Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1102/17.0T8ENT-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PENSÃO DE REFORMA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A norma do n.º 3 do artigo 88.º, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, é peremptória ao prescrever que as acções executivas suspensas nos termos do n.º 1 se extinguem, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do direito de reversão legalmente previsto.
2 – Nos casos de encerramento com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a acção executiva deve ser declarada extinta, o que naturalmente impede o prosseguimento da mesma contra o insolvente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1102/17.0T8ENT-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “Banco (…), SA”, actualmente denominado “(…) Banco, SA” contra (…) e (…), o executado veio interpor recurso do despacho que indeferiu o pedido de arquivamento da execução e de devolução de quantias relativas à penhora de 1/3 da pensão de reforma e do reembolso de IRS.
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Em 31/07/2007, o “Banco (…), SA” celebrou dois contratos de mútuo com (…) e (…) no montante, respectivamente, de € 110.431,38 (cento e dez mil, quatrocentos e trinta e um euros e trinta e oito cêntimos) e de € 114.000,00 (cento e catorze mil euros). Em 21/09/2009, o “Banco (…), SA” celebrou outro contrato de mútuo, no montante de € 79.000,00 (setenta e nove mil euros).
Para garantia dos capitais mutuados, respectivos juros e despesas, os mutuários constituíram a favor do Exequente três hipotecas sobre o imóvel nomeado à penhora, as quais se encontram registadas.
As hipotecas garantiam o bom pagamento dos empréstimos assumidos pelos mutuários perante o Banco Exequente, até ao montante máximo, respectivamente, de € 156.260,41, € 161.310,00 e de € 111.785,00.
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Em 05/03/2012, foi penhorado o prédio urbano destinado a habitação composto por cave, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, sito na Rua do (…), nº 19, em (…), Chamusca (Prédio descrito sob o nº … em Chamusca e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo …).
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(…) e (…) foram declarados insolventes por sentença proferida em 07 de Maio de 2012, no processo registado sob o n.º 174/12.8TBGLG, que corria termos no Tribunal Judicial da Golegã, actualmente transferido para o Juízo de Comércio de Santarém.
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A instância executiva foi declarada suspensa nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Este facto foi comunicado ao Agente de Execução.
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Em face do teor do auto de penhora constante nos presentes, os autos foram remetidos para apensação ao processo n.º 174/12.8TBGLG.
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Em 08/07/2017, o Juízo de Comércio de Santarém determinou a desapensação e oportuna devolução os autos ao Tribunal competente, uma vez que tinha sido proferido despacho de encerramento da liquidação.
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Em 12/12/2017, o executado (…) veio requerer que fossem suspensos os descontos na sua pensão de reforma, uma vez que tinha sido declarado insolvente no âmbito do processo n.º 174/12.8T8BGLG-I do Juízo de Comércio de Santarém.
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Em 22/01/2018, o agente de execução comunicou ao Juízo de Execução do Entroncamento que tinha sido penhorada parte da pensão de reforma do executado (…), com início em Dezembro de 2017 e até pagamento integral da quantia exequenda, acrescida de despesas.
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Em 27/02/2018, o “(…) Banco, SA” veio comunicar que adquiriu o imóvel penhorado em 23/10/2014, pelo valor de € 174.100,00 (cento e setenta e quatro mil e cem euros).
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Em 28/02/2018, o executado (…) veio renovar o pedido de suspensão da execução e ainda a devolução dos descontos efectuados desde Dezembro de 2017.
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Em 03/04/2018, os serviços de secretaria do Juízo de Execução do Entroncamento abriram conclusão com a seguinte informação: «não obstante o executado (…) estar insolvente, o Sr. Agente de Execução retomou a penhora na pensão do mesmo, sendo que não obstante os presentes autos terem sido desentranhados do processo de insolvência, da consulta eletrónica do mesmo resulta que tal processo ainda não está encerrado, estando a aguardar a apresentação pelo Sr. Administrador de Insolvência da proposta do rateio final.
Mais se informa que tendo o executado reclamado nos autos da retoma da penhora, de tal foi dado conhecimento ao Sr. Agente de Execução que mantém a referida penhora ativa, pelo que o executado contactou a Secção a fim de tal requerimento ser apreciado pelo Mm.º Juiz».
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Nesta sequência, o Meritíssimo Juiz de Direito «a quo» lavrou a seguinte decisão: «notifique o AE e o AI do processo de insolvência respectivo para, em 10 dias, se pronunciarem expressamente.
Dê conhecimento ao processo de insolvência deste despacho para os efeitos tidos por convenientes, designadamente se interessa a apreensão da pensão em causa».
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Em 09/04/2018, o Agente de Execução veio comunicar aos autos que «no passado dia 09/02/2017, foi notificado da desapensação do processo e devolução ao Tribunal competente para tramitação do mesmo, conforme despacho que se junta em anexo, pelo que o aqui signatário prosseguiu com a tramitação do processo em epígrafe».
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Em 20/04/2018, o Administrador de Insolvência de (…) veio informar que «nada tem a opor ao requerido pelo executado no seu requerimento.
Com efeito, não obstante ter sido já elaborada a proposta e mapa de rateio final nos autos de insolvência, a mesma encontra-se em prazo de apreciação dos credores não tendo sido, até ao presente, ordenados os respectivos pagamentos.
Mais informa, atenta a fase processual dos autos de insolvência do executado, não interessar àqueles a apreensão da pensão em causa».
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Em 17/05/2018, o Agente de Execução comunicou a realização da penhora do montante devolvido a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas singulares no valor de € 1.148,05 e € 2.512,06, no valor total de € 3.660,11.
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Em 21/05/2018, o Meritíssimo Juiz de Direito proferiu o seguinte despacho: «A apreensão de bens deve ser realizada no processo de insolvência.
Assim, dê conhecimento deste despacho ao processo de insolvência, bem como do requerimento do executado/insolvente, solicitando informação sobre a apreensão no processo de insolvência da pensão do executado/insolvente, tendo em vista o pagamento aos credores da insolvência».
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Em 23/05/2018, o agente de execução notificou a Caixa Geral de Aposentações para suspender os descontos na pensão de Reforma de (…), advertindo que se devia manter as garantias de prioridade que a penhora gozava.
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Em 24/05/2018 foram publicados os anúncios de notificação do encerramento da insolvência de (…) e que o mesmo se devia ao rateio final.
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Em 14/06/2018, o executado (…) veio requerer novamente a devolução dos descontos efectuados e a suspensão da penhora junto da Caixa Geral de Aposentações.
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Em 21/06/2018, o Agente de Execução veio informar que, no passado dia 23/05/2018, a Caixa Geral de Aposentações foi notificada para levantamento da penhora da pensão do executado, solicitando que, face ao despacho de dia 21/05/2018 [na parte mencionava “a apreensão de bens deve ser realizada no processo de insolvência], fosse esclarecido: «porque o douto despacho suscitou dúvida, se realmente o valor penhorado será para ser transferido para os executados ou para o NIB da massa insolvente».
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Em 25/06/2018, o Meritíssimo Juiz de Direito proferiu a seguinte decisão: «renovo o despacho de 21/05/2018, com cópia dos mesmos, insistindo-se por resposta do processo de insolvência quanto à apreensão dos rendimentos em causa, para pagamento aos credores da insolvência».
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Em 27/06/2018, o executado (…) comunicou novamente que o processo de insolvência tinha sido declarado encerrado e requereu assim a extinção do processo executivo.
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Em 03/10/2018, o Juízo de Comércio de Santarém informou que os autos de insolvência se encontram encerrados por despacho proferido em 17/05/2018.
Na parte relevante para estes autos o despacho em causa tinha o seguinte conteúdo:
«Do encerramento do processo:
Uma vez realizado o rateio final, ao abrigo do disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea a), do CIRE:
a) Declaro encerrado o presente processo em que foi declarada a insolvência de (…), contribuinte fiscal n.º (…), e (…), contribuinte fiscal n.º (…);
b) Declaro cessados todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo dos efeitos da qualificação de insolvência e do disposto no artigo 234.º do CIRE – artigo 233.º, n.º 1, alínea a);
a) Declaro cessadas as atribuições do Sr. Administrador da Insolvência, excepto as relativas à apresentação de contas e da Comissão de Credores – artigo 233.º, n.º 1, alínea b);
b) Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra os devedores, no caso, sem qualquer restrição – artigo 233.º, n.º 1, alínea c).
c) Os credores da massa insolvente podem reclamar dos devedores os seus direitos não satisfeitos – artigo 233.º, n.º 1, alínea d).
Registe e notifique os credores, procedendo-se ainda à publicitação e registo, com indicação da razão determinante, tudo nos termos dos artigos 37.º e 38.º – artigo 230.º, n.º 2, do CIRE».
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Em 16/10/2018, o Juízo de Execução do Entroncamento emitiu o seguinte despacho: «Uma vez realizado o rateio final no processo de insolvência, e declarado findo o processo de insolvência, sem intenção de apreender os rendimentos em causa, mas sem obstáculo a que os credores da insolvência penhorem tais rendimentos, notifique a exequente do requerimento de levantamento da penhora do executado para, em 10 dias, responder, e esclarecer se pretende o prosseguimento da execução, com a penhora de tais rendimentos».
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Em 16/10/2018, em resposta aos despachos proferidos nos presentes autos em 21/05/2018 e 25/06/2018, (…), Administrador da Insolvência de (…), veio informar que: «nos autos de insolvência foram suspensas as apreensões das reformas dos devedores, em consequência do encerramento da liquidação.
Termos em que, tendo sido homologado o mapa de rateio, se encontram já a ser efectuados os pagamentos no âmbito daquele».
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Em 05/11/2018, o “(…) Banco, SA” veio esclarecer que pretendia o prosseguimento da execução com a penhora dos rendimentos do executado (…).
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Em 10/01/2019 foi constituído o apenso de oposição, cuja apensação está datada de 23/01/2019.
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Em 08/03/2019, neste apenso de oposição, o Juízo de Execução de Santarém proferiu a seguinte decisão: «atentas as razões invocadas pela exequente a respeito da oposição do executado, aqui dadas por integralmente reproduzidas, julga-se improcedente o incidente – artigo 277.º NCPC.
Com efeito, o AI informou que não interessa a apreensão dos rendimentos em causa do executado para processo de insolvência, pelo que nada obsta à sua penhora neste processo, como requerido pela exequente.
Por outro lado, acresce que o processo de insolvência foi encerrado por rateio final, o que significa que cessam os efeitos da insolvência, nada obstando ao prosseguimento da presente execução para ressarcimento da exequente – arts. 230.º e ss., esp. 233.º CIRE.
Pelo que devem ser retomados os descontos de imediato, mantendo-se também a penhora de IRS.
Pelo que se julga improcedente o incidente.
Fixa-se o valor em 1.148,05 euros – arts. 296.º e 297.º CPC.
Custas pelo executado, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) U.C. – art. 527.º NCPC, 7.º RCP, e respectivas tabelas anexas.
Registe e notifique, incluindo o AE.
Dê baixa».
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Em 05/03/2020, o Agente de execução foi notificado para informar quais eram os montantes depositados à ordem dos autos a título de penhora de pensão de reforma e de reembolso de IRS.
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Em 09/03/2020, o Agente de Execução informou que «os montantes depositados à ordem dos autos a título de penhora de pensão de reforma e de reembolso de IRS totalizam nesta data a quantia de € 12.457,86».
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A insolvência foi classificada como fortuita por decisão de 22/11/2012 conforme consta do apenso 174/12.8TBGLG-D do Incidente de Qualificação da Insolvência.
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Não existe plano de insolvência ou de pagamentos.
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O pedido de exoneração de passivo restante foi indeferido liminarmente de 10/10/2012 e acórdão constante do apenso 174/12.8TBGLG-E do Recurso em separado de 17/11/2013.
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Inconformado com a decisão datada de 08/03/2019 (supra transcrita), o recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
«1 – O recorrente foi alvo de descontos judiciais na sua pensão de reforma, e penhora do reembolso de IRS, durante a sua insolvência, pelo agente de execução (…) no âmbito do processo nº 1102/17.0T8ENT no valor de € 318.818,79.
2 – O referido processo de execução foi declarado no processo de processo de insolvência do recorrente, e por via disso o exequente recebeu, rateadamente, a quantia devida.
3 – Assim, e por via do exposto venho requerer a devolução dos descontos judiciais e da penhora do IRS no valor total de € 7.473,84, bem como a extinção da instância do processo de execução nº 1102/17.0T8ENT.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso obter provimento e, por via disso, a execução ser extinta e os descontos efectuados serem devolvidos ao ora recorrente, fazendo, mais uma vez, Vª. Excelência, sã, serena e objectiva Justiça».
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A parte contrária não contra-alegou.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
O thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto ao prosseguimento da acção executiva e ao destino a dar às verbas penhoradas.
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III – Dos factos apurados:
Os factos com interesse para a justa resolução da questão são os que constam do relatório inicial, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da interpretação da lei:
Baptista Machado observa muito justamente que o jurista «deve proceder como um agente activo do direito, chamado a descortinar, a interpretar e a conformar se­gundo a ideia de direito e dinâmica dos dados institu­cionais face aos movimentos de utilidade social»[1].
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
O enunciado textual da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do n.º 2 do preceito sub judice.
Ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9.º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista[2].
Em parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República pode ler-se que «para a determinação do sentido prevalecente das normas, deve levar-se em consideração a letra da lei – simultaneamente ponto de partida e limite da interpretação –, e a componente lógica da interpretação, que engloba os elementos racional ou teleológico, sistemático e histórico»[3].
A teleologia da norma reclama a análise das situações reguladas, do interesse que se pretendeu proteger e do âmbito de tal protecção. Qualquer norma jurídica faz parte de um sistema global que se pretende coerente, não podendo deixar de ser interpretada no âmbito do complexo normativo em que se insere.
As circunstâncias políticas, culturais e sociais em que as normas foram elaboradas, eventualmente constantes de trabalhos preparatórios ou preâmbulos dos diplomas legislativos, facilitam a compreensão desta unidade do sistema jurídico.
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil).
Sobre a problemática da interpretação, podem consultar-se Manuel de Andrade[4], Pires de Lima e Antunes Varela[5], Baptista Machado[6], Oliveira Ascensão[7], Castro Mendes[8], Menezes Cordeiro[9], Fernando Bronze[10], Castanheira Neves[11], Herbert Hart[12], Karl Engish[13] e Karl Larenz[14], entre outros.
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4.2 – Da extinção da execução versus o prosseguimento para pagamentos dos créditos ainda em dívida:
«A tarefa central a que o juiz se dedica é a determinação do direito que há-de valer no caso concreto. Para este fim deve levar a cabo três indagações:
1) Apurar que o direito existe.
2) Determinar o sentido desta norma.
3) Decidir se esta norma se aplica ao caso concreto.
Aplicação das leis envolve, por consequência uma tríplice investigação: sobre a existência da norma; sobre o seu significado e valor; e sobre a sua aplicabi­lidade»[15].
Como afirma Castro Mendes, a interpretação deve ser actualista, pois a lei tem valor como instrumento social e não como peça de tradição[16].
Baptista Machado lembra uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico”[17].
Neste campo, é de atender que «só será legítimo estender o campo da aplicação da norma, se dela resultar um desfecho que se compagine com o sistema jurídico enquanto unidade e o resultado interpretativo não afrontar o regime jurídico dos institutos com que contende, sob pena de, a coberto de uma interpretação postulada pela essoutra realidade social que convoca, se tornar arbitrária a interpretação da lei, ferindo, assim, a certeza e a segurança jurídicas valores caros ao Direito»[18].
A questão que se coloca é a de saber se no caso concreto, em face do encerramento da insolvência, a execução pode prosseguir para pagamento integral da quantia exequenda?
Na situação vertente somos confrontados com uma aparente contradição entre duas normas concorrentes, a do n.º 3 do artigo 88.º[19] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que determina a extinção das acções executivas logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º do referenciado diploma e a que consagra a possibilidade de os credores da insolvência poderem exercer os seus direitos contra o devedor ao abrigo da regra inscrita no artigo 233.º[20] do mesmo Código.
O processo de insolvência é declarado encerrado após a realização do rateio final nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º[21] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º[22] do mesmo diploma.
Vejamos.
A alínea d) do n.º 1 do artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não tem aqui aplicação e apenas aproveita aos credores da massa insolvente cujo conceito não é coincidente com o de créditos sobre o insolvente[23] [24]. No circunstancialismo previsto na norma o pagamento das dívidas da massa é precípuo à satisfação dos créditos sobre a insolvência nos termos postulados pelos artigos 172.º[25] e 232.º[26] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e assim a viabilidade desta previsão é meramente retórica e programática, caso os fundos apurados sejam insuficientes para garantir estes pagamentos.
O n.º 3 do artigo 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas veio regulamentar o destino das acções suspensas quando o processo de insolvência seja encerrado após a realização do rateio final, ficando apenas ressalvado o exercício do direito de reversão previsto na legislação.
A norma do n.º 3 do artigo 88.º, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, é peremptória ao prescrever que as acções executivas suspensas nos termos do n.º 1 se extinguem, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do direito de reversão legalmente previsto.
Segundo a visão de Carvalho Fernandes e João Labareda esta norma visa «somente plasmar directamente no texto da lei uma solução que não podia deixar de prevalecer mesmo na ausência de qualquer previsão específica – como até aqui sucedia –, em razão da natureza das causas que a determinam»[27].
Na opinião de Catarina Serra fica definitivamente esclarecido que as acções executivas só se extinguem aquando do encerramento do processo de insolvência e não por qualquer causa: extinguem-se apenas quando o processo se encerra por ter sido realizado o rateio final ou por o administrador ter constatado a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente. Nos restantes casos, a solução é a de que, após o encerramento do processo, as acções podem prosseguir, a não ser que haja restrições a isso no plano de insolvência ou no plano de pagamento aos credores ou que esteja a decorrer o chamado “período de cessão do rendimento disponível”[28].
Maria do Rosário Epifânio também defende que nos casos de encerramento com fundamento na al. a) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a acção executiva deve ser declarada extinta, o que naturalmente impede o prosseguimento da mesma contra o insolvente[29].
Mesmo que se defenda que a norma apenas prevê a extinção nos «casos em que o devedor tenha reclamado o seu crédito no processo de insolvência»[30]. É exactamente isso que se passa na hipótese colocada à apreciação do Tribunal de Recurso.
Neste enquadramento, a execução que corre termos no Juízo de Execução do Entroncamento não pode prosseguir e deve ser declarada extinta. Porém, embora este não seja o thema decidendum, isto não significa que os direitos do credor fiquem desprovidos de tutela, mas apenas que não podem ser aproveitados os autos de execução sempre que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Os interesses dos credores que não foram satisfeitos no decurso do processo de insolvência podem ser acautelados por diversas vias, seja por intermédio do próprio plano de insolvência, seja através do instituto da reversão ou pelo recurso ao incidente de exoneração do passivo restante. Todavia, é legalmente impossível que a execução prossiga, até porque o título executivo fica consumido pela operação de rateio realizada nos autos de insolvência – até que, por via, do resultado da distribuição de verbas em sede de insolvência, o crédito em dívida já é distinto daquele que foi reclamado na execução, como se constata pelo rateio final comunicado a estes autos pelo Juízo de Comércio de Santarém.
Na verdade, a al. c) do n.º 1 do artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas rege a situação jurídica dos credores da insolvência após o encerramento do processo, quanto ao exercício dos seus créditos.
Carvalho Fernandes e João Labareda comentam que se deve atender às «limitações que decorram da existência de um plano de insolvência ou, também, de um plano de pagamentos, neste caso expressamente salvaguardadas no texto legal; além disso, há que levar em conta as restrições resultantes de um pedido de exoneração do passivo restante, em função, nesta hipótese, do disposto no n.º 1 do artigo 242.º[31].
Se não se verificar nenhuma destas situações, os credores da insolvência podem exercer livremente os seus direitos quanto ao devedor; nas demais, podê-lo-ão fazer em conformidade com o plano aprovado».
Não existe aqui um plano de insolvência ou de pagamento que contenham cláusulas aplicáveis à situação jurídica do insolvente no seu relacionamento patrimonial debitório com o credor “(…) Banco, SA”.
Os efeitos especiais da declaração de insolvência como culposa também não são afectados pelo encerramento do processo. Todavia, no presente cenário estamos perante uma insolvência fortuita e assim despida de consequências civis repressivas e sancionatórias aplicáveis aos insolventes culposos.
Relativamente à questão do passivo restante, o Administrador Judicial informou sucessivamente que as verbas aqui penhoradas não tinham interesse para o processo de insolvência por o mesmo se encontrar encerrado e idêntica comunicação foi transmitida pelo Juízo de Comércio de Santarém.
Embora não se pronuncie directamente sobre a questão, a propósito da relação entre o encerramento do processo e a exoneração do passivo restante, Alexandre Soveral Martins toma posição no sentido de que se no processo de insolvência não forem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência, o incidente de exoneração prosseguirá[32].
E, completando este raciocínio, em caso de encerramento da insolvência nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, caso a actividade do devedor continue a gerar rendimentos que acresceriam à massa, é nesta sede de liquidação que a recuperação de créditos se pode desenvolver e não no âmbito de uma acção executiva que ope legis é declarada extinta[33].
Ou seja, mesmo que, após a realização do rateio final, existisse fundamento para prosseguir a tarefa de transferência de verbas para a massa insolvente – e indirectamente para os credores reclamantes – era em sede de incidente do passivo restante que haveria lugar à cativação dos rendimentos decorrentes da cessão e não no seio da presente execução.
Contudo, tal como consta dos elementos remetidos pelo Juízo de Comércio de Santarém, o incidente de exoneração do passivo foi liminarmente indeferido e assim não existe fundamento para transferir as verbas apreendidas nestes autos para aquele processo de insolvência.
Não estamos assim perante um quadro de excepção ao encerramento da insolvência após a realização do rateio final e assim existe a impossibilidade legal de prosseguir a execução contra os executados por o processo de insolvência ter terminado, por força da análise conjugada das regras impostas pelo n.º 3 do artigo 88.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Assim, a previsão legal que possibilita que os credores da insolvência possam exercer os seus direitos contra o devedor ao abrigo do artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não opera nos próprios autos executivos nos casos em que o processo de insolvência é encerrado após rateio final.
A terminar, por força da letra da lei, conclui-se que assiste razão ao recorrente, devendo, por isso, declarar-se extinta a execução e determinar a cessação dos descontos na pensão de reforma e das penhoras incidentes sobre o reembolso do Imposto de Rendimento das Pessoas Singulares, bem como a devolução das verbas penhoradas aos respectivos titulares.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se assim a extinção da execução e a devolução das verbas penhoradas aos respectivos titulares.
Custas a cargo da exequente, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, uma vez que, com a propositura e pedido de prosseguimento da acção executiva, deu causa ao presente incidente.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 25/06/2020
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário

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[1] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 120.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2007, in www.dgsi.pt.
[3] Parecer n.º 70/99.
[4] Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 4ª edição, Coimbra, 1987.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1987.
[6] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002.
[7] Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, Almedina, Coimbra, 2003.
[8] Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, Dislivro, Lisboa, 1994.
[9] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2012.
[10] Fernando Bronze, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 2006.
[11] Castanheira Neves, Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, BFDUC, Coimbra Editora, Coimbra, 1993.
[12] Herbert Hart, O conceito de Direito, tradução Ribeiro Mendes, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996.
[13] Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução Baptista Machado, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977.
[14] Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, tradução José Lamego, 6ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977.
[15] Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Edição Arménio Amado, Coimbra, 1987, pág. 113.
[16] Introdução ao Estudo do Direito, pág. 221.
[17] Baptista Machado, obra citada, pág. 191.
[18] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/10/2007, in www.dgsi.pt.
[19] Artigo 88.º (Acções executivas):
1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.
3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios eletrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.
[20] Artigo 233.º (Efeitos do encerramento):
1 - Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência:
a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte;
b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência;
c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência;
d) Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
2 - O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina:
a) A ineficácia das resoluções de actos em beneficio da massa insolvente, excepto se o plano de insolvência atribuir ao administrador da insolvência competência para a defesa nas acções dirigidas à respectiva impugnação, bem como nos casos em que as mesmas não possam já ser impugnadas em virtude do decurso do prazo previsto no artigo 125.º, ou em que a impugnação deduzida haja já sido julgada improcedente por decisão com trânsito em julgado;
b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores ou a devedora assim o requeiram, no prazo de 30 dias;
c) A extinção da instância das acções pendentes contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente propostas pelo administrador da insolvência, excepto se o plano de insolvência atribuir ao administrador da insolvência competência para o seu prosseguimento.
3 - As custas das acções de impugnação da resolução de actos em benefício da massa insolvente julgadas procedentes em virtude do disposto na alínea a) do número anterior constituem encargo da massa insolvente se o processo for encerrado por insuficiência desta.
4 - Exceptuados os processos de verificação de créditos, qualquer acção que corra por dependência do processo de insolvência e cuja instância não se extinga, nos termos da alínea b) do n.º 2, nem deva ser prosseguida pelo administrador da insolvência, nos termos do plano de insolvência, é desapensada do processo e remetida para o tribunal competente, passando o devedor a ter exclusiva legitimidade para a causa, independentemente de habilitação ou do acordo da contraparte.
5 - Nos 10 dias posteriores ao encerramento, o administrador da insolvência entrega no tribunal, para arquivo, toda a documentação relativa ao processo que se encontre em seu poder, bem como os elementos da contabilidade do devedor que não hajam de ser restituídos ao próprio.
6 - Sempre que ocorra o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido aberto incidente de qualificação por aplicação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º, deve o juiz declarar expressamente na decisão prevista no artigo 230.º o caráter fortuito da insolvência.
7 - O encerramento do processo de insolvência nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível.
[21] Artigo 230.º (Quando se encerra o processo):
1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:
a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;
b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;
c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento;
d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º
2 - A decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante.
[22] Artigo 239.º
Cessão do rendimento disponível
1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º
2 - O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.
[23] Artigo 46.º (Conceito de massa insolvente):
1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
2 - Os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.
[24] Luís Menezes Leitão, in IV Congresso de Direito da insolvência, coordenação: Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2017, escreve um artigo sobre “As dívidas da massa insolvente”, págs. 25-33, que permite compreender o regime legal das dívidas da massa insolvente.
[25] Artigo 172.º (Pagamento das dívidas da massa):
1 - Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
2 - As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.
3 - O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.
4 - Intentada ação para a verificação do direito à restituição ou separação de bens que já se encontrem liquidados e lavrado o competente termo de protesto, é mantida em depósito e excluída dos pagamentos aos credores da massa insolvente ou da insolvência, enquanto persistirem os efeitos do protesto, quantia igual à do produto da venda, podendo este ser determinado, ou, quando o não possa ser, à do valor constante do inventário; é aplicável o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 180.º, com as devidas adaptações.
[26] Artigo 232.º (Encerramento por insuficiência da massa insolvente):
1 - Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo.
2 - Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
3 - A secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta, distribui as importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos.
4 - Depois de verificada a insuficiência da massa, é lícito ao administrador da insolvência interromper de imediato a respectiva liquidação.
5 - Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado.
6 - O disposto nos números anteriores não é aplicável na hipótese de o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do n.º 1 do artigo 248.º, durante a vigência do benefício.
7 - Presume-se a insuficiência da massa quando o património seja inferior a € 5.000,00.
[27] João A. Carvalho Fernandes e João labareda. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 436.
[28] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 216.
[29] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 165-166.
[30] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 201.
[31] Artigo 242.º (Igualdade dos credores):
1 - Não são permitidas quaisquer execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência, durante o período da cessão.
2 - É nula a concessão de vantagens especiais a um credor da insolvência pelo devedor ou por terceiro.
3 - A compensação entre dívidas da insolvência e obrigações de um credor sobre a insolvência apenas é lícita nas condições em que seria admissível durante a pendência do processo.
[32] Alexandre Soveral Martins, A reforma do CIRE e as PME´s, Estudos de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 18-22.
[33] Esta posição foi incidentalmente sufragada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/04/2020, proferida no âmbito do processo registado sob o número 1032/19.0T8STB-G.E1, não publicada.