Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
360/17.4T8FAR-A.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CITIUS
TRANSMISSÃO ELETRÓNICA DE DADOS
CONTESTAÇÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Face ao disposto no n.º 1 do artigo 144.º, do CPC a apresentação a juízo dos actos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através do sistema Citius, por transmissão eletrónica de dados, excepto em caso de justo impedimento;
II – O justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova.
III – Tendo a Ré, por intermédio de mandatário, apresentado a contestação em suporte em papel e não tendo invocado justo impedimento para a não apresentação da peça processual por transmissão electrónica de dados, o acto não pode ter-se por validamente praticado, o mesmo é dizer que a contestação não pode ter-se por validamente apresentada, devendo ser desentranhada dos autos.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 360/17.4T8FAR-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
No âmbito dos autos n.º 360/17.4T8FAR, a correr termos na Comarca de Faro (Juízo do Trabalho de Faro – J2), em que é Autor BB e Ré CC, veio esta apresentar contestação em suporte em papel.
Porém, por despacho de 19-04-2017 a referida peça processual não foi admitida.
Extrai-se, no essencial, do referido despacho a seguinte fundamentação:
«Ora, no caso dos autos, a R. CC, patrocinada por advogado, apresentou a contestação e documentos de fls. 18 e seguintes em formato físico de papel.
Nada invoca que justifique a não apresentação através do sistema citius.
É obrigatória a apresentação a juízo dos actos processuais através do sistema Citius, para os profissionais forenses.
Apenas o não será em caso de justo impedimento que, no entanto, tem que ser expressamente invocado.
Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto (artigo 140.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.09.2015, disponível em www.dgsi.pt.
Pelo exposto, não se admite a contestação apresentada, a qual deve ser desentranhada e remetida ao seu apresentante.
Notifique».

Inconformada com o despacho, a Ré dele veio interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«a) Deve o despacho que determinou o desentranhamento da contestação ser revogado, na medida em que a mandatária apresentou a contestação em formato físico de papel, porquanto acedeu ao sistema Citius, mas por problemas técnicos do sistema criou o envio da peça processual, mas não conseguiu juntar qualquer tipo de documento, na medida em que sempre que tentava juntar qualquer documento, o sistema não o permitia, por excesso do limite do tamanho dos ficheiros a enviar – entenda-se a um máximo de 3 Mb, nem a junção de uma única página da contestação foi aceite pelo sistema, o que motivo o envio em formato em papel.
b) Como emerge do artigo 644.º/2/d) do NCPC, cabe recurso autónomo de apelação do despacho de rejeição de algum articulado, sendo que só os despachos contemplados no n.º 3 do mesmo artigo (de conteúdo fundamentalmente idêntico ao do n.º 3 do artigo 79.º-A do CPT) podem ser impugnados no recurso da decisão que ponha termo à causa (em 1.ª instância).
c) Dispõe o artigo 4.º do CPC que “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
d) Até por via do despacho de aperfeiçoamento, expressamente previsto no artigo 590.º do CPC, para suprir as irregularidades que afectem os articulados, “designadamente quando careçam de requisitos legais ou quando venham desacompanhados de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento dos autos” (despacho vinculado), ou para suprir “as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”, que apenas podem ser superadas por via da iniciativa do juiz neste momento processual (despacho não vinculado), através do consequente “esclarecimento, aditamento ou correcção” (n.º 4) – cfr. Abrantes Geraldes, In Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 1997, pág. 77, 79 e 81).
e) Assim, deverá ser declarada a nulidade do despacho, requerendo que seja substituído por outro, a admitir a tramitação não eletrónica da contestação.
f) subsidiariamente, peticiona que a contestação ordenada desentranhar seja admitida, agora por via eletrónica, com efeitos à data da sua entrada em papel.
g) Concomitantemente, viola o artigo 6.º do CPC, que confere ao juiz o poder-dever de fazer uma gestão processual em ordem a uma justa composição do litígio.
h) Dado que, mediante estas violações da lei processual, tal despacho constitui todo o fundamento de uma condenação de preceito nos termos da revelia, previstos no artigo 57.º do CPT, de uma Ré que apresentou em devido tempo a sua contestação, o referido despacho integra a nulidade processual prevista no artigo 195.º, do CPC.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exª. Doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada procedente e assim ser revogado o despacho, na parte em que a nulidade do despacho, requerendo que seja substituído por outro, a admitir a tramitação não eletrónica da contestação e, subsidiariamente, peticiona que a contestação ordenada desentranhar seja readmitida, agora por via eletrónica, com efeitos à data da sua entrada em formato em papel».

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Entretanto, o recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer ao abrigo do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, no sentido da improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a manifestar a sua discordância e a reiterar que o recurso deve ser julgado procedente.

Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em saber se deve ser revogado o despacho recorrido, admitida a contestação em suporte em papel ou, caso assim se não entenda, que tal peça processual seja admitida por via eletrónica, mas com efeitos à data da entrada da contestação em suporte em papel.

III. Factos e Fundamentação Jurídica
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, que aqui se tem por reproduzida.
No essencial verifica-se que encontrando-se a Ré patrocinada por mandatário judicial apresentou o articulado da contestação em suporte em papel.
De acordo com o disposto no artigo 144.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, ou seja, nos termos da portaria n.º 280/13, de 26 de Agosto (alterada pela portaria n.º 170/2017, de 25-05, mas que aqui não releva); e só se o acto respeitar a causa que não comporte a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, o requerimento de interposição do recurso pode ser apresentado através de entrega na secretaria judicial, envio pelo correio ou por telecópia (n.º 7 do mesmo artigo).
Mas ainda que a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo “justo impedimento” para a prática do acto por transmissão electrónica de dados, o acto pode também ser praticado através de entrega na secretaria judicial, envio pelo correio ou por telecópia (n.º 8 do mesmo artigo).
Isto é: a prática de actos processuais por entrega na secretaria judicial, envio pelo correio ou por telecópia apenas é admissível se a parte não estiver patrocinada por mandatário ou havendo justo impedimento na transmissão electrónica de dados (n.ºs 7 e 8 do artigo 144.º do CPC).
Contudo, saliente-se, face ao estatuído no artigo 140.º do compêndio legal em referência, o justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova.
No caso em apreciação, face ao que se deixou referido, estando a parte patrocinada por mandatário parece não oferecer controvérsia que o acto de apresentação da contestação devia ter sido praticado por transmissão electrónica de dados.
A parte/recorrente não parece contrariar tal conclusão: o que ela sustenta é que por problemas técnicos não lhe foi possível aceder ao sistema Citius [cfr. alínea a) das conclusões] e daí ter apresentado a contestação em suporte em papel.
Contudo, a verificar-se tal situação, como resulta do já referido, ao praticar o acto (contestação) através de peça processual em papel entrada em tribunal, para a sua validade devia na mesma alegar e juntar prova da impossibilidade de praticar o acto por aquele meio electrónico.
Porém, na referida peça processual guardou absoluto silêncio quanto à impossibilidade de apresentar a contestação por aquela via: por isso, por extemporânea, não pode admitir-se a alegação de justo impedimento apenas no presente recurso e, por consequência, haverá que concluir que a prática do acto (apresentação da contestação através de suporte em papel) não o foi pela forma legal, pelo que não pode ter-se por validamente prestado.
Extrai-se das conclusões das alegações de recurso que a recorrente sustenta que, não obstante, devia o tribunal «(…) admitir a tramitação não eletrónica da contestação e, subsidiariamente, (…) a contestação ordenada desentranhar seja readmitida, agora por via eletrónica, com efeitos à data da sua entrada em formato em papel».
Quanto à primeira situação, ou seja, admitir a tramitação não electrónica da contestação, afigura-se ser manifestamente contrária à lei, maxime aos referidos artigos 144.º e 132.º, ambos do CPC, pelo que a mesma não pode ser acolhida.
E quanto à admissão da contestação, agora por via electrónica, o que está subjacente na alegação da recorrente é, ao abrigo do princípio da igualdade das partes e do aproveitamento dos actos processuais, que o tribunal convidasse/convide a parte a apresentar a contestação através da transmissão electrónica de dados.
Não se acompanha tal entendimento, uma vez que a lei estabelece em que termos deve obrigatoriamente ser praticado o acto; e a não observância de tal formalidade determina irremediavelmente que o acto não pode ter-se por validamente praticado, o mesmo é dizer que a contestação não pode ter-se por validamente apresentada, pelo que teria que ser ordenado o seu desentranhamento, como, de resto, o foi na 1.ª instância.
A este propósito escreve de modo assertivo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer que «(…) a alegada violação do disposto nos artºs 4º e, 6º, do CPC, por alegadamente não ter sido assegurado pelo tribunal, o dever de igualdade das partes, nem ter sido exercido o poder-dever de gestão processual, não deve colher, já que se trata de questão a montante daqueles deveres do tribunal: não se trata de mandar aperfeiçoar a Contestação, na sua substancia intrínseca, mas de aceitar, ou não, a sua própria existência, atento o modo como a mesma foi transmitida (externamente) ao tribunal».
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-05-2016 (Proc. n.º 1083/15.4T8MTS.P1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) a apresentação a juízo através de um meio não permitido, salvo no caso das exceções previstas no citado normativo, consubstancia a prática de um ato processual contrário à lei que define a forma da prática do mesmo e, por isso, nulo, pese embora a lei não o declare expressamente. Trata-se de uma nulidade intrínseca ou “substancial” e não de uma típica nulidade processual, pelo que, não estamos perante o regime previsto no artigo 195.º, do C.P.C., ou seja, a previsão contida neste normativo é a de desvios do formalismo processual (audição irregular de uma parte, falta de notificação de um despacho, audição de uma testemunha sem ser ajuramentada, etc.) passíveis de originar nulidades processuais típicas e não a do ato processual em si mesmo praticado contra a forma prevista na lei (artigo 144.º, n.º 1) e que, por isso, se encontra ferido de nulidade por violação desta norma, nulidade atípica, um misto de nulidade processual e substantiva.
A admitir-se o vício da mera irregularidade processual, ou seja, a ausência de qualquer sanção para a prática do ato através de um dos outros meios previstos no n.º 7, do artigo 144.º, do C.P.C., todo o regime criado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e regulado na Portaria n.º 280/2013, de 26/08, perderia a sua razão de ser podendo as partes, na prática, utilizar aqueles meios alternativos sem qualquer sanção.
O D. L. n.º 150/2014, de 13/10 é bem o exemplo de que o legislador, ao tornar obrigatória a prática dos atos processuais através de transmissão eletrónica de dados, não quis nem teve como pressuposto a inexistência de uma sanção para o incumprimento daquela. Tanto assim é que sentiu necessidade de através daquele esclarecer que os constrangimentos técnicos que afetaram o acesso e a utilização do sistema informático CITIUS constituíam justo impedimento à prática de atos por aquela via (artigo 3.º do D.L 150/2014) e determinou até “a sua realização em suporte físico, caso não possam ser praticados eletronicamente, sem que daí resulte qualquer ónus ou consequência adversa para o seu autor, seja a nível processual seja a nível de custas processuais”».

Parece extrair-se ainda do entendimento da recorrente que a interpretação feita pelo tribunal a quo – ao não admitir a contestação em papel ou não convidar a parte a apresentá-la por transmissão electrónica de dados – é inconstitucional, por ser desproporcionada, violar o princípio da igualdade e lesar a garantia de acesso à justiça e aos tribunais.
Ora, embora se afigure que a recorrente não concretiza o porquê da pretensa inconstitucionalidade, sempre se dirá que não se vislumbra em que medida poderá haver violação do princípio da igualdade, uma vez que para situações iguais a lei prevê tratamento igual, e para situações diferentes tratamento diferente; ou seja, e concretizando: para os casos em que a parte se encontra patrocinada por mandatário os actos (por escrito) terão que ser praticados por transmissão electrónica de dados, a não ser que se verifique “justo impedimento”; já se a parte não se encontra patrocinada por mandatário existe um diferente tratamento, podendo o acto ser praticado por outro meio processual.
E também não se detecta em que medida tal interpretação possa ser desproporcionado e violar o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, uma vez que a parte que se encontra patrocinada por advogado em nada fica impedida de aceder aos tribunais para exercer o seu direito; tem é que o fazer por uma determinada via processual, sob pena do acto por si praticado carecer de validade.
Na acção, cada uma das partes procura valer os seus interesses, a sua pretensão: porém, não o pode fazer por qualquer via, tem que respeitar as regras processuais vigentes, sob pena de o por si alegado não poder ser atendido.
Uma vez aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

Vencida no recurso, deverá a recorrente suportar as custas respectivas (artigo 527.º do CPC).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por CCl e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Évora, 08 de Março de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.