Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
566/09.0TMFAR-A.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Sendo as responsabilidades parentais após o divórcio das questões que mais impacto têm no bem-estar das famílias e das crianças, compreende-se que a modificação do regime instituído só deva ter lugar em situações muito pontuais que são, como refere, a lei, o incumprimento do vigente e a alteração das circunstâncias.
II - Ainda assim não será todo e qualquer incumprimento que justificará a alteração, como não serão quaisquer circunstâncias supervenientes que a exigirão; quer uma, quer outra destas situações terão de ser suficientemente ponderosas para fundamentarem uma alteração, sobretudo no que concerne a matérias com grande reflexo na vida da criança, como é o caso da sua residência.
III - Inexistindo uma situação desse cariz e revelando o menor, de 10 anos de idade, vontade de continuar a residir com os dois progenitores, em semanas alternadas, como vem fazendo desde o seu 1º ano de vida, nada impede, antes tudo aconselha, que a sua vontade seja respeitada porque, desse modo, se mostra assegurado o seu superior interesse.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO
1. BB, pai da criança CC, intentou acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra a progenitora DD, requerendo que a residência da criança seja fixada junto do requerente, alegando, em síntese, que o mesmo revela maior capacidade para zelar pela saúde e educação da criança do que a mãe, tendo em conta as necessidades educativas especiais do menor.
Foi designada data para conferência de pais, não tendo sido possível o acordo entre os pais, pelo que se procedeu a audição técnica especializada (cf. actas de fls. 70 e 79).
Os progenitores apresentaram alegações e prova (cf. fls. 82 e 88).
Foi realizada audiência de julgamento e, subsequentemente, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:”
Pelo exposto, decide-se:
A) Alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança CC, nos seguintes termos:
1. Exercício das responsabilidades parentais
a) Fixa-se a residência da criança junto do pai, BB;
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor incumbe ao pai, exercício que também competirá à mãe, quando temporariamente o menor com ela estiver, não podendo ela contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo pai;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor (v.g. residência no estrangeiro, intervenção cirúrgica programada, opção pelo ensino público ou privado) são decididas de comum acordo por ambos os progenitores.
2. Visitas
a) A mãe passará fins de semana quinzenais com a criança, desde as 10 horas de sábado até às 19 horas de domingo, cabendo à mãe ir buscar e entregar a criança a casa do pai.
b) À quarta-feira (ou noutro dia útil da semana acordado entre os pais), a mãe irá buscar o menor, após o final das actividades lectivas, à escola ou centro de explicações (ou noutro local acordado entre os pais), pernoitando consigo e entregando-o na escola no dia seguinte, no início das actividades lectivas.
c) A criança passa com a mãe metade do período das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão;
d) A criança passará o dia 24 de Dezembro com um dos pais e o dia 25 de Dezembro com o outro, alternadamente em cada ano; o mesmo sucedendo com o dia 31 de Dezembro e o dia 1 de Janeiro.
e) A criança passará com a mãe o dia do aniversário desta e dia da mãe e com o pai o dia de aniversário deste e o dia do pai;
f) No aniversário da criança, esta tomará uma refeição principal com cada um dos pais, alternadamente em cada ano;
g) A mãe poderá conviver com o menor noutras ocasiões conforme combinação com o progenitor, desde que respeitados os horários de descanso e escolares do filho.
*
3. Alimentos
a) A mãe contribuirá mensalmente com a prestação de €125 para alimentos devidos ao filho, quantia que deverá depositar na conta bancária do pai até ao dia 8 de cada mês (devendo o pai informar a mãe do seu NIBAN no prazo de cinco dias) e que será actualizada, anualmente a partir de Janeiro de 2020, de acordo com o índice de variação de preços ao consumidor relativo ao ano anterior, conforme publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
b) A mãe suportará o pagamento de metade das despesas de saúde e escolares (com livros e material didáctico) do menor na parte não comparticipada (por subsistema de saúde ou seguro), mediante a apresentação da factura/recibo de tais despesas, que o progenitor deverá enviar à mãe.”.

2. É desta sentença que desgostada recorre a mãe, culminando a sua apelação com as seguintes e extensíssimas conclusões[1]:
(…).
Nestes termos, por tudo o exposto, deve ao presente Recurso ser dado provimento por fundado e em consequência:
. ser revogada a decisão proferida pela Tribunal a quo;
. ser proferido douto Acórdão pelo qual se determine a nulidade da douta sentença proferida; ou ainda que assim não se entenda,
. ser proferido douto Acórdão pelo qual se determine a manutenção do regime do Exercício de Responsabilidades Parentais que acolhia a residência alternada do menor com ambos os progenitores.
Assim se fazendo a Costumada Justiça!


3. Contra-alegou o pai pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedente.

4. O Magistrado do Ministério Público contra-alegou igualmente pugnando pela revogação da sentença e pela, consequente, manutenção do regime de residência alternada até então em vigor.

5. Dispensaram-se os vistos.

6. No caso, como vimos, apela-se da sentença final da 1ª instância.

E apesar do inconformismo expresso nas alegações acerca do modo como foram valorados depoimentos testemunhais e da crítica que é feita à fundamentação de facto, o certo é que a apelante não extrai quaisquer consequências disso, ou seja, não coloca em crise a decisão da matéria de facto com observância das exigências impostas pelo art.º 640º do Código de Processo Civil, maxime através da concretização dos “ concretos pontos de facto que julga incorrectamente julgados” (nº1 a) ) e “ a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas “( nº1 c)).

Assim sendo, é evidente que o recurso não tem, nem pode ter, como objecto (também) a decisão da matéria de facto.

Pelo que o objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões da apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à questão de saber se a sentença recorrida é nula e se deveria ter sido alterado, nos moldes aí exarados, o acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do Menor, homologado por sentença proferida em 18 de Fevereiro de 2010.
II- FUNDAMENTAÇÃO

1. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida e que se mantém incólume:
“Com interesse para a decisão, provou-se que:
1. A criança CC nasceu no dia 14 de Março de 2009 e é filha do requerente e da requerida;
2. Por sentença homologatória de acordo entre os progenitores, proferida em 18 de Fevereiro de 2010 no âmbito do processo principal a que estes autos estão apensos, foi fixada a residência da criança junto dos pais, ficando a residir alternadamente com o pai e a mãe por períodos de 15 dias, competindo a decisão sobre os actos da vida corrente do menor àquele progenitor com quem estivesse a viver e sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor exercidas por ambos os progenitores (acta de fls. 294/295 do processo principal);
3. Desde então, a criança tem residido alternadamente com cada um dos pais em períodos de uma semana, conforme acordado entre ambos.
4. O CC iniciou a frequência da creche do Centro Paroquial de Paderne quando tinha um ano de idade.
5. A progenitora revelava, então, maior dificuldade em colaborar com a creche e assegurar as rotinas (como por exemplo, introdução de alimentos novos) e em separar-se da criança quando a entregava de manhã, prologando o sofrimento desta; a mãe mostrava insegurança, telefonando frequentemente para a creche para saber se estava tudo bem, em especial nas semanas do pai.
6. A criança registava maior evolução quando estava aos cuidados do pai, que não prolongava o momento da despedida quando a deixava de manhã na creche e conseguia assegurar o cumprimento das rotinas estabelecidas (v.g. alimentação).
7. O CC transitou posteriormente para o Clube do Bibe, em Vilamoura.
8. A criança foi acompanhada pela equipa de intervenção precoce de Loulé (Albufeira) desde Janeiro de 2012, devido a atraso de desenvolvimento, tendo beneficiado de apoio no âmbito educacional e terapêutico (doc de fls. 45/46).
9. O menor iniciou o ensino básico no ano lectivo 2015/2016, não tendo tido sucesso e sendo proposto que se mantivesse no 1º ano.
10. A criança apresenta distúrbio hiperactivo com défice de atenção (PHDA), revelando dificuldades de concentração e de aprendizagem na escola, impulsividade, baixa tolerância à frustração, dificuldades nas relações sociais e reagindo com ansiedade à alteração de rotinas.
11. Actualmente o CC frequenta o 3º ano na escola EB 1 de Vale Carro na Patã de Baixo - Boliqueime/Albufeira, sendo um aluno com necessidades educativas especiais, beneficiando de apoio específico na escola desde o 2º ano de escolaridade.
12. O CC continua a ter dificuldades de concentração e de aprendizagem, em especial na leitura e interpretação de textos e na matemática.
13. A criança revela dificuldades de relacionamento com os colegas da turma, não sendo bem aceite por muitos deles.
14. A criança toma medicação diária para a perturbação (PHDA) de que padece, conforme prescrição médica.
15. A criança tem um problema de má formação no maxilar (doc de fls. 44), que pode afectar a parte respiratória, a qualidade do sono e a aprendizagem.
16. A conselho do neuropediatra Dr. António T…, que, em determinado momento, considerou que a guarda partilhada não estava a funcionar, a criança ficou a residir apenas com o pai durante cerca de dois meses, após o que voltou a residir alternadamente com ambos os pais, em virtude de se ter sentido abandonado.
17. A criança beneficiou de acompanhamento psicológico durante um ano (de Novembro de 2017 até Novembro de 2018), o que foi motivado pelas dificuldades de aprendizagem e alterações de comportamento e emocionais, tendo-se registado evolução positiva nalgumas áreas cognitivas (raciocício, cálculo).
18. O menor beneficia de terapia da fala desde os finais de 2017, devido a perturbação da linguagem e da leitura e escrita, registando-se uma evolução positiva (o menor já não tem perturbação da linguagem oral, mantendo dificuldade na leitura e escrita), sendo aconselhado aos pais a criação de rotinas de leitura em casa.
19. A criança adopta comportamento diferente consoante está com o pai ou com a mãe, assumindo maior maturidade quando está com o pai.
20. Em contexto escolar, a criança revela, em regra, maior agitação/ansiedade quando se encontra na semana da mãe e mais tranquilidade quando está na semana do pai.
21. Ambos os progenitores são presentes e interessados na vida do filho, nomeadamente ao nível escolar.
22. A progenitora revelou maior dificuldade do que o progenitor em aceitar as limitações cognitivas do filho.
23. O progenitor revela maior assertividade do que a progenitora em lidar com o problema do filho e implementar as estratégias necessárias.
24. O progenitor revela maior capacidade para impor regras e definir limites ao menor.
25. Quando está na semana do pai, a criança faz sempre os trabalhos escolares que são enviados para executar em casa, beneficiando do apoio e supervisão do pai e da companheira deste.
26. Quando está na semana da mãe, a criança nem sempre faz os trabalhos escolares que são enviados para casa.
27. O menor tenta manipular a progenitora para, por exemplo evitar fazer os trabalhos de casa, apresentando desculpas à professora para justificar a não realização de tais tarefas (como por exemplo, que não teve tempo ou teve que cuidar do irmão mais novo).
28. No ano lectivo 2017/2018, a pedido da progenitora, o menor faltou vários dias às aulas para ir de férias com aquela, tendo-se a mãe comprometido a assegurar a realização dos trabalhos escolares do filho, o que não sucedeu, acabando por ser o pai, na semana seguinte, a zelar pela execução de tais tarefas.
29. Em casa do pai o menor procede à leitura e interpretação diária de textos, conforme recomendação da professora do menor, atentas as dificuldades da criança.
30. Em casa do pai, o menor tem o hábito de ler uma (ou parte) história todas as noites.
31. Na casa da mãe não existe essa rotina obrigatória.
32. O menor relata habitualmente à professora as actividades que faz em conjunto com o pai, nomeadamente em contacto com a natureza, o que não sucede relativamente à mãe.
33. O aproveitamento escolar do menor é suficiente à generalidade das disciplinas.
34. O menor frequenta um centro de apoio ao estudo/explicações, onde executa os trabalhos escolares, com apoio individual (tendo deixado de estar integrado em grupo), em face da necessidade de permanente supervisão, devido às dificuldades de concentração.
35. O progenitor comparece sempre no atendimento mensal na escola com a professora do menor, ao contrário da mãe, que não o faz.
36. O progenitor é o encarregado de educação do CC.
37. Segundo a professora do menor, a residência alternada prejudica a criança, causando-lhe instabilidade.
38. A criança já praticou Kitesurf e Taekwondo e frequentou o escutismo e a catequese, tendo deixado essas actividades.
39. O menor não gostava de frequentar os escuteiros.
40. O progenitor manifestou a sua oposição à saída dos escuteiros.
41. A progenitora concordou com a saída do menor dos escuteiros.
42. Quando o menor frequentava os escuteiros, numa das vezes em que a mãe o levou à missa, aquele começou aos pontapés à mãe.
43. Actualmente o menor frequenta natação e basquetebol.
44. O CC tem uma relação de forte vinculação afectiva com ambos os progenitores.
45. O agregado do progenitor é constituído por este e pela sua companheira, EE (educadora de infância, que vive com aquele há três anos) e pelo menor em semanas alternadas.
46. Existe uma boa relação entre o menor e a companheira do pai, prestando esta apoio ao CC na supervisão dos trabalhos escolares.
47. Em casa do pai o menor tem o seu próprio quarto.
48. A progenitora reside com o companheiro, FF (empregado de mesa, que vive com a progenitora há cerca de sete anos) e uma criança fruto dessa relação, GG (irmão mais novo do CC, de 4 anos de idade), integrando o menor CC em semanas alternadas.
49. A progenitora encontra-se a frequentar um curso (remunerado) de auxiliar de educação, que ocupa, além dos dias úteis da semana, o sábado até às 14 horas, tendo folgas ao domingo e à segunda-feira.
50. Em casa da mãe, o menor partilha o quarto com o irmão, tendo a mãe por hábito deitar-se na cama de um deles para os adormecer.
51. A criança mantem uma boa relação com o companheiro da mãe.
52. Aquando da sua audição em sede de julgamento, o CC verbalizou que «o pai o queria tirar da mãe» (o que lhe terá sido dito pela mãe), que não gosta da maioria dos colegas da sua turma e que muitos não gostam dele; referindo inicialmente que queria ficar a viver com a mãe (porque ela é divertida e o deixa brincar com o telemóvel), acabando por dizer que afinal queria continuar a residir com os dois progenitores, em semanas alternadas.
53. A criança revela ambivalência, estando muito envolvida no conflito de interesses dos pais.
54. Segundo a professora do menor e os terapeutas (v.g. terapeutas da intervenção precoce e da fala) e de acordo com o parecer da Técnica da Segurança Social, o progenitor revela maior capacidade para exercer as competências parentais e atender às necessidades especiais que o filho revela.
Não se provaram os demais factos alegados, nomeadamente que:
- A progenitora falha na administração da medicação ao menor;
- O CC foi aceite na creche do Centro Paroquial de Paderne com cerca de 6 meses;
- O menor foi retirado das actividades pela mãe;
- Com três meses de idade, o menor foi sonegado à mãe, que ficou privado do contacto com o filho durante meses;
- A mãe só podia ver o filho na residência da avó paterna;
- A mãe dorme com o menor;
- Na casa da mãe, é esta quem dá banho ao menor;
- A mãe providenciou pelo transporte do menor para a escola em carrinha camarária.


2. Do mérito do recurso
2.1. Da pretensa nulidade da decisão recorrida
A apelante aponta à sentença os vícios descriminados nas alíneas c) e d) do nº1 do artº 615º do NCPC, normativo que comina a sentença de nula quando: “ (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

No que concerne à nulidade a que alude a alínea c) do nº1 do artº 615º reporta-se aos casos em que os fundamentos invocados deveriam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença alcança.
No caso existiria contradição entre os factos 21 [Ambos os progenitores são presentes e interessados na vida do filho, nomeadamente ao nível escolar] e 44 [ O CC tem uma relação de forte vinculação afectiva com ambos os progenitores ] e a decisão de alteração da residência alternada até então vigente.
Ora, no caso em apreço, é evidente, perante a leitura da sentença recorrida, que não existe a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão já que a mesma se mostra expressa um determinado entendimento acerca desses factos como ulteriormente explanaremos quando a apreciarmos a sua justeza.
No que respeita o vício da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia, entende a apelante que ela radica na ausência de ponderação de determinados factos para a decisão.
Ora, o que se impunha resolver no presente processo é se havia fundamentos para alterar a regulação das responsabilidades parentais.
Essa questão foi resolvida.
Se outros factos deveriam ter sido considerados para esse desiderato é matéria que diz respeito à apreciação do mérito da sentença.

Em suma: Não ocorrem quaisquer vícios susceptíveis de conduzirem à sua nulidade.

2.2.Os pressupostos de alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais

Entende a recorrente que não se divisa na factualidade provada fundamento para alterar o acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do Menor, homologado por sentença proferida em 18.2.2010, não se tendo valorado sequer a vontade da criança que já conta com nove anos de idade e que nunca “concebeu ser afastado da mãe”.

Essa foi também a opinião manifestada pelo Magistrado do Ministério Público.

Vejamos então.

Dispõe o nº1 do art.º 42.º do RGPTC, sob a epígrafe “Alteração de regime” que: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”.

Sendo as responsabilidades parentais após o divórcio das questões que mais impacto têm no bem-estar das famílias e das crianças, compreende-se que a modificação do regime instituído só deva ter lugar em situações muito pontuais que são, como refere, a lei, o incumprimento do vigente e a alteração das circunstâncias.

Ainda assim não será todo e qualquer incumprimento que justificará a alteração, como não serão quaisquer circunstâncias supervenientes que a exigirão.

Quer uma, quer outra destas situações terão de ser suficientemente ponderosas para fundamentarem uma alteração, sobretudo no que concerne a matérias com grande reflexo na vida da criança, como é o caso da sua residência.

É que não nos podemos olvidar que a alteração do regime visa, em qualquer circunstância, proteger a criança e não penalizar um dos seus progenitores.

Face ao que dissemos e não estando evidenciado, da factualidade apurada, qualquer incumprimento por banda da requerida ao regime vigente, o que resulta da sentença recorrida é que a decisão de alteração da residência alternada tem como base o entendimento comungado por vários técnicos de que “o progenitor revela maior assertividade do que a progenitora em lidar com o problema do filho e implementar as estratégias necessárias e demonstra maior capacidade para impôr regras e definir limites ao menor (tendo o menor tendência para manipular a mãe, por exemplo para não fazer os trabalhos de casa e não cumprir as regras).”.

Por conseguinte, a questão que se coloca é se essas competências do pai justificam a alteração de um regime que vigora desde o ano de idade da criança que tem actualmente dez.

Cremos que não, e várias ordens de razão alicerçam este entendimento.

Ao longo dos tempos sempre houve progenitores mais disciplinadores e exigentes e outros mais complacentes e menos austeros, ambivalência que durante a vivência em comum acaba por ser vantajosa para as crianças que têm, assim, uma educação equiponderada.

Na ausência dessa comunhão de vida, não é - nem pode ser - essa característica dos progenitores que deve nortear a escolha daquele com quem a criança deve residir.

Por maioria de razão, também não são essas competências – que nem sequer são supervenientes – que podem justificar a alteração de um regime vigente há tantos anos.

Ademais, o que releva é que ambos os pais tenham uma relação afectiva de similar profundidade e relevância com a criança e idêntica aptidão moral e material para prover à sua educação e ao seu sustento.

E nada aqui neste conspecto vem evidenciado negativamente relativamente a cada um dos progenitores.

Não se patenteando quaisquer circunstâncias supervenientes, não havia qualquer motivo ponderoso que justificasse ter o Tribunal decidido alterar a residência do menor (e o regime dos alimentos, por inerência).

Bem pelo contrário; o que se apurou desaconselhava seriamente uma alteração nesse conspecto.

Sob pretexto de uma melhoria do seu desempenho escolar, vai-se privar o menor do convívio constante com o seu irmão, de 4 anos de idade, com quem inevitavelmente terá laços de grande afecto, e causar-lhe seguramente, por isso, sofrimento.

Por outro lado, nada permite afirmar que a progenitora não possa assumir, de igual sorte, as tarefas diárias aconselhadas para que o CC ultrapasse as suas dificuldades de aprendizagem e concentração.

Finalmente, não se pode deixar de ter presente a vontade manifestada pelo menor ( cfr. ponto 52).
Com efeito, o artigo 4° do RGPTC prevê como um dos critérios orientadores dos processos tutelares cíveis a audição da criança, dispondo a alínea c) do n° 1 que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse. ” Para além disso, dispõe o artigo 5°, no n° 1, que “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse” e, no n° 6, que “Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento. ”

Tais orientações, agora expressas na nossa legislação, constavam já de textos como a Convenção sobre os Direitos da Criança, acolhida na ordem jurídica portuguesa pela Resolução da Assembleia da República n° 20/90, de 8 de junho de 1990 e pelo Decreto do Presidente da República n° 49/90, de 12 de setembro, que, no seu artigo 12° prevê que “Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade. Para esse fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional. ”

No mesmo sentido, o artigo 3° da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança adoptada em Estrasburgo em 25 de Janeiro de 1996, acolhida na nossa ordem jurídica pela Resolução da Assembleia da República n° 7/2014, de 13 de Dezembro de 2013 e pelo Decreto do Presidente da República n° 3/2014, de 27 de Janeiro preveem que “À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: (...) b) ser consultada e exprimir a sua opinião ” e o artigo 6° que “Nos processos que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: (.) Permitir que a criança exprima a sua opinião e (...) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança. ”

A esse propósito escreveu ainda Rui Alves Pereira[2] “O princípio da audição da criança traduz-se: (i) na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade; (ii) no direito à participação activa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração; (iii) numa cultura da Criança enquanto sujeito de direitos. ”

Aquando da sua audição em sede de julgamento, o CC verbalizou que «o pai o queria tirar da mãe» (o que lhe terá sido dito pela mãe), que não gosta da maioria dos colegas da sua turma e que muitos não gostam dele; referindo inicialmente que queria ficar a viver com a mãe (porque ela é divertida e o deixa brincar com o telemóvel), acabando por dizer que afinal queria continuar a residir com os dois progenitores, em semanas alternadas.

Nada impede, antes tudo aconselha, que a sua vontade seja respeitada, continuando, pois, a viver, alternadamente com ambos os progenitores, como o fazia até então, sobretudo porque, desse modo, se mostra assegurado, como se explicou, o seu superior interesse.

III- DECISÃO

Por todo o exposto, acorda este Colectivo em revogar a decisão recorrida, mantendo-se, o acordo da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais homologado por sentença proferida em 18.2.2010.
Custas pelo apelado.

Évora, 7 de Novembro de 2019
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente (tem voto de conformidade da Exma. Desembargadora que não assina por não estar presente)

__________________________________________________
[1] Que só não mandámos aperfeiçoar para não atrasar um processo deste cariz.
[2] “POR UMA CULTURA DA CRIANÇA ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS “O PRINCÍPIO DA AUDIÇÃO DA CRIANÇA”- in julgar.pt › wp-content › uploads › 2015/09 › 20150924-ARTIGO-JULGA...