Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
212/14.0T8EVR-C.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
ENTREGA DE MENOR A TERCEIRO
ADOPÇÃO
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A análise crítica da prova a que alude o artº 607º/4 (1º segmento) é meramente indicativa, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscível e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio.
II - É jurisprudência uniforme que a nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, a que alude o artº 615º/1, b), do CPC, só ocorre quando se verifique uma falta total de fundamentação de facto e de direito.
III - Demonstrando-se que os avós reúnem as condições objetivas e subjetivas para concretizar o superior interesse das crianças, a medida adequada à salvaguarda dos seus direitos é a de promoção e proteção junto de outro familiar, nos termos dos artºs 35º, nº 1, al. b), e 40º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) aprovada pela Lei nº 147/99, de 1/9, com as alterações da Lei nº 142/2015, de 8/9.
Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 212/14.0T8EVR-C.E1

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Ministério Público

Recorridos: (...) e (...)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Família e Menores de Évora, o Ministério Público, propôs o processo de promoção e proteção, relativamente aos menores (…) e (…), filhos de (…) e de (…), requerendo que lhes fosse aplicada, a título cautelar e imediato, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea f), 50º, 37º, 91º e 92º todos da Lei n.º 147/99, de 01-09 (LPCJP).
Entretanto, por decisão proferida a 06.04.2018 pelo Ministério Público foi aplicada à menor (…), em procedimento de urgência, a medida proposta, medida que acabou por ser judicialmente confirmada por decisão de 09.04.2018.
Posteriormente, por decisão proferida a 04.07.2018 foi igualmente aplicada a referida medida ao menor (…).
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Foi declarada aberta a instrução, no decurso da qual se realizaram as diligências reputadas por convenientes, tendo-se, designadamente, procedido à audição de diversas testemunhas, à recolha de informações sobre as condições socioeconómicas do agregado familiar das menores â realização de perícias psicológicas.
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Encerrada, a instrução e entendendo-se necessária a aplicação de uma medida de promoção e proteção aos dois menores sem que se vislumbrasse a possibilidade de obtenção de decisão consensual, determinou-se o prosseguimento dos autos para a realização de debate judicial.
Cumprido o preceituado no artigo 114° da LPCJP, quer o Ministério Público, quer progenitora (…) apresentaram alegações e indicaram prova.
O Ministério Público requereu que aos dois menores seja aplicada a medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista à adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.º-A e 62.º-A, todos da LPCJP e que seja designado curador provisório, nos termos do último dos citados preceitos.
Alega, em síntese, que os menores residiam com os seus progenitores, evidenciando sinais graves de negligência ao nível da alimentação, da higiene e dos cuidados adequados â sua faixa etária, apresentando, inclusivamente, o menor (…) um atraso no seu desenvolvimento. Mais refere que a 06.04.2018 a situação da menor (…) foi sinalizada pela sua educadora de infância junto do DIAP de Évora por suspeitas de abuso sexual, na medida em que a mesma apresentava uma fissura no ânus e recusava os cuidados de limpeza da região genital e anal fechando as pernas, lesão física que foi confirmada em contexto hospitalar e que determinou a aplicação, título cautelar e urgente, da medida de acolhimento residencial no Refúgio (…).
Tal medida foi igualmente aplicada, a 04.07.2018 ao menor (…), que foi acolhido na mesma instituição da irmã. Os dois menores permanecem à presente data no Refúgio (…) sem visitas de familiares, pois, por se entender que o contacto com a família poderia evocar o passado e o reviver da situação emocional traumática, foi determinada a suspensão de quaisquer contactos com familiares.
Os factos denunciados foram investigados no processo n.º 520/18.0T9LVR e conduziram à condenação de ambos os progenitores dos menores, por acórdão proferido a 29.05.2019 mas não transitado em julgado, a uma pena única de 13 anos de prisão, pela prática, em relação à menor (…), de (dois) crimes de abuso sexual de criança agravada, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.os 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Por fim, refere que não obstante os menores possuírem avós maternos e paternos, a sua entrega à guarda e cuidados destes familiares não se afigura conforme aos seus interesses, pois os menores não conhecem os avós paternos e os avós maternos apesar de terem conhecimento da negligência a que os netos se encontravam sujeitos nunca atuaram com vista à sua proteção e revelam incapacidade para aceitarem a condenação penal.
Termina, dizendo que à presente data ambos os menores já apresentam um grau de desenvolvimento adequado à sua idade e conseguem estabelecer relações afetivas e emocionais com os pares e com os adultos.
A progenitora (…) requereu que seja aplicada aos dois menores a medida de apoio junto dos avós matemos, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea b), da LPCJP.
Alega que os avós maternos para além de possuírem todas as condições para poderem acolher os seus netos, sempre se preocuparam e providenciaram pelas condições necessárias ao seu bem-estar físico, psicológico e emocional, mantendo com os mesmos uma relação de proximidade.
Mais refere que tais familiares nada têm a ver com os factos que motivaram a sua condenação, bem como a do progenitor, e que o facto de manterem contacto consigo, sua filha, não pode ser interpretado como equivalendo a uma falta de consciência ou juízo crítico em relação ao ilícito penal, mas tão só o resultado das relações familiares que os unem.
Tanto mais que os avós matemos se mostram disponíveis para recorrerem a todos os profissionais do foro para os apoiarem nos cuidados que os seus netos careçam quando regressem ao seio da família.
Termina alegando que a medida proposta pelo Ministério Público ao ignorar a possibilidade do acolhimento dos menores no seio da família alargada, viola o princípio constitucional da primazia da família biológica.
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Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, atendendo ao superior interesse dos menores e aos princípios orientadores da intervenção para a promoção e proteção da criança em perigo, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo misto:
A. Aplicar aos menores (…) e (…), pelo período de 1 (um) ano e com revisões trimestrais, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos avós maternos, (…) e (…), acompanhada por apoios de natureza psicopedagógica e social, nos termos dos artigos 35.º, nº 1, alínea b), e 40.º da LPCJP.
B. Determinar a proibição de contactos dos menores com os seus progenitores (…) e (…) até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 520/14.0T8HVR, altura em que a situação deverá ser reavaliada.
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Sem custas, considerando o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais.
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De conhecimento à Instituição que acolhe os dois menores.
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Solicite-se ao processo comum coletivo n.º 520/14.0T8EVR a oportuna remessa de certidão, com nota de trânsito em julgado, da decisão aí proferida.
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Após transito, notifique e comunique ao ISS.IP/CD Évora, solicitando o envio de plano de execução da medida, que contemple a prestação de apoios de natureza psicopedagógica e social, e o envio de relatórios com vista a proceder-se à sua revisão.
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Não se conformando com o decidido, o Ministério Público recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

1- O tribunal a quo fez uma interpretação da prova produzida em audiência de forma descontextualizada com as informações vertidas nos autos pelas entidades que vêm acompanhando e testemunhando a evolução das crianças (…) e (…), não se socorrendo, para tanto, das normas de experiência comum que quando confrontadas com os factos resultariam numa decisão diversa da proferida;

II- O douto acórdão recorrido violou o disposto no art.º 607º, 4, do Código de Processo Civil, ao não valorar todas as provas juntas aos autos e melhor elencadas no referido supra, que davam conta da situação de perigo em que as crianças (…) e (…) se encontravam no convívio e proximidade com os avós maternos (…) e (…);

III- O douto acórdão incorreu em erro na apreciação da prova, ao confundir a manifestação comportamental da avó materna, caracterizada pelo duplo padrão (double-bind), como uma real preocupação e competência para o exercício da parentalidade que não se reflete na existência de uma relação de referência afetiva, de cuidado e segurança efetiva para com as crianças, como da nulidade a que se refere o artigo 615º, nº l, alínea d), do Código de Processo Civil;

IV- O douto acórdão omitiu qualquer preocupação quanto às efetivas condições pessoais, afetivas e psicológicas dos avós maternos (…) e (…) para, no imediato e sem qualquer preparação pedagógica, psicológica prévia, para se constituírem como cuidadores das crianças (…) e (…), colocando-as numa situação de potencial revitimização face às vivências traumáticas anteriores e de incompreensão e inabilidade para evitar os efeitos negativos secundários associados;

V- A ausência de uma relação afetiva positiva de referência das crianças (…) e (…) com a avó materna (…), a situação de instabilidade emocional imanente ao estado depressivo desta e a vulnerabilidade emocional das crianças vítimas de experiências traumáticas, não oferece a necessária estabilidade ao são desenvolvimento das crianças, pelo que também não aconselhariam a colocação das crianças junto da avó materna;

VI- Os progenitores (atualmente reclusos) e os avós maternos e paternos não constituem alternativa para garantir um salutar e harmonioso crescimento das crianças (...) e (…), pelo que a medida adequada à salvaguarda dos direitos das crianças é a medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista à adoção, in casu, no Refúgio (…), nos termos dos artºs. 35º, nº 1, al. g), 389º-A e 629º, nº 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) aprovada pela Lei nº 147/99, de 1/9, com as alterações da Lei nº 142/2015, de 8/9.


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A Recorrida (…) contra-alegou, concluindo:

A. O tribunal “a quo” fez a melhor interpretação da prova produzida em audiência, contextualizando-a com toda a restante informação documental carreada para os autos, exprimindo um raciocínio assente em premissas logicas e coerentes, consonantes e isentas de qualquer reparo em termos das regras da experiência comum.

B. Para o efeito, o tribunal fez igualmente uso da livre convicção do julgador e fundamentou devidamente a sentença, tendo, aliás, nessa fundamentação, considerado, precisamente, os vários depoimentos, relatórios periciais e informações – invocados pelo recorrente – os quais, porem, apenas valorou de forma diferente, nada mais.

C. Essa diversa convicção do tribunal não resulta de qualquer vício, pois que, impõe-se ter presente que a regra primacial em sede de valoração da prova é a de que a prova é apreciada “segundoas regrasda experiênciae da livreconvicçãodo julgador,traduzindo-se, este principio, na ideia de que o tribunal baseia a sua convicção sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame critico e da ponderação das provas produzidas.

D. Isto significa que, a matéria probatória invocada pelo recorrente – quando confrontada com aquela dada por provada pelo tribunal – não impunha decisão diversa da recorrida, considerando as demais provas testemunhais e periciais.

E. Bastará ter presente a exposição clara e objetiva que consta da douta sentença, em sede de fundamentação da matéria de facto – provada e não provada – para se concluir que o tribunal “ad quem” não deverá substituir a convicção formada pelo tribunal “a quo” pela convicção do agora recorrente, pois é disso que se trata, na realidade, nas presentes alegações de recurso.

F. Inexiste qualquer violação do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, mormente nos termos alegados pelo recorrente.

G. Inexiste qualquer erro na apreciação da prova ou confusão na manifestação comportamental da avó materna, como alega o recorrente, designadamente para efeitos da invocada nulidade a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

H. Inexiste qualquer omissão da decisão recorrida quanto à preocupação relativa às condições pessoais, afetivas e psicológicas dos avós maternos.

I. Não corresponde à verdade a existência de qualquer ausência de relação afetiva positiva de referência das crianças para com a avó ou o avô materno.

J. Na verdade, os avós maternos e paternos constituem a mais elementar e imediata alternativa para garantir um salutar e harmonioso crescimento das crianças, solução, essa, que apenas peca por tardia.

K. A adoção é – no caso – uma medida absolutamente desproporcional, discriminatória e descontextualizada da realidade, apenas forçada pela formatação insensível e inusitada dos relatórios técnicos da instituição de acolhimento – (...) – os quais, em bom rigor e injustificadamente, nunca viabilizaram qualquer outra alternativa ou solução, num aberrante e censurável desapego pelo superior interesse dos menores.

L. Cumpre esclarecer que os relatórios da instituição (…), tidos pelo recorrente como prova pericial, não podem ser entendidos como tal, primeiro porque não são subscritos pelos técnicos que os elaboraram, depois porque essa equipa e os vários técnicos não se encontram ajuramentados ou acreditados perante o tribunal, pelo menos na qualidade de peritos, por último por carecerem do devido distanciamento e isenção relativamente a situação que, em concreto, está a ser apreciada.

M. Por outro lado, o recurso, ora apresentado, sustenta existir uma – virtual – falta ou errada valoração de prova e/ou a apreciação da prova, bem como uma omissão relativa a “qualquer preocupação quanto às efectivas condições pessoais, afetivas e psicológicas dos avós maternos (…) e (…) para, no imediato e sem qualquer preparação pedagógica, psicológica prévia, para se constituírem como cuidadores das crianças (…) e (…) …”.

N. Com tal argumentação, pretende o recorrente, pelo menos aparentemente, recorrer da prova gravada (cfr. artigo 638.º, n.º 7, do CPC). No entanto:

O. O recurso não faz a mínima alusão e muito menos identifica os excertos dos depoimentos que considera relevantes para impugnar a decisão recorrida, nem indica os excertos da prova documental que serviria essa mesma finalidade.

P. Pretendendo impugnar a matéria de facto provada, o recorrente, teria que ter cumprido, antes de mais, com o ónus inerente à alegação dos aludidos e alegados vícios, no que toca à prova testemunhal – e documental – indicando as passagens ou excertos por si consideradas relevantes para tal fim e, simplesmente, não o fez.

Q. Portanto, de acordo com o preceituado no art.º 640º do CPC, o recorrente está onerado – sob pena de rejeição – com a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com a especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, como sucede no caso dos presentes autos, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Ora:

R. Percorrendo o recurso e os seus fundamentos, conclui-se que se impunha ao aqui recorrente indicar de forma clara, concisa e inequívoca as passagens que considera relevantes para efeitos de contraditar a matéria de facto dada por provada, ao invés de omitir, como fez, na totalidade e em absoluto, essa invocação.

S. Assim sendo, não é possível retirar do requerimento de recurso apresentado, salvo o devido respeito, qual o sentido em que as declarações ou documentos deveriam ter sido interpretadas, nem porquê.

T. Consequentemente, não pode deixar de entender-se que as deficiências apontadas ao recurso apresentado apenas podem ser sancionadas comarejeiçãodesse mesmo recurso, isto porque a omissão em cumprir o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto é causa de recusa do recurso (Cfr. art.º 640º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC), o que deve suceder no caso em apreciação.

U. A aludida omissão, por parte do recorrente, impede, por sua vez, o recorrido de dar cumprimento ao disposto no art.º 640º, n.º 2, alínea b).

V. Pelo que, no caso dos autos, não é possível com rigor dar cumprimento ao principio do contraditório em virtude da omissão do recorrente em cumprir o ónus a cargo de quem impugne a decisão relativa à matéria de facto.

W. Ainda assim, reitera-se o entendimento em como as declarações e documentos “invocados” pelo recorrente não impunham decisão diversa da recorrida, considerando as demais provas testemunhais e periciais carreadas para os autos e vertidas na matéria factual dada por provada na decisão recorrida.

X. Em suma sufraga-se em toda a sua extensão a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, por configurar, de forma assertiva, o melhor e superior interesse dos menores.


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O requerido (…) também contra-alegou, concluindo:

1. O douto acórdão não violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, porquanto valorou todas as provas juntas aos autos, inclusive, a prova produzida em sede de debate judicial, contrariamente à pretensão do alegante;

2. O mesmo douto acórdão não incorreu em erro na apreciação da prova, porquanto não se equivocou no escrutínio do depoimento prestado pela mãe do contra alegante, inclusive, ao nível da sua personalidade e tal como decorreu do mencionado pelo psicólogo forense, cujo depoimento foi valorado com as inerências da prova pericial;

3. O douto acórdão em crise foi proferido por um Tribunal Coletivo Misto, porquanto o legislador pretendeu contaminar com as decisões proferidas em processos de proteção e promoção com o acervo gnoseológico aportado pelos Senhores Juízes Sociais para a elaboração e fundamentação de decisões proferidas no âmbito de matérias tão sensíveis como a sub judice. Por conseguinte, não podendo subsistir qualquer dúvida sobre a existência e a qualidade afetiva do contra alegante e de toda a família materna em relação às crianças;

4. O douto acórdão fez uma interpretação correta dos princípios orientadores consagrados nas alíneas a), d), e), g) e h) do artigo 4.º da LPCJP;

5. Pelo exposto, decidiu bem o tribunal a quo, dando como não provado o contrário do pretendido pelo alegante e, por outro lado, dando a oportunidade às crianças em restabelecerem as suas vinculações biológicas e afetivas de referência.


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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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As questões que importa decidir são saber se:

1.- O acórdão violou o disposto no artº 607º/4, do CPC, ao não valorar todas as provas.

2.- O acórdão incorreu em erro na apreciação da prova, incorrendo na nulidade a que se refere o artº 615º/l, d), do CPC.


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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
I.- Factos provados
1. A menor (…) nasceu a 07.07.2014 na freguesia do (…) e (…), em Évora, e é filha de (…) e de (…), sendo neta de (…) e de (…), na parte da avoenga paterna, e de (…) e de (…), na parte da avoenga materna.
2. O menor (…) nasceu a 18.05.2016 na freguesia do (…) e (…), em Évora, e é filho de (…) e de (…), sendo neto de (…) e de (…), na parte da avoenga paterna, e de (…) e de (…), na parte da avoenga materna.
3. Por sentença homologatória proferida a 02.12.2014, proferida no processo de regulação das responsabilidades parentais 212/14.0T8EVR do Juízo de Família e das responsabilidades parentais da (…), ficando a mesma a residir e aos cuidados da mãe, a quem caberia o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente.
4. Os presentes autos no que concerne à (…) tiveram origem, a 06.04.2018, na sequência da comunicação efetuada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Évora (CPCJ) que transmitiu a sinalização efetuada pela educadora de infância da Associação da Creche e Jardim de Infância de (…), dando conta que a criança evidenciava sinais graves de negligência ao nível do ânus.
5. Começou por fazer cocó e chichi nas cuecas ao mesmo tempo;
6. Apresentava assadura, fissura de 4 cm entre as nádegas acima do ânus, zona anal escura e reação de ansiedade intensa quando evacua: e
7. Quando limpa, fechava as pernas e recusa-se a abri-las.
8. A mesma sinalização foi transmitida ao DIAP - 1.ª Secção de Évora/Procuradoria da República da Comarca de Évora, dando origem ao Inquérito n.º 520/18.0T9EVR pelo crime de Abuso Sexual de Crianças;
9. No âmbito das diligências de instrução realizadas no referido inquérito foi a criança (…) sujeita a observação médica na Urgência Pediátrica do Hospital do Espirito Santo de Évora (HESE) no dia 06.04.2018, pelas 17H38, tendo o médico pediatra assinalado: "Examinada pouco colaborante. Região genital sem corrimentos ou alterações aparentes. Região anal com fissura às 12 H sem hemorragia ativa ou bordos infiltrados. Fiz colheitas de amostras. Não tem indicação para profilaxia, uma vez que já passaram mais de 72 H”.
10. Nessa sequência, por decisão judicial datada de 09.04.2018 foi decidido aplicar à menor (…), a título provisório/cautelar, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial no Refúgio (…), sito em (…), confirmando o acolhimento de emergência efetuado, pelas 03H28 do dia 07.04.2018, após decisão proferida no dia 06.04.2018 pelo Magistrado do Ministério Público titular do processo de inquérito acima identificado.
11. Por decisão proferida a 04.06.2018, na sequência de requerimento apresentado a 01.06.2018 pelos avós maternos, (…) e (…), solicitando autorização para visitarem os netos em contexto institucional, foi determinada a proibição de visitas à (…) por parte dos seus familiares (pais e avós), tendo em vista a necessidade de estabilizar e equilibrar a menor, "salvaguardando-a de situações que possam perturbar e prejudicar o trabalho que (em vindo a ser desenvolvido ao nível psicológico na instituição que a acolhe.”
12. Em 09.04.2018 a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Évora (CPCJ) instaurou o Processo n.º (…) a favor da criança (…) na sequência da sinalização efetuada pela Equipa Local de intervenção nº 1 de Évora/(…), dando conta que a criança vem sendo acompanhada desde 23.09.2018 (com 4 meses de idade) por ter sido referenciado pela pediatra do HESE (Drª …) por atraso de desenvolvimento motor, em concreto por uma má progressão ponderal e não ter o controlo cefálico estabelecido.
13. Em reunião realizada no dia 25.05.2018 entre os técnicos da ELI e os progenitores (…) e (…), com a finalidade de reavaliarem o desenvolvimento do (…), constatou-se que este apresentava um edema no lábio superior, com início de cicatrização, que os pais atribuíram a queda, reconhecendo não terem, no imediato, recorrido a tratamento médico.
14. Durante tal reunião a progenitora do menor apresentava-se apática perante as necessidades do (…) e pouco disponível nos cuidados ao mesmo, motivo pelo qual o progenitor (…) assumiu todas as solicitações em relação ao filho.
15. No dia 28.05.2018 os progenitores do (…) transferiram o menor para a Creche de Centro Infantil (…), sem qualquer informação prévia aos técnicos da ELI.
16. Em resultado de tais factos e por entender que o menor se encontrava sem os cuidados e atenções necessários ao seu desenvolvimento por parte dos progenitores, a CPCJ de Évora deliberou, a 01.07.2018, remeter o processo do (…) aos serviços do Ministério Público, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e i), da LPCJP.
17. Nessa sequência, por decisão judicial datada de 04.07.2018 foi decidido aplicar a favor do menor (…), a título provisório/cautelar, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial em instituição, vindo o mesmo a ser acolhido no dia 07.07.2018, também no Refúgio (…).
18. Por decisão proferida a 13.12.2018, na sequência de requerimento apresentado a 15.11.2018 pelos avós paternos, (…) e (…), e a 23.11.2018 pelos avós maternos, solicitando ambos autorização para visitarem os netos em contexto institucional, foi mantida a proibição de visitas à (…) e nesta fase também determinada tal proibição ao seu irmão (…) por parte dos seus familiares (pais e avós), tendo em consideração as fragilidades dos menores e o processo terapêutico a que se encontram sujeitos, por um lado, e, por outro, o facto de os avós paternos não possuírem com os menores qualquer vínculo e os avós maternos, apesar de manterem contactos e acompanhamento diário aos netos, nunca terem contribuído para a sua proteção.
19. No âmbito do inquérito n.º 520/18.0T9EVR (…) e (…) foram sujeitos, em 17.07.2018, a primeiro interrogatório judicial de arguido detido tendo-lhes sido aplicada – por existência de indícios da prática de dois crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2 e 17.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal – a medida de coação de prisão preventiva, bem como a suspensão do exercício das responsabilidades parentais (nos termos dos artigos 191.º a 196.°, 199.º, n.º 1, alínea b), 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal).
20. Por acórdão proferido a 29.05.2019 e ainda não transitado em julgado no Processo Comum Coletivo n.º 520/18.0T9EVR do Juízo Central Cível e Criminal de Évora – J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Évora – (…) e (…) foram condenados, pela prática em co-autoria, em concurso real e sob a forma consumada – de 2 (dois) crimes do abuso sexual de criança agravada, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.os 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 (treze) anos de prisão.
21. Entre os factos que resultaram provados no referido processo encontram-se os seguintes:
a) Em data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2014, (…) e (...) iniciaram uma relação amorosa, tendo (…) fixado residência na Rua (…), n.º 15, Bairro da (…), em Évora;
b) Na sequência de tal relação, no dia 7 de Junho de 2014 nasceu (…), sendo filha de (…) e de (…);
c) Em finais do ano de 2017, (…) passou a partilhar diariamente cama, mesa e habitação com (…) na Rua (…), 15, Bairro da (…), em Évora;
d) Em datas não concretamente apuradas, situadas entra finais de 2017 a o início do mês de Abril de 2018, no interior da residência onde habitavam, (…) e (…) começaram a procurar a menor (…) para satisfazer os seus desejos sexuais, não obstante saberem que a mesma é sua filha, que tinha três anos de idade e que se encontrava à sua guarda, cuidados e sob a sua assistência e proteção;
e) No quadro do descrito comportamento, por mais de uma vez, em dias e horas não concretamente apurados, no interior do quarto do casal, (…) e (…) deitaram a menor (…) com as costas sobre a cama:
f) De seguida, (…) sentou-se ao lado da menor (…) e (…) despiu-a até ficar nua;
g) Ato contínuo, (…) agarrou nas pernas de (…), abriu-as e levantou-as;
h) De seguida, (…), que se encontrava de pé, aproximou-se de (…) e, com as mãos, acariciou a vagina e ânus da mesma;
i) Após, enquanto (…) mantinha as pernas de sua filha (…) abertas e levantadas, (…) inseriu os dedos no ânus da mesma:
j) Em consequência direta e necessária da conduta de (…) e (…), a menor (…) sofreu de dores físicas no ânus e de mal-estar psicológico;
k) Efetuada zaragatou de exsudado perianal, deu positivo para "streptococus dysgalaciae ”;
l) Ao atuarem da forma descrita, em, pelo menos, duas ocasiões, com consciência de que a menor (…) é sua filha, que tinha apenas 3 anos de idade, e de que se encontrava às suas guarda e cuidados, (…) e (…) agiram com o propósito concretizado de obterem prazer sexual e de satisfazerem os seus instintos libidinosos, bem sabendo que as zonas do corpo em que foram tocadas e penetradas constituem património intimo e uma reserva pessoal da sexualidade da menor, de que punham em causa o são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendiam os respetivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, o que também pretenderam e fizeram, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual erotizando a menor antes de esta dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto;
m) (…) e (…) agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
22. À data da abertura do presente processo a crianças e os progenitores residiam na Rua (…), n.º 15, Bairro da (…), em Évora.
23. (…) conheceu (…) na adolescência, iniciando uma relação amorosa há cerca de 6 anos, numa altura em que (…) ainda tinha uma relação conjugal com (…), de quem tem um filho, (…), nascido em 13.11.2010, residente no Porto.
24. Após o nascimento da (…) os seus progenitores decidiram passar a residir em comum e, com o apoio dos avós maternos, (…) e (…), arrendaram uma habitação contígua à casa destes, sita na referida Rua (…).
25. A habitação é de piso térreo, composta por uma pequena sala à entrada com continuação para uma kitchenette, uma casa de banho e dois quartos (um para o casal, com um berço para o filho (…), e outro para a (…) e uma varanda com acesso exterior.
26. A habitação para além de limpa e organizada, dispunha de todo o equipamento e mobiliário adequado ao conforto os seus habitantes.
27. (…) trabalhava por conta d’outrem como técnico de manutenção e ganhava o equivalente ao ordenado mínimo e (…) trabalhava em casa como engomadeira, atividade que lhe rendia cerca de € 600,00 por mês.
28. Apesar do relacionamento em comum, só cerca de 6 meses antes da retirada da (…) é que (…) passou a pernoitar todas as noites na casa de habitação da progenitora (…).
29. Coincidentemente com a presença a tempo inteiro de (…) na casa de habitação da progenitora (…), a menor (…) começou a apresentar dificuldades para defecar e quando conseguia expelir, fazia “cocó” de grandes dimensões e muito duro, o que provocava dores na criança.
30. Quando defecava, a (…) gemia com dores, mas sem choro, e apresentava tremores físicos de grande ansiedade, recusava o toque para ser limpa e não queria companhia no espaço da casa de banho.
31. Estes comportamentos foram sempre relativizados pela progenitora (…), que os entendeu como se se tratasse de uma fase própria da idade, minimizando a dor e sofrimento manifesto pela criança.
32. Tanto que nas consultas com a médica de família, no Centro de Saúde de (…), apenas mencionava a existência de um problema de obstipação, sem mais, motivo pelo qual a referida médica apenas prescreveu a toma de um xarope de maçã reineta.
33. Não obstante se aperceber que a filha se encontrava a passar por grande sofrimento, a progenitora (…) atribuía tal situação a alguma coisa que ocorria em contexto educativo, verbalizando que a filha, nos últimos 2 meses, manifestava ansiedade quando ficava no Jardim de Infância.
34. À data da abertura deste processo e nos dois anos que o antecederam a (…) frequentava a Associação Creche e Jardim de Infância de (…), sedeado na Rua de (…), n.º 8, em (…), e tinha como educadora de infância (…).
35. Apesar de a menor comparecer com a roupa limpa, apresentava negligência ao nível da higiene corporal decorrente da ausência de banho diário da falta de mudança atempada da fralda, tendo apresentado, por diversas vexes, eritemas/assaduras na zona genital/anal, que motivavam, inclusivamente, mal-estar e queixas por parte da criança.
36. Por outro lado, aquando do seu ingresso no referido estabelecimento de ensino, a menor também chegou a manifestar, por diversas vezes, fome durante o período da manhã, o que levava a que chorasse até que lhe dessem de comer.
37. A progenitora, (…), foi chamada à atenção por parte da educadora da menor para as duas situações supram referidas.
38. Aquando da sua institucionalização a (…) apresentava um quadro de encoprese, com necessidade de fazer medicação adequada e apresentava resistência ao toque, nomeadamente aquando da prestação de cuidados de higiene.
39. Apresentava, igualmente, desorganização emocional com oscilações de humor, fraca capacidade de atenção e concentração e indisponibilidade para a interação com os pares e os adultos.
40. A 14.05.2018 a (…) já se apresentava como razoável bom desenvolvimento ao nível cognitivo/intelectual e de linguagem – tanto na componente de expressão como na de compreensão verbal reagindo aos estímulos e encontra-se bem-adaptada e integrada nas regras e normas de funcionamento e dinâmica do Refúgio (…).
41. Apresentava-se, igualmente, como uma criança bem-disposta e estabelecia uma boa relação com os pares e/ou adultos, não obstante manter um comportamento de hipervigilância e de desconfiança.
42. O (…) integrou a Associação da Creche e Jardim de Infância de (…) em Agosto de 2017.
43. Até à integração na creche o (…) sempre manifestou muitas dificuldades a nível motor, associado, entre o mais, à falta de estímulos prestados pelos cuidadores.
44. O que se continuou a verificar mesmo após as técnicas da Equipa Local de Intervenção Precoce (ELI), que o passaram a acompanhar, terem passado a transmitir à progenitora as orientações técnicas e as estratégias necessárias ao seu adequado desenvolvimento.
45. O (…) teve acompanhamento direto na sala com a técnica da ELI, (…), e com a terapeuta ocupacional, (…), até Janeiro de 2018, data em que iniciou a marcha.
46. Nos primeiros tempos de integração do (…) na creche o mesmo apresentou-se, em algumas ocasiões, pouco cuidado ao nível da higiene pessoal, caracterizado por intenso odor corporal, em concreto por cheiro a urina, e falta de higiene ao nível do couro cabeludo, o que motivou a que, por duas ocasiões, os técnicos da creche lhe tivessem dado banho.
47. Aquando da sua institucionalização o (…) apresentava um comportamento de grande apatia e de desligamento, não brincando, nem interagindo aos estímulos.
48. Apresentava, igualmente, desorganização emocional e um quadro de disfunção sensorial, bem como atraso ao nível da linguagem, quer na expressão oral, quer na consciência fonológica.
49. A 09.06.2019 o (…) já se apresentava como uma criança bem-disposta, não obstante tímida, e mantinha uma boa relação com os pares e/ou adultos.
50. (…) não mantinha qualquer relacionamento com os avós paternos dos menores, (…) e (…).
51. E estes nunca mantiveram qualquer contacto com os netos, sendo que a segunda nunca os viu e o primeiro apenas viu a neta em situações pontuais.
52. Após a institucionalização dos dois menores o primeiro contacto telefónico efetuado por parte da avó paterna data de 24.07.2018.
53. Tendo afirmado perante a Técnica do ISS.IP/CD Évora que "mantenho contactos com a (…) e com o (…) quase todos os dias" (...) "o (…) é o meu único neto" (...) "não conheço ninguém (leia-se os netos … e …) não sei se eles são meus netos nunca me foram apresentados" (...) "ela (leia-se …) estragou a minha vida, o meu filho estava muito hem com a (…) e o filho e ela veio estragar o casamento”.
54. Fruto de desentendimentos pessoais, (…) não apresentava um bom relacionamento com o progenitor (…), apenas entrando em casa da filha quando este não se encontrava.
55. Não obstante, a avó materna dos menores acompanhava-os diariamente, levando-os à escola pela manhã e indo-os buscar ao final do dia.
56. Providenciando para que eles tivessem alimentação adequada à sua idade, para o que comprava alimentos que entregava à filha.
57. Pagando metade da renda da habitação, bem como as mensalidades da creche da (…), o que fez desde Junho de 2015 e as mensalidades das aulas de natação da neta, estas desde Abril de 2017.
58. A avó materna também levava a neta (…) ao café antes da escola, reforçando o pequeno-almoço.
59. Assegurava que os netos quando estavam em casa tomassem as refeições principais, levando-os a eles e à filha a comer a casa da bisavó materna.
60. Passeava com os netos na rua e acompanhava-os nas aulas de natação na (…) Clube de Natação, em Évora.
61. E demonstrava orgulho e afeto pelos netos, cujo bem-estar se revelava uma das suas maiores preocupações.
62. A avó materna, por diversas vezes, quis levar os netos ao pediatra disponibilizando-se a pagar as consultas – nomeadamente quando a neta apresentou problemas de obstipação – o que lhe era negado por parte dos progenitores, nomeadamente pelo pai das crianças com o fundamento de que os mesmos tinham acompanhamento por parte da médica de família.
63. Foi, inclusivamente, a avó materna que, perante o atraso no desenvolvimento apresentado pelo menor (…), convenceu a filha a procurar a pediatra (…) e a inscrevê-lo na creche.
64. (…) trabalha na (…) – Clube de Natação, em Évora, exercendo funções de auxiliar de limpeza, auferindo o vencimento base de € 580,00.
65. E (…) trabalha, na área da restauração, por conta e ordem da empresa (…), Lda., auferindo um salário mensal de € 580,00.
66. O casal mora em casa própria, que dispõe de quarto equipado para receber e acomodar as crianças.
67. (…) não diligenciou previamente a 01.06.2018 pela autorização de realização de visitas à neta (…) por estar convencida de que na origem dos factos denunciados estaria um equívoco e que a mesma rapidamente regressaria ao seio da sua família.
68. Sendo que ainda hoje mantêm dúvidas sobre a veracidade dos factos imputados à filha e companheiro no processo 520/14.0T8EVR-C.
69. Não obstante, desde o dia 12.04.2018 contacta telefonicamente a instituição que acolhe os netos, o que fez com uma regularidade quase diária ate ao final do ano de 2018 e de forma mais esporádica daí em diante e até à presente data.
70. Perspetivando que os menores possam vir a ser entregues à sua guarda e cuidados, a avó materna, (…), providenciou pela obtenção de apoio psicológico para os mesmos junto de Técnicos especialistas.
71. E acertou com a sua entidade patronal a alteração do seu horário por forma a poder compatibilizá-lo com os horários escolares das crianças.
72. Encontrando-se o casal disposto a cumprir com as ordens do Tribunal no que se refere a contactos com os progenitores das crianças e, se necessário for, a alterar o local da sua residência.
73. O casal conta ainda com o apoio da bisavó materna, (…), com quem os menores conviviam diariamente.
74. A progenitora dos menores, (…), apresenta “défice na capacidade para estabelecer um cuidado responsável que satisfaça as necessidades físicas e psíquicas das crianças, com diminuição da assertividade, independência e autoestima, disciplina pessoal sociabilidade, capacidade para resolver problemas tomando decisões acertadas em função do planeamento, capacidade para estabelecer vínculos afetivos seguros”.
75. Apresenta, ainda, “uma atitude de submissão ou adaptação do comportamento aos interesses e desejos dos outros”, nomeadamente em relação ao seu companheiro e à sua própria mãe.
76. Já o progenitor dos menores, (…), para além de manifestar "um traço de domínio e ascendência sobre a progenitora", demonstra "irrealismo e incongruência, com baixa capacidade de juízo crítico na apreciação de possíveis soluções para a dinâmica familiar e conjugal disfuncional” e apresenta "um estilo parental negligente ou não-envolvido, com pouca preocupação nas rotinas das crianças, distanciamento emocional, baixa capacidade de iniciativa e colaboração para construir rotinas e regras estruturantes, com consequente diminuição da capacidade de construir uma vinculação segura e responsiva do ponto de vista tanto afetivo conto cognitivo" (...) "tem uma baixa capacidade para compreender e satisfazer as necessidades das crianças, dado o seu estilo negligente e não envolvido'' (...) "apresenta imaturidade funcional e baixo empenho na assunção dos cuidados parentais, com predomínio de egocentrismo e individualismo, poucas preocupações pelos menores e baixa conscienciosidade e participação efetiva enquanto cuidador.
77. A avó materna dos menores, (…) foi diagnosticada uma perturbação depressiva (…), que que se pauta por choro fácil, humor deprimido, insónia e refratária, para a qual se encontra medicada e que a mesma atribui aos factos que estiveram na origem destes autos.
78. Em consequência a mesma esteve de baixa médica, estando o seu regresso ao trabalho previsto para a segunda quinzena do presente mês de Outubro.
79. (…) apresenta “traços temperamentais de introspeção ruminativa, excitabilidade ansiosa e obstinação, que se associam às vicissitudes do presente processo e ao afastamento dos netos'’ (...), "valoriza estratégias de negociação e comunicação, a estimulação da criança, a exploração do meio, a autonomia, a interação familiar. Demonstra conhecer práticas adequadas, como dar conselhos, elogiar a criança quando se porta bem e explicar o que faz mal" (...) "Tende a alguma intrusividade, com monotorização negativa, sem dar espaço à intimidade da criança" (...) “Emprega, aparentemente, um padrão educativo autoritário; rígida, controladora (...) "Demonstra empenho para assumir os cuidados parentais".
80. Não obstante tais traços de personalidade, a avó materna apresenta capacidade para o exercício de uma parentalidade responsável.
81. O avo paterno, (…) apresenta “traços de conformismo, pensamento estereotipado, moderação, hesitação em impor opiniões e pontos de vista, falta de autoridade pessoal” (...) "apresenta submissão ou adaptação do comportamento aos interesses e desejos dos outros, nomeadamente à sua cônjuge" (...) "é calmo, confiável, simples convencional, organizado, adaptável" (...) "No que se refere às competências parentais, demonstra conhecer práticas adequadas" (...) "tem um estilo pessoal de não envolvimento e de distanciamento, sem prejuízo da capacidade de compreender as necessidades dos netos.”
82. O progenitor (…) não tem antecedentes criminais.
83. A progenitora, (…) já foi condenada por sentença proferida em 26.01.2018 e transitada em julgado a 26.01.2018, pela prática, em 15.02.2015, de um crime de burla simples, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 600,00.

II. 2. Factos não provados
A. Que as situações referidas nos pontos 33) e 34) se verificassem quando a menor (…) era levada à escola pela avó materna (…).
B. Os avós maternos (…) e (…) apesar de constatarem diretamente o choro e o comportamento de evitamento e sofrimento da neta (…) ao defecar, continuaram em negação, afirmando que não viram nenhuma ferida, relativizando o sofrimento da criança e revelando incapacidade para aceitarem a realidade e agirem em conformidade para a sua proteção.
***
Conhecendo.

1.- O acórdão violou o disposto no artº 607º/4, do CPC, ao não valorar todas as provas?

Este normativo obriga o juiz a fundamentar a sentença, distinguindo os factos que considera provados e não provados e por que motivo, descrevendo as ilações que retirou dos factos instrumentais e os demais fundamentos que serviram para formar a sua convicção, o que implica, quando não se cumpre o comando, estar a decisão ferida da nulidade a que alude o artº 615º/1, b), do CPC.

No entender do Ministério Público o tribunal a quo não se socorreu das normas de experiência comum (ilações que se retiram dos factos instrumentais) em conjugação com a prova produzida, para concluir, como devia, que os avós maternos nunca se aperceberam da situação de perigo em que as crianças se encontravam, não obstante a sua proximidade e convívio diário, o que revela um claro descuido e negligência destes e impossibilita dar como não provados os factos A. e B.

Ou seja, não analisou criticamente as provas que lhe foram apresentadas, não especificando os fundamentos de facto que justificam a decisão.

O Tribunal fundamentou assim a ausência de prova destes factos:

No que tange à matéria de facto dada como não provada a mesma resultou da ausência de suporte probatório que a sustentasse, quer pois se a realidade vertida no ponto A) não foi confirmada pela educadora de infância da menor (…), única com conhecimento de causa acerca de tal matéria, e a referida no ponto B) resultou contraditada pelo relato apresentado pela avó materna, que de forma sincera e espontânea não só admitiu ter conhecimento da existência de uma fissura, embora com dimensões muito distintas da que veio a ser detetada, referiu a sua preocupação perante o estado de saúde da neta, tanto que tentou, ainda que sem sucesso, convencer a filha a levá-la ao pediatra.

Contudo, esta fundamentação deve ser complementada com a que foi efetuada para dar como provados os factos 33 e 34 (referidos no ponto A. da matéria de facto não provada) e que alude à circunstância de a mãe da menor, não obstante se aperceber que a filha se encontrava a passar por grande sofrimento, atribuía tal situação a alguma coisa que ocorria em contexto educativo, verbalizando que a filha, nos últimos 2 meses, manifestava ansiedade quando ficava no Jardim de Infância.

Ora, não se provou que era também esta a posição da avó materna quanto à descrita situação – provou-se exatamente o contrário –, havendo nos autos elementos probatórios (declarações da avó que depôs com assertividade e isenção e da educadora de infância que não imputou tal conduta à avó) que permitem concluir com segurança que a avó pretendeu levar a criança a um médico pediatra (entidade adequada para o efeito), no que foi impedida pelo pai dizendo este que estava a ser consultada pelo médico de família.

A avó queixou-se, aliás, da sua impotência para interceder com maior intensidade no interesse da criança, porque era impedia pelos progenitores, principalmente o seu genro.

De onde só se poder concluir pelo ativo interesse que a avó materna evidenciou nos cuidados que pretendia prestar aos seus netos, com maior incidência na neta, porque era esta que manifestava necessitar de maiores cuidados.

Veja-se também a referência que foi feita pela educadora de infância ao referir que o menor chegava por vezes à escola com fome, chorando até que o alimentassem, mas acrescentando, ao mesmo tempo, que esta situação não acontecia quando era a avó materna a levar as crianças à creche.

Se analisarmos as declarações da avó materna, encontramos aqui uma circunstância que se adequa perfeitamente ao afirmado pela educadora de infância.

Consubstanciada no facto de a avó não ter possibilidade de levar os netos todos os dias à creche, por trabalhar por turnos, pelo que, quando tal não lhe era possível, ser o pai das crianças quem as levava.

Sobre estas questões, o tribunal a quo fundamentou assim a matéria de facto provada que, de forma direta ou indireta, se imbrica com a matéria de facto não provada em A):

Relativamente à factualidade constante dos pontos 54) a 73) o Tribunal formou a sua convicção tendo essencialmente em consideração as declarações prestadas pela avó materna dos menores, (…), que convenceram pela sua emotividade, espontaneidade e sinceridade.

Tais declarações foram, ademais, confirmadas pela progenitora dos menores, pelo avô materno, (…), pela bisavó materna, (…) e, na proporção dos respetivos conhecimentos, pelas testemunhas (…) e (…) – que como educadoras de infância confirmaram o acompanhamento prestado, a nível escolar, pela avó; por (…) – técnica do ISS,IP/CD Évora que confirmou o apoio familiar e financeiro prestado – por (…) – psicóloga que atestou do referido em 70) por (…) – que confirmou que a inscrição do menor na escola partiu da iniciativa da avó e por (…), (…), (…), (…) e (…) – que, para além de atestarem o apoio prestado por (…) ao agregado familiar dos menores, confirmaram o orgulho e o afeto demonstrado pela avó em relação aos netos, cujo bem-estar se havia tornado na sua maior preocupação.

O que equivale por dizer que o tribunal ponderou todos os depoimentos prestados pelas pessoas e entidades que acompanharam as crianças enquanto permaneceram com a família, contextualizado todas as declarações e informações vertidas nos autos pelas entidades que as acompanharam e testemunharam a evolução das crianças

Sobre a questão se debruçou o Ac. STJ de 14-02-2019, Teresa de Sousa, Proc.º 08/18.0BCLSB:

A nulidade de decisão (…), prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do CPC, verifica-se quando a mesma “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.

É jurisprudência uniforme que esta nulidade da decisão apenas ocorre quando existe uma falta total de fundamentação de facto e/ou de direito.

Explicitando o que deve entender-se por “análise crítica da prova”, Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, Vol. II, 2ª Ed., 2019, pág. 413 esclarece: “A estatuição do citado nº 4 do artº 607º (1º segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respetivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscível e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio.”

Como acima se deixou bem expresso, não se pode apontar à decisão em crise falta de fundamentação nos termos requeridos pela jurisprudência e a doutrina, mostrando-se ao invés a sentença bem estruturada e fundamentada quer em termos de facto quer de direito.
Questão diversa é a de saber se o recorrente concluiu de modo diverso ao do tribunal após a produção da prova, ou seja, se não concorda com a decisão – o que é comum nas partes vencidas –, mas esta questão não nos pode ocupar, uma vez que apenas está em causa a arguida nulidade da sentença.
O que implica improceder a nulidade da sentença a que aludem os artigos 607º/4 e 615º/1 b) do CPC), improcedendo as conclusões nesta parte.


*

2.- O acórdão incorreu em erro na apreciação da prova, que o recorrente classifica como omissão de pronúncia ao aludir à nulidade prevista no artº 615º/l, d), do CPC?

Alega o recorrente que o tribunal a quo confundiu a manifestação comportamental da avó materna, caracterizada pelo duplo padrão (double-bind), como uma real preocupação e competência para o exercício da parentalidade que não se reflete na existência de uma relação de referência afetiva, de cuidado e segurança efetiva para com as crianças.

Uma situação de duplo padrão verifica-se sempre que, perante a necessidade de tomar uma decisão, o resultado será sempre desfavorável, quer se decida num sentido quer no sentido oposto.

Entende o recorrente que os avós maternos, apesar de testemunharem e acompanharem o sofrimento e abandono das crianças pelos progenitores, a atitude aparentemente interventiva da avó foi ineficaz e ineficiente, quer no afastamento da situação de perigo quer no assegurar dos cuidados básicos de alimentação e higiene, saúde e desenvolvimento.

E que não ponderou o acórdão as efetivas condições pessoais, afetivas e psicológicas dos avós maternos, sem qualquer preparação pedagógica e psicológica para se constituírem como cuidadores das crianças, colocando-as numa situação de potencial revitimização e impedindo a continuidade de um processo, estável e definitivo de reorganização psíquica, emocional, comportamental, pessoal e social, à revelia de todas as orientações da equipa técnica do Refúgio (…).

Sobre as condições dos avós maternos, pessoais, afetivas, culturais, psicológicas e de relacionamento com os netos provou-se que:

- Os avós maternos procuraram que os netos residissem junto a sua casa;

- Pagavam metade da renda da casa onde os netos viviam;

- A avó levava e ia buscar as crianças à escola sempre que o seu horário o permitia;

- Sempre que levava as crianças à escola não havia notícia de ausência de tomada do pequeno-almoço;

- A falta de tomar o pequeno-almoço acontecia apenas quando o pai levava as crianças;

- A avó assegurava que os netos quando estavam em casa tomassem as refeições principais, levando-os a eles e à filha a comer a casa da bisavó materna;

- Passeava com os netos na rua e acompanhava-os nas aulas de natação;

- A avó demonstrava orgulho e afeto pelos netos, cujo bem-estar se revelava uma das suas maiores preocupações;

- A avó tinha dificuldade em frequentar a casa da filha sempre que o genro ali permanecia, o que lhe dificultava o acompanhamento dos netos;

- Providenciava para que os netos tivessem alimentação adequada à sua idade, para o que comprava alimentos que entregava à filha;

- Quando se apercebeu do sofrimento da sua neta procurou que fosse consultada por um pediatra, especialidade mais adequada do que o médico de família, no que foi impedida pelo genro;

- Matriculou os netos no local onde trabalha para que tivessem aulas de natação, que ela pagava;

- Apesar de sofrer de depressão (que atribui ao caso dos autos), a sua avaliação psicológica classificou-a como adequada a cuidar dos netos;

- Procurou mudar de horário de trabalho, o que conseguiu, por forma a poder levar as crianças à escola e melhor cuidar dos netos;

- Providenciou pela obtenção de apoio psicológico para os netos junto de técnicos especialistas;

- Comprometeu-se a respeitar todas as decisões que venham a ser tomadas pelo tribunal e que digam respeito à educação dos netos.

Esta factualidade, salvo melhor opinião, não permite concluir que os avós maternos tenham uma conduta, em face dos netos, de duplo padrão, ou que se verifique no caso erro de apreciação da prova ou omissão de pronúncia.

O que conclui é, isso sim, tal como afirmado no acórdão em crise, um muito assertivo e elevado interesse em cuidar dos netos, desde o seu nascimento e em todas as vertentes que rodeavam a sua vida.

Sobre a nulidade em causa, Ferreira de Almeida, ob. Cit., página 437, esclarece que: “Omissão de pronúncia (artº 615º/1, d), do CPC – 1º segmento: Em obediência ao comando do nº 2 do artº 608º, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe caiba conhecer. (…) Não confundir, porém, questões, com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes.”

No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência: Ac. STJ de 03-10-2017, Alexandre Reis, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 – 1.ª Secção:

I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável.

II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.

III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.

V - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante.

No mesmo sentido, Ac. STJ de 30-09-2010, Álvaro Rodrigues, Procº 341/08.9TCGMR.G1. S2:

I- Não há que confundir erro de julgamento na matéria de facto com o excesso de pronúncia a que se refere o artigo 668.º, n.º l, alínea d), do Código de Processo Civil.

II- O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

IV- Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador. (…).

Do excurso acima efetuado, deve concluir-se que o tribunal a quo apreciou todas as provas e questões temáticas centrais que lhe incumbia apreciar, correspondendo a decisão à realidade ontológica-factual que resultou da matéria de facto provada e da discussão da causa.

O que vale por dizer que inexiste erro de julgamento, bem como o alegado vício da sentença – omissão de pronúncia – a que alude o artº 615º/1, d) (1ª parte), do CPC, improcedendo também as conclusões atinentes.

A medida adequada à salvaguarda dos direitos das crianças é a medida aplicada pelo tribunal a quo, de promoção e proteção junto de outro familiar, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea b) e 40.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1/9, com as alterações da Lei nº 142/2015, de 8/9.

A apelação é, pois, improcedente in totum.


***

Sumário: (…)

***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e mantém a decisão recorrida.

Sem custas por delas estar isento o recorrente.

Notifique.

***
Évora, 27-02-2020

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa