Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
178/11.8GELLE.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O nº 3 do artigo 152º do Código da Estrada não é inconstitucional, não violando o disposto no nº 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, pois não obriga o arguido a produzir prova contra si próprio.
II - A realização dos testes para deteção de álcool no sangue do condutor não constitui, em si mesma, uma declaração ou incriminação, já que não se obriga o detetado a emitir uma declaração que exteriorize um conteúdo, admitindo a sua culpa, mas apenas a tolerar que sobre ele recaia uma especial modalidade de perícia.
III - O direito à não auto-incriminação refere-se ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, não abrangendo o uso, em processo penal, de elementos que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, como é o caso, por exemplo, da recolha de material biológico no ar expirado e no sangue para efeitos de análise do grau de alcoolemia.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Sumário acima identificados, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, o arguido CGD foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos art.º 348.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, e 152.º, n.º 1 al.ª a) e 3, do Código da Estrada, na pena de 50 dias de multa à razão diária de 7 €, isto é, na multa de 350 €, e, nos termos do art.º 69.º, n.º 1 al.ª c), do Código Penal, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses.
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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
7.1 O Arguido quando fiscalizado não exercia a condução. Não era, por isso, condutor e, como tal, não estava obrigado a submeter-se ao teste de detecção de álcool por ar expirado.

7.2 o Arguido por não estar a conduzir entendeu não estar obrigado a realizar aquele exame.

7.3 o exame em causa obriga a um comportamento activo por parte do arguido.

7.4 ao arguido confere a lei penal portuguesa o direito a não produzir prova contra si próprio. Aliás, tal prerrogativa é aplicável ao cônjuge, ascendentes e descendentes.

5.1.4 O Arguido estava em erro quanto à obrigação de realização do teste, afirmando não ser condutor.

5.1.5 A norma do nº 3 do artº 152º do C.E. é inconstitucional por violar o nº 5 do artº 32º da CRP, na medida em que obriga o arguido a produzir prova contra si próprio.


6- Do Direito:

6.1 É verdade que a lei (artº 152º do CE) dispõe que o condutor deve submeter-se à prova estabelecida para a detecção de estados de influenciado pelo álcool e que o nº 3 dispõe que as pessoas que se recusem a submeter às provas cometem o crime de desobediência.

6.2 No caso dos autos não se mostra provado que o agente da autoridade tenha feito prova ao arguido de que o aparelho que pretendia utilizar se encontrasse aprovado, nos termos do nº 1 do artº 153º do CE.

6.3 O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o alegado pelo arguido em sede de alegações.

6.4 O arguido não estava a conduzir nem foi fiscalizado no seguimento imediato do exercício da condução.

6.5 A norma do nº 3 do artigo 152º do C.E. é inconstitucional, ofendendo o disposto no número 5 do artigo 32º da Constituição da república Portuguesa, obrigando a um comportamento activo do arguido produzindo prova incriminatória.


7. Normas Jurídicas Violadas


a) Artigo 32, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.


Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em conformidade:

Absolver-se o arguido da prática do crime de desobediência;

Suspender-se a execução da pena acessória.
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A Ex.ma Procuradora-Adjunta do tribunal recorrido respondeu, pugnando pela manutenção do decidido.
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Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
-- Factos provados:
1. No dia 11 de Abril de 2011, cerca das 04h30m, o arguido CGD conduzia o veículo automóvel de matrícula (…..), da marca Wolkswagen, modelo Alhandra, pela via pública, em Vilamoura, quando decidiu entrar no parque do estacionamento afecto ao “Casino de Vilamoura”,
2. Ao fazê-lo, o arguido não parou junto da cancela ali existente, acabando por destruí-la.
3. Nessa sequência o arguido foi fiscalizado por militares da GNR, que ali se encontravam em missão de policiamento, e pelos mesmos foi solicitado a efectuar as provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool por meio de teste no ar expirado, dado exalar um forte odor a álcool.
4. Assim, primeiramente, foi solicitado ao arguido pelos militares da GNR que efectuasse a prova estabelecida para detecção do estado de influenciado pelo álcool por meio de teste em analisador qualitativo, vulgarmente designado “teste do balão”, o que este recusou.
5. Nessa sequência, o arguido foi conduzido ao posto da GNR de Quarteira a fim de aí ser submetido a prova estabelecida para detecção do estado de influenciado pelo álcool por meio de teste em analisador quantitativo.
6. Uma vez ali, o arguido recusou-se a efectuar tal teste, apesar de advertido que a recusa o faria incorrer em crime de desobediência.
7. E recusou igualmente deslocar-se ao Hospital, a fim de aí lhe ser retirada uma amostra de sangue para análise ou ser submetido a exame médico, o que fez apesar de uma vez mais ter sido advertido de que a sua recusa o faria incorrer na prática de um crime.
8. O arguido agiu ciente de que a ordem que lhe havia sido pelos militares da GNR era legítima, de que se encontrava obrigado a submeter-se ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado e de que a recusa a fazê-lo era proibida e punida por lei penal, ainda assim quis recusar submeter-se a tal exame e recusou-se a fazê-lo.
9. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
10. O arguido trabalha como empregado de mesa, auferindo um rendimento médio mensal de cerca de € 800,00.
11. Vive com uma companheira, que aufere mensalmente cerca de € 600,00 como empregada de mesa, e dois filhos com 6 e 4 anos de idade.
12. Habita em casa própria, suportando o pagamento de uma mensalidade de cerca de € 600,00 para amortização do empréstimo contraído com vista à sua aquisição.
13. O arguido tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
14. Do Registo Individual do Condutor e do Certificado de Registo Criminal do arguido não constam quaisquer averbamentos.
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-- Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão, para além dos já mencionados.
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Fundamentação da decisão de facto:
O Tribunal formou a sua convicção no exame crítico de toda a prova produzida, apreciada no seu conjunto segundo as regras da experiência comum e livre convicção do julgador, designadamente nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de discussão e julgamento, e nos documentos juntos aos autos.
Concretizando.
O arguido CGD, fazendo uso de direito que lhe assiste, não prestou declarações sobre os factos que lhe são imputados.
Seguidamente, procedeu-se à audição das testemunhas RS e HG, militares da GNR que se encontravam em serviço de patrulha e se deslocaram ao local, os quais referiram que o Segurança do Parque lhes indicou o veículo que havia partido a cancela para entrar no parque, referindo que ninguém, havia entrada ou saído da viatura; que se deslocaram à viatura onde o arguido se encontrava a dormir sentado no banco do condutor, o qual emanava um intenso cheiro a álcool; que o arguido recusou efectuar os exames de detecção de álcool, designadamente o qualitativo e o quantitativo, bem como recusou deslocar-se ao hospital para colheita de sangue, isto apesar de por diversas vezes ter sido advertido de que a recusa o faria incorrer na prática de crime de desobediência; que, no mais, o arguido apresentou a sua documentação, respondendo às questões que lhe foram colocadas e que compreendeu, mostrando-se correcto e educado.
Por fim, procedeu-se à audição da testemunha PF, Vigilante, o qual referiu recordar-se de o veículo em causa nos autos ter entrado no parque do Casino, sem que o condutor tivesse tirado previamente o tiquet, abalroando a cancela e tendo depois efectuado diversas manobras dentro do parque, acabando por se imobilizar; que nessa sequência chamou a GNR ao local, tendo ficado sempre a observar o veículo que se encontrava à sua frente até à chegada da GNR, não tendo ninguém entrado ou saído da mesma, sendo que na ocasião apenas se encontravam mais dois veículos no parque de estacionamento
Importa salientar que estas testemunhas prestaram os respectivos depoimentos com tranquilidade, espontaneidade e isenção e de forma coerente, tendo por tal merecido credibilidade e logrado convencer o Tribunal da veracidade dos factos imputados ao arguido na acusação, que confirmaram. Por outro lado, resulta dos depoimentos dos militares da GNR que fiscalizaram o arguido na ocasião que o mesmo compreendia as questões que lhe eram colocadas e que por várias vezes o advertiram que a recusa na submissão ao testes de detecção do álcool no sangue o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, pelo que dúvidas não assistiram ao Tribunal que o arguido não efectuou os testes porque o não quis e que o não quis não obstante ter sido advertido de que com a sua conduta incorreria na prática de um crime de desobediência, pelo que agiu ciente de que se recusava a submeter às provas estabelecidas para detecção do álcool no sangue e que, consequentemente, desobedecia a uma ordem legitima, regularmente comunicada, imposta por disposição legal – que enquanto condutor não podia desconhecer e que é, aliás, do conhecimento do cidadão médio – e emanada de entidade competente.
Por todo o exposto, o Tribunal deu como provada a factualidade vertida sob os pontos 1. a 9. da matéria de facto.
Quanto à situação pessoal, social, familiar e económica do arguido, o Tribunal fez fé nas suas declarações, que se lhe afiguraram compatíveis com a realidade socioeconómica evidenciada pelo mesmo em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo ainda tido em consideração o teor do Registo Individual do Condutor e do Certificado do Registo Criminal juntos aos autos a fls. 35 e 69, no que aos seu antecedentes criminais respeita.
III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.
De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
1.ª – Que o arguido não estava obrigado a submeter-se ao teste de alcoolemia por não estar a exercer a condução quando foi fiscalizado;
2.ª – Que a norma do n.º 3 do art.º 152.º do C.E. é inconstitucional por violar o n.º 5 do art.º 32.º da CRP, na medida em que obriga o arguido a produzir prova contra si próprio;
3.ª – Que – e passamos a citar a conclusão 6.2 – no caso dos autos não se mostra provado que o agente da autoridade tenha feito prova ao arguido de que o aparelho que pretendia utilizar se encontrasse aprovado, nos termos do nº 1 do artº 153º do CE; e
4.ª – Que – e passamos a citar a conclusão 6.3 – o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o alegado pelo arguido em sede de alegações.
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Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas, a de que o arguido não estava obrigado a submeter-se ao teste de alcoolemia por não estar a exercer a condução quando foi fiscalizado:
O arguido está a referir-se que, de acordo com o que resulta da audição do depoimento credível e insuspeito em julgamento prestado pela testemunha PF, vigilante do parque aonde se deu a ocorrência, o arguido depois de ter entrado no parque partindo com o carro que conduzia a cancela de acesso ao mesmo por não ter tirado o bilhete de ingresso, parou a viatura e… adormeceu ao volante – situação em que foi encontrado pela GNR, quando lhe quis fazer o teste de alcoolemia.
De forma que o arguido tem literalmente razão, mas não para os fins que pretende.
Estabelece o art.º 152.º do Código da Estrada, citado apenas na parte que agora interessa ao caso:
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
Tudo depende pois de definir quando é que, para efeitos desta disposição legal, um sujeito deve ser considerado condutor.
A definição tem que ser feita com a habilidade necessária a que não nos enredemos nas palavras.
Assim, para efeitos do disposto no art.º 152.º do Código da Estrada, condutor é aquele que comprovadamente estava a conduzir ou esteve a conduzir e em relação ao qual é fortemente previsível que realizando um teste de alcoolemia se aferirá a taxa de álcool no sangue (TAS) com que estava a conduzir ou esteve a conduzir.
Além disso, não decorreu um lapso de tempo, nem esteve a frequentar um espaço sem conduzir suficientemente significativos para se suspeitar poder ter aí adquirido uma TAS.
Posto isto se percebe que o arguido dos nossos autos é um condutor, nos termos e para os efeitos do art.º 152.º, 1 al.ª a) e 3, do Código da Estrada, porque comprovadamente estava a conduzir e em relação ao qual era fortemente previsível que realizando um teste de alcoolemia se aferiria a TAS com que conduzira (e que até poderia ser zero).
Além disso, no lapso de tempo que mediou entre parar o veículo e ser interceptado, esteve sempre debaixo de olho do vigilante PF e não frequentou, de todo, qualquer espaço no qual pudesse ter adquirido uma TAS – ou, pelo menos, não se lembrou de agora, em recurso, alegar que só adquirira a TAS depois de ter parado o carro, consumindo álcool dentro da viatura.
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que a norma do n.º 3 do art.º 152.º do CE é inconstitucional por violar o n.º 5 do art.º 32.º da CRP, na medida em que obriga o arguido a produzir prova contra si próprio:
Aquele art.º 152.º, n.º 3, citado apenas na parte que agora interessa ao caso, estabelece que os condutores que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 32.º da CRP prescreve que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
Como esclarece Costa Andrade em «Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal», Coimbra Editora, 1992, pág. 127, as dificuldades na abordagem destas matérias aumentam à medida que nos aproximamos da “zona de fronteira e concorrência entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu estatuto como objecto de medidas de coacção ou de meios de prova. Nesta zona cinzenta deparam-se, não raramente, situações em que não é fácil decidir: quando se está ainda no âmbito de um exame, revista, acareação ou reconhecimento, admissíveis mesmo se coactivamente impostos; ou quando, inversamente, se invade já o campo da inadmissível auto-incriminação coerciva”.
A importância de que se reveste a produção de prova em processo penal, enquanto superação de um modelo inquisitorial do processo e conquista basilar do processo de estrutura acusatória, tem subjacente a ideia da existência de limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal, limites que se traduzem nos conceito e regime das proibições de prova.
Em particular, quanto à liberdade de declaração do arguido, ela é analisada pela doutrina numa dupla dimensão, positiva e negativa. Pela positiva, abre ao arguido o «mais irrestrito direito de intervenção e declaração em abono da sua defesa», e, pela negativa, a liberdade de declaração do arguido veda todas as tentativas de obtenção, por meios enganosos ou por coacção, de declarações auto-incriminatórias.
Por seu turno, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em sentença proferida em 17-12-1996 (caso Sauders v. Reino Unido), concluiu que o citado direito à não auto-incriminação se refere, em primeira linha, ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, ao direito ao silêncio, acrescentando que esse direito se não estende ao uso, em processo penal, de elementos obtidos do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, por exemplo as colheitas por expiração, de sangue, de urina, assim como de tecidos corporais com finalidade de análises de A.D.N..
E o Tribunal Constitucional Espanhol, nomeadamente a propósito da obrigatoriedade de submissão a testes de alcoolémia, afirmou que a realização dos mesmos não constitui, em si mesmo, uma declaração ou incriminação, para efeitos deste privilégio, uma vez que não se obriga o detectado a emitir uma declaração que exteriorize um conteúdo, admitindo a sua culpa, mas apenas a tolerar que sobre ele recaia uma especial modalidade de perícia (STC 103/1985). E, reiterando tal doutrina, considerou em 1997 (STC 191/1997) – depois de citar jurisprudência do TEDH, onde se reconhece que o direito ao silêncio e o direito à não auto-incriminação, embora não expressamente mencionados pelo art.º 6.º da CEDH, se situam no coração do direito a um processo equitativo e se relacionam estreitamente com o direito à defesa e à presunção da inocência – que as garantias face à auto-incriminação só se referem às contribuições do arguido de conteúdo directamente incriminatório, não tendo o alcance de se poder subtrair a diligências de prevenção, indagação ou de prova. A configuração genérica de um tal direito a não suportar nenhuma diligência deste tipo deixaria desarmados os poderes públicos no desempenho das suas legítimas funções de protecção da liberdade e convivência, lesaria o valor da justiça e as garantias de uma tutela judicial efectiva.
Assim, o direito à não auto-incriminação refere-se ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, não abrangendo o uso, em processo penal, de elementos que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, como é o caso, por exemplo e para o que agora nos importa considerar, da recolha de material biológico no ar expirado e no sangue para efeitos de análise do grau de alcoolemia. Na verdade, essa colheita não constitui nenhuma declaração, pelo que não viola o direito a não declarar contra si mesmo e a não se confessar culpado. Constitui, ao invés, a base para uma mera perícia de resultado incerto que, independentemente de não requerer apenas um comportamento passivo, não se pode catalogar como obrigação de auto-incriminação. Assim sendo, não se pode sustentar, ao contrário do que pretende o recorrente, que o n.º 3 do art.º 152.º do CE é inconstitucional por violar o n.º 5 do art.º 32.º da CRP, por alegadamente obrigar o arguido a produzir prova contra si próprio.
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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que – e passamos a citar a conclusão 6.2 – no caso dos autos não se mostra provado que o agente da autoridade tenha feito prova ao arguido de que o aparelho que pretendia utilizar se encontrasse aprovado, nos termos do nº 1 do artº 153º do CE:
O art.º 153.º, n.º 1, do CE, determina que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
Mas em passo algum impõe que o agente da autoridade tenha feito prova ao arguido de que o aparelho que pretendia utilizar se encontrasse aprovado.
Pelo que improcede a objecção.
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No tocante à 4.ª das questões postas, a de que – e passamos a citar a conclusão 6.3 – o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o alegado pelo arguido em sede de alegações:
O objecto do processo não é delimitado pelo que o arguido argumente em sede de alegações, mas antes, de acordo com o estatuído no art.º 339.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, pela acusação/pronúncia, pela contestação (que ele não apresentou)e pelos factos que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º, do Código de Processo Penal.
A circunstância do recorrente entender que o tribunal se deveria ter pronunciado sobre o que argumentou nas alegações – sendo que nem sabemos o que foi, nem nada na lei nos obriga a ir ouvir a gravação para o ficarmos a saber – não torna esses argumentos relevantes.
De resto, sendo as nulidades da sentença de conhecimento oficioso (art.º 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), nenhuma se detecta que possa ter a ver com alguma omissão de pronúncia.
Improcede, pois, a objecção.
IV
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em cinco UC’s (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).

Évora, 07-04-2015
(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)


João Martinho de Sousa Cardoso


Ana Maria Barata de Brito