Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
832/17.0T8MMN-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: NEGOCIAÇÕES EXTRAJUDICIAIS
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 832/17.0T8MMN-A.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Central executivo de Montemor-o-Novo – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa intentada por “Caixa Geral de Depósitos, SA”, (…) deduziu oposição à execução, mediante embargos. Proferida sentença, a instituição bancária não se conformou com a mesma, apresentando o competente recurso.
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A embargante pediu que fosse absolvida do pedido, com todas as consequências legais. Ou, assim não sendo entendido, solicitou a redução do montante do capital em dívida à quantia de € 62.293,03, sem de prejuízo de outra menor quantia que se viesse a apurar.
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Para tanto, a embargante alegou que era inexigível o cumprimento coercivo da obrigação exequenda uma vez que a exequente incumpriu a obrigação de a integrar no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
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Notificada, a exequente/embargada apresentou contestação, onde, para além do mais, afirma que, em 2016, a embargante solicitou junto da exequente a renegociação das prestações vencidas e não pagas e que a Caixa Geral de Depósitos anuiu à reestruturação e apresentou proposta nesse sentido, a qual não foi tacitamente aceite pela embargante.
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Realizado o julgamento, fundado no incumprimento do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, que veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a sentença decidiu absolver (…) da instância executiva e determinou a extinção da execução quanto à embargante.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso apresentavam as seguintes conclusões:
«I – A douta sentença recorrida determinou a absolvição da instância executiva e extinção da execução quanto à embargante por entender que o facto de o exequente não ter integrado formalmente a executada no PERSI, conforme regulado no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro constitui falta de condição objectiva de procedibilidade, impedindo o exequente de instaurar acção judicial para satisfação do crédito.
II – É entendimento do recorrente que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação dos factos ao Direito.
III – Consta da matéria de facto provada:
6. A primeira prestação não paga pelo embargante/executada no acordo mencionado em 2 data de 2010;
8. Em 2013, a embargante e a exequente estabeleceram contactos para a renegociação das prestações vencidas e não pagas;
9. A exequente aceitou uma reestruturação, que teria como condição para a sua efectivação, pelo menos o pagamento da quantia de € 2.400,00, de uma só vez, por banda da executada;
10. Uma vez que a executada não procedeu a tal pagamento, o crédito não foi reestruturado.
IV – Assim resulta que o exequente encetou contactos com a executada para por termo à situação de incumprimento, tendo o exequente aceite uma reestruturação, não concretizada por facto imputável à executada, concretamente por não ter procedido ao pagamento acordado que determinaria a concretização da reestruturação do empréstimo.
V – O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro visa estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de incumprimento e cria rede extrajudicial de apoio aos clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações através do mecanismo do PARI e PERSI.
VI – O diploma destina-se a obrigar as instituições de crédito a apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e avaliar propostas alternativas dos próprios clientes.
VII – No decurso de 2013, o exequente encetou contactos com a executada para por termo à mora do empréstimo, tendo o exequente aceite uma reestruturação, conforme factos 8 e 9 da matéria de facto provada.
VIII – O acordo obtido entre as partes, concretamente a reestruturação aceite pelo exequente e poria termo à situação de incumprimento só não foi concretizada por facto imputado à executada, conforme factos 9 e 10 da matéria de facto provada.
IX – A actuação do exequente foi de acordo com o que preconiza o PERSI, ao ter encetado contactos com a executada para por termo à situação de incumprimento e tendo aceite uma reestruturação.
X – A actuação do exequente constitui no plano substancial um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento da executada, equiparável ao PERSI, e que na tentativa de solucionar o problema permitiu à executada manter a situação de incumprimento.
XI – O facto de o procedimento encetado pelo exequente não ter sido formalmente convertido em PERSI conforme regulado no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, não prejudicou os direitos legítimos da executada, na medida em que o exequente encetou contactos para por termo à situação de incumprimento e aceitou uma reestruturação, não concretizada a final por facto imputável à executada.
XII – O exequente intentou acção para satisfação do crédito unicamente porque gorado o acordo alcançado por facto imputável à executada.
XIII – Tendo o exequente concretizado no plano substancial um plano extrajudicial para por termo à situação de incumprimento não se encontra impedido de instaurar acção para satisfação do crédito, inexistindo condição objectiva de procedibilidade.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida.
Como é de lei e de Justiça!».
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Houve lugar a resposta, que concluiu pela manutenção da decisão.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto aos efeitos da não integração da dívida no plano Persi.
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III – Matéria de facto:
3.1 – Matéria de facto provada:
Do teor dos articulados, dos elementos constantes dos autos e da prova produzida em audiência final, resultou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão da causa:
1) A “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, em 18/05/2017, intentou acção executiva contra (…), (…), (…) e (…), que corre termos neste juízo sob o n.º 832/17.0T8MMN, para pagamento da quantia de € 85.567,66.
2) A exequente deu à execução um acordo escrito denominado “Mútuo com Hipoteca, Fiança e Renúncia” exarado no dia 06/06/2002, perante Notário, entre (…) e (…), na qualidade de primeiros outorgantes, “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” na qualidade de segundo outorgante e (…) e (…), na qualidade de terceiros outorgantes, junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
3) Do acordo mencionado em 2) faz parte integrante um documento complementar junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
4) A quantia emprestada referida no acordo mencionado em 2) foi disponibilizada aos executados (…) e (…), mediante crédito processado na sua conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência da exequente.
5) Os executados (…) e (…) movimentaram e utilizaram o valor creditado.
6) A primeira prestação não paga pelo embargante/executada no acordo mencionado em 2) data de 2010.
7) Após 2010 os executados (…) e (…) procederam ao depósito das seguintes quantias:
10 de Novembro de 2014 – 380,00 €;
03 de Março de 2015 – 350,00 €;
04 de Maio de 2015 – 400,00 €;
07 de Julho de 2015 – 400,00 €;
05 de Agosto de 2015 – 400,00 €;
09 de Novembro de 2015 – 400,00 €;
09 de Dezembro de 2015 – 400,00 €;
07 de Julho de 2016 – 400,00 €;
10 de Agosto de 2016 – 400,00 €;
09 de Maio de 2016 – 400,00 €;
09 de Janeiro de 2017 – 400,00 €;
01 de Março de 2017 – 400,00 €;
09 de Abril de 2017 – 400,00 €;
08 de Junho de 2017 – 400,00 €;
07 de Agosto de 2017 – 400,00 €;
09 de Dezembro de 2017 – 400,00 €.
8) Em 2013, a embargante e a exequente estabeleceram contactos para renegociação das prestações vencidas e não pagas.
9) A exequente aceitou uma reestruturação, que teria como condição para a sua efectivação, pelo menos o pagamento da quantia de € 2.400,00, de uma só vez, por banda da executada.
10) Uma vez que a executada não procedeu a tal pagamento, o crédito não foi reestruturado.
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3.2 – Matéria de facto não provada:
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
i) Os montantes pagos pela executada foram deduzidos à quantia exequenda.
ii) A executada/embargante foi inserida no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
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IV – Fundamentação:
A sentença recorrida está estribada no acórdão proferido no âmbito do processo registado sob o nº 4956/14.8T8ENT-A.E1, datado de 06/10/2016 e que foi subscrito por este colectivo de Juízes do Tribunal da Relação de Évora[1] e que, na prática, sem embargo de não o especificar, adopta a estrutura desse aresto e absorve globalmente a argumentação dessa decisão.
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O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril».
Prosseguindo, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no artigo 40º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
O artigo 1º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».
Em acréscimo, o artigo 2º, nº 1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.
O citado Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, no artigo 18º, sob a epígrafe garantias do cliente bancário, dispõe que:
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior”.
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Feita a transcrição das mais pertinentes normas legais contidas no diploma habilitante, passemos à apreciação jurídica da decisão.
O PERSI, consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, e por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases:
i) uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.
ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis). E, finalmente,
iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
Para além do caso mencionado a propósito da fase inicial supra mencionada, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora».
A integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. Artigo 18º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 227/2012).
Quanto aos fiadores é dito que «não basta à instituição de crédito informar os fiadores do incumprimento do devedor principal, e interpelá-los ao cumprimento; com essa interpelação, nos termos do artigo 21º, nº 3, do Decreto-Lei nº 227/2012, a instituição de crédito está obrigada a informar o fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício; e está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite (artigo 21º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227/2012).
Desta forma:
- a omissão da informação ao fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício, por parte da instituição de crédito; e
- a falta de integração do fiador no PERSI, pela instituição de crédito, quando solicitado por este à instituição de crédito;
- constituem violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
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Em estudo sobre o assunto, Francisco Almeida Garrett[2] opinou que «o Decreto-Lei nº 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma "renegociação forçada" e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI».
Com efeito, da interligação entre as diversas normas contidas no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) ressalta claramente que, relativamente ao cliente bancário, a instituição de crédito está impedida de «intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito» (artigo 18º, nº 1, al. b), do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro). E o mesmo obstáculo surge relativamente ao fiador ex vi do postulado normativo presente no artigo 21º do citado diploma.
O conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a integração do cliente bancário [e, bem assim, do fiador] no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento. E isto porque existe igualmente um feixe de direito concedidos aos clientes bancários e a concretização dessas garantias não é compatibilizável com a existência de um processo em curso.
É o próprio regime excepcional previsto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro que afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a acção. Aliás, a própria designação (Procedimento Extrajudicial) é absolutamente esclarecedora da intenção do legislador e o intérprete deve presumir que este consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como proclama o número 3 do artigo 9º do Código Civil.
Está ainda retratado no artigo 4º do Decreto-Lei nº 227/2012, que surge como uma densificação dos princípios da boa-fé e da lealdade contratuais, que «no cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa».
Estamos, assim, tal como é afirmado no acórdão anteriormente mencionado, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância. Isto sem embargo da efectivação de consequências sancionatórias adicionais previstas na regulação bancária, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal, ficando ao alvedrio das partes a opção por executar a denúncia do comportamento relapso.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade. Esta solução tem sido replicada em diversos acórdãos dos Tribunais Superiores[3].
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Como se extraí das alegações de recurso, a recorrente Caixa Geral de Depósitos admite claramente que omitiu o comportamento legalmente devido, mas entende que «a actuação do exequente constitui no plano substancial um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento da executada, equiparável ao PERSI, e que na tentativa de solucionar o problema permitiu à executada manter a situação de incumprimento» (conclusão X).
Porém, a actuação em causa não configura formal e substancialmente um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento da executada equiparável ao PERSI. Na realidade, a referida asserção constitui uma petição de princípio não suportada por qualquer demonstração factual que inviabilize a tomada de comportamento negociais alternativos.
Na verdade, em abstracto, caso fosse encetado o procedimento negocial obrigatório poderiam existir modificações relevantes na estrutura e no próprio valor do crédito para além daquelas que concretamente foram propostas, designadamente ao nível da mudança do prazo de pagamento, da alteração das taxas de juros, da modificação do spread, da concessão de períodos alongados de carência, no modo de imputação das quantias pagas ou até no perdão parcial de juros e capital, entre muitas outras medidas que podem ser negociadas no giro bancário.
Não está assim evidenciada a conclusão «que o facto de o procedimento encetado pelo exequente não ter sido formalmente convertido em PERSI conforme regulado no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, não prejudicou os direitos legítimos da executada» (conclusão XI), a qual só poderia estar sustentado num processo negocial completo e adequado às exigências legais.
A não aceitação de uma proposta de restruturação não afasta o incumprimento por parte do banco das obrigações legais lhe estão cometidas e a instituição financeira estava vinculada em função das disposições de regulação a promover o processo extrajudicial de regularização regulado no Decreto-Lei nº 227/2012.
Em síntese, em função da integração dos factos no direito, deve concluir-se que a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Todavia, tal não obsta a que a entidade bancária venha a interpor nova acção executiva tendente à satisfação do seu crédito, uma vez cumpridas as exigências específicas contidas no diploma sub judice.
Desta sorte, reforçando os fundamentos expressos na decisão recorrida, julga-se improcedente o recurso apresentado.
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V – Sumário:
1. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
2. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 31/01/2019
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
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[1] A única alteração de composição verifica-se relativamente à substituição de um dos adjuntos.
[2] "PARI, PERSI & AFINS – Breve Nota Sobre o Novo Regime", in JusJornal, nº 1676, 23 de Abril de 2013, e também disponível na internet em http://www.abbc.pt/xms/files/Notícias - Imprensa/PARI PERSI AFINS - Breve Nota Sobre o Novo Regime.pdr).
[3] Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 06/04/2017, 08/03/2018 e 28/06/2018, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/06/2018 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/06/2018.