Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
548/14.0TBLGS-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PRESCRIÇÃO DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA CULPOSA
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em sede de processo civil e para efeitos do cômputo do prazo da prescrição do direito, não se vai dizer que houve, ou que não houve, crimes: desde que haja elementos que apontem nesse sentido, tal é o bastante para alargar o prazo de prescrição, isto é, haver aqui a possibilidade de terem sido cometidos crimes.
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 548/14.0TBLGS-A.E1 – APELAÇÃO (LAGOS)


Acordam os juízes nesta Relação:

Os Autores/Apelantes (…) e (…), casados entre si e residentes na Rua D. (…), Lote nº (…), em Fernão Ferro, Sesimbra, vêm interpor recurso da douta sentença proferida a 28 de Janeiro de 2018 (agora a fls. 41 a 47 dos autos), e que veio a julgar procedente a excepção peremptória da prescrição e a absolver o Réu/Apelado, (…), residente na Rua São (…), n.º (…), 3º-Dto., em Angra do Heroísmo, do pedido indemnizatório nos valores de € 17.297,02 (dezassete mil e duzentos e noventa e sete euros e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, e de € 6.000,00 (seis mil euros), a título de danos não patrimoniais, e outros que se venham a verificar em virtude dos factos ocorridos, tudo acrescido de juros vincendos à taxa comercial desde a data da primeira interpelação extra-judicial até efectivo e integral pagamento, na presente acção declarativa de condenação, com processo comum, que lhe instauraram no Tribunal Judicial da comarca de Lagos (e ao co-Réu …, residente na Avenida Padre …, n.º 20, em Palmela) – com o fundamento que vem aduzido na douta sentença de que “teve lugar o facto gerador de responsabilidade, na conformação emprestada à acção pelos Autores, em 2007 e 2008 (período em que alegam que, por conduta dos Réus, já a sociedade por estes administrada se encontrava em situação de insolvência), pelo que o prazo de prescrição conhece o seu termo cinco anos depois, ou seja, 2013” –, intentando agora a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, que discordam do assim decidido sendo certo que “a actuação dos Réus contribuiu decisivamente para a criação e agravamento do estado de insolvência da empresa (…) e (…), Lda.”, a qual lhes ficou a dever o valor das rendas aqui em causa onde baseiam o pedido de indemnização que ora vêm formular. Pois que, desde logo, “os actos levados a cabo pelos Réus são abstractamente susceptíveis da prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido no artigo 227.º do Código Penal”, situação que foi objecto de procedimento criminal junto do Ministério Público, o que transporta para dez anos, em vez de cinco, o respectivo prazo de prescrição. Ao que acrescerá a circunstância de que “na pendência do processo de insolvência, os credores da sociedade estão privados de legitimidade activa para accionarem os administradores”, pelo que assim “o prazo de prescrição não se pode iniciar, como também se encontra suspenso, dado não poder ser legalmente exercido pelos seus titulares (artigos 306.º, nº 1 e 321.º, ambos do Código Civil)”. São, pois, termos, concluem, em que a douta sentença recorrida deverá ser revogada.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações de recurso.
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Vêm dados por provados os seguintes factos:

a) Sedeiam os Autores a presente acção nos danos causados na sequência de evento ocorrido entre 2007 e 2008, alegando já ser conhecida dos Réus o estado de insolvência da sociedade de que eram sócios-gerentes, não tendo já liquidez ou meios de tesouraria que garantissem a sua sobrevivência, escorando a ressarcibilidade dos mesmos em responsabilidade destes, porquanto a sua conduta conduziu a que o património social se tornasse insuficiente para satisfação dos respectivos créditos.
b) Apresentaram, em Juízo, a petição inicial em 20 de Maio de 2014.
c) Foi o Réu (…) citado, para os termos do processo, em 03 de Julho de 2014.

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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste tribunal ad quem é a de saber se foi bem julgada a acção no tribunal a quo, precisamente no sentido de declarar a prescrição do direito que os Autores nela pretendiam fazer valer contra um dos Réus, por não ter considerado que os factos alegados poderiam também integrar a prática de um crime de insolvência dolosa, nem ter atentado em eventuais causas de suspensão ou de interrupção da prescrição. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
Vejamos.

Estamos, porém, convencidos, que bastará aqui decidir a problemática do próprio prazo de prescrição aplicável – de cinco ou de dez anos – para se poder resolver a questão do recurso, pois que, a entender-se que seja de dez anos, nada mais haverá, então, a tratar ao nível da contagem do prazo (maxime o seu termo inicial) e das causas de suspensão e de interrupção da prescrição que possam ter ocorrido.
Mas adiantando, desde já, razões, cremos, salva outra e melhor opinião, que a douta sentença da 1ª instância não decidiu correctamente a problemática que lhe estava colocada, pelo que ora não poderá manter-se na ordem jurídica.

Os recorrentes aduzem que existe uma conduta que imputam ao recorrido (e ao outro sócio) e que exige responsabilização, qual seja a destes terem dado azo a que a sociedade à qual arrendaram a sua fracção autónoma tenha ficado sem meios para lhes poder pagar as rendas, daí advindo os seus prejuízos, pois ficou por pagar a renda anual de € 3.300,00 desde Janeiro de 2007 até à entrega do locado, perfazendo o montante global de € 6.221,42; que, para sua cobrança, incorreram em despesas, não conseguindo pagamento, pela inexistência de bens da sociedade, dissipados pelos Réus, que receberam o produto da sua respectiva venda, levando a que requeressem a insolvência da sociedade, declarada como tal a 28 de Março de 2011, tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa, não obstante o reconhecimento do crédito reclamado e a insolvência ter sido qualificada como culposa, por omissões dos Réus, que conduziram à falta de liquidez da sociedade e que estes não desconheciam, sendo a sua insolvência já evidente durante os anos de 2007 e 2008; ainda que se sentiram usados, tendo ficado desgostosos e frustrados por terem cedido a exploração dum bem imóvel sem receberem qualquer contrapartida após 2007, sofrendo desconforto com a circunstância de não poderem dispor das quantias peticionadas, para liquidarem com maior facilidade as despesas quotidianas que assumiram, passando por um período de impaciência que os trouxe numa angústia e desânimo.

Ora, nos termos estabelecidos nos n.os 1, alínea b) e 2 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais, prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário, ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º.
Já segundo o n.º 5 do mesmo normativo, “Se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável” – regime que também consta do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, para a responsabilidade civil em geral.

Volvendo já ao caso sub judicio, a verdade é que os factos alegados pelos Autores na sua douta petição inicial – aliados à circunstância da insolvência ter sido qualificada de culposa, com trânsito em julgado e de os Autores terem feito disso queixa-crime ao Ministério Público – são abstractamente susceptíveis de integrar a prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227º do Código Penal (com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias), no que a douta decisão recorrida não terá atentado, o que faz com que o respectivo prazo de prescrição de cinco anos passe para dez, nos termos estabelecidos no artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Pois que, nesta sede de processo civil e para efeitos do cômputo do prazo da prescrição do direito, não vamos dizer que houve, ou que não houve, crimes: há elementos que apontam nesse sentido, e isso é o bastante, isto é, haver aqui a possibilidade de terem sido cometidos crimes (naturalmente, em sede criminal, haveria que decompor/integrar o ilícito típico com cada um dos seus elementos, maxime na sua vertente subjectiva, para poder dar lugar a uma condenação, mas de que aqui não curamos, nem temos que curar).

Razões para que, num tal enquadramento fáctico e jurídico, alcance agora provimento o recurso apresentado, assim se retirando da ordem jurídica a douta sentença que ora constituía o seu objecto, e que fixara em cinco anos o prazo da prescrição, dessa maneira improcedendo a correspondente e invocada excepção peremptória da prescrição.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar a douta sentença recorrida, devendo o processo prosseguir os seus ulteriores termos.
Custas pelo vencido a final.
Registe e notifique.
Évora, 28 de Junho de 2018
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral