Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3020/18.5T8PTM.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: EXECUTORIEDADE DE DECISÕES DE ESTADO MEMBRO
MEDIDA TUTELAR
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I – Estando em causa pedido de declaração de executoriedade de decisão, proferida por autoridade alemã, de colocação de criança em família de acolhimento em Portugal, poderá a consulta prévia pelo tribunal do Estado-Membro requerente, prevista no artigo 56.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27-11-2003, ser efetuada à autoridade central do Estado-Membro requerido, no caso à DGRSP, designada para o efeito pelo Estado Português nos termos do artigo 53.º do regulamento, a qual tem competência para a aprovação da colocação da criança;
II - Ao impor a consulta prévia pelo tribunal do Estado-Membro requerente ao Estado-Membro requerido, o n.º 1 do artigo 56.º do regulamento dispõe que aquele consultará a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças estiver prevista nesse Estado-Membro, decorrendo da redação do preceito que as duas hipóteses são apresentadas em alternativa, assim não ocorrendo a exclusão da primeira no caso de se verificar o circunstancialismo integrador da segunda.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

O Ministério Público, invocando o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27-11-2003, requereu se declare a executoriedade da decisão de 11-07-2018, da autoridade local de Köln – Amt für Kinder, Jugend und Familie, Bezirksjugendamt Kalk –, na Alemanha, com competência na área de proteção das crianças, que aplicou a favor da menor BB a medida de colocação familiar, com integração na família CC, da qual faz parte a cidadã de nacionalidade alemã DD, residente em Aljezur, Portugal. O requerente peticionou, ainda, se defira ao Instituto de Segurança Social da área da residência da família de colocação o acompanhamento da execução da medida com envio de relatórios semestrais ao tribunal e à Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
Por decisão de 17-12-2018 foi rejeitada a peticionada declaração de executoriedade, nos termos seguintes:
Pelo exposto, não tendo sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56º do Regulamento (CE) 2201/2003, não confiro força executiva à decisão de colocação da menor BB em Portugal, proferida por Amt Für Kinder, Jungend und Familie, Serviço de Menores de Kalk, na Alemanha.
Sem custas – artigo 49º do Regulamento n.º 2201/2003 e artigo 4º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Judiciais.
Registe e notifique.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão, pedindo a respetiva revogação e a prolação de decisão que declare a executoriedade da decisão proferida pela autoridade alemã, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. Nos presentes autos, o Ministério Público apresentou, ao abrigo do disposto no art. 21º do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, pedido de executoriedade da decisão proferida a 11 de Julho de 2018, por autoridade administrativa alemã, com competência em matéria de promoção de crianças, que aplicou a favor da menor BB, a medida de colocação familiar, com integração em família residente em Portugal, no concelho de Aljezur.
2. A Mmª. Juiz, na decisão recorrida, indeferiu o pedido formulado.
3. Fê-lo, por entender que a autoridade central (DGRSP), cujas funções estão definidas nos artigos 53º a 55º, apenas tinha competência para ser consultada para os efeitos do artigo 56º se no direito interno do Estado-Membro requerido não estivesse prevista outra autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças.
4. E que, estando previstas na lei portuguesa, autoridades com competência para os casos internos de colocação de crianças, definidas na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, designadamente, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens e os Tribunais de Família e Menores, seriam estas as entidades competentes para dar a aprovação à colocação da referida menor em Portugal, procedimento que não foi observado, o que configura uma irregularidade.
5. De acordo com o disposto no art. 28º do Regulamento CE nº 2201/2003, as decisões proferidas num Estado-Membro para serem executadas noutro Estado-Membro têm que ser declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.
6. Por outro lado, o art. 56º do mesmo Regulamento dispõe que:
“1. Quando o tribunal competente por força dos artigos 8º a 15º previr a colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento e essa colocação ocorrer noutro Estado-Membro, consultará previamente a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação estiver prevista nesse Estado-Membro.
2. A decisão de colocação a que se refere o n.º1 só pode ser tomada no Estado Membro requerente se a autoridade competente do Estado-Membro requerido a tiver aprovado.
3. As normas relativas à consulta ou aprovação a que se referem os n.ºs 1 e 2 são reguladas pelo direito nacional do Estado-Membro requerido.
4. Quando o tribunal competente por força dos artigos 8º a 15º decidir da colocação da criança numa família de acolhimento essa colocação ocorrer noutro Estado-Membro, e a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças não estiver prevista nesse Estado-Membro, o tribunal prevenirá a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro”.
7. A questão que se pretende ver decidida é a de saber, se face ao disposto no art. 56º do Regulamento CE 2201/2003, a competência para a consulta e aprovação prévia do pedido formulado pelo Estado-Membro requerente ao Estado Membro requerido, cabe à Autoridade Central (DGRSP), como sucedeu no caso, ou se, estando prevista na lei interna desse Estado (Portugal), a competência de outras entidades para os casos internos de colocação de crianças (Comissões de Protecão de Crianças e Jovens e Tribunais de Família e Menores, conforme previsto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens – art- 7º da Lei 147/99 de 1 de Setembro), devem ser estas a ser consultadas na aprovação prévia do pedido formulado pelo Estado-Membro requerente.
8. Em nosso entender, do art. 56º nºs 1 a 4 do Regulamento CE 2201/2003, decorre a obrigatoriedade, por parte o tribunal ou entidade administrativa competente para a aplicação da medida do Estado-Membro requerente, de consulta prévia ao Estado-Membro requerido e aprovação por parte do mesmo da medida de colocação da criança neste Estado.
9. O pedido poderá ser formulado tanto à Autoridade Central Portuguesa (DGRSP), cujas atribuições estão previstas nos arts. 53º e 54º do Regulamento, tornando-a competente para dar o consentimento prévio à colocação da criança em Portugal, como a outra autoridade competente, segundo a lei interna desse Estado, para decidir sobre a colocação de crianças nesse Estado.
10. Assim, tendo a autoridade alemã formulado perante a sua congénere portuguesa (DGRSP), designada pelo Estado Português como Autoridade Central para efeitos do Regulamento (CE) 2201/2003), o pedido de colocação da criança em Portugal, e tendo a DGRSP dado aprovação prévia à colocação da menor em família de acolhimento no Estado-Membro requerido (Portugal), parece-nos ter sido cumprido o procedimento previsto no artigo 56º do Regulamento (CE) 2201/2003.
11. Pelo exposto, julgamos ter sido observado o procedimento previsto no art. 56º do Regulamento CE 2201/2003, sem que se vislumbre violação de qualquer preceito ou formalismo legal, susceptível de configurar a irregularidade invocada.
12. Deveria ter sido reconhecida e declarada a executoriedade da medida de colocação da criança em território nacional, aplicada por decisão da competente autoridade do Estado-Membro requerente, a Alemanha.
13. Ao não fazê-lo, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 21º nº 1, 28º nº 1 e 56º do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003.
14. Termos em que, deverá ser julgado procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que reconheça o exequatur à decisão proferida pela autoridade administrativa alemã.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se deve ser declarada a executoriedade da decisão proferida pela autoridade alemã.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
Em 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1. A 24 de Janeiro de 2018, a Autoridade Central Alemã, requereu à Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), a colocação da jovem BB, nos termos do artigo 56.º do Regulamentos 2201/2003 (fls. 18);
2. Através de ofício datado de 24 de Maio de 2018, a DGRSP respondeu à autoridade central Alemã, dando consentimento para a colocação da jovem BB em Portugal, ao abrigo do artigo 56.º do Regulamento 2201/2003 (fls. 17);
3. Por decisão de 11 de Julho de 2018, Amt Für Kinder, Jungend und Familie, Serviço de Menores de Kalk, decidiu aplicar à jovem BB a medida pedagógica intensiva com a entidade de apoio a jovens Pro Prognos em Portugal, na família de acolhimento CC, de 1 de Setembro de 2018 a 22 de Dezembro de 2019 (fls. 13 e 14).

2.2. Apreciação do objeto do recurso
O apelante põe em causa a decisão que rejeitou o pedido de declaração de executoriedade da decisão de 11-07-2018, da autoridade local de Köln – Amt für Kinder, Jugend und Familie, Bezirksjugendamt Kalk –, na Alemanha, com competência na área de proteção das crianças, que aplicou a favor da menor BB a medida de colocação familiar, com integração na família CC, da qual faz parte a cidadã de nacionalidade alemã DD, residente em Aljezur, Portugal.
A declaração de executoriedade foi rejeitada por se ter entendido que não foi respeitado o procedimento previsto no artigo 56.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27-11-2003, pelos motivos que se transcrevem:
No caso em apreço, a autoridade alemã solicitou autorização para a colocação da menor BB em Portugal, autorização que foi dada pela autoridade designada pelo Estado Português como autoridade central portuguesa para efeitos do Regulamento (CE) 2201/2003.
Acontece que, na lei portuguesa estão previstas autoridades com competência para os casos internos de colocação de crianças, que estão definidas na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, e são as Comissões de Proteção de Menores e os Tribunais de Família e Menores.
A DGRSP não figura na lei interna portuguesa como autoridade pública a intervir nos casos internos de colocação de crianças.
Resulta, pois, da conjugação das regras de direito interno para as quais o regulamento no seu artigo 56º, n.º1 e 3 remete, e do texto do próprio regulamento que a autoridade central portuguesa não era a competente para dar o consentimento à colocação da jovem.
Acresce que, a decisão que se pretende que o tribunal confira força executiva prevê a colocação da jovem BB em Portugal junto da família de acolhimento CC, tendo como entidade de apoio a jovens “Pro Prognos”, e como entidade de enquadramento a “Propedagogia – Atividade Social e Pedagógica Unipessoal, Lda.”
O regime de execução do acolhimento familiar em Portugal encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro.
Tal regime prevê como instituições de enquadramento para efeitos de execução da medida de acolhimento familiar os Serviços de Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no âmbito das respectivas competências. E prevê ainda que entidades privadas possam actuar como instituições de enquadramento mediante celebração de acordos de cooperação com serviços da segurança social – artigo 10º do citado diploma legal.
Por outro lado, no artigo 11º desse decreto-lei prevê que a competência para recrutar as famílias de acolhimento, dar formação as famílias, formalizar o contrato de acolhimento familiar e supervisionar as medidas de acolhimento familiar compete às instituições de enquadramento.
Da informação recolhida junto do Centro Distrital da Segurança Social de Faro resulta que não existe qualquer protocolo celebrado com a Propedagogia – Atividade Social e Pedagógica, Unipessoal Lda. nem com a Pro Prognos, indicadas pelas autoridades alemãs como entidades de enquadramento, nem a família CC ou DD estão seleccionadas como família de acolhimento, nem pelo CDSS de Faro nem entidade habilitada a fazê-lo.
É certo que não compete a este tribunal apreciar o mérito da decisão proferida pela autoridade alemã, mas tão só apreciar o cumprimento das formalidades exigidas pelo artigo 23º do Regulamento (CE) 2201/2003 e a conformidade com a ordem pública portuguesa.
Todavia, compete ao tribunal chamado a conferir executoriedade a uma decisão de uma autoridade de outro Estado-Membro pronunciar-se quanto ao respeito pelo procedimento previsto no artigo 56º do Regulamento (CE) 2201/2003 – artigo 23º, alínea g).
Nesta medida, conclui-se que embora a autoridade alemã tenha solicitado consentimento prévio à colocação do jovem em Portugal a entidade que deu acordo não é a autoridade que a nível interno tem competência para os casos de colocação de crianças.
(…) No caso em apreço, o consentimento foi dado por entidade que em Portugal não tem competência e em violação das regras internas relativas ao licenciamento das instituições de enquadramento e selecção das famílias de acolhimento, pelo que se verificou uma irregularidade que deverá ser previamente sanada, motivo pelo qual, e de harmonia com o previsto no artigo 23º, alínea g), do Regulamento 2201/2003, não se confere força executória à decisão proferida por Amt Für Kinder, Jungend und Familie, Serviço de Menores de Kalk, na Alemanha.
Discordando deste entendimento, sustenta o apelante que, face ao disposto no artigo 56.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, cabe à autoridade central do Estado-Membro requerido, no caso à DGRSP, competência para a consulta e a aprovação prévia do pedido formulado pelo Estado-Membro requerente, ainda que esteja prevista na lei interna do Estado-Membro requerido a competência de outras entidades para os casos internos de colocação de crianças.
Como tal, conforme exposto nas conclusões das alegações, a questão a decidir consiste em determinar se, face ao disposto no artigo 56.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, a competência para a consulta e a aprovação prévia do pedido formulado pelo Estado-Membro requerente ao Estado-Membro requerido cabe à autoridade central ou se, estando prevista na lei interna deste Estado a competência de outras entidades para os casos internos de colocação de crianças (no caso de Portugal, as comissões de proteção de crianças e jovens e os tribunais de família e menores, conforme previsto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens – artigo 7.º da Lei 147/99, de 01-09), devem estas ser consultadas na aprovação prévia do pedido formulado pelo Estado-Membro requerente.
Está em causa o pedido de declaração de executoriedade, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27-11-2003, de decisão proferida por autoridade alemã, a qual aplicou a favor da menor BB uma medida de colocação familiar, com integração em família de acolhimento residente em Portugal.
O aludido Regulamento (CE) n.º 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial, prevê e regula medidas de cooperação judiciária entre os Estados-Membros no âmbito das indicadas matérias, tendo em consideração o objetivo, fixado pela Comunidade Europeia, de criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que será garantida a livre circulação das pessoas, conforme decorre do respetivo preâmbulo.
No que respeita ao reconhecimento das decisões, prevê o artigo 21.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, no seu n.º 1, o princípio geral nos termos do qual as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades; o artigo 23.º, por seu turno, elenca os fundamentos de não reconhecimento de decisões em matéria de responsabilidade parental, prevendo a respetiva alínea g) o não reconhecimento de uma decisão se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.º.
O referido artigo 56.º, com a epígrafe Colocação da criança noutro Estado-Membro, dispõe o seguinte:
1. Quando o tribunal competente por força dos artigos 8.º a 15.º previr a colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento e essa colocação ocorrer noutro Estado-Membro, consultará previamente a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças estiver prevista nesse Estado-Membro.
2. A decisão de colocação a que se refere o n.º 1 só pode ser tomada no Estado-Membro requerente, se a autoridade competente do Estado-Membro requerido a tiver aprovado.
3. As normas relativas à consulta ou à aprovação a que se referem os n.ºs 1 e 2 são reguladas pelo direito nacional do Estado-Membro requerido.
4. Quando o tribunal competente por força dos artigos 8.º a 15.º decidir da colocação da criança numa família de acolhimento essa colocação ocorrer noutro Estado-Membro e a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças não estiver prevista nesse Estado-Membro, o tribunal prevenirá a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro.
No caso presente, em que está em causa uma decisão proferida por autoridade administrativa alemã com competência em matéria de proteção de crianças – equiparada a «Tribunal» para efeitos do aludido regulamento, conforme decorre do artigo 2.º, n.º 1 –, a qual determinou a colocação de uma criança numa família de acolhimento residente noutro Estado-Membro, cumpre averiguar se foi respeitado o procedimento previsto no citado artigo 56.º, dado que o respetivo desrespeito constitui fundamento de não reconhecimento da decisão.
Impõe o artigo 56.º que, previamente à decisão de colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento noutro Estado-Membro, deverá o tribunal consultar a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças estiver prevista nesse Estado-Membro, só podendo a decisão ser tomada no Estado-Membro requerente se a autoridade competente do Estado-Membro requerido a tiver aprovado, sendo certo que as normas relativas à consulta ou à aprovação referidas são reguladas pelo direito nacional do Estado-Membro requerido.
Considerou a decisão recorrida que, na lei portuguesa, as comissões de proteção de crianças e jovens e os tribunais de família e menores configuram as autoridades com competência em matéria de colocação de crianças, no âmbito da aplicação de medidas de promoção e proteção, conforme decorre da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01-01), o que não vem posto em causa na apelação.
Ora, no caso presente a autoridade alemã consultou a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), autoridade designada pelo Estado Português como autoridade central para efeitos do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, a qual aprovou a colocação da criança em Portugal, ao abrigo do artigo 56.º do aludido regulamento, sem que tenham sido consultadas as supra indicadas autoridades com competência em matéria de colocação de crianças, o que fundamentou o não reconhecimento da decisão pela 1.ª instância.
Porém, analisando o citado artigo 56.º, não se vislumbra que a aprovação tenha sido concedida por entidade sem competência para o efeito.
Efetivamente, ao impor a consulta prévia pelo tribunal do Estado-Membro requerente ao Estado-Membro requerido, o n.º 1 do artigo 56.º dispõe que aquele consultará a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças estiver prevista nesse Estado-Membro. Afigura-se-nos que a redação do preceito, ao ligar as duas orações com a conjunção “ou”, indica que as duas hipóteses são apresentadas em alternativa, daí não decorrendo a exclusão da primeira no caso de se verificar o circunstancialismo integrador da segunda.
Assim sendo, poderá a consulta prévia ser efetuada à autoridade central, no caso à DGRSP, designada para o efeito pelo Estado Português nos termos do artigo 53.º do regulamento, a qual tem competência para a aprovação da colocação da criança em família de acolhimento residente em Portugal.
No mesmo sentido se entendeu, em situação análoga, no acórdão desta Relação de 08-02-2018, proferido no processo n.º 2537/17.3T8PTM.E1 (relator: Rui Machado e Moura), no qual se considerou o seguinte:
«Em nosso entender, do disposto nos n.ºs 1 a 4 do art. 56º do Regulamento CE 2201/2003, decorre a obrigatoriedade, por parte do tribunal ou entidade administrativa competente para a aplicação da medida do Estado-Membro requerente, de consulta prévia ao Estado-Membro requerido e aprovação por parte do mesmo da medida de colocação da criança neste Estado.
Por outro lado, do referido preceito legal (art. 56º), resulta claro, quanto a nós, que o pedido em causa, tanto poderá ser formulado à Autoridade Central Portuguesa – a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) – cujas atribuições estão previstas nos arts. 53º e 54º do Regulamento CE 2201/2003, tornando-a competente para dar o consentimento prévio à colocação da criança em Portugal, como a qualquer outra autoridade competente, segundo a lei interna desse Estado, para decidir sobre a colocação de crianças nesse Estado.
Com efeito, o nº 1 do citado art. 56º do Regulamento em causa é bem explícito quando refere que se o tribunal competente previr a colocação da criança numa instituição ou numa família de acolhimento noutro Estado-Membro, consultará previamente a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro, sendo que o ditongo “ou” quer precisamente frisar que a consulta poderá ser feita a qualquer uma das autoridades aí referidas, sendo que, no caso em apreço, tal consulta foi feita à autoridade central competente que, em Portugal, é a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
Na verdade, aquilo que se pretendeu foi que, atento o princípio da confiança mútua do reconhecimento e execução das decisões dos Estados-Membros da Comunidade Europeia, enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça, garante da livre circulação de pessoas, com respeito pelos seus direitos fundamentais, por força da agilização dos procedimentos consagrada no Regulamento, os Estados-Membros se vissem confrontados com decisões que os afectam, a ser executadas no seu território, sem que para tanto tivessem dado a sua aprovação prévia, como sucede, no caso de colocação de crianças noutro Estado.»
Como tal, encontrando-se assente que o tribunal do Estado-Membro requerente, previamente à decisão de colocação da criança numa família de acolhimento residente em Portugal, consultou a DGRSP, autoridade central designada para o efeito pelo Estado Português, a qual aprovou a colocação da criança em Portugal, mostra-se respeitado o procedimento previsto no citado artigo 56.º, pelo que inexiste o invocado fundamento para o não reconhecimento da decisão.
No que respeita às questões, suscitadas pela 1.ª instância, relativas à inexistência de protocolos entre o Instituto de Segurança Social da área da residência da família de acolhimento e as entidades de enquadramento indicadas na decisão proferida pela autoridade alemã, bem como à circunstância de não se encontrar a família em causa ou a cidadã alemã DD selecionadas como família de acolhimento, face à proibição de revisão da decisão quanto ao mérito estatuída no artigo 26.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, não há que emitir pronúncia sobre tais matérias e respetivas consequências.
Em conclusão, na procedência da apelação, cumpre revogar a decisão recorrida e declarar a executoriedade da decisão de 11-07-2018, da autoridade local de Köln – Amt für Kinder, Jugend und Familie, Bezirksjugendamt Kalk –, na Alemanha, que aplicou a favor da menor BB a medida de colocação familiar, com integração na família CC, da qual faz parte a cidadã de nacionalidade alemã DD, residente em Aljezur, Portugal.

Em conclusão:
I – Estando em causa pedido de declaração de executoriedade de decisão, proferida por autoridade alemã, de colocação de criança em família de acolhimento em Portugal, poderá a consulta prévia pelo tribunal do Estado-Membro requerente, prevista no artigo 56.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27-11-2003, ser efetuada à autoridade central do Estado-Membro requerido, no caso à DGRSP, designada para o efeito pelo Estado Português nos termos do artigo 53.º do regulamento, a qual tem competência para a aprovação da colocação da criança;
II - Ao impor a consulta prévia pelo tribunal do Estado-Membro requerente ao Estado-Membro requerido, o n.º 1 do artigo 56.º do regulamento dispõe que aquele consultará a autoridade central ou outra autoridade competente deste último Estado-Membro se a intervenção de uma autoridade pública para os casos internos de colocação de crianças estiver prevista nesse Estado-Membro, decorrendo da redação do preceito que as duas hipóteses são apresentadas em alternativa, assim não ocorrendo a exclusão da primeira no caso de se verificar o circunstancialismo integrador da segunda.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide o seguinte:
a) revogar a decisão recorrida;
b) declarar a executoriedade da decisão de 11-07-2018, da autoridade local de Köln – Amt für Kinder, Jugend und Familie, Bezirksjugendamt Kalk –, na Alemanha, que aplicou a favor da menor BB a medida de colocação familiar, com integração na família CC, da qual faz parte a cidadã de nacionalidade alemã DD, residente em Aljezur.
Sem custas.
Notifique.
Após trânsito, deverá ser dado conhecimento à DGRSP, para transmissão à congénere alemã.

Évora, 14-02-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato)