Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73/16.4GAVRS.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REGRAS DE CONDUTA
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - O n.º 6 do art. 58.º do C. Penal prevê expressamente a possibilidade de o tribunal aplicar ao condenado as regras de conduta estabelecidas nos nºs 1 a 3 do art. 52.º do C. Penal, com vista a promover a sua reintegração na sociedade, pelo que nada obsta a que se mantenha a substituição da pena de prisão por PTFC, sujeitando-se ainda a arguida ao dever de frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa “Stop”, lecionado pela DGRS. [[1]]
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

1. – Nos presentes autos de processo sumário que correram termos na Secção de competência genérica (J2) da Instância Local de V.R.S. António da Comarca de Faro, foi julgada RS, nascida em 08-08-1976, divorciada, desempregada, a quem o MP imputara a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3°, nºs 1 e 2 do D.L. n° 2/98 de 3 de Janeiro.

2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi oralmente proferida sentença condenando a arguida como autora material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3°, nºs 1 e 2 do D.L. n° 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de prisão de 7 (sete) meses, substituída nos termos do artigo 58° do Código Penal, por 210 (duzentos e dez) horas de trabalho a favor da comunidade, de acordo com o plano de execução que vier a ser traçado pela DGRS e homologado pelo Tribunal.

3. – O MP interpôs recurso daquela sentença, extraindo da sua motivação as seguintes

«CONCLUSÕES:
1 – A pena de prisão de 7 (sete) meses aplicada à arguida deverá ser suspensa na sua execução, por 1 (um) ano, com a condição de frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa “Stop”, leccionado pela DGRS.

2 – Apenas incentivando a arguida RS a obter a necessária licença administrativa para conduzir, o Tribunal incutirá, naquela, o dever-ser jurídico a que a mesma está obrigada, evitando que cometa outros delitos de natureza semelhante.

3 – Substituir a pena de prisão, in casu, por trabalho a favor da comunidade representa, no espírito da arguida, um sentimento de impunidade, e bem assim, a ideia de que, sai mais barato cometer o presente ilícito criminal que tirar a carta de condução.
4 – Acresce que, o consentimento prestado pela arguida deve ser dado como não provado, tanto mais que aquela não revelou uma vontade séria, livre e esclarecida, em prestar o trabalho a favor da comunidade, não se mostrando preenchido, o requisito previsto no artigo 58.º, n.º 5 do Código Penal.»

4. – Notificada para o efeito, a arguida apresentou a sua resposta no sentido da improcedência do recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

5.- Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso com redução da pena aplicada para 6 meses de prisão que, tal como preconizado pelo MP recorrente, deve ser suspensa na sua execução em vez de ser substituída por PTFC, com a condição de a arguida frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa STOP lecionado pela DGRS.

6.- Cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP, a arguida nada acrescentou.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. – Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal de recurso.

Sendo pacífico o entendimento segundo o qual são as conclusões da motivação de recurso que delimitam o seu objeto, no caso presente impõe-se decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de determinação da sanção ao substituir a pena principal de 7 meses de prisão por PTFC em vez de substitui-la pela pena substitutiva de suspensão da execução da pena, sujeita à condição de frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa “Stop”, lecionado pela DGRS, como pretende o MP recorrente.

A questão da medida concreta da pena não integra o objeto do recurso uma vez que não é suscitada nas conclusões de recurso, pelo que os poderes de cognição do tribunal ad quem não abrangem essa matéria.

2. Decidindo.
2.1. Além do mais, o MP recorrente fundamenta a sua pretensão de ver revogada a sentença recorrida, na parte em que decidiu substituir a prisão por Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade (PTFC)) em falta de aceitação da arguida, pelo que se impõe começar por conhecer desta mesma questão, uma vez que a aceitação do condenado constitui requisito ou pressuposto formal (obrigatório) da sua aplicação, conforme estabelecido no art. 58º nº5 do C. Penal.

A este propósito julgou-se provado na sentença recorrida, conforme pode ouvir-se da respetiva gravação áudio, que “A arguida consentiu na prestação de trabalho a favor da comunidade”, facto que o tribunal fundamenta nas declarações prestadas pela arguida.

Assim sendo, o MP recorrente só através da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 412º do CPP, poderia pôr em causa o julgamento do tribunal recorrido sobre aquele facto, o que não se verifica, pelo que mostra-se respeitada exigência de aceitação do condenado imposto pelo citado nº5 do art. 58º do C. Penal, improcedendo o recurso nesta parte.

2.2. Quanto à insuficiência e inadequação da pena de substituição de PTFC, parece-nos poder concluir-se com segurança da motivação do MP recorrente que este assenta o seu juízo negativo sobre a sentença recorrida, sobretudo no entendimento de que é essencial à reintegração da arguida a sujeição da mesma ao dever de frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa “Stop”, lecionado pela DGRS. Como diz, “apenas incentivando a arguida RS a obter a necessária licença administrativa para conduzir, o Tribunal incutirá, naquela, o dever-ser jurídico a que a mesma está obrigada, evitando que cometa outros delitos de natureza semelhante”.

O MP recorrente é acompanhado neste entendimento pelo senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação e também a nós se afigura ter razão na importância que atribui àqueles deveres na prognose que pode fazer-se sobre a reintegração social da arguida, tendo em conta que é já a terceira condenação que lhe é aplicada por este mesmo crime e que já se encontrará inscrita em escola de condução.

Considerando, porém, que o nº 6 do art. 58º do C. Penal prevê expressamente a possibilidade de o tribunal aplicar ao condenado as regras de conduta estabelecidas nos nºs 1 a 3 do art. 52º do C. Penal, com vista a promover a sua reintegração na sociedade, que nada obsta a que se mantenha a substituição da pena de prisão por PTFC, sujeitando-se ainda a arguida ao dever de frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa “Stop”, lecionado pela DGRS.

Com efeito, afigura-se-nos ser tal pena de substituição particularmente adequada a promover a reintegração da arguida, dado que a mesma tem antecedentes criminais por outros crimes, está desempregada e tem filhos menores a viver consigo, pelo que a PTFC, com o inerente acompanhamento social, pode promover hábitos de trabalho e de organização do tempo na arguida ao mesmo tempo que pode elevar a sua auto estima por contribuir para a prossecução de fins coletivos e/ou sociais.

Assim e tendo ainda presente que o tribunal sempre pode revogar a PTFC se a arguida se recusar a prestar trabalho sem justa causa ou infringir grosseiramente os deveres impostos na sentença (cfr art. 59º nº2 do C.Penal), não se vê que no caso presente a suspensão da execução da pena de prisão satisfaça melhor que a PTFC as finalidades de prevenção geral e especial das penas, pelo que decide-se julgar procedente o recurso na parte em que pugna pela sujeição da arguida às apontadas regras de conduta, mas julga-se o mesmo improcedente na parte em que pretende a aplicação da pena substitutiva de Suspensão da execução da pena de prisão em vez da PTFC, como referido.

III. DISPOSITIVO
Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo MP, mantendo a substituição da pena de prisão pela pena substitutiva de PTFC nos termos decididos pelo tribunal recorrido, e decidem, em substituição, sujeitar ainda a arguida à obrigação de frequentar as aulas teóricas de condução, comprovando nos autos a sua submissão ao respetivo exame teórico e, bem assim, frequentar o programa “Stop”, lecionado pela DGRSP, nos termos do art. 52º nº 1 b) e c) ex vi do art. 58º nº 6. Ambos do C. Penal.

Sem custas

Évora, 7.03.2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

(António João Latas)

(Carlos Jorge Berguete)

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[1] - Acórdão sumariado pelo relator.