Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
797/13.8TMSTB-A.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - As decisões com base “salomónica” não se coadunam com os processos judiciais, incluindo os de jurisdição voluntária;
2 - Na fixação, ainda que provisória, da prestação de alimentos, é imprescindível apurar, de forma sumária, os factos relacionados com as necessidades do alimentando e possibilidades do alimentante;
3 - Se este apuramento não se fizer, importa ter em consideração o alegado pelo requerido/alimentante, nos casos em que o montante proposto garante, aparentemente, as necessidades típicas do alimentando, considerando o indiciado nível sócio-económico dos pais.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 797/13.8TMSTB-A.E1




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

Nos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em que é requerente (…) e requerido (…), fixou o tribunal recorrido, a título provisório, a pensão de alimentos, devida ao menor (…), em € 100,00 mensais.

Inconformado com o decidido, recorreu o requerido, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

- Veio a requerente requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor (…);

- Notificado para alegar, o recorrente invocou a sua incapacidade económica/financeira para se vincular mensalmente a uma pensão de alimentos naquele montante;

- Não obstante, por despacho, foi fixado um regime provisório do exercício das responsabilidades parentais, fixando a pensão de alimentos no valor de € 100,00;

- Nesta fase processual, o Tribunal “a quo” não está em condições de avaliar em concreto quer as necessidades do menor, quer a incapacidade monetária invocada pelo progenitor;

- O Tribunal “a quo” fixou de modo arbitrário um valor cuja capacidade de cumprimento o recorrente alegou veementemente;

- Tem-se por boa a decisão que fixasse uma pensão provisória mais próxima das capacidades alegadas por quem está obrigado a prestá-la;

- Deveria, pois, no entender do recorrente, e perspetivando a necessidade de um regime provisório, ter-se em conta proposta da recorrente, no montante de € 70,00;

- O Tribunal “a quo” fixou o valor da pensão provisória de alimentos em € 100,00, sem que objetivamente se tenha fundado em prova bastante da capacidade do recorrente para cumprir.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, fixando-se uma pensão de alimentos provisória no montante de € 70,00.
Contra-alegaram a requerente (…) e Exma. Procuradora da República, votando pela manutenção do decidido.


Face às conclusões das alegações, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se a pensão de alimentos, fixada provisoriamente, deve ou não ser mantida.

Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação


A - Factos


A.a - Com relevância para a fixação da pensão de alimentos, alegou o requerido (…) o seguinte:


“No que à pensão de alimentos respeita, cumpre dizer que o Requerido aufere um rendimento de € 906,30 (…)”;


“O agregado familiar do Requerido é composto pela companheira, (…), e por dois menores … (filho da companheira do Requerido) e …”;


“A companheira do requerido encontra-se atualmente desempregada”;


“O requerido paga mensalmente uma renda mensal de € 205,45 (…)”;


“O requerido tem ainda como despesas mensais cerca de € 110,00 mensais com a eletricidade (…)”;


“Despende com despesas de água na ordem de € 89,00 mensais (…)”;


“Com despesas que necessariamente tem de ter com vestuário e alimentação o Requerido despende mensalmente cerca de € 350,00 a € 400,00”;


“Ora, pelo exposto, a verdade é que, face à realidade económica do Requerido, este não consegue pagar a quantia peticionada pela Requerente no montante de € 150,00 a € 200,00”;


“Devendo, pelo exposto, se fixado o valor da pensão de alimentos no valor de € 70,00”.


A.b - Nesta área, a requerente (…) alegou o seguinte: “O valor da pensão de alimentos por mim solicitado é de 200 €, valor bastante justo para todas as despesas que tenho tido e terei como meu filho até à sua independência financeira. Além deste valor da pensão de alimentos, pretendo uma divisão por igual das seguintes despesas: escolar, vestir e calçar e saúde”.


A.c - Diligências de prova solicitadas pelo Tribunal recorrido, finda a conferência de pais:


“(…) oficie ao Centro Distrital da Segurança Social, solicitando a elaboração de relatório social quanto à progenitora”.


“Oficie à APPASSI solicitando a elaboração de relatório quanto às condições de vida do requerido”.


A.d - Decisão recorrida: “Os presentes autos têm por objeto a regulação das responsabilidades parentais quanto a (…), nascido a 23 de Agosto de 2007, filho de (…) e de (…).


Realizou-se a conferência de pais, (…) não estando, porém, de acordo quanto ao regime de visitas, nem quanto ao valor da pensão de alimentos.


Das declarações dos progenitores, bem como das alegações que ambos já apresentaram resulta (…). Finalmente, os progenitores não estão igualmente de acordo quanto ao montante a fixar a título alimentos.


Assim sendo, entendo que se impõe regular provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais quanto ao (…), de modo a salvaguardar devidamente os interesses da criança (…).


Pelo exposto e tendo em conta a posição de ambas as partes e as informações já disponíveis, ao abrigo do previsto no artigo 157º da OTM, decido o seguinte: (…) O pai pagará uma pensão de alimentos a favor do filho no valor de € 100 mensais (…)”.


B - O direito


- Os processos tutelares cíveis são processos de jurisdição voluntária[1];


- No âmbito dos processos de jurisdição voluntária, o Tribunal investiga livremente os factos, coligindo provas, ordenando inquéritos e recolhendo informações tidas por pertinentes, e adota, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade[2];


- Nos processo de jurisdição voluntária, o juiz, quanto ao critério de julgamento, “(…) não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir decisão que lhe pareça mais equitativa” [3]; por outras palavras: “No âmbito destes processos, mais do que decidir segundo critérios estritamente jurídicos, o tribunal irá proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa” [4];


- A medida de alimentos de uma criança depende das necessidades do alimentando e das possibilidades do alimentante[5];


- “As necessidades do menor estão condicionadas por múltiplos fatores, nomeadamente, a sua idade, a sua saúde, as necessidades educacionais e nível socioeconómico dos pais” [6];


- A possibilidade do obrigado deve aferir-se pelas suas receitas e despesas, sem deixar de salvaguardar o seu de direito a uma subsistência com um mínimo de dignidade[7];


- Não basta decidir a questão posta; “é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos”[8].


- É, por isso, nula a sentença que não especifique, em absoluto, os fundamentos de direito e de facto ou apenas de facto ou de direito[9].


- As causas de nulidade da sentença aplicam-se também aos despachos, “em tudo quanto se puder aplicar”[10];


- Em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o Tribunal, sempre que o entenda conveniente, pode decidir, a título provisório, as matérias que tem de apreciar a final, procedendo às averiguações sumárias que tenha por pertinentes[11].


C - Aplicação do direito


Relativamente à fixação do montante da prestação de alimentos devida ao menor (…), nascido a 23 de Agosto de 2007, em € 100,00 mensais, o Tribunal recorrido decidiu a questão, sem indicar “as razões em que se apoia o seu veredito”. Ou seja: nada disse quanto aos fundamentos de facto.


Apesar disso, a validade da decisão recorrida não é questionada pelo recorrente (…), uma vez que se limita a impugnar o quantitativo fixado.


Neste domínio, os únicos dados que esta Relação possui coincide com o seguinte: a requerente (…) entende, pura e simplesmente, que a pensão de alimentos deve ser fixada em € 200,00, enquanto que o requerido, ora recorrente, alega que não poder pagar mais de € 70,00, por motivos que invoca; o Tribunal recorrido, por seu turno, optou por uma decisão “salomónica” – não são € 200,00, nem € 70,00, mas € 100,00.


Acontece que as decisões, apenas com base “salomónica”, não coadunam com os processos judiciais, incluindo os de jurisdição voluntária. Importa sempre apurar, ainda que de forma sumária, factos tidos por indispensáveis.


Assim sendo, a única decisão “equitativa”, possível, por ora – sem prejuízo, como é evidente, da sua alteração – coincide em fixar, a prestação em causa em € 70,00 mensais, por garantir ao recorrente, no seu próprio entendimento, “uma subsistência com um mínimo de dignidade” e, aparentemente, salvaguardar as necessidades típicas do alimentando, menor de 7 anos, considerando o indiciado nível socioeconómico dos pais e a circunstância de a dita requerente se encontrar, também, vinculada o dever de prestar alimentos ao filho.


Procede, pois, o recurso.


Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, julgando procedente o recurso e revogando o despacho recorrido, fixar, provisoriamente, a prestação de alimentos, a cargo do recorrente (…), em € 70,00 mensais.


Custas pela recorrida.


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Évora, 30 de Abril de 2015


Sílvio José Teixeira de Sousa


Rui Machado e Moura


Maria da Conceição Ferreira


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[1] Artigo 150º. da OTM.
[2] Artigos 1409º., nº 2 e 1410º. do Código de Processo Civil.
[3] Prof. Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol II, pág. 400.
[4] Tomé d` Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 8ª edição, pág. 38, e artigo 1410º. do Código de Processo Civil.
[5] Tomé d` Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 8ª edição, pág. 116 e artigo 2004º., nº 1 do Código Civil.
[6] Tomé d` Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 8ª edição, pág. 116.
[7] Tomé d` Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 8ª edição, pág. 116.
[8] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 139 e 140.
[9] Artigo 615º., nº 1, b) do Código de Processo Civil.
[10] Artigo 613º., nº 3 do Código de Processo Civil e José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 669.
[11] Artigo 157º., nºs 1 e 2 da OTM.