Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO CORRECÇÃO DA DECISÃO | ||
Data do Acordão: | 11/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1 - Não havendo lacuna no C.P.P. sobre esclarecimentos e reclamações da decisão judicial penal, logo, não há que fazer apelo a qualquer analogia ou aplicação de norma do Código de Processo Civil. 2 - O artigo 380º do C.P.P. permite a correcção da decisão judicial que “não importe modificação essencial”, não permite a falsa aclaração (reclamação) quando se pretenda inverter o sentido da decisão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório:
* O reclamante aduz as seguintes razões para alicerçar o seu “pedido de aclaração”: 1.- Salvo o devido respeito, por opinião contrária, o douto Acórdão apresenta situações de omissões e contradições, contrárias a Lei Processual Penal, cuja aclaração e correção se requerem: * Notificada, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer onde conclui que “não vemos que o acórdão esteja ferido de qualquer vício,nomeadamente de nulidade, por violação da lei penal, processual penal ou constitucional, pelo que em nosso entender deverá ser mantido integralmente, com a rejeição da nulidade arguida”. Para tanto fundamenta da seguinte forma: 1. O Ministério Público tanto em primeira instância como através do parecer neste tribunal já se pronunciou sobre as questões que o arguido continua a levantar sobre os fatos e a prova em resposta ao recurso que o arguido interpôs e foram objeto de pronúncia pelo Tribunal da Relação. «No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto, é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.» 7. E é isso que o arguido não parece aceitar, quer que o tribunal conhece e aprecie o recurso do arguido sendo ele a decidir os termos desse conhecimento, suplementando-se à Lei. * B – Fundamentação B.1 - O artigo 4º do C.P.P. é claro. Apenas nos casos omissos, ou seja, em caso de lacuna de previsão do dito código, é lícito recorrer – em patamares – à analogia legis, às normas do C.P.C. harmonizáveis com o processo penal e, na sua falta, aos princípios gerais do processo penal. O essencial é saber, então, se há lacunas na análise do caso sub iudicio. Não há! Existe norma específica para regular as reclamações de sentença em processo penal que é o artigo 380º do C.P.P.. Este dispõe: Artigo 380.º Correcção da sentença a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. 2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso. 3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º Não havendo lacuna no C.P.P. sobre esclarecimentos e reclamações da decisão judicial penal, logo, não há que fazer apelo a qualquer analogia ou aplicação de norma do Código de Processo Civil. Isto é jurisprudência uniforme. Assim resta afirmar que não se revela necessário interpretar o requerimento do recorrente quanto ao seu fundamento legal à luz da norma indicada do Novo C.P.C., o artigo 616º. * B.2 – Impõe-se, portanto, saber se o requerimento do recorrente/reclamante preenche os requisitos do supra citado artigo 380º do C.P.P. Para tanto importa determinar de forma clara de que reclama o arguido. Do seu requerimento resulta que o arguido se insurge contra o acórdão desta Relação mas nos fundamentos do seu pedido, apesar de começar por afirmar que o «douto Acórdão apresenta situações de omissões e contradições, contrárias a Lei Processual Penal, cuja aclaração e correção se requerem», acaba por apenas num ponto – a omissão de pronúncia – se referir ao acórdão desta Relação, não lhe apontando qualquer ambiguidade, ininteligibilidade ou contradições no texto do aresto. Limita-se, isso sim, a insurgir-se contra o acórdão lavrado nesta Relação apenas por este «evidenciar, uma clara contradição entre os fundamentos e a condenação» … o que constituiria «(4.2) nos termos do artigo 410.º, n.º 2 al. b) do C.P.Penal, …uma contradição insanável da fundamentação com respectiva decisão» «(4.2.1.) - Que implica a nulidade da sentença» e «(4.3.) Verificando-se, também, uma omissão de pronúncia». Indo ao pormenor destas alegações constatamos que, à excepção da invocação de «omissão de pronuncia», as razões do pedido de «aclaração e correcção» se centram naquilo que o “reclamante” designa por «acórdão da sentença» no seu ponto 2.2 e que posteriormente vem a designar por (ponto 6 do requerimento) «acórdão da sentença de 1ª instância». Ou seja toda a sua insatisfação se centra na decisão de primeira instância e a «clara contradição entre os fundamentos e a condenação» … o que constituiria «(4.2) nos termos do artigo 410.º, n.º 2 al. b) do C.P.Penal, …uma contradição insanável da fundamentação com respectiva decisão» estão referidos a essa decisão e não ao acórdão desta Relação. De facto, à excepção da «omissão de pronúncia» que pode facilmente ser entendida como uma crítica ao acórdão desta Relação, todas as restantes razões apontam às críticas que o recorrente já formulou à decisão de primeira instância. Mas todas elas – incluindo a omissão de pronúncia – não visam uma «aclaração» ou um «esclarecimento»! Aquilo que move o requerente é uma clara inconformidade com o decidido e todo o requerido é uma pretensão de alteração do decidido no acórdão desta Relação. Claramente não estamos face a uma «aclaração», sim perante uma falsa aclaração que, na sequência do decidido e fundamentado nos acórdãos ns.º 716/04, 222/09, 219/10, 390/10, 480/16 do Trib. Const., tem que ser tratada como reclamação para a conferência. De facto nestes autos ocorre o que no indicado acórdão nº 219/10 se fundamentava da seguinte forma: «Na presente reclamação, a recorrente conclui pela “obscuridade” da decisão, sem que assinale, no entanto, qualquer passo da mesma cujo sentido seja ininteligível. Do requerimento em apreciação decorre, isso sim, que a recorrente discorda do já decidido quanto ao conhecimento do objecto do recuso interposto, o que configura uma reclamação e como tal deve ser tratado.» Obviamente que não é caso de aplicação da al. b) do nº 1 do artigo 380º do C.P.P. pois que não vem invocado “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”, por referência ao próprio acórdão sob reclamação. Por outro lado o mesmo preceito e na sua al. a) prevê a possibilidade de correcção de vícios mas exclui os casos de nulidade da decisão. Aqui, no entanto, os vícios não são apontados ao acórdão desta Relação, sim à decisão de primeira instância, o que exclui a possibilidade de correcção numa matéria já objecto de decisão no recurso. Recordemos os termos expressos pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/17/2015 (Processo nº 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, sendo relator o Cons. João Silva Miguel): II - Pressuposto do art. 380.º do CPP é que a decisão, tal como proferida, não sofra modificação essencial com as correções que sejam de introduzir, sendo esse o caso, pois que a epígrafe da norma, apelando à «correção» da sentença tem implícita a manutenção da essência da decisão, de outro modo não se trataria de correções, as quais só são admissíveis se preservarem aquela essencialidade e resultarem de algum dos vícios nela mencionados. Isto é, o artigo 380º do C.P.P. permite a correcção da decisão judicial que “não importe modificação essencial”, não permite a falsa aclaração (reclamação) quando se pretenda inverter o sentido da decisão. E quanto à alegada «omissão de pronúncia» resta afirmar que o tribunal não omitiu pronúncia sobre os pontos indicados pois que claramente afirmou: Em concreto o recorrente não cumpre qualquer dos requisitos de impugnação à luz da previsão do artigo 412º do C.P.P.. Não indica os factos que se integram numa eventual impugnação, nem indica especificadamente prova que pretenda sustentar essa sua impugnação e não faz a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal) nem, alternativamente, identifica a transcrição das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados). Isto é, este tribunal analisou as questões suscitadas no recurso e afastou-as de forma expressa e clara. Apelando à proposição VI do aresto do Supremo Tribunal de Justiça acabado de citar, «VI - Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão». Inexistindo omissão de pronúncia é de rejeitar a aclaração/reclamação. * C - Dispositivo
Assim, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em rejeitar a “aclaração/reclamação”. Notifique. Custas do incidente anómalo pelo arguido, com 4 (quatro) UCs. de taxa de justiça. Évora, 09-11-2021 João Gomes de Sousa António Condesso |