Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1749/12.0TBSTR.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
CONCESSIONÁRIO
AUTO-ESTRADA
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
Cabe aos tribunais da jurisdição administrativa a competência para a apreciação de litígio no qual é peticionada a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, ao pagamento de determinada quantia, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido nessa via, sendo imputada a responsabilidade pelo acidente à falta de cumprimento pela concessionária de deveres decorrentes do contrato de concessão.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

BB intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra Brisa Concessão Rodoviária, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe as quantias seguintes: a) o montante de € 3750, a título de indemnização por danos emergentes; b) o montante de € 203 802, a título de indemnização por lucros cessantes; c) o montante de € 250 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) as quantias que vier a suportar a título de despesas de saúde relacionadas com as lesões sofridas e suas sequelas, a liquidar em execução de sentença; e) o montante de € 20 000, necessário à aquisição de um veículo automóvel adaptado; f) uma prestação mensal, enquanto o autor for vivo, de montante igual ao salário mínimo nacional, a atualizar em função das atualizações deste salário, para fazer face ao auxílio de uma terceira pessoa; g) juros de mora à taxa legal, calculados sobre os montantes reclamados, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
O autor peticiona as indicadas quantias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação que descreve, ocorrido a 31-07-2009, ao km 63 da Autoestrada n.º 1, concessionada pela ré Brisa, no qual o veículo pesado de mercadorias, classe 4, de matrícula …-…-GV, conduzido pelo autor, se despistou, em resultado do rebentamento de um pneu provocado pela deterioração e desnivelamento de uma junta de dilatação existente no início de um viaduto aí localizado, após o que caiu de tal viaduto, sustentando que os rails de proteção aí colocados não evitavam que um veículo pesado de mercadorias caísse do viaduto em caso de despiste, imputando a responsabilidade do acidente à falta de cumprimento pela concessionária de deveres decorrentes do contrato de concessão, como tudo melhor consta da petição inicial.
A ré Brisa Concessão Rodoviária, S.A. contestou, defendendo-se por impugnação e requerendo a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros CC, S.A..
Admitida a requerida intervenção acessória, a Companhia de Seguros CC, S.A. foi citada e contestou, declarando fazer seu o articulado apresentado pela ré e apresentando defesa por impugnação.
Dispensada a audiência preliminar, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se selecionou a matéria de facto assente e a base instrutória.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte:
Pelo exposto e nos termos das disposições legais referidas, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:
i. Condenar a ré Brisa - Concessão Rodoviária, S.A. a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais decorrentes de lucros cessantes, o montante de €205.593,36 (duzentos e cinco mil, quinhentos e noventa e três euros e trinta e seis cêntimos);
ii. Condenar a ré Brisa - Concessão Rodoviária, S.A. a pagar ao autor, o montante, a liquidar em execução de sentença, correspondente a 75% (setenta e cinco por cento) das quantias relacionadas com as lesões sofridas no acidente a que respeita o presente processo e respetivas sequelas necessárias à aquisição de medicamentos (analgésicos, AINEs e psicofármacos), ao pagamento de tratamentos médicos (vigilância em consultas de ortopedia, fisiatria, cirurgia vascular e psiquiatria/psicologia) e à aquisição de elementos técnicos (ortótese para pé pendente, canadiana ou bengala);
iii. Condenar a ré Brisa - Concessão Rodoviária, S.A. a pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, o montante global de €52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros);
iv. Condenar a ré Brisa - Concessão Rodoviária, S.A. a pagar ao autor juros de mora calculados sobre os montantes reclamados, à taxa legal, atualmente de 4% (artigo 806.º/2 do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril de 2003), vincendos desde a data da presente decisão e até integral pagamento;
v. Absolver a ré Brisa do demais peticionado.
**
Custas pelo autor e pela ré Brisa, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao primeiro (artigo 527.º/1/2 do Código de Processo Civil).
Inconformadas, a ré Brisa Concessão Rodoviária, S.A. e a interveniente Companhia de Seguros CC, S.A. interpuseram recurso desta decisão, após o que interpôs o autor recurso subordinado.
No recurso interposto, a ré Brisa Concessão Rodoviária, S.A. pugnou pela revogação da decisão recorrida e pela prolação de decisão que a absolva do pedido ou, caso assim se não entenda, fixe em montante não superior € 9709,82 a indemnização por danos patrimoniais e não superior a € 50 028 a compensação por danos não patrimoniais sofridos pelo autor, aplicando a tais montantes a percentagem da responsabilidade que se entenda ao autor e à ré, face à matéria apreciada, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
« 1ª (…).

98ª - A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e/ou aplicação, entre outras disposições legais citadas no corpo das presentes alegações, as regras constantes dos arts. 11º, nº 2, 13º, nº 1, 17º, nº 1, 146º f), 24º, nº 1, 25º, nº 1 i) e 27º, nº 1 do Código da Estrada, 354º, 483º/2; 487º; 494º; 496º e 562º e 566º nº 3, 503º nº 3, 473º do Código Civil; bem ainda, o disposto no art. 3º, nº 3, 4º e 5º nº 2, al. b), 607º, 411º, 7º, nº 1 do CPC, cometidas as nulidades do art. 615º, nº 1, als. b), d) e e), Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, Bases do contrato de concessão e da Norma de Traçado JAE 1994. Igualmente se mostram violados os princípios constitucionais do direito ao contraditório, de proibição de indefesa e o direito a um processo equitativo.»
No recurso interposto, a interveniente Companhia de Seguros CC, S.A. pugnou pela revogação da decisão recorrida e pela prolação de decisão que absolva a ré e a chamada do pedido, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«A- A infração das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar – cfr. artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 577.º, al. a), todos do CPC.
B – (…).

A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e/ou aplicação, entre outras disposições legais citadas no corpo das presentes alegações, as regras constantes dos artºs cfr. do artº 5º nº 2b) do CPC, artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 577.º, al. a), todos do Novo Código de Processo Civil, 483º/2; 487º; 494º; 496º e 562º e 566ºnº3, 503º nº3, 473º do Código Civil; bem ainda, o disposto no artº 3º nº3 e 5 do CPCe artº 5º do CPC, Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, Bases do contrato de concessão e do tratado JAE 1994 e art 24º e 25º do Código da Estrada.»
O autor apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência de ambas as apelações e pugnando, no recurso subordinado interposto, no sentido da prolação de decisão que condene a ré a pagar-lhe a quantia de € 250 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, juros de mora contabilizados à taxa legal desde a citação até integral pagamento e o montante que venha a despender na aquisição de um veículo com mudanças automáticas, até ao montante máximo de € 20 000, revogando-se em conformidade a indicada parte da decisão recorrida, terminando as alegações com a formulação de conclusões, das quais se transcrevem as respeitantes ao recurso subordinado:
«(…).
LXXIX
Pelo que, em face da matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo ter condenado a Ré BRISA a pagar ao A. o montante que se viesse a apurar que o mesmo tivesse que despender num veículo com mudanças automáticas até ao montante máximo de 20.000€ (Vinte Mil Euros).»

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da competência em razão da matéria;
- da nulidade da decisão recorrida;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da reapreciação do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1) O autor nasceu em 12/06/1977.
2) No dia 31 de Julho de 2009, o autor conduzia o veículo pesado de mercadorias, classe 4, de matrícula …-…-GV, pela autoestrada A1 no sentido Lisboa – Porto.
3) O autor conduzia o veículo por conta e sob as ordens da sua entidade patronal, DD, Lda..
4) Naquele referido sentido de trânsito, junto ao PK 63+350, existe uma ponte com cerca de 25 m de altura ladeada por raides de proteção com cerca de 60 cm de altura.
5) Aí a via é composta por dois sentidos de trânsito, com três faixas de rodagem em cada um dos sentidos.
6) Atento o sentido de trânsito do autor a ponte é em curva à esquerda.
7) Os raides colocados a ladear a ponte não retiveram o veículo conduzido pelo autor, vindo este a cair de uma altura de cerca de 25 m.
8) A fazer a ligação entre a zona da ponte e a restante estrada encontram-se colocadas juntas de dilatação.
9) A velocidade máxima permitida para o local para veículos pesados de mercadorias é de 90 Km/h.
10) No momento do acidente, o autor conduzia a uma velocidade compreendida num intervalo entre 80 a 100 km por hora.
11) Antes do local do acidente não existiam sinais indicativos de limitação de velocidade, nem sinais de existência de perigo ou de lombas na via.
12) Aquando do acidente estava bom tempo.
13) O local do acidente é uma reta.
14) O pavimento encontrava-se em estado regular.
15) Os rails de proteção colocados na ponte não são suficientes para evitar que um veículo pesado de mercadorias caia da ponte abaixo em caso de despiste.
16) O veículo conduzido pelo autor embateu na zona de confluência do terminal da barreira de segurança metálica em secção corrente existente na estrada e a barreira de segurança em secção de viaduto.
17) O facto de as duas barreiras não se encontrarem solidarizadas convenientemente determinou a ausência de enrijecimento progressivo do sistema de retenção e a falta de continuidade do mesmo na zona do embate.
18) O veículo do autor já estava em despiste antes de passar por cima da junta de dilatação.
19) A ré Brisa tomou conhecimento do acidente cerca das 16.07 horas através de comunicação via linha azul para o Centro de Coordenação de Operações, onde se encontrava a trabalhar o operador Lúcio R….
20) À data e hora do sinistro a ré Brisa, a GNR e a BCI, empresa que presta serviços para a primeira, não detetaram qualquer anomalia na junta de dilatação ou outra que pudesse pôr em causa a livre circulação de veículos automóveis.
21) As juntas de dilatação são vistoriadas e reparadas quando necessário, o que não foi o caso desta, pela empresa BCI de seis em seis meses.
22) A autoestrada é patrulhada pela ré Brisa e pela GNR-BT 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano.
23) A ré Brisa efetua através das suas patrulhas de oficiais mecânicos (Assistência Rodoviária-AR), que regularmente vigiam as infra-estruturas, detectando situações anómalas e pondo-lhes termo.
24) No dia do sinistro, os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados.
25) As guardas de segurança e os guarda-corpos existentes nos viadutos a nível nacional são aprovados por quem fiscaliza as concessionárias e as suas obras antes das autoestradas abrirem à circulação e obedecem ao modelo do projeto de execução.
26) O autor exercia a profissão de motorista de pesados, auferindo o valor mensal ilíquido de, pelo menos, €675,00.
27) O veículo do autor ficou completamente destruído.
28) O autor ficou encarcerado dentro da cabine do camião por tempo não concretamente determinado com dores horríveis.
29) No momento do despiste e nos instantes que o precederam, o autor assustou-se e teve consciência de que, em consequência dele, lhe poderiam advir lesões, dada a sua iminência e a incapacidade de lhe escapar e, pela altura da queda, receou pela própria vida e sentiu angústia.
30) O autor sofreu escoriações várias, hematomas e equimoses múltiplas.
31) O autor recebeu os primeiros cuidados médicos no local do acidente prestados pelos bombeiros de Santarém.
32) Tendo sido transportado para o Hospital de Santarém.
33) Atendendo à gravidade das lesões sofridas, o autor foi transferido para o Hospital de Santa Maria em Lisboa.
34) Onde deu entrada com as seguintes lesões:
• Traumatismo torácico (fratura dos dois últimos arcos costais à esquerda e contusão miocárdica);
• Traumatismo vertebral (fratura das apófises transversas esquerdas de L1 a L4 e lise ístmica direita de L5);
• Fratura da bacia (ramo – ísquio-pubicos bilateralmente com diástase da sínfise pública, fratura do acetábulo à esquerda);
• Fratura diafisária distal do úmero esquerdo;
• Fratura supra intercondiliana do úmero esquerdo, com esfacelo grave da mão esquerda e isquemia do 2.º dedo.
35) Foi operado em 31/08/2009 pela ortopedia e pela cirurgia plástica, tendo sido realizada osteossíntese com fixador externo, redução da luxação da anca e imobilização com bota anti – rotatória.
36) Foi efetuada amputação da interfalângica do 1º dedo e amputação metacárpica do 2º e 3º dedos da mão esquerda.
37) A 12/09/2009 o autor foi submetido a osteossíntese da sínfise púbica e sacro, osteossíntese da fratura do acetábulo esquerdo e osteossíntese com DHP da fratura do úmero esquerdo.
38) O autor esteve ventilado, tendo tido como complicações infeção respiratória polimicrobiana.
39) Dos traumatismos acima referidos resultaram lesão grave do plexo lombo-sagrado esquerdo e lesão do plexo braquial esquerdo.
40) Enquanto esteve internado no Hospital Santa Maria em Lisboa, o autor foi submetido a pelo menos três intervenções cirúrgicas.
41) Em 13/10/2009 o autor foi transferido para o Centro de Reabilitação do Alcoitão.
42) Onde permaneceu internado até 04/06/2010, data em que teve alta.
43) O autor desloca-se atualmente com o auxílio de uma bengala.
44) A bacia tem diverso material de osteossíntese.
45) Submetido a uma junta médica para “atestado médico de incapacidade multiuso”, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, foi-lhe atribuída uma incapacidade de 71%.
46) O autor não mais poderá exercer a sua atividade profissional.
47) O autor tem noção de que as sequelas das lesões sofridas o irão acompanhar para o resto da sua vida.
48) Nunca mais poderá conduzir um veículo automóvel normal como tanto adorava.
49) Conforme foi atestado por relatório médico do centro de mobilidade,“O MID, embora com algum défice na dorsiflexão activa da tíbio társcia conseguiu um controlo eficaz do acelerador/ travão inclusive nas alternâncias repetidas ao longo do tempo. Estas alterências são efectuadas com recurso também a uma flexão activa da anca com o calcanhar apoiado ou então uma tripla flexão anca e joelho que compensa o referido défice da tíbio társica. O MIE, por apresentar um défice maior da dorsiflexão não se mostrou eficaz no controlo da embraiagem. A mão esquerda que apresenta amputação dos três primeiros dedos, não é bastante para assumir o controlo unilateral do volante”.
50) Motivo pelo qual o autor apenas ficou habilitado a conduzir veículos ligeiros de passageiros da categoria B, desde que possuidores de caixa automática.
51) O autor nunca mais vai poder conduzir camiões como tanto gostava.
52) Devido às lesões de que ficou a padecer o autor, quando anda na rua, é olhado pelos transeuntes com um ar de admiração e compaixão, situação que muito o constrange e inibe.
53) Nos dias seguintes às operações sofreu dores horríveis.
54) Durante o tempo que esteve em tratamento em Alcoitão e nas sessões de fisioterapia o autor sentia muitas dores.
55) Os defeitos físicos e a incapacidade de que está afetado causam-lhe tristeza e angústia.
56) O autor chegou várias vezes a desejar ter morrido, em vez de ficar como ficou.
57) Em consequência das lesões sofridas, o autor não pode lavar a sua roupa, não pode passá-la ferro, não pode cozinhar, nem limpar a casa ou carregar compras.
58) Quando se desloca necessita sempre que alguém o ajude a entrar ou sair do automóvel.
59) Necessita que alguém lhe leve uma mala ou um saco, pois não pode carregar tais objetos.
60) O autor, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, tendo tido um período de internamento e/ou repouso absoluto de 309 dias, situado entre 31.07.2009 e 04.06.2010.
61) O autor teve um período durante o qual, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia da realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual de 921 dias, situada entre 31.07.2009 e 06.02.2012.
62) Ao autor foi atribuído um “quantum doloris” (que corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões) fixável no grau 6 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
63) Foi atribuído ao autor um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (que se refere à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, sendo independente das atividades profissionais) de 62 pontos, numa escala de 100 pontos.
64) Foi atribuído ao autor um défice permanente na atividade profissional, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
65) Foi fixado ao autor um dano estético permanente (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem da vítima, quer em relação a si próprio, quer perante os outros) no grau de 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas, as cicatrizes e as deformidades detetadas.
66) Tendo em conta a incapacidade para realizar as atividades que realizava previamente ao acidente, foi fixado em 4 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente) a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer em relação ao autor.
67) Tendo em conta a idade, limitação na mobilização e posicionamentos, foi fixado em 3 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente) o grau de repercussão permanente na atividade sexual (correspondendo à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas).
68) Em decorrência do acidente, o autor dependerá permanentemente de ajudas medicamentosas (analgésicos, AINEs e psicofármacos), de tratamentos médicos regulares (vigilância em consultas de ortopedia, fisiatria, cirurgia vascular e psiquiatria/psicologia) e de ajudas técnicas (ortótese para pé pendente, canadiana ou bengala).
69) As sequelas sofridas pelo autor são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual e de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico profissional.
70) Por sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Almada, no âmbito do processo número 351/10.6TTSTR, 1.º Juízo, foi reconhecida ao autor uma incapacidade permanente parcial de 79,364%, tendo a seguradora EE, S.A. sido condenada a pagar ao demandante uma pensão anual vitalícia de €6.916,46, com efeitos a partir de 07.02.2012, e subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, fixado em €5.400,00.

Consta da decisão recorrida, em notas de rodapé inseridas no final de cada um dos pontos 10, 16, 17, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69 e 70, o seguinte:
Facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 5.º/2/b) do Código de Processo Civil, enquanto facto essencial complementar ao alegado pelas partes, que tiveram oportunidade de sobre o mesmo se pronunciar no âmbito de uma audiência final contraditória.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A. O acidente ocorreu pelas 17 horas.
B. O autor circulava a uma velocidade não superior a 70 Km/h.
C. Ao passar pela junta de dilatação colocada no início da ponte, atento o seu sentido de trânsito, o veículo deu um solavanco.
D. De seguida o pneu da frente do lado direito rebentou.
E. O que levou o veículo a entrar em despiste.
F. E o autor a perder o seu controle.
G. A primeira junta de dilatação da ponte apresentava-se bastante deteriorada e desnivelada face ao restante pavimento.
H. A junta de dilatação de entrada na ponte, atento o sentido de trânsito do autor, apresentava um desnível face à faixa de rodagem superior a 3 cm.
I. O que levava a que cada vez que um veículo passasse sobre a junta desse um enorme solavanco.
13 Facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 5.º/2/b) do Código de Processo Civil, enquanto facto essencial complementar ao alegado pelas partes, que tiveram oportunidade de sobre o mesmo se pronunciar no âmbito de uma audiência final contraditória.
14 Facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 5.º/2/b) do Código de Processo Civil, enquanto facto essencial complementar ao alegado pelas partes, que tiveram oportunidade de sobre o mesmo se pronunciar no âmbito de uma audiência final contraditória.
J. As referidas juntas de dilatação não eram alvo de fiscalização há mais de dois anos.
K. À data do acidente, era frequente ocorrerem rebentamentos e furos de pneus no local onde rebentou o pneu do veículo conduzido pelo autor.
L. Uma das intervenções a que se refere o ponto 37) demorou cerca de 12 horas.
M. Desde então passou a fazer fisioterapia diariamente.
N. Como consequência do acidente desapareceram ao autor dois telemóveis, de marca Nokia, no valor de 500 €, e um relógio, de marca Camel, no valor de 250 €.
O. A companheira do autor gastou, em táxis e transportes públicos para o ir visitar aos hospitais onde esteve internado, o montante aproximado de 1.500 €.
P. Em deslocações a hospitais, consultórios médicos e centros de tratamento o autor despendeu a quantia de 2.000 €.
Q. O autor apenas se pode deslocar com o apoio de terceiros.
R. Os ossos da sua bacia encontram-se seguros unicamente por material de osteossíntese.
S. Desde o acidente que o autor nunca mais conseguiu ter relações sexuais.
T. O autor viveu em clausura hospitalar durante mais de um ano.
U. Esteve entre a vida e a morte durante vários meses.
V. Não podia falar com amigos e familiares, nomeadamente com a sua filha.
W. O autor vê-se a ter que depender de terceiros para tudo.
X. Devido ao grave estado de saúde do autor e às limitações provocadas pelo acidente, nunca mais conseguiu sair com os amigos.
Y. O autor era um jovem feliz, dinâmico e com projetos de vida.
Z. Após o acidente ficou triste, fecha-se em casa e sente-se um inválido.
AA. Ficou com cicatrizes por todo o corpo, desde a face até às pernas.
BB. As operações tiveram que ser efetuadas com anestesia geral.
CC. Após o acidente o autor entrou em depressão, começando a chorar compulsivamente.
DD. Desde o acidente que o autor tem sofrido ansiedade e stress, decorrentes da ausência de culpa na produção do mesmo.
EE. Era um jovem cheio de vida, ambicioso e dinâmico, que gostava de brincar, praticar desporto e sair com os amigos.
FF. Após o acidente tornou-se um rapaz triste, deprimido e inseguro.
GG. A vida deixou de fazer qualquer sentido para o autor.
HH. Pelo que necessitará sempre dos cuidados de uma terceira pessoa.
II. Atualmente, sempre que existe mudança das condições atmosféricas, o seu braço, perna e costas ficam muito doridos, o que lhe causa bastante incómodo e apreensão.
JJ. Em virtude das lesões sofridas, ficou a sofrer de dores e incómodos na zona cervical, no membro superior direito, com perda de força ao nível da mão, no membro inferior esquerdo e na cabeça.
KK. Para ter alguma autonomia nas suas deslocações, o autor terá que adquirir um veículo especial com mudanças automáticas.
LL. O que importará um custo de, pelo menos 20.000 €.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Competência em razão da matéria
A interveniente Companhia de Seguros CC, S.A. arguiu, nas alegações da apelação que interpôs, a incompetência material do Juízo Central Cível de Santarém, sustentando que a competência para a apreciação do presente litígio pertence aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. i), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, conjugado com o artigo 5.º, n.º 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31-12; acrescenta que a infração das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar.
A justificar tal arguição, a interveniente alega o seguinte:
No caso em apreço, não existem quaisquer dúvidas que estamos perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual.
Por sua vez, as relações jurídicas entre concedente/Estado e a concessionária/Brisa estão reguladas pelas bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro.
Daqui resulta manifesto que a Ré desempenha uma atividade administrativa.
Trata-se de uma entidade privada chamada a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo, no caso, de concessão, pelo que as ações e omissões da ré concessionária devem se integrar e ser reguladas por disposições e princípios de direito administrativo.
Assim, uma vez que o pedido formulado pelo autor se funda na responsabilidade extracontratual da Ré, emergente duma omissão imputada a esta, respeitante à conservação e manutenção em condições de segurança da A1, na qualidade de concessionária do Estado, conclui-se que a sua responsabilização por tais atos ou omissões se insere no âmbito da aplicação do artigo 1.º, n.º 5 do anexo à citada Lei n.º 67/07.
Nesta conformidade, caberá aos Tribunais Administrativos a competência para conhecer do litígio em causa nos autos.
O autor recorrido, nas contra-alegações que apresentou, defende que existe caso julgado formal sobre a questão da competência material do tribunal, atento o trânsito em julgado do despacho saneador, no qual se afirmou que “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia”, o que impede a apreciação da questão ora suscitada; acrescenta que as partes aceitaram a competência do tribunal para apreciar o litígio, nenhuma delas tendo invocado a incompetência material ao longo dos seis anos que decorreram desde a propositura da ação, configurando abuso do direito a invocação da exceção em causa em sede de recurso.
Cumpre analisar, antes de mais, a oportunidade da arguição do vício invocado pela recorrente, considerando que a questão não foi colocada perante a 1.ª instância, que sobre a mesma se não pronunciou, sendo suscitada unicamente nas alegações do recurso de apelação.
A infração das regras de competência em razão da matéria constitui uma causa de incompetência absoluta do tribunal, prevista no artigo 96.º, al. b), do Código de Processo Civil. Regulando o regime de arguição da incompetência absoluta, no que respeita a legitimidade e oportunidade para o efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 97.º do CPC que pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
Não estando em causa, no caso presente, a violação de pacto privativo de jurisdição ou a preterição de tribunal arbitral voluntário, a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes, e deve ser suscitada oficiosamente, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, o que impõe se considere oportuna a arguição da aludida exceção nas alegações da apelação, após a realização da audiência final e a prolação da sentença pela 1.ª instância, mas antes do respetivo trânsito em julgado.
Sustenta o autor que as partes aceitaram a competência do tribunal para apreciar o presente litígio, nenhuma delas tendo invocado a incompetência material ao longo dos seis anos que decorreram desde a propositura da ação, pelo que defende mostrar-se abusiva a invocação da exceção em sede de recurso.
É certo que a possibilidade de ser a incompetência absoluta arguida pelas partes após a audiência final e a prolação da sentença em 1.ª instância, colocando-se a questão pela primeira vez nas alegações do recurso de apelação, se mostra gravemente violadora do princípio da economia processual, mormente num caso como o presente, em que a ação foi intentada mais de seis anos antes e a respetiva tramitação incluiu complexa e demorada prova pericial, estando em causa um pedido de indemnização por danos decorrentes de lesões corporais emergentes de acidente de viação. Porém, a arguição nesta fase processual respeita a regra sobre a respetiva oportunidade prevista no citado artigo 97.º, n.º 1, o que impõe se considere tempestiva e afasta o caráter abusivo imputado pelo autor a tal invocação. Acresce que, não se tratando da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário, não há disponibilidade das partes quanto à competência em razão da matéria, não vinculando o tribunal um eventual acordo quanto à ordem jurisdicional competente para conhecer do pleito, pelo que não assume relevo jurídico a eventual anterior aceitação tácita pelas partes da competência material do tribunal.
No que respeita à invocada existência de caso julgado formal decorrente do despacho saneador, há que ter em conta que o despacho proferido nos presentes autos configura um saneador genérico ou tabelar, no qual não foi apreciada qualquer questão concreta, tendo-se afirmado, no que agora releva, que o tribunal é competente em razão da matéria.
Quanto ao conhecimento de exceções dilatórias e de nulidades processuais no despacho saneador, o artigo 595.º, n.º 1, al. a), do CPC, determina sejam conhecidas as que hajam sido suscitadas pelas partes e as que, face aos elementos constantes dos autos, o juiz entenda dever apreciar oficiosamente.
Esclarece José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2013, p. 180) que “se o juiz referir genericamente que se verificam determinados pressupostos (…), o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade (art. 595-3)”.
A jurisprudência tem unanimemente considerado que o despacho saneador genérico ou tabelar, na medida em que não verse sobre questões concretas da relação processual, não tem a virtualidade de produzir efeito de caso julgado formal [neste sentido, cf. a título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça seguintes: o acórdão de 14-07-2016 (relator: Tomé Gomes), proferido na Revista n.º 9215/15.6T8PRT-U.P1.S1 - 2.ª Secção, o acórdão de 07-12-2016 (relator: Oliveira Vasconcelos), proferido na Revista n.º 20/11.0TBVVC.E1.S1 - 2.ª Secção, o acórdão de 30-04-2015 (relator: João Bernardo), proferido na revista n.º 140/1999.L1.S1 - 2.ª Secção, o acórdão de 14-02-2013 (relator: Tavares de Paiva), proferido na revista n.º 107/06.0TCFUN.L1.S1 - 2.ª Secção (cujos sumários se encontram publicados em www.stj.pt)].
Verificando que não foi apreciada qualquer concreta questão relativa à competência em razão da matéria, cumpre concluir que a declaração genérica constante do saneador de que o tribunal é competente em razão da matéria não faz caso julgado formal, assim devendo a questão suscitada ser decidida pela Relação.
Cumpre apreciar qual a jurisdição materialmente competente para o julgamento da presente causa, isto é, averiguar se compete aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais.
Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada, enquanto os outros tribunais, de outra ordem jurisdicional, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas, conforme se extrai do disposto no artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 66.º do Código de Processo Civil (na redação anterior à emergente da Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor à data da propositura da ação) e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13-01, em vigor à data da propositura da ação).
Daqui resulta que a competência dos tribunais judiciais só se verifica quando as regras reguladoras de outra ordem jurisdicional não abranjam a apreciação da questão submetida a tribunal, o que impõe se analise o objeto da ação e averigue se existe norma específica atributiva de competência a jurisdição especial.
É sabido que a competência do tribunal deve ser aferida em função da forma como o autor estrutura o pedido e a respetiva causa de pedir, bem como pela natureza das partes, pelo que, com interesse para a apreciação da questão em análise, há que atender aos elementos seguintes: o autor formula um pedido de condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, ao pagamento de determinada quantia, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido nessa via, imputando a responsabilidade pelo acidente à falta de cumprimento pela ré de deveres decorrentes do contrato de concessão.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, conforme determinam o artigo 212.º, n.º 3, da CRP, e o artigo 1.º, n.º 1, do ETAF (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, na redação em vigor à data da propositura da ação, anteriormente à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10)
Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. i), do ETAF (na indicada redação), “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (...) i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.
Face ao teor desta alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, sendo a ré uma sociedade anónima, isto é, uma pessoa coletiva de direito privado, há que verificar se lhe é aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31-12.
O âmbito de aplicação deste regime encontra-se definido no respetivo artigo 1.º, cujo n.º 5 dispõe o seguinte: “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Extraem-se deste preceito os termos em que é aplicável às pessoas coletivas de direito privado o regime específico da responsabilidade das pessoas coletivas de direito público por danos decorrentes do exercício da função administrativa, dispondo que tal regime se aplica à responsabilidade civil por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Considerando que a submissão das pessoas coletivas de direito privado ao regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público pressupõe a verificação de um dos indicados fatores, vejamos se as ações ou omissões imputadas pelo autor à ré foram adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou se se encontram reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
A ré Brisa é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração, em regime de portagem, das autoestradas elencadas nas diversas alíneas da Base I das bases da concessão aprovadas pelo DL n.º 294/97, de 24-10 (na redação dada pelo DL n.º 247-C/2008, de 30-12), designadamente da autoestrada A1, na qual alega o autor ter ocorrido o acidente de viação que descreve.
Esclarece o n.º 1 da Base II que a concessão para construção, conservação e exploração das autoestradas referidas na Base I é de obras públicas, assim se tratando de um contrato administrativo, concretamente um contrato de concessão de obras públicas, do qual faz parte a conservação e exploração das autoestradas, assistindo à concessionária o direito de receber dos utentes das autoestradas as importâncias das portagens nas mesmas cobradas e os rendimentos de exploração das áreas de serviço e, bem assim, quaisquer outros rendimentos obtidos no âmbito da concessão, conforme prevê o n.º 1 da Base X. No que respeita à natureza dos bens que integram a concessão, dispõe a Base IV que a zona da autoestrada fica a pertencer ao domínio público do Estado a partir da data em que for aberta ao tráfego.
Incumbe à concessionária, além do mais, a conservação das autoestradas que constituem o objeto da concessão, dispondo a Base XXXIII que deverá mantê-las em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente.
Da análise dos termos da concessão em causa decorre que o Estado delegou determinadas funções de natureza pública, cabendo à concessionária a execução de tarefas que integram o serviço público, encontrando-se a respetiva atuação regulada por disposições ou princípios de direito administrativo, pelo que se encontram preenchidos os pressupostos da respetiva submissão ao regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público previstos no n.º 5 do artigo 1.º do citado regime.
Nesta conformidade, estando em causa um pedido de indemnização dirigido contra a concessionária de uma autoestrada, por danos decorrentes de acidente de viação ocorrido nessa via, cuja responsabilidade é imputada pelo autor à ré concessionária, com fundamento na falta de cumprimento de deveres decorrentes do contrato de concessão, cumpre concluir que preenche o caso presente a previsão da alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, pelo que compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação do presente litígio.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal dos Conflitos, por diversas vezes, podendo indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos (publicados em www.dgsi.pt) seguintes:
- o acórdão de 30-05-2013 (relator: Santos Carvalho), proferido no processo n.º 017/13, no qual se considerou o seguinte: I — A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma ação sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais decorrentes de um acidente de viação ocorrido nessa via, alegadamente provocado por ter havido omissão de alguns deveres que lhe incumbiam, decorrentes do contrato de concessão; II - A al. i) do art.° 4º do ETAF indica que são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público” e o art.° 1.º, n.° 5, da Lei 67/2007 de 31/12 (diploma que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) dispõe que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, (...), por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”; III - As entidades privadas concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), têm a sua atividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo; IV - Na verdade, a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado. A outorga dessas tarefas, por determinado período, a terceiro da esfera privada, a quem se permite obter lucros económicos (através, nomeadamente, das portagens, regulamentadas também pelo Estado), é regulada e fiscalizada ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no contrato de concessão;
- o acórdão de 25-03-2015 (relator: Teresa de Sousa), proferido no processo n.º 053/14, no qual se considerou o seguinte: I – A concessão de serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa e por essa circunstância adquiram intrinsecamente natureza de actos privados a serem regulados pelo direito privado; II – Apesar de ser uma sociedade anónima, a lei atribuiu à Concessionária, no contrato de concessão aprovado pelo DL nº 86/2008, de 28/5, poderes, prerrogativas e deveres de autoridade típicos dos atribuídos ao Estado, que representa; III – Assim, a sua eventual responsabilização por actos ou omissões dessa sua actividade insere-se no quadro de aplicação da norma do art. 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, e, consequentemente, serão os tribunais administrativos os competentes, em razão da matéria, para conhecer do litígio, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, alínea i) do ETAF;
- o acórdão de 07-05-2015 (relator: Leones Dantas), proferido no processo n.º 05/15, no qual se considerou o seguinte: I – Nos termos da alínea i) do número 1 do art.º 4º do ETAF são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; II – Decorre do artigo 1º, número 5, da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, (...), por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo». III – A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma auto-estrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada e circulação na mesma de um animal, derivada da omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão;
- o acórdão de 07-05-2015 (relatora: Ana Paula Portela), proferido no processo n.º 010/15, no qual se considerou o seguinte: I - A jurisdição administrativa é competente para conhecer de um pedido de condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais decorrentes de um acidente de viação ocorrido nessa via, alegadamente provocado por ter havido omissão de alguns deveres que lhe incumbiam, decorrentes do contrato de concessão nos termos da al. i) do art. 4º do ETAF; II - Esta entidade privada concessionária de uma auto-estrada é chamada a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo quando lhe é outorgada a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, por se tratarem de tarefas próprias da administração do Estado;
- o acórdão de 09-07-2015 (relatora: Ana Paula Boularot), proferido no processo n.º 021/15, no qual se considerou o seguinte: I - A intervenção dos Tribunais Administrativos justifica-se se houver que dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito de relações jurídicas administrativas. II - Não obstante as entidades concessionárias sejam entidades privadas, se são chamadas a colaborar com a Administração Pública na concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, fazem-no na execução de tarefas administrativas, mediante a prévia celebração de um contrato administrativo, tendo consequentemente a respectiva actividade regulada e submetida a disposições e princípios de direito administrativo. III - Daqui resulta a competência da jurisdição administrativa para conhecer de um pedido indemnizatório formulado contra uma sociedade privada, concessionária de uma auto-estrada, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido na via concessionada, quando o sinistro foi alegadamente provocado por ter havido omissão de deveres decorrentes do contrato de concessão celebrado com a Administração, nos termos da alínea i) do artigo 4º do ETAF;
- o acórdão de 15-10-2015 (relator: Alberto Augusto Oliveira), proferido no processo n.º 030/15, no qual se considerou o seguinte: A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada em circulação na mesma de um animal, por alegada omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão;
- o acórdão de 04-02-2016 (relatora: Maria Benedita Urbano), proferido no processo n.º 025/15, no qual se considerou o seguinte: I – Nos termos do disposto na al. i) do n.º 1 do artigo 4º, do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”; II – Dispõe o n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31.12, que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”; III – As concessionárias de autoestradas e de outras vias rodoviárias do Estado, ainda que sendo pessoas colectivas de direito privado, desempenham tarefas de vigilância e de segurança rodoviárias, tarefas estas que decorrem das bases da concessão reguladas em diploma legal e que estão replicadas nos respectivos contratos de concessão; a relação jurídica estabelecida entre si e o Estado tem na base um contrato de concessão de obras públicas, que possui, portanto, a natureza de contrato administrativo; as ditas concessionárias actuam, por vezes, no exercício de prerrogativas de poder público;
- o acórdão de 20-10-2016 (relator: Fonseca da Paz), proferido no processo n.º 021/16, no qual se considerou o seguinte: I – Resulta do art.º 4.º, n.º 1, al. h), do ETAF, na redacção introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 2/10, que compete à jurisdição administrativa apreciar os litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e das demais pessoas colectivas públicas; II – Nos termos do art.º 1.º, n.º 5, do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, as disposições que regulam a responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito público por danos decorrentes do exercício da função administrativa são aplicáveis à responsabilidade das pessoas colectivas de direito privado por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo; III – Atento aos citados preceitos legais, a jurisdição administrativa é a competente para conhecer de uma acção onde se pede a condenação da concessionária de uma auto-estrada na indemnização pelos danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nesta via, provocado pela entrada e circulação na mesma de um animal em consequência da omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão;
- o acórdão de 11-01-2017 (relator: José Veloso), proferido no processo n.º 037/15, no qual se considerou o seguinte: Os tribunais da jurisdição administrativa são os competentes, ratione materiae, para conhecer de acção em que uma SEGURADORA responsabiliza a A….. pela ocorrência de um acidente em auto-estrada que lhe está concessionada, provocado por um pneu existente na via, e que provocou danos que ela pagou ao seu segurado;
- o acórdão de 05-04-2017 (relatora: Rosa Tching), proferido no processo n.º 024/16, qual se considerou o seguinte: A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção em que se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma auto-estrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada em circulação na mesma de um animal, por alegada omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária, nos termos do contrato de concessão;
- o acórdão de 20-06-2017 (relator: Salreta Pereira), proferido no processo n.º 025/16, qual se considerou o seguinte: A jurisdição administrativa é a competente para conhecer de ação de responsabilidade civil extracontratual instaurada contra a EP, Estradas de Portugal, SA, pelos danos causados pela omissão de sinalização e conservação da indicada estrada;
- o acórdão de 23-11-2017 (relatora: Ana Paula Portela), proferido no processo n.º 010/17, no qual se considerou o seguinte: A jurisdição administrativa é a competente para conhecer de acção de responsabilidade civil extracontratual deduzida contra a ASCENDI, concessionária do IC17, e a A... – SUCURSAL EM PORTUGAL, para a qual aquela transferiu a responsabilidade, com vista à obtenção do pagamento de uma indemnização por danos emergentes de acidente de viação ocorrido numa auto-estrada concessionada e com fundamento em omissões da Ascendi enquanto concessionária dessa auto-estrada, face ao art. 1º nº 5 da Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro.
No mesmo sentido, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, poderão indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos seguintes:
- o acórdão de 14-01-2014 (relatora: Maria Clara Sottomayor), proferido na revista n.º 871/05.4TBMFR.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu o seguinte: No período anterior ao início de vigência da Lei n.º 67/2007, de 31-12, são competentes os tribunais comuns para conhecer da responsabilidade civil de empresa concessionária da exploração e conservação de uma auto-estrada, pela omissão de deveres de vigilância;
- o acórdão de 08-10-2015 (relatora: Maria Clara Sottomayor), proferido na revista n.º 1085/14.8TBCTB-A.C1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu o seguinte: I - Nos termos da al. i) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público; II - Decorre do art. 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respectivos trabalhadores, (...), por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”; III - A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma ação, na qual se pede a condenação de uma pessoa coletiva de direito privado concessionária da exploração e conservação de auto-estradas, em determinada quantia indemnizatória, por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada e permanência de um animal, resultante de omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão;
- o acórdão de 17-12-2015 (relator: Oliveira Vasconcelos), proferido na revista n.º 132/14.8T8FND.C1-A.S1 - 2.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se entendeu o seguinte: I - No que concerne à competência em razão da matéria, é basilar o princípio da especialização, reservando-se para certas categorias de tribunais o conhecimento de determinadas causas, atendendo à especificidade das matérias, sendo a competência dos tribunais comuns residual; II - Conferindo uma maior amplitude ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a Lei n.º 67/2007, de 31-12, veio, no plano processual, alargar a competência dos tribunais administrativos; III - O disposto no n.º 1 do art. 1.º da Lei referida em II, por via de extensão a pessoas coletivas de direito privado do regime substantivo de responsabilidade civil de direito público, concretizou o preceituado na al. i) do art. 4.º do ETAF no sentido dos tribunais administrativos passarem a poder conhecer litígios entre particulares em sede de responsabilidade civil extracontratual, desde que as ações ou omissões sejam praticadas “no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”; IV - A apreciação de um litígio respeitante a uma ação de responsabilidade civil intentada por uma entidade privada – seguradora de um utente de uma auto-estrada – contra outra entidade privada – pessoa coletiva de direito privado concessionária de uma auto-estrada – compete aos tribunais de jurisdição administrativa.
Na jurisprudência das Relações podem igualmente indicar-se diversos acórdãos no mencionado sentido, designadamente os seguintes (publicados em www.dgsi.pt):
- os acórdãos desta Relação de Évora de 17-12-2015 (relator: Manuel Bargado), proferido no processo n.º 1377/14.6TBSTR.E1, de 16-06-2016 (relatora: Elisabete Valente), proferido no processo n.º 210/15.6T8CSC.E1, de 26-10-2017 (relatora: Isabel Peixoto Imaginário), proferido no processo n.º 697/17.2T8STR.E1, e de 11-01-2018 (relator: Paulo Amaral), proferido no processo n.º 350/17.7T8OLH.E1;
- os acórdãos da Relação do Porto de 18-04-2013 (relatora: Teresa Santos), proferido no processo n.º 342/12.2TJPRT.P1, de 14-01-2014 (relator: Fernando Samões), proferido no processo n.º 316/13.6TBVRL.P1, de 30-06-2014 (relator: Caimono Jácome), proferido no processo n.º 140/14.9YRPRT, de 09-07-2014 (relator: José Igreja Matos), proferido no processo n.º 643/13.2TBCHV.P1, e de 29-02-2016 (relator: José Eusébio Almeida), proferido no processo n.º 7015/12.4TBMTS-A.P1;
- os acórdãos da Relação de Coimbra de 21-05-2013 (relator: Jorge Arcanjo), proferido no processo n.º 2073/09.1TBCTB-K.C1, de 03-11-2015 (relator: Moreira do Carmo), proferido no processo n.º 69/14.0T8CNT.C1, e de 12-01-2016 (relator: Moreira do Carmo), proferido no processo n.º 26/14.7T8CNT.C1;
- os acórdãos da Relação de Lisboa de 30-06-2011 (relatora: Maria Amélia Ribeiro), proferido no processo n.º 1394/10.5YXLSB-7, de 14-02-2012 (relator: António Santos), proferido no processo n.º 5715/10.2TCLRS.L1-1, de 28-05-2015 (relatora: Maria Manuela Gomes), proferido no processo n.º 9839/13.6TCLRS.L1-6, de 15-09-2015 (relatora: Maria Adelaide Domingos), proferido no processo n.º 1573/12.0TCLRS.L1-1, e de 24-01-2017 (relator: Rijo Ferreira), proferido no processo n.º 52/14.6T8ALQ.L1-1;
- os acórdãos da Relação de Guimarães de 04-12-2014 (relatora: Maria Luísa Ramos), proferido no processo n.º 808/14.0TBFAF.G1, de 19-03-2015 (relator: António Figueiredo de Almeida), proferido no processo n.º 119/14.0TBMDL-A.G1, de 06-10-2016 (relatora: Isabel Rocha) proferido no processo n.º 1846/13.5TBVRL.G1, de 12-01-2017 (relatora: Maria de Fátima Almeida Andrade) proferido no processo n.º 1940/15.8T8VCT.G1, e de 26-01-2017 (relatora: Lina Castro Baptista), proferido no processo n.º 7562/15.6T8VNF.G1.
Tendo-se verificado que compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação do presente litígio, cumpre concluir que o Juízo Central Cível de Santarém não é competente em razão da matéria para apreciar a questão em causa, o que configura uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância, nos termos dos artigos 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), do CPC.
Procede, assim, a apelação intentada pela interveniente Companhia de Seguros CC, S.A., mostrando-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nesse recurso, bem como da apelação intentada pela ré e do recurso subordinado apresentado pelo autor.

Em conclusão:
Cabe aos tribunais da jurisdição administrativa a competência para a apreciação de litígio no qual é peticionada a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, ao pagamento de determinada quantia, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido nessa via, sendo imputada a responsabilidade pelo acidente à falta de cumprimento pela concessionária de deveres decorrentes do contrato de concessão.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação intentada pela interveniente, em consequência do que se decide o seguinte:
a) declarar verificada a incompetência absoluta do Juízo Central Cível de Santarém e absolver a ré da instância;
b) revogar a decisão recorrida;
c) considerar prejudicada a apreciação da apelação intentada pela ré e do recurso subordinado intentado pelo autor.
Custas pelo autor apelado.
Notifique.

Évora, 27-06-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato