentava boa iluminação artificial, as condições climatéricas eram boas e a intensidade do tráfego era reduzida.

Declarou o arguido que, aquando da realização da manobra, sinalizou a mudança de direção, abrandou a velocidade, mas não parou, tendo feito de seguida a manobra, só se apercebendo do outro veículo já quando havia invadido a faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito no qual o ofendido circulava. Mais alegou que quem se apercebeu da presença do outro veículo foram os outros tripulantes do veículo, não se recordando se o motociclo tinha as luzes ligadas.

Alegou o arguido que aquando da realização da manobra, não se apercebeu da presença de qualquer veículo nas faixas de rodagem, em ambos os sentidos, apenas e, tão só, escassos segundos antes do embate, o que o impediu de realizar qualquer manobra de evasão ou travagem. Igualmente afirmou que o ofendido não realizou qualquer manobra de imobilização ou de evasão.

Declarou o arguido que, apos o acidente, foi em auxílio do ofendido, tendo contactado as autoridades policiais e ambulância.

Esclareceu o arguido que, no dia em causa, visava dar uma boleia aos demais tripulantes, apos terem convivido junto do estabelecimento de ensino sito na proximidade do Hospital …, tendo, no decurso do convívio, consumido produto estupefaciente, ainda que em pequena quantidade.

Questionado, o arguido admitiu não ter cumprido as normas estradais, mais concretamente de paragem no entroncamento e cedência de passagem, alegando, contudo, que se lhe afigura que o ofendido circularia em excesso de velocidade porquanto não realizou qualquer manobra de evasão ou travagem, tendo contribuído para a ocorrência do acidente de viação. Questionado igualmente do motivo de não se ter apercebido previamente da presença do motociclo, o arguido não logrou indicar qualquer motivo plausível para tal ocorrência, remetendo para o eventual excesso de velocidade do ofendido (o qual, este presume pelas razões supra indicadas)

Ora, não obstante as declarações do arguido, as mesmas não se revelam consentâneas com a demais prova produzida, nem mesmo com as regras da experiência comum.

Com efeito, é verdade que, de acordo com a opinião manifestada pela testemunha FF, militar da GNR do Núcleo de Investigação de Acidentes de viação o qual, com base nos elementos e vestígios recolhidos no local e os danos observados nos veículos, elaborou o relatório final constante a fls. 104 a 108, concluiu pela eventual existência de culpas concorrentes de ambos os intervenientes no acidente de viação, mais concretamente pelo incumprimento da cedência de passagem pelo arguido e a circulação em velocidade inadequada ao local pelo condutor do motociclo. Contudo, a referida testemunha também conclui no relatório supra mencionado que a causa eficiente, isto é, “aquela, de entre todas as que intervieram, sem a qual não se teria produzido o acidente”, foi a não cedência da passagem ao motociclo por parte do arguido, porquanto o mesmo intercepta a trajetória da vitima e provoca o embate.

O relatório de reconstituição do acidente de rodoviário elaborado pelo Instituto politécnico de … constante no sistema Citius ref. …, conjugado com os esclarecimentos do perito, GG, revelaram especial acuidade para a perceção da dinâmica do acidente, em particular, da concausalidade do acidente por parte da vítima. Com efeito, concluiu o perito que a causa da ocorrência do acidente foi determinada primordialmente pela manobra realizada pelo arguido, porquanto e ainda que a vítima circulasse dentro dos limites legais estipulados no interior das localidades (50 km/h), não lograria evitar a ocorrência do acidente de viação (não logrando, contudo, esclarecer, no entanto, a eventual diferença da dimensão do impacto a título de danos e lesões sofridos, embora possa indicar que, naturalmente, existiriam).

Acresce que se afigura implausível que o arguido não tivesse logrado percecionar a existência de outro veiculo a circular na faixa de rodagem contraria atendendo às características da via – uma recta com boa visibilidade e com trafico reduzido, à data dos factos, inexistindo qualquer obstáculo a mais de 500 metros de distancia no local do embate, de acordo com as próprias declarações do arguido e corroboradas pelo depoimento de BB, militar da GNR e agente autuante da participação de acidente, assim como pela prova documental junta aos autos, nomeadamente Auto de participação de acidente de viação (fls. 40 a 44), auto de noticia (fls. 51 e 52), Auto de exame direto ao local (fls. 80 a 82), Relatório fotográfico (fls. 98 a 103) e Relatório final (fls. 104 a 108).

Ainda que, no campo hipotético, o motociclo circulasse a uma velocidade superior à que foi lograda apurar no relatório pericial – cerca de 64 km/h (+/- 5 km/h) -, ditam as regras da experiência comum, a impossibilidade de um condutor prudente que, ainda que só tivesse olhado de relance conforme descrito pelo arguido, não se tivesse apercebido da presença do motociclo a circular numa faixa de rodagem com 500 metros em recta sem qualquer obstáculo à sua visibilidade.

No entanto, não podemos deixar de salientar que inexiste nos autos qualquer indício ou prova que fundamente uma circulação do veículo para, alem da apurada no relatório pericial, atendendo aos danos e lesões sofridos, mas sobretudo os vestígios/destroços na via e a inexistência de marcas de travagem por parte do motociclo. Com efeito, apenas é justificável a inexistência de marcas de travagem pela circunstância de o veículo automóvel ter intercetado a marcha do motociclo quando este já se encontrava a menos de 20 metros de distância (atendendo ao tempo de reação, a velocidade do veiculo e a força do atrito, conforme descrito no relatório pericial do IPL), o que inviabilizaria a reação atempada do condutor do motociclo. Diversamente do argumentado pelo arguido, ditam as regras da experiencia comum que, caso o ofendido circulasse a uma velocidade ainda superior à apurada (sendo que já é essa é inadequada dada as normas do Código da Estrada), o mesmo se encontraria a uma maior distancia do veiculo, pelo que teria que ter obrigatoriamente o percecionado e subsequentemente efetuado manobras de evasão ou travagem, ainda que estas viessem a se constatar infrutíferas, o que pressupunha a existência de marcas na via, as quais inexistem. Com efeito, nem o agente participante do acidente – BB - no dia dos factos (embora houvesse espuma no asfalto), nem o agente policial que elaborou o relatório final, FF, nem o relator do relatório pericial do IPL (os quais se deslocaram ao local apos os eventos), verificaram a existência de quaisquer marcas de travagem ou evasão, o que afasta a sua consideração, ainda que num campo meramente hipotético.

Alias, depreende-se das declarações do arguido, como as da testemunha HH, passageiro do veículo tripulado pelo arguido, à data dos factos, que o mesmo realizou a manobra de mudança de direção sem ter tido a diligencia e cuidado de verificar previamente se havia outros veículos a circular na faixa de rodagem e de forma imediata, apenas abrandando a velocidade. As declarações do arguido quanto à observação de outros veículos a circular na faixa previamente à manobra revelaram-se confusas e atabalhoadas, tendo inicialmente alegado não ter realizado tal diligencia e posteriormente, retificado e afirmado que observou, embora que muito rapidamente. Contudo, a verdade é que o arguido nunca parou no entroncamento, tendo efetuado a manobra da mudança de direção de forma imediata, ainda que em velocidade reduzida, do qual se infere que este não teve a precaução de verificar a existência de outros veículos, antes de iniciar a manobra. Tanto assim foi que a testemunha HH afirmou que não só não se apercebeu do motociclo até ao embate, como nem da própria mudança de direção. Da ponderação desse depoimento e das declarações do arguido, infere-se a desatenção que ocorria quer da parte do condutor, quer dos demais tripulantes do veículo, cuja razão se desconhece, mas a qual, poderá estar subjacente ao consumo prévio de substâncias estupefacientes por parte dos tripulantes do veículo, em particular do arguido, conforme relatório ao sangue do INML a fls. 154 e declarações do arguido, como do mero convívio entre três jovens. Contudo, não se logrando concretizar as razões da desatenção do arguido, o facto é que o mesmo realizou a manobra de mudança de direção, invadindo a faixa de rodagem contraria sem a atenção e cuidado que lhe era exigível, isto é, sem parar e observar a existência de outros veículos a circular, dando cedência de passagem a quem circulava na faixa de sentido contrário à sua.

Teve o Tribunal igualmente em consideração o depoimento prestado pelas testemunhas II e JJ, respetivamente namorada e amigo do “de cujus”, os quais depuseram quanto à personalidade, vida e projetos futuros do defunto, mas sobretudo do sofrimento dos progenitores com a sua morte.

Ponderou ainda o Tribunal o depoimento prestado por KK, irmã do arguido, concertante à personalidade e condições socioeconómicas do arguido, mas igualmente ao passado de consumo de substâncias estupefacientes e o diagnostico de psicose e esquizofrenia do mesmo, factos corroborados pelo arguido e documentação clínica a fls. 558 a 566. Concertante à perturbação psiquiátrica sofrida pelo arguido e eventuais repercussões quanto à sua capacidade de compreensão e determinação dos seus atos à data dos factos, revelou-se especialmente pertinente o relatório medico pericial junto a fls. 584 a 589, no qual se conclui que o arguido se encontrava imputável à altura dos eventos.

O tribunal, contudo, não considerou provado o estado de conservação do motociclo ou que, aquando da colisão, circulava com as luzes ligadas, porquanto não foi produzida prova do documental ou testemunhal de tais factos.

Também não considerou como provado o facto descrito no art. 24.º da acusação publica, porquanto não ficou demonstrado que, apesar da presença de cannabis, o arguido não estivesse em condições de fazer com segurança aquela condução, de acordo com a Portaria 902-B/2007.

Valorou ainda a prova documental junta aos autos, nomeadamente Assento de nascimento a fls. 226 a 227, habilitação de herdeiros a fls. 228 a 230. Fatura de despesas funerárias a fls. 231, alvará camarário de concessão de terreno e fatura a fls. 232 e 233, faturas emitidas pelo CH… a fls. 208, o contrato de seguro civil obrigatório a fls. 299 a 310, copia de declaração do arguido relativamente à dinâmica do acidente a fls. 330 (na qual, saliente-se a discrepância do declarado em audiência quanto ao facto de ter visto o motociclo ou não aquando da realização da mudança de direção), Nota de óbito a fls. 380 a 382, relatório de CH… a fls. 383 a 386, relatório final sanguíneo ao arguido a fls. 426 a 429 e documento clinico junto no sistema citius ref. ….

Com efeito e não obstante a demandada cível ter suscitado duvidas quanto à genuidade dos documentos juntos pela demandante CH…, EPE., decorre que tal documento foi extraído do sistema eletrónico do Centro Hospitalar, razão pela qual não consta a assinatura/rubrica manual do medico subscritor, sendo que foi, entretanto junto a certificação pela administrativa do próprio sistema e assinatura digital do subscritor. Acresce que, diversamente do argumentado pela demandada cível, os demandantes progenitores, juntaram não só fatura, mas recibo das despesas, afigurando-se que tais documentos são suficientes para comprovar as despesas funerárias cujo ressarcimento reclamam.

Atendeu, ademais, o Tribunal às Declarações do Arguido conjugado com o Relatório Social, quanto às suas condições socioeconómicas, e ao Certificado de Registo Criminal, no que se refere à (in)existência de antecedentes criminais.

Apreciemos.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento

O recorrente impugna a matéria de facto vertida no ponto s), dos fundamentos de facto da decisão recorrida, afirmando que não se pode concluir que foi produzida prova bastante e válida de que se encontrava sob o efeito de substância estupefaciente, porquanto dela não resulta que tenha sido submetido a exame de rastreio prévio, mormente através de amostra de urina, conforme imposto pelo artigo 10º, da Lei nº 18/2007 de 17/05.

Mostram-se cumpridas as exigências do artigo 412º, nºs 2 e 3, do CPP.

A factualidade sob censura é a seguinte:

O arguido encontrava-se sob o efeito de substância estupefaciente, designadamente, tetrahidrocanabinol, que havia consumido anteriormente, tendo apresentado os seguintes resultados: 11- Nor-9 Carboxi-D9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) de 37,7 ng/ml, 11-Hidroxi- D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) de 2,2 ng/ml e D9-tetrahidrocanabinol (THC) de 1,3 ng/ml).

Antes de mais, importa se tenha em conta que o recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal e não pelo cometimento do crime de condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artigo 292º, nº 2, do mesmo Código.

Conforme decidido no Ac. R. de Évora de 29/11/2016, Proc. nº 6/15.5GBMRA.E1, disponível em www.dgsi.pt, entendimento que subscrevemos, a impugnação em matéria de facto apenas será relevante se da sua procedência resultar alteração da decisão de alguma das questões relativas à culpabilidade a que se reporta o artigo 368º do CPP ou à determinação da sanção, a que se refere o artigo 369º do mesmo, sem o que a impugnação será inadmissível por irrelevância, pois a relevância da impugnação não pode deixar de constituir requisito implícito desta em conformidade, aliás, com a exigência geral de que recorrente tenha interesse em agir, imposta pelo nº 2 do artigo 401º, do CPP – no mesmo sentido, Ac. R. de Évora de 07/05/2019, Proc. nº 442/16.0GGSTB.E1, consultável no mesmo sítio.

Ora, percorrida a decisão revidenda, efectivamente, como assinala o recorrente, na explicitação da formação da sua convicção quanto à factualidade provada, refere-se:

Esclareceu o arguido que, no dia em causa, visava dar boleia aos demais tripulantes, apos terem convivido junto do estabelecimento de ensino sito na proximidade do Hospital …, tendo, no decurso, do convívio, consumido produto estupefaciente, ainda que em pequena quantidade.

(…)

Da ponderação desse depoimento e das declarações do arguido, infere-se a desatenção que ocorria quer da parte do condutor, quer dos demais tripulantes do veículo, razão que se desconhece, mas a qual, poderá estar subjacente ao consumo prévio de substâncias estupefacientes por parte dos tripulantes do veículo, em particular do arguido, conforme relatório ao sangue do INML, a fls. 154 e declarações do arguido, como do mero convívio entre três jovens (…).

Não obstante, lida a mesma peça na sua integralidade e interpretando-a, resulta claríssimo que a factualidade impugnada em nada contribuiu para a decisão do tribunal recorrido quanto ao preenchimento dos elementos típicos do crime por que foi condenado, para a escolha entre a pena de prisão e a de multa alternativa, para a dosimetria da pena principal ou mesmo para a da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor.

Na verdade, quanto ao enquadramento jurídico-penal podemos ler:

Não ficou demonstrado que, apesar da presença de cannabis, o arguido não estivesse em condições de fazer com segurança aquela condução, motivo pelo qual não se deverá ponderar tal violação da norma do C.E. para preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de homicídio negligente.

Distinta é a violação da regra da cedência de passagem em entroncamentos estipulada no art. 30.º do C.E. imputada ao arguido, que no caso em apreço, resultou como a causa eficiente para a ocorrência do embate, sem a qual o acidente de viação nunca teria ocorrido.

Contudo, resultou igualmente da prova produzida que a vítima igualmente se encontrava em violação das normas estradais, mais concretamente da velocidade adequada no interior das localidades conforme estipulado nos arts. 24.º e 27.º, n. º1, ambos do Código da Estrada (…) conclui-se que quanto à causalidade do acidente, a conduta do arguido representa uma força causal qualificada (…) Existe um resultado típico que poderia ter sido evitado se o arguido tivesse agido com o cuidado objetivamente exigível, ou seja, ter parado e percecionado o transito da via, percecionado os veículos que circulando e cedendo a passagem aos que vinham da direita e deste modo, lograr efetuar a manobra de mudança de direção em segurança, podendo e devendo representar a possibilidade de poder intercetar os veículos que circulassem na faixa de rodagem no sentido contrario e provocar um acidente (…) Ao não ter procedido do modo indicado, dúvidas não há de que o acidente se ficou a dever à conduta imprevidente do arguido que omitiu de uma forma grave as cautelas necessárias para evitar a realização do facto antijurídico (…) Ao nível da culpa, o arguido revelou uma atitude censurável de descuido perante o comando jurídico-penal, pois não observou os cuidados que lhe eram exigíveis na observação dos demais veículos que circulavam na via sobretudo quando pretendia realizar uma manobra de mudança de direção num entroncamento facto que tinha conhecimento como qualquer condutor medio e prudente, devendo representar a possibilidade de existirem outros veículos na via (…) Termos em que, nas concretas circunstâncias do caso, se conclui ter o arguido agido de forma negligente, por lhe ser exigível que ante as condições concretas do local exercesse a condução com a atenção necessária de modo a evitar colisões com os demais veículos que circulassem na via. Acresce que a qualquer condutor prudente, colocado na posição do arguido, lhe seria exigível prever tais consequências.

Agiu, pois, com negligência consciente.

Ou seja, o aludido segmento (poderá estar subjacente ao consumo prévio de substâncias estupefacientes), mais não é do que uma mera especulação, que não desempenhou papel algum na formação do julgado, sendo evidente que a sua supressão não prejudicaria o sentido da decisão, mantendo-a inabalada.

Face ao que, mostrando-se a factualidade em causa irrelevante nos termos mencionados, irrelevante será também a sua impugnação, pelo que não pode ser admitida.

Assim, considera-se definitivamente assente a factualidade dada como provada na 1ª instância, improcedendo o recurso neste segmento.

Escolha da pena principal/dosimetria da pena

Discorda também o recorrente de o tribunal recorrido ter optado pela pena de prisão em detrimento da de multa, com fundamento em se encontrar inserido familiar, profissional e socialmente e não averbar antecedentes criminais.

Face à factualidade que provada se encontra, preenchidos estão os elementos objectivos e subjectivos do crime por que foi o arguido condenado.

O crime de homicídio por negligência, previsto no artigo 137º, nº 1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.

Estabelece o artigo 70º, do Código Penal, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Estas finalidades estão definidas no artigo 40º, nº 1, do mesmo, a saber: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, quer com o escopo de dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e assim no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva).

Quanto à reintegração do agente na sociedade, reporta-se à prevenção especial ou individual de socialização, ou seja, ao entendimento de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre o agente, com o escopo de evitar que, no futuro, cometa novos crimes.

O tribunal recorrido teve em atenção que as necessidades de prevenção especial são moderadamente elevadas, atento a ausência de antecedentes criminais e o hiato temporal decorrido desde a ocorrência dos factos, encontrando-se socioprofissional e socialmente inserido.

Mas, tendo ponderado, também que não se podem deixar de se considerar elevadas as exigências de prevenção geral no crime. De facto, é um tipo de criminalidade que se tem vindo a configurar como um flagelo a nível nacional, dado a sua cada vez maior frequência e que potencia, de forma exponencial, a ocorrência de sinistros rodoviários e, consequentemente, a ocorrência de um número elevado de mortos e de feridos graves, dada a falta de cuidados necessários ao conduzir.

Concluiu então:

Há assim que relacionar as exigências de prevenção geral com as concretas em que o crime foi praticado, nomeadamente as circunstâncias do caso em apreço, as quais não abonam a favor da condenação em pena de multa.

Com efeito, e não obstante o arguido não ter condenações prévias, a gravidade da ilicitude do crime em discussão e, em particular, as consequências graves – morte da vítima -, apontam para uma elevada exigência de prevenção especial. Acresce que o arguido, não obstante do arrependimento manifestado quanto às consequências da sua conduta, não revelou uma total interiorização do desvalor do seu comportamento e do perigo que o mesmo provocou aos demais utentes da via publica

Face ao exposto, o tribunal considera que as finalidades de prevenção, quer geral quer especial, constantes do artigo 40º do Código Penal, não poderão ser alcançadas mediante a aplicação ao arguido de uma pena de multa, porquanto resulta evidente que esta não serve as finalidades a que se destina.

Ora, ponderando o consignado nos artigos 40º, nº 1 e 70º, do Código Penal e no que tange à prevenção geral, dita positiva ou de integração, cumpre afirmar que se verifica uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a acentuada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas, de que resultam milhares de vítimas anualmente, para a qual a imponderação e a desatenção dos condutores contribuem em larga medida.

E, no que concerne à prevenção especial de socialização, não obstante a sua inserção social, verifica-se uma insuficiente interiorização do desvalor da conduta delituosa.

De onde resulta que, a pena de multa não se mostra suficiente para impedir a sua recidiva, nem satisfaz as necessidades de prevenção geral.

Termos em que, não merece reparo a decisão recorrida nesta parte, não sendo efectivamente de aplicar a pena de multa por se mostrar insuficiente, atentas as razões preventivas que se impõem.

O recorrente foi condenado na pena de 8 meses de prisão (suspensa na sua execução pelo período de 12 meses), o que também merece, ainda que subsidiariamente, a sua reprovação, propondo uma pena não superior a seis meses.

Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1; sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.

Nos termos do artigo 71º, do mesmo, para a determinação da medida da pena tem de se atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 227 e segs.

Ou, dito de outra forma, opera através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa - Claus Roxin, Derecho Penal-Parte Especial, I, Madrid, Civitas, 1997, pág. 86.

Da conjugação das duas mencionadas normas resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.

Analisando a sentença recorrida, verifica-se que se ponderou para a determinação da medida concreta da pena de prisão (mondadas as referências legais e doutrinárias):

A favor do arguido

- Integração familiar, social e profissional.

- Ausência de antecedentes criminais.

- O hiato temporal decorrido desde a ocorrência dos factos.

Contra o arguido

- Intensidade da negligência: o arguido agiu com negligência consciente.

- O grau de ilicitude do facto - o qual se afere pela amplitude das consequências do evento danoso, que apresentam significado de peso, atento o resultado típico das lesões detetadas em consequência do embate para a vítima e que lhe determinou a morte.

Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a decisão revidenda levou em linha de conta e de forma correcta os factores relevantes para a determinação da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, apenas havendo que realçar as fortes exigências de prevenção geral que no caso se verificam, como retro explicitado ficou e bem assim a insuficiente interiorização pelo arguido do desvalor da conduta delituosa.

E, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida superior da pena, considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, não se mostra que a pena de 8 meses de prisão encontrada (situada dentro do primeiro quarto da respectiva medida abstracta) seja desajustada, por exceder a medida da respectiva culpa, pelo que defeso está a sua alteração.

Dosimetria da pena acessória

O recorrente entende também que é excessiva a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses que lhe foi aplicada, pugnando pela sua redução para medida não superior a 5 meses.

Quanto a esta pena, estabelece-se no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido (…) por crimes de homicídio (…) cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário (…)”.

Seguindo a lição de Figueiredo Dias em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 96, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.

Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção nos termos referidos.

Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a seu favor ou contra.

Para a determinação da medida concreta da pena acessória, ponderou o tribunal a quo, conforme resulta da decisão revidenda, o grau de ilicitude, a culpa do arguido, a negligencia consciente, a(in)existência de antecedentes criminais, as consequências graves da conduta ilícita e a necessidade de prevenir este tipo de ilícito.

Ora, no que tange ao grau de perigosidade revelado pelo arguido (e, também, de ilicitude dos factos), dada a factualidade provada, concretamente no que tange à manobra de mudança de direcção, temos de concluir que é elevado.

Também provado está que actuou com negligência consciente.

A seu favor depõem a situação social, profissional e familiar e a ausência de antecedentes criminais

As exigências relativas à perigosidade individual mostram-se medianas/altas, considerando a aludida insuficiência de interiorização.

Tudo visto, manifesto se torna que esta pena tem de se afastar significativamente do seu limite mínimo.

Face ao exposto, considerando a moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos, não se mostra desadequada ou excessiva a graduação da pena acessória em 6 meses de proibição de condução de veículos com motor, como decidiu o tribunal a quo.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

Évora, 9 de Maio de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso