Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
115/22.4PAMRA.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: CUMPRIMENTO DE PENA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PERMISSÃO DE SAÍDAS
EXERCÍCIO DA ATIVIDADE LABORAL
HORÁRIO REGULAR
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Pese embora as sucessivas condenações anteriormente sofridas pelo arguido, a verdade é que todas elas se registaram no domínio da pequena criminalidade, não tendo em nenhuma dessas condenações sido alguma vez experimentada qualquer medida de coerção da sua liberdade efetiva, tendo-se sempre optado pela aplicação da pena de multa ou por uma pena de substituição de caráter não detentivo.
Além disso, o Tribunal não deixa aqui de considerar que o arguido se encontra numa situação de precariedade laboral (sem contrato de trabalho), exercendo a sua atividade num setor de grande instabilidade (agricultura), vivendo juntamente com a esposa que aufere salário mínimo, sendo que as necessidades de subsistência do agregado familiar ficam supridas apenas com os recursos obtidos pela atividade económica desempenhada por ambos.

O arguido reconhece os factos praticados e revela autocrítica para a situação.

Crendo o Tribunal que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, acautela e satisfaz adequadamente as finalidades de prevenção que se impõem, com reafirmação perante a comunidade do bem jurídico posto em causa e integração do agente na sociedade sem necessidade de contacto com o meio prisional, autorizações para que o arguido possa ausentar-se da sua habitação apenas para o exercício do seu trabalho em horário regular parece não pôr em crise aquele desiderato.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (na parte que interessa):

“Nestes termos, e pelo exposto, julgo a acusação procedente por provada e, em consequência, decide-se:

A. Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material, na forma consumada, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos art.º 3º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, descontando 1 dia de prisão, em razão da detenção sofrida (art.º 80º do Código Penal).

B. Determinar que o arguido cumpra a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, na sua residência sita em Rua …, n.º …, em …, sujeito a vigilância eletrónica, com permissão de saídas para o trabalho em períodos limitados, restrita a dias úteis, em horário que se fixa das 6:45 horas às 17:30horas, devendo o Arguido permanecer confinado no interior da sua residência sob meios de controlo a distância, na restante parte do dia, fins de semana e feriados.”

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O Ministério Público, inconformado com a referida decisão, dela recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. Por sentença datada de 29.11.2022, AA, foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação, na sua residência sita em Rua …, n.º …, em …, sujeito a vigilância eletrónica, com permissão de saídas para o trabalho em períodos limitados, restrita a dias úteis, em horário que se fixa das 6:45 horas às 17:30horas, devendo o Arguido permanecer confinado no interior da sua residência sob meios de controlo a distância, na restante parte do dia, fins de semana e feriados, pela prática, na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03.01.

2. O Ministério Público não se conforma com a pena aplicada, na douta sentença condenatória, por entender que, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto no artigo 43.º, n.º 3 do CP.

3. Dispõe o artigo 43.º, n.º 3 do CP que O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4. Assim, no presente recurso, a única questão que se coloca em análise prende-se com extenso período temporal que o arguido se encontra fora da sua habitação, comprometendo, desse modo, a eficácia da pena e as prementes exigências de prevenção geral que o caso impõe.

5. Assim, tal autorização, porque não circunscrita a período de tempo relativamente curto, em comparação com os períodos que o arguido permanecerá em casa (apenas o período noturno e os fins de semana e feriados), não permite manter a eficácia da pena e as finalidades que com a mesma se visam alcançar.

6. Em bom rigor, a pena ora aplicada ao arguido está totalmente esvaziada de conteúdo, porque o arguido poderá fazer a sua vida normal, apenas tendo de permanecer na sua habitação no período noturno e fins de semana/feriados, o que em pouco altera as suas rotinas habituais.

7. Ainda se acrescenta que, sendo permitido ao arguido ausentar-se da sua residência por um período tão dilatado e tendo este, dois veículos automóveis ao seu dispor, maior será a tentação de pegar num deles e novamente incorrer na prática de crime de idêntica natureza.

8. Nestes termos, entende-se que, o período de ausência para exercício da atividade profissional deveria ser reduzido, eventualmente, entre as 6.45 horas e as 13 horas, visto o arguido ser agricultor e, no Alentejo, em geral, tal atividade se desenvolver com maior incidência no período da manhã, devido às adversas condições meteorológicas.

9. Nestes termos, a sentença condenatória viola o disposto no artigo 43.º, n.º 3 do CP.

TERMOS em que deve ser dado provimento ao Recurso, sendo revogada a sentença condenatória e substituída por outra que, acolhendo o entendimento expresso neste Recurso condene o arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Dl n.º 2/98, de 03.01, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação, na sua residência sita em Rua …, n.º …, em …, sujeito a vigilância eletrónica, com permissão de saídas para o trabalho em períodos limitados, restrita a dias úteis, em horário que se fixa das 6:45 horas às 13 horas, devendo o Arguido permanecer confinado no interior da sua residência sob meios de controlo a distância, na restante parte do dia, fins de semana e feriados, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada JUSTIÇA!”

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O arguido não respondeu ao recurso.

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão a apreciar no presente recurso é de se saber se o horário fixado na sentença recorrida com vista a possibilitar a ausência do arguido da habitação para o exercício da sua actividade profissional, deve, ou não, ser alterado.

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Foram considerados provados os seguintes factos:

“1. No dia 22.07.2022, pelas 17 horas e 30 minutos, no cruzamento entre a 1.ª Rua … e a Rua …, em …, o arguido AA, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ….

2. O arguido não é titular de carta de condução, ou de qualquer outro título, que o habilite a conduzir veículos motorizados da referida categoria ou de qualquer outra.

3. O arguido bem sabia que para o exercício da condução era necessário possuir habilitação legal, a qual só é emitida pela autoridade competente após a sujeição a aulas de código e condução, bem como a aprovação em exame.

4. O arguido conduziu veículo motorizado bem sabendo que não possuía habilitação legal para o exercício de tal atividade.

5. Ao agir da forma descrita o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

6. O arguido confessou os factos supra descritos.

7. O arguido vive com a mulher, em casa própria, auferindo aquele um salário médio mensal de 800€ e esta de 705€.

8. O arguido é proprietário de dois veículos automóveis, encontrando-se a pagar empréstimo obtido no financiamento de ambos, um no valor de 194€ e outro no montante de 111€.

9. O arguido tem o 6º ano de escolaridade.

10. O arguido enquanto trabalhador rural, trabalha sem contrato num horário de trabalho que se fixa entre as 07h00 e as 17h15.

11. O arguido possui enquadramento familiar favorável ao cumprimento de uma pena de prisão na habitação, existindo condições objetivas para a aplicação de vigilância eletrónica.

12. Do certificado de Registo Criminal do arguido resulta:

12.1. Por decisão de 10.10.2005, no processo n.º 250/05.3…, transitada em julgado em 25.10.2005, foi o arguido condenado pela prática em 1.10.2005 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 4€.

12.2. Por decisão de 17.11.2008, no processo n.º 1/08.0…, transitada em julgado em 24.12.2008, foi o arguido condenado pela prática em 22.12.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5€.

12.3. Por decisão de 22.2.2012, no processo n.º 117/11.6…, transitada em julgado em 23.3.2012, foi o arguido condenado pela prática 228.10.2011 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 6€.

12.4. Por decisão de 20.3.2015, no processo n.º 123/12.3…, transitada em julgado em 28.4.2015, foi o arguido condenado pela prática em 5.11.2012 de um crime de condução sem habilitação legal e de um, crime de falsificação ou contrafação de documento, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por um período de 1 ano, em regime de prova.

12.5. Por decisão de 10.7.2017, no processo n.º 605/17.0…, transitada em julgado em 25.9.2017 foi o arguido condenado pela prática em 25.6.2017 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a deveres.

12.6. Por decisão de 29.11.2017, transitado em julgado em 29.9.2005 no processo n.º 370/03.9…, foi o arguido condenado pela prática em 31.7.2003 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 4,00€.

12.7. Por decisão de 2.12.2005, no processo n.º 95/17.8…, transitada em julgado em 11.1.2018, foi o arguido condenado pela prática em 14.11.2017 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.”

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Com vista a fundamentar a pena escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

“Dos factos resulta que o arguido trabalha como trabalhador rural, sem sujeição a contrato de trabalho, embora em períodos entre as 7h00 e as 17h15; aufere um salário de 800€ e vive com e mulher que, por sua vez, recebe o salário mínimo nacional; têm despesas com financiamentos na ordem dos 305€. Resulta igualmente do relatório social que as necessidades de subsistência do agregado familiar ficam supridas apenas com os recursos obtidos pela atividade económica desempenhada por ambos.

A jurisprudência tem sido congruente na forma como aprecia o esvaziamento das finalidades de medidas de coação de obrigação de permanência em habitação sempre que são solicitadas autorizações/permissões de ausências temporárias para efeitos diversos (v.g., para trabalhar).

Entende-se, para todos os efeitos, que medidas de coação como a obrigação de permanência em habitação não se compagina com o exercício de uma atividade laboral que redunde num regime de semidetenção, uma vez que tal sai dos parâmetros definidos pela obrigação de permanência na habitação, desde logo pelas finalidades que lhe são intrínsecas; i.e., que autorizações para que o arguido se ausente da habitação onde cumpre a obrigação de permanência devem ser meramente pontuais, não cabendo aí a ideia de autorização de saída para o trabalho regular [Ac. do TRG de 20.8.2020, proc. n.º 84/20.5GAMCD.G1 (Rel. CÂNDIDA MARTINHO), disponível em www.dgsi.pt].

Mas tal como o esvaziamento das finalidades ínsitas das medidas de coação devem presidir à ponderação pelo juiz de instrução daquelas autorizações de saída, também, em sede de julgamento, nas penas que em concreto serão aplicáveis ao arguido, deverão as exigências de prevenção geral e especial ordenar o critério do julgador.

Aqui, não se procuram acautelar os riscos e perigos previstos no art.º 204º do Código de Processo Penal, mas sim salvaguardar que as finalidades de prevenção geral e especial mencionadas no art.º 40º do Código Penal são salvaguardadas.

Razão pela qual entende o Tribunal que, e ao contrário do juízo crítico que deverá nortear a primeira decisão, neste segundo momento impõe-se a ponderação, com igual peso e importância tópica, as finalidades de prevenção especial exigidas pelo sistema penal.

A autorização para saídas, nomeadamente para o exercício de atividade laboral, propiciará, à partida, boas condições para a eficácia preventiva da pena na sua dimensão de reabilitação ou de reinserção social do condenado [Ac. TRP de 5.2.2020, proc. n.º 159/15.2PGGDM-B.P1 (Rel. FRANCISCO MOTA RIBEIRO), disponível em www.dgsi.pt].

Naturalmente que as permissões de saídas para o exterior em condições próximas às que o arguido tinha na sua vida normal caso não tivesse sido condenado, podem afetar, em alguma medida, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir; pelo que importa, casuisticamente, perceber qual o patamar ideal para garantir que a pena assuma, ainda assim, natureza sancionatória necessária, de constrangimento mínimo, e que lhe permita acautelar as exigências e finalidades de prevenção que lhes subjazem, por forma a não colocar em crise a confiança comunitária no ordenamento jurídico.

A ponderar neste juízo crítico feito pelo legislador, deverão presidir critérios ligados à gravidade dos factos ilícitos praticados, do comportamento do condenado anterior e posterior a tais factos, mas também da personalidade neles revelada, a conformação da execução da pena, a ponderação de certos direitos sociais (v.g., direito ao trabalho) e exigências de garantia da dignidade da pessoa humana.

Se, por um lado, as exigências de necessidade e subsidiariedade da intervenção penal terão de ser acauteladas, é importante não descurar princípios como os da socialidade ou de solidariedade, i.e., a necessidade de ponderar e proporcionar ao arguido o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes.

Atendendo ao presente caso concreto, pese embora as sucessivas condenações anteriormente sofridas pelo arguido, a verdade é que todas elas se registaram no domínio da pequena criminalidade, não tendo em nenhuma dessas condenações sido alguma vez experimentada qualquer medida de coerção da sua liberdade efetiva, tendo-se sempre optado pela aplicação da pena de multa ou por uma pena de substituição de caráter não detentivo.

Além disso, o Tribunal não deixa aqui de considerar que o arguido encontra-se numa situação de precariedade laboral (sem contrato de trabalho), exercendo a sua atividade num setor de grande instabilidade (agricultura), vivendo juntamente com a esposa que aufere salário mínimo, sendo que as necessidades de subsistência do agregado familiar ficam supridas apenas com os recursos obtidos pela atividade económica desempenhada por ambos.

O arguido reconhece os factos praticados e revela autocrítica para a situação.

Crendo o Tribunal que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, acautela e satisfaz adequadamente as finalidades de prevenção que se impõem, com reafirmação perante a comunidade do bem jurídico posto em causa e integração do agente na sociedade sem necessidade de contacto com o meio prisional, autorizações para que o arguido possa ausentar-se da sua habitação apenas para o exercício do seu trabalho em horário regular parece não pôr em crise aquele desiderato.

Termos em que, tudo ponderado, determina-se que a pena de prisão em que o arguido vai condenado, a cumprir em regime de permanência em habitação, poderá ser realizada com permissão de saídas para o trabalho em períodos limitados, restrita a dias úteis, em horário que se fixa das 6:45 horas às 17:30horas, devendo o Arguido permanecer confinado no interior da sua residência sob meios de controlo a distância, na restante parte do dia, fins de semana e feriados.

Quaisquer outras ausências da habitação serão, casuisticamente, decididas pelo Tribunal de Execução de Penas, a requerimento, ex vi artigo 222.º-B da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro (Código da Execução das Penas e de Medidas Privativas da Liberdade).”

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O recorrente alega na motivação de recurso que o arguido é agricultor e que é normal esta actividade ser levada a cabo apenas na parte da manhã, pelo que entende que o período em que o arguido deverá ser autorizado a ausentar-se da residência para exercer essa actividade deverá ser fixado entre as 6,45 horas e as 13,00 horas.

Ora, o que está provado é que o arguido é trabalhador rural e não agricultor. E não é a mesma coisa. Pelo menos no Alentejo.

O agricultor é aquele que desenvolve a actividade de agricultura por conta própria, em virtude de por qualquer forma (habitualmente propriedade ou arrendamento) ter a posse da terra onde a mesma tem lugar. Pode desenvolver a actividade só por si próprio, só contratando terceiros ou simultaneamente pelas duas formas, mas é ele que estabelece os horários de trabalho. No fundo, é um empresário agrícola.

O trabalhador rural é aquele que desempenha a actividade na agricultura por conta de outrem, recebendo um salário certo por virtude disso, como provado se considerou que o arguido recebia. O trabalhador rural não tem qualquer tipo de autonomia de horários de trabalho, pois que os mesmos são fixados pela entidade patronal aquando da celebração do contrato (mesmo que seja só verbalmente). Se o trabalhador rural não cumprir os horários fixados corre o risco de ser despedido.

Resulta daqui que, pelo menos tendo em conta o que provado se considerou, se o arguido transmite que só pode trabalhar da parte da manhã, corre o risco de ser despedido e não lograr arranjar qualquer outro trabalho, seja na agricultura, seja noutra actividade.

Se é certo que em determinadas alturas do ano a actividade agrícola se desenvolve essencialmente na parte da manhã, nem sempre é assim. E o arguido tem que cumprir a pena de permanência na habitação pelo período de 1 ano e 6 meses.

Resulta do exposto que a ser como pretende o recorrente, corre-se o sério risco de o arguido não poder trabalhar mais durante 1 ano e 6 meses e fica possibilitado a sair de casa na parte da manhã não para trabalhar mas para fazer o que muito bem entender.

E se assim for, o que se pretendia que contribuísse para a reinserção social do arguido, esvai-se.

Bem se sabe que a possibilidade concedida pelo artº 43º, nº 2, do Cód. Penal, deve ser aplicada de modo a que o condenado sinta constrangimentos no seu dia a dia, por forma a melhor interiorizar o desvalor do seu comportamento, mas nada impede que se autorize que o mesmo se ausente de modo a continuar a desenvolver a sua actividade profissional habitual. A não ser que se saiba que eventuais restrições não afectarão a possibilidade de continuar a desenvolver essa mesma actividade profissional. No caso em apreço não se sabe em concreto em que a actividade se revela a qualidade de trabalhador rural ou como é desenvolvida (sempre para a mesma pessoa? A que distância da residência? Sempre com o mesmo horário? Qual o período de gozo de férias?, etc. etc.).

Como se refere na sentença recorrida, o arguido já foi condenado anteriormente 6 vezes por condução sem habilitação legal (2 em pena de multa, uma em pena de prisão substituída por multa, 3 em penas de suspensão da execução de penas de prisão, todas elas já declaradas extintas).

O arguido nunca foi condenado em pena de prisão que tenha que efectivamente cumprir, seja em estabelecimento prisional, seja em permanência na habitação.

Será esta a primeira vez, pelo que acredita-se que, finalmente, o arguido perceberá que não pode continuar a conduzir sem habilitação legal, tal como vem fazendo desde 2005 (data da primeira condenação).

Oxalá o arguido não ponha em causa a esperança de que assim será !

Por tudo o referido, entende-se que não ocorreu violação do artº 43º, nº 3, do Cód. Penal, devendo ser mantido o horário da autorização concedida ao arguido para se ausentar da residência de modo a exercer a sua actividade profissional.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Sem tributação.

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Évora, 25 de Maio de 2023

Nuno Garcia

António Condesso

Edgar Valente