Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1507/22.4T8TMR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Mostrando-se preterida uma formalidade que a lei prescreve, para além da exigência de que tal omissão apenas constitui nulidade se influir na decisão da causa, por se tratar de uma nulidade processual, não só deveria ter sido invocada como reclamação junto do tribunal a quo, como está sujeita a sua invocação ao prazo previsto nos arts. 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
II – Encontrando-se, porém, a invocação da alegada nulidade processual interposta em tempo, nada obsta a que, apesar do erro na forma processual usada, o ato que se pretendia praticar não seja aproveitado, remetendo-se o processo à 1.ª instância para apreciação dessa reclamação.
III – O simples facto de a parte ter sido corretamente notificada da guia para pagamento do preparo para despesa, não a obriga a supor que o seu advogado não o seria, visto que, encontrando-se representada por mandatário no processo, é legítimo pressupor que o seu advogado havia sido, também ele, notificado, resolvendo, como lhe caberia, juridicamente a situação.
IV – A consequência do não pagamento de um preparo para a despesa com a realização de determinada diligência é, de acordo com a lei, a não realização dessa diligência, pelo que, por ser uma evidência absoluta, é manifestamente desnecessário proceder à notificação prévia da parte que requereu tal diligência de que a mesma irá ser dada sem efeito ou de que, uma vez que a diligência foi dada sem efeito, por ser a única diligência requerida, se irá dar, de seguida, a sentença.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1507/22.4T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
Realizada a tentativa de conciliação, em 23-01-2023, entre o sinistrado AA e a Companhia de Seguros “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”,[2] não foi possível obter acordo por a referida Companhia de Seguros não ter aceitado, conforme resultado do exame médico singular realizado ao sinistrado, que o mesmo, a partir de 27-09-2022, data da alta, tenha ficado a padecer de uma IPP de 22,8744%.
Por requerimento de 07-02-2023, a “Ageas Portugal” veio solicitar, nos termos do art. 138.º, n.º 2, do Código do Processo de Trabalho, a submissão do sinistrado a exame por junta médico, deduzindo os respetivos quesitos.
Junto com este requerimento foi apresentada procuração da “Ageas Portugal” a favor da Dra. BB.
Por despacho judicial proferido em 17-02-2023, foi marcada a realização da Junta Médica para o dia 17-03-2023, pelas 16h00.
No dia 20-02-2023, foi elaborada a respetiva guia para pagamento de preparos para as despesas da junta médica, no valor de €265,20, endereçada a “Ageas Portugal”, cujo início de pagamento estava fixado em 20-02-2023 e data limite de pagamento em 06-03-2023.[3]
Na mesma data, foi endereçada à “Ageas Portugal” e remetida para envio com registado, uma carta,[4] com o seguinte teor:
Assunto: Data da Junta Médica e Preparo para despesas
Fica o destinatário notificado de que foi designado o dia 17-03-2023, às 16:00 horas, para se proceder a exame por junta médica nos autos acima indicados, a realizar neste tribunal, devendo fazer presente o seu perito médico, até ao início da diligência, sendo que se não o fizer, o Tribunal nomeia-o oficiosamente (n.º 5, do art.º 139.º do CPT).
Caso a junta médica não se realize por falta de comparência de perito da parte, poderá incorrer em multa.
Mais fica notificado(a) para, no prazo constante da guia anexa efetuar, relativamente ao processo supra identificado, o pagamento do preparo para despesas.
Omitindo o pagamento pontual dos encargos pode, se for oportuno, realizá-lo nos cinco dias seguintes, mediante o pagamento de uma sanção igual ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC (artº 23º, nº 2 do RCP, nas alterações introduzidas pela Lei 7/2012, de 13/02).
Advertência
A falta de pagamento implica a não realização da diligência - artº 23º, nº 2 do RCP, nas alterações introduzidas pela Lei 7/2012, de 13/02. Os titulares dos créditos derivados de atuações processuais poderão reclamá-los diretamente à parte que deva satisfazê-los sem esperar que o processo termine, independentemente de posterior decisão de custas, nos termos do n.º 4 daquele art.º 20.º do RCP.
Pagamento
A data limite do pagamento, bem como o valor a pagar, os locais e os modos de pagamento constam da guia anexa.

Junto com tal carta, encontram-se dois anexos, sendo o primeiro do despacho judicial que determinou a marcação da diligência; e o segundo da guia referida supra.
Com data de 20-02-2023, foi enviada a notificação à mandatária da “Ageas Portugal” da data designada para o exame por junta médica.[5]
A mencionada guia não foi paga, conforme referência 92858085.
Em 20-03-2023, foi proferido o seguinte despacho judicial:
Consigno que não se procedeu à realização da junta médica por duas ordens de razões, a saber:
1) Greve dos Srs. Oficiais de Justiça; e,
2) Falta de apresentação de comprovativo do pagamento dos encargos devidos pela realização da junta médica.
Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do R.C.P., o não pagamento dos encargos nos termos fixados no n.º 1 do artigo 20.º implica a não realização da diligência requerida.
Pelo exposto, indefiro a realização da junta médica requerida pela responsável seguradora.
Condeno a Ageas Portugal Companhia de Seguros, S.A., a pagar a taxa de justiça devida pelo anómalo incidente a que deu causa ao requerer a junta e ao frustrar a sua realização.
Notifique.
De seguida foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
3.1. Pelo exposto, decido condenar a seguradora a pagar ao sinistrado:
- O capital de remição de € 22.882,76, correspondente a uma pensão anual de 2.129,62 €, devida desde o dia 28/9/2022;
- A indemnização de € 51 por incapacidade temporária;
- A indemnização de 25 € a título de transportes; e,
- Os juros de mora sobre tais quantias desde o momento em que eram devidos até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor.
3.2. A seguradora vai condenada a pagar as custas do processo.
3.3. Fixo o valor da acção pelo montante das reservas matemáticas – art.º 120.º, do Código de Processo do Trabalho.
3.4. Notifique, sendo a responsável para comprovar de imediato o pagamento ou o caucionamento das quantias supra reconhecidas.
Com registo enviado em 21-03-2023, foi a “Ageas Portugal” notificada quer do despacho prévio, quer da sentença proferida.[6]
Não se conformando com a sentença, veio a “Ageas Portugal”, em 10-04-2023, interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
A) Vem interposto o presente recurso da, aliás douta, sentença de 20-03-2023, que preterindo a realização da junta médica, requerida nos termos do Artº 138º nº 2 CPT e admitida por douto despacho transitado em julgado, proferiu sentença, condenando a seguradora com base na incapacidade fixada no douto exame singular, que não havia merecido o acordo da seguradora na tentativa de conciliação.
B) Ora a recorrente não se conforma com a decisão recorrida, uma vez que não podia o douto Tribunal decidir antes da realização da junta médica, atempadamente requerida, ainda que por negligencia não tivesse sido paga a guia dos preparos pela recorrente e tanto mais que a diligencia não se realizou por motivo diverso, atinente à greve dos oficiais de justiça.
C) Em qualquer caso, a falta de pagamento da guia, ainda que imputável à recorrente, que não foi como se explicitara se seguida, não conduziria sem mais à não realização da diligência, tanto mais que não sendo obrigatória a constituição de mandatário naquela fase, a seguradora deveria ter sido antes notificada para o pagamento dos preparos com multa, nos termos conjugados dos Artºs 139º nº 7, 642º nº 1CPC e Artsº 14º nº 6 e 23º nº 2 do RCP. Ao decidir de forma diferente, dando sem efeito a realização da junta médica e omitindo a notificação para pagamento dos preparos com multa, o douto tribunal não fez a correta subsunção dos supra citados preceitos legais, que salvo o devido respeito violou.
D) Acresce que não obstante a notificação com a data da junta médica enunciasse que remetia em anexo a guia, vinha desacompanhado desse documento para pagamento, que tão pouco foi remetido à mandataria constituída à data pela recorrente, como salvo melhor entendimento deveria ter sido, também aqui tendo sido preterida formalidade essencial, prevista no Artº 247º nº 1 CPC, o que conduz à nulidade da notificação, nos termos do Artº 195º nº 1 CPC, uma vez que foi determinante para o desfecho da causa.
E) A secção não instruiu devidamente as notificações remetidas, o que não pode prejudicar as partes, pelo que a falta de pagamento não é imputável à recorrente, antes constitui justo impedimento para o não pagamento da guia, nos termos do Artº 139º nº 4 CPC.
F) Ao proferir a sentença recorrida, o douto tribunal a quo não só não considerou devidamente as supra referidas normas, como proferiu decisão surpresa, violando o princípio do contraditório, dado não ter tido a recorrente a possibilidade de se pronunciar quanto à imediata prolação de sentença e as questões objeto do presente recurso, assim violando o Artº 3º nº 3 CPC aplicável ex vi Artº 1º CPT.
G) Em face do exposto, a douta sentença recorrida, para além da violação da lei substantiva, é nula por violação do disposto nos artºs 117º, nº 1 e 119º, nº 1 do CPT e art.º 195º, nº 1 do CPC.
H) Termos deverá ser revogada e substituída por douta decisão que determine a realização da junta médica e dispense a recorrente do pagamento das custas pelo incidente (motivado pelo não pagamento da guia e não realização da junta médica), com o que se fará a costumada JUSTIÇA!
O Autor, patrocinado pelo Ministério Público apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
1- A omissão de pagamento de encargos com as diligências requeridas nos termos do art.º 20 e 23.º, n.º 2 do RCP pela parte que as requereu, tem como consequência a não realização da diligência.
2 – Limitando-se a discordância entre as partes, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidentes de trabalho, ao grau de incapacidade permanente de que é portador o sinistrado, não sendo realizada junta médica, por causa imputável à parte discordante, impõe-se proferir sentença que fixe a natureza e o grau de desvalorização e o valor da causa.
3- A douta sentença recorrida fez correta apreciação das normas legais aplicáveis e não merece censura.
Pelo que negando provimento ao recurso será feita JUSTIÇA
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (em face da caução prestada), tendo neste tribunal o recurso sido admitido nos seus precisos termos.
Foram os autos aos vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da notificação para pagamento do preparo para despesas;
2) Consequências da falta de pagamento do preparo para despesas;
3) Nulidade da sentença por se traduzir numa decisão surpresa.
III – Matéria de Facto
O que releva para as questões invocadas é o que já consta do relatório antecedente.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões já elencadas.

1 – Nulidade da notificação para pagamento do preparo para despesas
Considera a companhia de seguros “Ageas Portugal” que o tribunal a quo, na carta de notificação, não remeteu a correspondente guia para pagamento, nem tal guia foi notificada à mandatária constituída, pelo que foi preterida formalidade essencial, o que conduz à nulidade da notificação, nos termos dos arts. 247.º, n.º 1 e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo que essa nulidade constituiu igualmente, nos termos do art. 139.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, justo impedimento para o não pagamento da guia pela recorrente.
Apreciemos.
A recorrente interpôs recurso da sentença invocando a nulidade, assente em dois motivos distintos, da notificação que lhe foi efetuada para pagamento do preparo para despesa relacionada com a diligência de junta médica.
A primeira questão que importa apreciar é a de apurar se o recurso da sentença é o momento próprio para invocar tal nulidade.
O primeiro motivo de nulidade dessa notificação reporta-se à falta do envio da correspondente guia para pagamento do preparo de despesa na carta de notificação que lhe foi remetida para pagamento dessa guia, e onde se faz expressa menção à sua existência, em anexo, à carta. Ora, para além de tal não ser o que resulta da referência 92574794, onde na carta remetida à recorrente, consta em anexo a referida guia para pagamento, sempre se dirá que, constando em tal carta, não só que a guia estava anexada à mesma, como as consequências jurídicas do não pagamento de tal guia, sempre competiria à parte que a recebeu invocar, após tal receção, o não cumprimento de uma formalidade que a lei prescreve (art. 21.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-04).
Assim, o que a recorrente invoca é uma nulidade processual, regida pelo disposto nos arts. 195.º a 199.º do Código de Processo Civil, e não uma nulidade da sentença.
Da conjugação dos arts. 195.º e 199.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, resulta, por um lado, que a violação de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa; e, por outro, que tais vícios têm de ser invocados pelas partes, em forma de reclamação (não sendo, por isso, de conhecimento oficioso), sendo que, quando a parte estiver presente, no momento em que forem cometidas, até ao ato terminar, e, quando a parte não estiver presente, no prazo de 10 dias (art. 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) a contar do dia em que, depois de cometido o vício, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Na situação presente, competiria, assim, à recorrente ter invocado, através da competente reclamação, tal nulidade junto do tribunal a quo, e não perante este tribunal, em sede de alegações, pelo que, por não ter sido invocada como reclamação junto do tribunal a quo, esta questão surge, na realidade, pela primeira vez, nesta sede, sendo que ao tribunal ad quem compete reapreciar questões já apreciadas em sede de 1.ª instância e não questões novas, exceto se se tratar de questões de conhecimento oficioso, o que manifestamente não é o caso.
Veja-se sobre este assunto, o acórdão proferido nesta Relação, em 13-09-2018:[7],:
É este o sistema estabelecido pela nossa lei processual civil em matéria de articulação entre a reclamação por nulidade processual e o recurso, usualmente expresso através do aforismo “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Sistema esse que se harmoniza, aliás, com a regra, básica em matéria de recursos ordinários, segundo a qual estes têm como função o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, não suscitadas neste último, embora sem prejuízo do conhecimento, pelo tribunal ad quem, das questões que o devam ser oficiosamente – cfr. o disposto nos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do CPC.

Cita-se ainda, por relevante, o sumário constante deste mesmo acórdão:
O meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida posteriormente ao momento em que a referida omissão ocorreu.

De qualquer modo, encontrando-se a invocação da alegada nulidade processual interposta em tempo, nada obstaria a que, apesar do erro na forma processual usada, o ato que se pretendia praticar não fosse aproveitado, remetendo-se o processo à 1.ª instância para apreciação dessa reclamação.[8]
Vejamos, então.
A carta para pagamento do preparo para despesa foi enviada em 20-02-2023 e foi rececionada pela recorrente em 23-02-2023, pelo que, tendo terminado o prazo de 10 dias em 06-03-2023, ou em 09-03-2023, nos termos do art. 139.º, nºs. 5 e 6, do Código de Processo Civil, quando a questão foi invocada, em sede de recurso, em 10-04-2023, há muito que tal irregularidade se havia sanado.
Dir-se-á ainda que o justo impedimento, previsto no art. 140.º do Código de Processo Civil, não é de aplicar às situações em que, por mera negligência da parte, não foi invocada atempadamente determinada irregularidade, a qual, manifestamente, a parte tinha obrigação de conhecer, como seria o caso, se se comprovasse, de na carta para pagamento do preparo para despesa se fizesse menção à junção da respetiva guia e esta, afinal, não fosse junta.
Assim, e quanto a esta questão, por manifesta intempestividade da invocada nulidade processual, não é possível remeter tal apreciação para o tribunal a quo.
Vejamos, então, o segundo motivo invocado para a nulidade da referida notificação – a da não notificação da referida guia ao mandatário da recorrente.
Dispõe o art. 247.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1- As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

Conforme resulta do relatório supra, quando a recorrente foi notificada para pagamento da guia relativa ao preparo para despesa, já tinha mandatária constituída, porém, esta apenas foi notificada da data da diligência da junta médica, em face da referência 92574603.
Mostrando-se preterida uma formalidade que a lei prescreve, para além da exigência de que tal omissão apenas constitui nulidade se influir na decisão da causa, uma vez mais, por se tratar de uma nulidade processual, não só deveria ter sido invocada como reclamação junto do tribunal a quo, como está sujeita a sua invocação ao prazo previsto nos arts. 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Entende-se, aliás, na esteira do TRG, proferido em 18-01-2006,[9] que o simples facto de a parte ter sido corretamente notificada da guia para pagamento do preparo para despesa, não a obriga a supor que o seu advogado não o seria, visto que, encontrando representada por mandatário no processo, é legítimo pressupor que o seu advogado havia sido, também ele, notificado, resolvendo, como lhe caberia, juridicamente a situação.
Deste modo, o referido prazo para a arguição da referida nulidade ter-se-á de contar a partir da notificação da mandatária da recorrente para qualquer termo do processo, desde que se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. No caso em apreço, à mandatária da recorrente foi enviada, em 20-02-2023, a notificação da data da diligência da junta médica. Uma vez que tal notificação foi efetuada a uma pessoa com especial conhecimento jurídico, daí ser a advogada da recorrente, a mesma não podia desconhecer o disposto no art. 20.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, que dispõe que os “encargos são pagos pela parte requerente ou interessada, imediatamente ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordene a diligência, determine a expedição ou cumprimento de carta rogatória ou marque a data da audiência de julgamento”. Deste modo, após a notificação dessa carta, que ocorreu em 23-02-2023, iniciou-se o prazo para a arguição da referida nulidade, nos termos dos arts. 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que é de presumir que, com tal notificação, a mandatária da recorrente tomou, de imediato, conhecimento de que, contrariamente ao que era devido, a referida carta de notificação para a diligência de junta médica não remetia a respetiva guia para pagamento do preparo para despesa. O prazo para a arguição da referida nulidade terminou, assim, em 06-03-2023, ou em 09-03-2023, nos termos do art. 139.º, nºs. 5 e 6, do Código de Processo Civil, pelo que, tendo a irregularidade da falta de notificação à mandatária da recorrente apenas sido invocada, em sede de recurso, em 10-04-2023, há muito que tal irregularidade se havia sanado.
De igual modo, não é de aplicar à presente situação, o instituto do justo impedimento, uma vez que, apenas por falta de diligência da mandatária da recorrente, não foi atempadamente invocada a alegada nulidade processual.
Pelo exposto, também nesta parte, por manifesta intempestividade da invocada nulidade processual, não é possível remeter tal apreciação para o tribunal a quo.
Em conclusão, pelos motivos expostos, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.

2 – Consequências da falta de pagamento do preparo para despesas
Considera a recorrente que a falta de pagamento da guia referente ao preparo para despesa não conduziria à não realização da diligência, devendo a recorrente ter sido notificada para pagamento dos preparos com multa, nos termos dos arts. 139.º, n.º 7, 642.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil e 14.º, n.º 6 e 23.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.
Apreciemos.
Em momento prévio ao da prolação da sentença recorrida, o tribunal a quo proferiu um despacho judicial, no qual indeferiu a realização da junta médica requerida pela recorrente, por falta de pagamento do respetivo preparo para despesa. Desse despacho, a recorrente não interpôs recurso, devendo fazê-lo (Art. 79.º-A, n.º 2, al. d), do Código de Processo do Trabalho). E, a ser assim, o indeferimento da diligência de junta médica por falta de pagamento do respetivo preparo transitou, pelo que, nesta sede, não é já possível apreciar tal questão.
Pelo exposto, não tendo o indeferimento da diligência de junta médica sido decidido em sede de sentença, versando o presente recurso apenas a sentença, não é possível, nesta sede, apreciar a questão solicitada.

3 – Nulidade da sentença por se traduzir numa decisão surpresa
Entende a recorrente que o tribunal a quo, ao proferir de imediato sentença, após indeferir a realização da diligência de junta médica, sem que tivesse permitido à recorrente se pronunciar sobre a imediata prolação da sentença e sobre as nulidades que invocou em sede de recurso, violou o princípio do contraditório, nos termos do art. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, prolatando, em consequência, uma decisão surpresa.
Dispõe o art. 3.º, nº. 3, do Código de Processo Civil que:
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Estatui o art. 23.º do Regulamento das Custas Processuais que:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o não pagamento dos encargos nos termos fixados no n.º 1 do artigo 20.º implica a não realização da diligência requerida.
2 - A parte que não efectuou o pagamento pontual dos encargos pode, se ainda for oportuno, realizá-lo nos cinco dias posteriores ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 20.º, mediante o pagamento de uma sanção de igual valor ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC.
3 - À parte contrária é permitido pagar o encargo que a outra não realizou, solicitando guias para o depósito imediato nos cinco dias posteriores ao termo do prazo referido no número anterior.

Da conjugação dos citados artigos, resulta, por um lado, que o tribunal, excetuando os casos de manifesta desnecessidade, não pode decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem; e, por outro, que resulta da lei, como consequência do não pagamento dos encargos relativos a diligências solicitadas, a não realização das referidas diligências.
Na realidade, não se compreende bem em que momento é que a recorrente pretenderia ser previamente notificada pelo tribunal a quo, nos termos do n.º 3 do art. 3.º do Código de Processo Civil, se antes de ter sido prolatado o despacho judicial que determinou a não realização da diligência de junta médica e relativamente ao qual a recorrente não interpôs recurso, se relativamente à própria prolação da sentença. No primeiro caso, não tendo a recorrente interposto recurso do despacho de indeferimento da diligência de junta médica, não pode, perante um despacho transitado, vir invocar a violação do princípio do contraditório, sendo que, resultando as consequências do não pagamento dos preparos para despesas da lei, não se compreende que notificação prévia a parte pretenderia, sendo esta uma das situações enquadráveis no “caso de manifesta desnecessidade”.
Acresce que, resultando da lei que a falta de pagamento do preparo devido para a realização de diligência tem como consequência legal a não realização de tal diligência, facto relativamente ao qual a parte que requereu a diligência, ainda por cima representada por advogado, não podia desconhecer, e sendo apenas essa a diligência requerida no processo, não se compreende que notificação deveria previamente ser efetuada à parte antes de ser prolatada a respetiva sentença. Não está aqui em causa uma qualquer questão jurídica nova, mas tão somente uma consequência jurídica prevista na lei, em face de uma diligência solicitada pela recorrente, mas relativamente à qual não procedeu ao pagamento do respetivo preparo.
Uma vez que a consequência do não pagamento de um preparo é uma evidência absoluta, afigura-se-nos ser manifestamente desnecessário proceder à notificação prévia da parte que requereu tal diligência de que a mesma irá ser dada sem efeito ou de que, uma vez que a diligência foi dada sem efeito, por ser a única diligência requerida, se irá dar, de seguida, a sentença. Atente-se que tal situação não obsta a que venham a ser interpostos os competentes recursos quer do despacho judicial de indeferimento da diligência quer da sentença proferida. Entender-se de outro modo seria levar o cumprimento do n.º 3 do art. 3.º do Código de Processo Civil a um exagero que tornaria a própria expressão “caso de manifesta desnecessidade” vazia de conteúdo, tendo como única consequência tornar ainda mais tardia uma justiça que para ser eficazmente justa se pretende célere.
Assim, a prolação da sentença a seguir ao despacho de indeferimento da única diligência requerida não violou o princípio do contraditório previsto no art. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, improcede também nesta parte a pretensão da recorrente.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 12 de julho de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho

__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Doravante “Ageas Portugal”.
[3] Conforme referência 92574570.
[4] Conforme referência 92574794.
[5] Conforme referência 92574603.
[6] Conforme referência 92873872.
[7] No âmbito do processo n.º 104/18.3T8PSR.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Vejam-se os acórdãos do STJ proferido em 14-12-2005, no âmbito do processo n.º 04S4452; do TRP proferido em 01-03-2010, no âmbito do processo n.º 151/09.6TTGDM.P1; e do TRE proferido em 18-10-2012, no âmbito do processo n.º 1027/11.2TTSTB.E1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[9] No âmbito do processo n.º 2331/05-1, consultável em www.dgsi.pt.