Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
179/21.8T8RMR.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PESSOA COLECTIVA
SANÇÃO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A punição contraordenacional (e criminal) de condutas lesivas do ambiente encontra a sua justificação constitucional no direito fundamental ao ambiente, consagrado no artigo 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, nas alíneas d) e e) do artigo 9.º, onde vêm reconhecidas como tarefas fundamentais do Estado a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo e a defesa da natureza e do ambiente.
II. A prevenção de perigos e eventuais danos que possam vir a incidir sobre bens ambientais, como os que advêm das operações de gestão de resíduos, constitui justamente um dos fundamentos para o estabelecimento de ilícitos contraordenacionais em matéria ambiental, ainda que o comportamento punível se traduza na inobservância de regras procedimentais e, na aparência, burocráticas.
III. Conforme mencionado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 591/2015: «o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar, pelas razões explicitadas no Acórdão n.º 574/95 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
IV. O agravamento da moldura abstrata das coimas aplicáveis às pessoas coletivas foi consagrado como princípio geral no Regime Geral das Contraordenações, como ressalta do seu artigo 17º, que prevê como montante máximo da coima 44 891,81€ ou 22 445,91€, em caso de negligência, por contraponto aos limites de 3 740,98€ e 1 870,49€, para as pessoas singulares, norma essa que se insere na lógica do sistema e na tradição legislativa adotada em sede de punição de contraordenações, com diferenciação dos limites aplicáveis, consoante se esteja perante pessoas coletivas ou singulares.
V. Essa diferenciação justifica-se pela inexistência de uma igualdade fáctica entre os agentes do ilícito contraordenacional quando se trate de pessoas coletivas e pessoas singulares, e também se explica, numa perspetiva de prevenção geral dos comportamentos ilícitos, pela necessidade de evitar a diluição da responsabilidade individual quando a infração seja imputável a uma entidade com personalidade coletiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.

No processo de recurso de contraordenação n.º ... do Juízo de Competência Genérica ..., Comarca de Santarém, foi proferida sentença que, apreciando impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território, na qual a arguida N..., Lda., foi condenada numa coima única no valor de € 55.000,00, pela prática, a título negligente, de:

- uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00;

- uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 24.000,00;

- uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/2007, de 1 de agosto), e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00; e

- uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 111.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00,

decidiu julgar aquele recurso de impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência, e, consequentemente:

a) Absolver a sociedade arguida N..., Lda. da prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/2007, de 1 de agosto), e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto;

b) Condenar a sociedade arguida N..., Lda. pela prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00 (doze mil euros), uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) e uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 111.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00 (doze mil euros) e, em cúmulo jurídico, na coima única de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida das custas processuais administrativas no montante de € 75,00 (setenta e cinco euros);

Inconformado com esta decisão, veio a arguida N..., Lda., interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:

“A. Salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida enferma de nulidade e erros de julgamento;
B. Desde logo, refira-se, a inconstitucionalidade de que padece a aplicação das normas aplicadas pelo Tribunal a quo, a saber os arts. 48.º e 67.º/2r) DL 178/2006, o art. 81.º/3a) do DL 226-A/2007 e o art. 111.º/2e) DL 127/2013, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal, para punir a Recorrente.
C. Qualquer interpretação dos citados normativos no sentido de abranger o incumprimento de obrigações de reporte de informação, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade.
D. A imputação à Recorrente traduz-se numa mera falta formal de cumprimento de prazos
de reporte, pelo que a cominação como contraordenação grave e muito grave, punidas com coimas que podem ir dos €12.000 a €144.000 em caso de negligência e de €36.000 a €5.000.000 em caso de dolo, é violadora do princípio da proporcionalidade, devendo ser julgada inconstitucional.
E. Aliás, é o próprio Tribunal a quo, reconhece, na douta Sentença recorrida que, “todos
os comportamentos imputados à arguida resultam da omissão circunstancial da adoção de procedimentos de reduzida importância (v.g. a ultrapassagem de prazos para prestação de informações, a não atualização atempada da Licença Ambiental), (…)”, e que, “(…) entende o Tribunal que, em face da baixa ilicitude das contraordenações praticadas e da inexistência de benefício económico das mesmas para a arguida (…)”.
F. Pelo que a omissão “de um procedimento de reduzida importância”, e que consubstancia uma contraordenação de “baixa ilicitude” não se pode traduzir na condenação por contraordenação muito grave ou sequer grave.
G. Cominar o alegado comportamento em causa com contraordenação ambiental grave ou muito grave seria, por conseguinte, dar primazia a aspetos formais desvalorizando a materialidade subjacente, violando-se o princípio da materialidade subjacente.
H. O princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, e o princípio da materialidade subjacente (como corolário do princípio da boa-fé) obsta a que se faça uma maior valoração de exigências formais do que a aspetos materiais.
I. Os normativos citados, na interpretação que lhe é dada pela Decisão Recorrida – para punir a Recorrente com contraordenação grave e muito grave – viola os arts. 2.º, 18.º/2.º e 266.º/2 da Constituição, devendo ser desaplicados (art. 204.º CRP).
J. Por outro lado, relativamente à decisão da matéria de facto, não pode ser considerado provado o que consta no ponto 15 dos factos da Sentença por integrar juízos conclusivos e de direito que não são factos concretos e objetivos.
K. Verificam-se também erros de julgamento da Sentença recorrida.
L. Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, a douta Sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao condenar a ora Recorrente pela alegada prática da contraordenação prevista e punida pelo artigos 48.º e 67.º/2r) do DL 178/2006.
M. O normativo referido como violado (art. 48.º DL 178/2006) não contém qualquer prazo
obrigatório de submissão de dados no SIRER, pelo que a Recorrente nunca poderia ser incriminada por não submissão em determinado prazo do MIRR, mas eventualmente apenas, por não registo em absoluto, por força do princípio da legalidade.
N. No presente caso, não estando em causa a violação de qualquer direito e não estando legalmente previsto qualquer dever para o qual se comine uma coima, ou qualifique como contraordenação a não submissão em determinado prazo do MIRR, nunca a Recorrente poderia ser condenada.
O. O reporte da informação referida foi efetivamente realizado na submissão do Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas aos resíduos produzidos e enviados pela Arguida. (cfr. Doc. n.º 3, junto à Impugnação da Recorrente).
P. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, se o Tribunal pretendia condenar a Recorrente por não submissão do MIRR no prazo legal, teria de ter invocado a violação do art.º 49.º-B, n.º 2 do DL 178/2006, o que não fez – omitindo a decisão impugnada normas jurídicas fundamentais para a possível incriminação da Recorrente (artigo 58º, n.º 1, al. c) do RGCO, aplicável por força do disposto no artigo 2º da Lei n.º 50/2006).
Q. Sucede que, ao contrário do que se conclui na douta Sentença, a Recorrente tentou, por diversas vezes e sem sucesso submeter os dados na plataforma Siliamb no prazo legal (referido no art. 49.º-B/2. DL 178/2006), cumprindo a lei.
R. Apenas a plataforma disponibilizada pela APA nunca esteve disponível para o efeito, apesar das diversas tentativas efetuadas pela Recorrente.
S. Sendo que é facto público e notório, pelo menos para os operadores que lidavam diariamente com aquela plataforma Siliamb, que era frequente a mesma ter falhas no sistema que impossibilitavam a submissão atempada dos dados (isto mesmo sucedeu na situação descrita no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, referente ao Proc. 488/19.6T9STR.E1, datado de 01.07.2020).
T. Tendo reportado de imediato esse mesmo facto à APA (cfr. Doc. n.º 2 junto à Impugnação da Recorrente) – ainda que se tenha enganado no endereço eletrónico para o qual enviou o email, o que não merece o enfâse dado pelo Tribunal a quo.
U. Através do email que constitui o Doc. 2 junto à Impugnação, a Recorrente manifesta, sem margem para dúvidas, a intenção de reportar o erro à APA – facto deveria ter sido dado como provado.
V. Assim, a douta Sentença recorrida, erra ao desconsiderar que a Recorrente se viu absoluta e objetivamente impossibilitada de cumprir com a obrigação a que estava adstrita, apesar de por várias vezes ter tentado.
W. E, salvo melhor opinião, erra também ao não considerar nos “factos provados”, que o
reporte da informação referida foi efetivamente realizado na submissão do Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas aos resíduos produzidos e enviados pela Recorrente (cfr. Doc. n.º 3 junto à Impugnação da Recorrente) – pelo que não existe qualquer ilicitude no comportamento da Recorrente que pugnou pelo cumprimento da sua obrigação.
X. Por outro lado, contrariamente ao que se refere na douta Sentença recorrida, que situa “o grau de culpa da arguida num plano meramente baixo”, não deve ser feita qualquer imputação a nível de culpa à Recorrente, desde logo porque a impossibilidade sentida de registo na data referida se ficou a dever ao erro da plataforma da APA.
Y. Inexiste também qualquer impacto ambiental da alegada prática da contraordenação, nem, como refere, e aqui sem qualquer reparo, a douta Sentença recorrida, a Recorrente retirou “para si qualquer concreto benefício económico da atuação em apreço” pelo que esta fica desprovida de razão na sua aplicação in casu.
Z. Relativamente à contraordenação p.p. art. 81.º/3/c) do DL 226-A/2007, conclui a douta decisão Recorrida que “a arguida também não cumpriu com o envio trimestral à APA das leituras mensais dos volumes de água captados no ano de 2014, violando assim o disposto nas suas autorizações de utilização de recursos hídricos”.
AA. A douta Sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao condenar a ora Recorrente pela alegada prática da contraordenação “muito grave” em causa, fazendo uma interpretação da norma segundo a qual pune, que não se compadece com o seu âmbito de aplicação.
BB. O dispositivo que prevê a contraordenação ambiental muito grave (artigo 81.º/3a) do DL 226-A/2007) não se refere a obrigações de reporte e de informação, as quais encontram consagração antes no art. 81.º/1 e 2 do DL 226-A/2007, que contemplam, respetivamente, as contraordenações leves e graves.
CC. O alegado incumprimento do “envio trimestral à APA das leituras mensais dos volumes de água captados no ano de 2014” encontra concretamente consagração, no art. 81.º/2g) do DL 226-A/2007, que qualifica como contraordenação grave “a falta de envio dos dados do sistema de autocontrolo de acordo com a periodicidade exigida, nos termos do artigo 5.º”.
DD. O Tribunal recorrido errou na disposição legal com base na qual condenou a Recorrente – o dispositivo a aplicar (caso a Recorrente tivesse cometido a infração, o que não ocorreu, como se demonstra infra) seria o art. 81.º/2g) do DL 226-A/2007.
EE. Ou, caso assim não se entendesse, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, o art. 81.º/2a) do DL 226-A/2007, que se reporta genericamente a “não prestação de informações, a prestação de informações falsas ou inexactas e a ocultação de elementos de informação pelos utilizadores”.
FF. Acresce que em nada a alegada violação de obrigações de reporte nas datas indicadas no título de utilização, põe em causa a sua ratio – evitar captações conflituantes, o conhecimento das utilizações existentes e o desempenho da administração do componente ambiental “água”, para uma utilização racional dos recursos hídricos e defesa e preservação da qualidade dos mesmos.
GG. Acresce que, ao contrário do estabelecido nos factos da decisão impugnada, a recorrente procedeu ao envio completo e atempado dos referidos dados via plataforma TRH – o que é corroborado pela emissão das competentes guias para pagamento por parte da APA, que têm por referência os volumes captados e comunicados pela Recorrente (cfr. resulta do Doc. n.º 4 junto à Impugnação da Recorrente e desconsiderado pelo douto Tribunal).
HH. Na verdade, a APA continuou a remeter notas de liquidação referentes à taxa de recursos hídricos respeitante a estas captações e a Recorrente pagou-as.
II. A douta decisão Recorrida é contraditória com a realidade dos factos: a Recorrente procedeu ao reporte do volume de água captado à APA e foram-lhe cobradas taxas com essa referência.
JJ. E que, de qualquer forma, o reporte da informação referida foi novamente submetido no Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas às captações. (cfr. Doc. n.º 5 junto na Impugnação da Recorrente).
KK. Acresce que não se verifica qualquer impacto ambiental da alegada prática da contraordenação, como aliás confirmado, e bem, na douta Sentença recorrida, pelo que esta fica desprovida de razão na sua aplicação in casu.
LL. Sendo absolutamente evidente que a captação de água, por parte da Recorrente não gera qualquer ineficiência em termos de utilização de recursos hídricos e não gera passivo ambiental algum.
MM. Devendo a douta decisão recorrida ser, também quanto a esta contraordenação, revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente.
NN. A douta Sentença recorrida conclui, imputando também à Recorrente a prática de contraordenação pp pelo art. 111.º/2e) do DL n.º 127/2013.
OO. Sucede que em 2015 ocorreu uma alteração substancial ambientalmente relevante nas caldeiras passando as mesmas de fuelóleo para gás natural, o que inviabilizou qualquer monitorização, de que a CCDR foi atempadamente notificada (cfr. Docs. n.º 7, 8, 9 e 10 juntos à Impugnação da Recorrente).
PP. Inclusivamente, na sequência, devido à passagem das caldeiras a fuelóleo para gás natural (durante 2015) e aos excelentes resultados apresentados das caraterizações atmosféricas, posteriores a esta alteração, a CCDR decidiu alterar a monitorização das emissões gasosas, que passou de duas vezes por ano para uma vez a cada 3 anos (cfr. Doc. n.º 11 junto à Impugnação apresentada pela Recorrente) – isto porque, em todos os momentos, a Recorrente sempre cumpriu escrupulosamente com todos os VLE, confirmado pela CCDR.
QQ. A alegada omissão de dados em 2015 sido causada por motivos objetivos, como a CCDR tinha conhecimento.
RR. Não obstante, tais factos, que explicam a omissão imputada à Recorrente, foram incompreensivelmente desconsiderados na douta Sentença recorrida.
SS. Acresce que, inexiste também qualquer impacto ambiental, como aliás corrobora a douta Sentença recorrida, e este comportamento imputado à Recorrente “resulta(m) da omissão circunstancial da adoção de procedimento(s) de reduzida importância (v.g. (…) a não atualização atempada da Licença Ambiental)”, pelo que a contraordenação fica desprovida de razão na sua aplicação in casu por ausência de culpa da Recorrente.
TT. Sem conceder, a Recorrente atuou com toda a devida diligência, não lhe podendo ser imputada qualquer conduta culposa, pressuposto necessário para se considerar praticada alguma contraordenação.
UU. Desde logo, sempre se se terá de considerar que não consta da douta Sentença recorrida, nomeadamente dos “Factos Provados” quaisquer factos que permitam julgar culposa as condutas omissivas da Recorrente.
VV. Nem poderia constar, na medida em que, analisando as condutas da Recorrente a que foram imputadas estas contraordenação, verifica-se que das mesmas não resultam os elementos intelectual (conhecimento e consciência das circunstâncias do facto que preenche o tipo de ilícito objectivo) e volitivo (atitude contrária ou indiferente à norma que proíbe o comportamento) que evidenciam negligência.
WW. In casu, a Recorrente não omitiu qualquer dever de cuidado ou de diligência a que estava adstrita, passível de imputar qualquer censurabilidade à sua conduta.
XX. O eventual, atraso na prestação das informações em apreço, não se deveu a qualquer omissão do dever de cuidado da Recorrente, deveu-se, apenas, e tão só, respetivamente, (i) a falha técnica da plataforma da APA; (ii) ao envio, por parte da APA, de notas de liquidação de taxas por referência ao volume de água captado, que criou a convicção no prestador de serviços da Recorrente que o reporte havia sido feito; (iii) a ocorrência de uma passagem das caldeiras a fuelóleo para gás natural (durante 2015) que inviabilizou a monotorização (pontual) naquele período.
YY. A Recorrente (representada pelo seu prestador de serviços nas área de ambiente e indústria, a testemunha AA) agiu, sem consciência absoluta de qualquer eventual ilicitude em que pudesse estar a incorrer – o que ficou amplamente demonstrado pelo testemunho.
ZZ. De facto, sempre foi uma preocupação, no âmbito das políticas da Recorrente, o cumprimento das obrigações ambientais – tanto assim é que a Recorrente não tem quaisquer antecedentes contraordenacionais por infrações ambientais.
AAA. Nesta conformidade, concluiu-se que não estando verificados os pressupostos da culpa, pressupostos essenciais da punibilidade do agente, não poderia a ora Recorrente ter sido condenada nas referidas contraordenações, tendo a douta Sentença recorrida violado o art. 8º/1 do RGCO.
BBB. Por todo o exposto, a aplicação de qualquer sanção à Recorrente, constitui uma medida desnecessária, desadequada e desproporcional face aos interesses em presença e, nessa medida, não só ilegal por violação do art.º 7.º/1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), mas também inconstitucional por violação do art. 2.º e 18.º/2, bem como do art.266.º/2 da CRP
CCC. Ainda que o Tribunal a quo tenha referido que iria condenar a Recorrente pelo seu mínimo legal, não o fez – o mínimo seria € 24.000 e o Ilustre Tribunal fixou uma coima de €30.000.
DDD. Ainda, como vimos, o mínimo legal sempre seria, antes, o valor de € 12mil, correspondente às normas efetivamente aplicáveis.
EEE. Face ao exposto, mesmo que se entendesse que teria sido praticada alguma contraordenação – o que não se admite minimamente –, deveria, face às circunstâncias do caso concreto, ter sido, quanto muito, aplicada uma coima pelos mínimos legais e não no valor de € 30.000,00.
FFF. Ou, deveria ter sido atenuada especialmente a coima, nos termos do art. 18º/3 do RGCO e 23.º-A da LQCA, não procedendo o que é referido na douta Sentença recorrida quanto ao não preenchimento dos critérios necessários para a atenuação especial da coima – não se vislumbra de que forma a Recorrente, sendo uma pessoa coletiva, poderia adotar comportamentos que demonstrassem o seu arrependimento ou, muito menos, que importassem à reparação dos (inexistentes, como vimos) danos causados.
GGG. Não obstante, a coima em preço, ainda que estivesse fixada no limite mínimo (o que
não sucede), não refletia todos os fatores favoráveis à Recorrente, designadamente “baixa ilicitude das contraordenações praticadas”, a ausência de demonstração de benefícios económicos e de utilizadores concretamente afetados, e a ausência de antecedentes contraordenacionais nesta matéria.
HHH. A prossecução das finalidades de tutela contraordenacional ficava plenamente satisfeita com a aplicação à Recorrente de uma redução/atenuação especial da coima ou de uma coima pelo limite mínimo do cúmulo.
III. Tanto assim é que a Recorrente não tem quaisquer antecedentes contraordenacionais por infrações relativas à gestão de resíduos – e, passar a ter, pela condenação por estas contraordenações resulta, claramente, desproporcional.
JJJ. Por este motivo e por tudo o acima exposto, a aplicação de qualquer sanção à Recorrente é evidentemente desnecessária, dado que a mera existência do presente processo contraordenacional já constitui, por si só, um fator altamente perturbador para a mesma.
KKK. A aplicação de sanção à Recorrente é desadequada, dado que se encontra amplamente demonstrado que essa sanção não cumpre qualquer função de prevenção, atendendo ao facto de a Recorrente já se encontrar altamente sensibilizada para a importância do cumprimento das suas obrigações ambientais, que sempre cumpriu escrupulosamente.
LLL. Por fim, a aplicação da sanção é desproporcional face ao inexistente ou – se assim não se entender, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – reduzido grau de culpa da Recorrente e à escassa relevância da infração que aqui está em causa, motivo pelo qual se afigura injustificável, sob a ótica da proporcionalidade, a aplicação da presente sanção.”
Termina no sentido de ser revogada a sentença recorrida e o Recorrente ser absolvido de todas as contraordenações.

A este recurso veio responder o M.º P.º, concluindo nessa resposta:
1. A recorrente não deu mínimo cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, apresentando conclusões demasiado extensas, prolixas e dificilmente inteligíveis.
2. A recorrente persistentemente invoca fundamentos, elementos probatórios e questões reconduzíveis a uma impugnação de matéria de facto que se encontra vedada, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 1 do RGCO.
3. Nenhuma razão assistir à recorrente nas respectivas pretensões, propugnando-se pela confirmação da sentença recorrida e pela total improcedência do recurso interposto.
4. Existe acolhimento constitucional (artigo 66.º, n.º 1 e alíneas d) e e) do artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa) na previsão e punição de ilícitos de mera ordenação social, de natureza ambiental, ainda que o comportamento punível se traduza na inobservância de regras procedimentais e, na aparência burocráticas, mas que permitem garantir a prevenção de perigos para o ambiente, advientes de actividades produtivas (e outras) susceptíveis de atentar contra aquele, que se encontram – nos termos da lei nacional (e legislação europeia), sujeitas a escrupuloso controlo estadual, através dos mais variados mecanismos, de entre os quais se destaca a Licença Ambiental e todas as condições e restrições dela advientes.,
5. A conformação constitucional das normas jurídicas quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar já foi abundantemente apreciada pelo Tribunal Constitucional (a título exemplificativo, Acórdão do TC, de 591/2015).
6. Transversal a qualquer um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso pelo Tribunal ad quem, é a necessidade de resultarem do texto da decisão recorrida (como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-9-2010), e a recorrente, pretendendo impugnar a matéria de facto, o que lhe está vedado, estriba-se na alegada verificação de TODOS os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, para assim “fazer entrar pela janela o que não passará pela porta”.
7. A sentença não é nula e não padece de qualquer dos vícios plasmados no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
8. A decisão recorrida alicerça-se na disposição prevista no artigo 49- B, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, ao contrário do que afirma a recorrente.
9. Existe um concurso aparente, numa relação de consumpção, entre a contraordenação ambiental muito grave prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea c) do DL n.º 226-A/2007, de 31 de Maio e a contra-ordenação ambiental grave prevista no artigo 81.º, n.º 2, alínea g) do mesmo diploma, devendo a recorrente ser punida pela contra-ordenação mais gravemente punível, como ocorreu.
10. Dentro da moldura concreta aplicável (€24.000,00 a €48.000,00), a coima única aplicada pelo Tribunal a quo mostra-se adequada e proporcional, atendendo aos critérios previstos no artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.”

Nesta Relação, o Exmo. PGA apôs o seu visto.

II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência pelo que cumpre agora apreciar e decidir.

Tal como se mostra avançado na resposta ao recurso, importa corrigir o lapso de escrita ínsito no dispositivo da sentença – pág. 16, segmento b) - quando ali se fez consignar a condenação da recorrente em “uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros)” na medida em que resulta evidente da fundamentação da sentença que a norma violada é o artigo 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, pelo que, ao abrigo do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, se corrige tal erro passando a ler-se “… prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio …”.(sublinhados nossos)
Anote-se a correcção no local indicado.

O presente recurso, cujo âmbito é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art.º 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95), sofre uma limitação legal no respectivo conhecimento decorrente do disposto no art.º 75.º RGCO que estabelece no seu n.º 1 “Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”
Desta limitação decorre que se encontra vedada a apreciação de questões relativas à matéria de facto que a recorrente reflecte em diversas conclusões, como sejam aquelas em que faz referências a documentos inseridos nos autos, seja na fase administrativa seja na fase judicial, em sede de impugnação judicial da decisão administrativa, e que veio a culminar na sentença ora sob recurso, ou a testemunhos prestados. Exceptua-se obviamente desta limitação a invocação ou o conhecimento oficioso dos eventuais vícios da decisão a que alude o art.º 410º n.º 2 CPP.
Assim, temos de concluir serem as seguintes as questões suscitadas:
a) Da inconstitucionalidade dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r) do DL 178/2006, o artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do DL 226-A/2007, e do artigo 111.º, n.º 2, alínea e) do DL 127/2013, na interpretação que lhes foi dada pela decisão recorrida, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
b) Da nulidade da sentença e dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
c) Da não subsunção dos factos provados às normas integradoras dos ilícitos contra-ordenacionais pelos quais foi a recorrente condenada;
d) Da medida da coima única.

Na sentença recorrida consta, na parte que ora releva:
Matéria de facto provada
Com relevância para a boa decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
1. A sociedade arguida N..., Lda. tem sede e estabelecimento na Av. ......) ..., dedicando-se ao fabrico de preparados de carne e pratos cozinhados, transformação de carnes, com uma capacidade produtiva instalada de 134 ton/dia.
2. (…) dispondo, para o efeito, de Licença Ambiental (LA) n.º 420/1.0/2011, de 25 de novembro.
3. No dia 2016/02/17, pelas 10h30m, a empresa referida no ponto 1 supra encontrava-se a laborar no fabrico de preparados de carne e pratos cozinhados e transformação de carnes com um total de 739 trabalhadores.
4. Decorrente da sua atividade normal, a empresa produz um conjunto de resíduos como lamas do tratamento local de efluentes (LER 020204), misturas de gorduras e óleos, da separação óleo/água, contendo apenas óleos e gorduras alimentares (LER 190809) e outros resíduos urbanos e equiparados, incluindo misturas de resíduos (LER 200301).
5. A empresa não submeteu até 31 de março de 2015 no MIRR os dados relativos aos resíduos por si produzidos em 2014.
6. A empresa dispõe, nos termos da sua Licença Ambiental, de duas captações de água (AC1 e AC2) cujos títulos de utilização se encontram em anexo a essa licença e fixam como volume máximo de captação mensal 30.000m3 e 29.000m3 respetivamente.
7. Desde 2015/04/24 a empresa dispõe de uma terceira captação, um furo com a autorização de utilização de recursos hídricos n.º A...79.2015.RH5 que fixa como volume máximo mensal de captação os 10.800m3.
8. Os títulos de utilização de recursos hídricos para as referidas captações obrigam a empresa a enviar à Agência Portuguesa do Ambiente – Administração de Região Hidrográfica do Tejo e Oeste, trimestralmente, os volumes de água captados mensalmente.
9. A empresa não enviou trimestralmente os valores referentes às captações efetuadas trimestralmente no ano de 2015, conforme a obrigação disposta nos títulos de utilização.
10. A empresa realizou o seu último estudo de ruído ambiental em junho de 2014, que revela a violação dos critérios de incomodidade e do valor limite de exposição fixados no Regulamento Geral do Ruído para o ponto 1 (habitação unifamiliar adjacente à empresa), não tendo sido evidenciadas aos inspetores medidas para corrigir a situação.
11. A zona onde se insere a empresa avaliada não está classificada no PDM como “zona mista” ou “zona sensível”.
12. O Relatório n.º ..., de 1 de agosto de 2014, elaborado pela PedAmb – Engenharia Ambiental, Lda., revela para o ponto 1 (habitação unifamiliar adjacente à empresa) que o “critério de Incomodidade” verificado no Período Diurno é de 9dB quando o valor limite é de 5dB, no Período Entardecer é de 8dB quando o valor limite é 4dB e no Período Noturno é 8dB quando o valor limite é 3dB, não se encontrando este critério a ser cumprido em nenhum dos períodos.
13. Para o mesmo ponto o “nível sonoro médio de longa duração” indicador de ruído diurno-entardecer-noturno (Lden) foi de 66dB, quando o valor limite é de 63dB, não estando o valor a ser cumprido em nenhum tipo de zona; o ruído noturno (Ln) foi de 59dB, quando o valor limite é de 53dB, não se encontrando a ser cumprido para nenhum tipo de zona.
14. A empresa não efetuou a caracterização das emissões das suas fontes FF1, FF2 e FF3 relativos a 2015, violando as obrigações que constam do ponto 2.2.1.2 da sua Licença Ambiental, que obriga à caracterização duas vezes por ano daquelas fontes por forma a verificar o cumprimento dos valores limite de emissão relativos aos parâmetros Dióxido de enxofre, óxidos de azoto, monóxido de carbono, sulfureto de hidrogénio, metais I, metais II, metais III, metais pesados totais, compostos orgânicos voláteis e partículas fixados no ponto 2.2.1.2. da
15. Ao atuar da forma descrita supra nos pontos 1-9 e 14, a sociedade arguida agiu sem a prudência e diligência a que estava obrigada e de que era capaz, mormente de conhecimento e cumprimento dos deveres supra referidos que sobre si pendiam.
16. No ano fiscal de 2020, a sociedade arguida obteve um lucro tributável de € 135.949,98.

C – Matéria de facto não provada
Com relevância para a boa decisão da causa, não se deu como provado que:
a) A arguida carregou o MIRR 2014 com os respetivos dados, mas estes não puderam ser submetidos por questões técnicas da aplicação.
b) (…) facto que a arguida reportou de imediato à APA.
c) Ao atuar da forma descrita supra nos pontos 10-13 da matéria de facto provada, a sociedade arguida agiu sem a prudência e diligência a que estava obrigada e de que era capaz, mormente de conhecimento e cumprimento dos deveres supra referidos que sobre si pendiam.

D – Motivação da decisão sobre a matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção mediante a análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento, consubstanciada no cruzamento entre os depoimentos das testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos, valorados pelo Tribunal à luz do princípio da livre apreciação da prova.
Concretizando.
Os pontos 1-14 da matéria de facto provada resultam essencialmente do teor do depoimento objetivo, lógico e credível prestado por BB, inspetor do ... desde 2012, responsável pela inspeção que deu origem ao presente processo contraordenacional (mormente a análise da documentação recolhida que lhe deu origem), o qual identificou a localização das instalações e atividade da arguida/recorrente (a qual é, de resto, do conhecimento geral, e, portanto, facto notório que dispensa prova) e a titularidade pela mesma de Licença Ambiental.
Detalhou pormenorizadamente as múltiplas omissões praticadas pela arguida/recorrente – mormente a falta de submissão no MIRR dos dados relativos aos resíduos por si produzidos em 2014, a falta de comunicação trimestral à APA-ARH dos valores referentes às captações de água autorizadas, a situação temporal do último estudo de ruído ambiental e a inexistência de medidas de correção dos valores detetados e a falta de caracterização das fontes de emissão de gases –, notando a sua desconformidade à Licença Ambiental emitida pela APA com o n.º 420/1.0/2011 (fls. 7-24 do Vol. I dos autos físicos) – que o Tribunal igualmente esquadrinhou para aferição daquele relato –, tudo de forma absolutamente consonante com o teor do auto de notícia por contraordenação por si elaborado (fls. 4-6 do Vol. I dos autos físicos), a autorizações de utilização dos recursos hídricos para captação de águas subterrâneas (fls. 26-39 do Vol. I dos autos físicos) e a avaliação de ruído ambiental (fls. 40-48v do Vol. I dos autos físicos).
Não se mostraram relevantes para o labor probatório, neste âmbito, os depoimentos prestados pelas testemunhas CC (segurança de manutenção na N..., Lda. há 12 anos em ...) e AA (engenheiro mecânico, presta serviços à N..., Lda. há mais de 20 anos a nível de assessoria nas áreas de ambiente e indústria), por nada terem relatado que abalasse o teor do depoimento supra referido e da demais documentação elencada.
O ponto 15 da matéria de facto provada resulta dos factos objetivamente dados como provados sob os pontos 1-9 e 14 da matéria de facto provada, tendo o Tribunal necessariamente que dar como provado, em face dos referidos factos, da organização, relevância da sua produção e escopo comercial, que a sociedade arguida agiu de forma descuidada, sem a prudência e diligência a que estava obrigada e de que era capaz, mormente de conhecimento e cumprimento dos deveres que sobre si pendiam.
Para aferição do teor do ponto 16 da matéria de facto provada, relativa ao lucro tributável obtido pela sociedade arguida no ano fiscal de 2020, o tribunal socorreu-se da declaração modelo 22 de IRC junta aos autos pela Autoridade Tributária a solicitação oficiosa do Tribunal (fls. 2-15 do Vol. II dos autos físicos).
*
Os pontos a) e b) da matéria de facto dada como não provada resultam da manifesta falta de prova da sua verificação, sendo de salientar o depoimento prestado pela testemunha AA que, identificando-se como o responsável pelo tratamento e transmissão da informação em apreço, acabou por admitir – após tentativa forçada de corroborar a tese apresentada pela arguida/recorrente de uma alegada “falha técnica” que manifestamente não logrou provar ter existido, e da qual se foi afastando ao longo do seu relato – que não procedeu ao envio da informação na base de dados respetiva dentro do prazo, resultando ainda inequivocamente do teor da devolução da mensagem de correio eletrónico apresentadas pela arguida/recorrente como doc. n.º ... com o seu recurso (fls. 245 do Vol. I dos autos físicos) que o endereço de correio eletrónico alegadamente pertencente à APA, para onde alegou ter remetido informação sobre as dificuldades técnicas (“sirapa@apambiente.pt”) nem sequer existe, o que, de resto, foi confirmado pela testemunha BB.
O ponto c) da matéria de facto dada como não provada resulta da manifesta falta de prova, não se podendo identificar no comportamento imputado à arguida sob os pontos 10-13 da matéria de facto provada uma concomitante consciência de que violava qualquer dever de cuidado a que estava obrigada e de que fosse capaz, em face da manifesta falta de descrição de qualquer conduta ilícita, como melhor se exporá infra.”

Apreciando:
Da inconstitucionalidade dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r) do DL 178/2006, o artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do DL 226-A/2007, e do artigo 111.º, n.º 2, alínea e) do DL 127/2013, na interpretação que lhes foi dada pela decisão recorrida, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa:
Situa o recorrente esta concreta questão nas conclusões B a I, nas quais aponta a inconstitucionalidade invocada a uma interpretação, alegadamente seguida na sentença, no sentido de o ilícito abranger o incumprimento de obrigações de reporte de informação, e manifestando que existe violação do princípio da proporcionalidade, com o singelo argumento de que se trata de meros erros formais, sem qualquer consequência material para o ambiente pelas consequências potenciais nefastas que dela decorrem, face à “baixa ilicitude das contraordenações praticadas” e à inexistência de antecedentes.
A invocação da inconstitucionalidade mostra-se feita por referência a uma “interpretação normativa que foi dada pelo Tribunal a quo”, sendo certo que não consegue o recorrente dizer em que segmento concreto essa interpretação normativa se mostra feita pelo tribunal. De resto, quando a própria recorrente indica concretamente “Qualquer interpretação dos citados normativos…”, na realidade pretende questionar é a constitucionalidade das normas jurídicas que se encontram na base da ratio decidendi da decisão, uma vez que a classificação das contraordenações ambientais como leves, graves e muito graves deriva da própria lei (artigos 21.º e 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto) e não, como se exigiria para a questionada interpretação, que o fosse em resultado de qualquer discussão jurisprudencial do próprio julgado na sentença.
Na sua essência, a recorrente suscita essa concreta questão porque considera materialmente inconstitucionais as contraordenações a que foi condenada, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental).
Seguimos aqui, por esclarecedora, a resposta apresentada ao recurso pelo M.º P.º quanto a essa questão da constitucionalidade:
A punição contra-ordenacional (e criminal) de condutas lesivas do ambiente encontra a sua justificação constitucional no direito fundamental ao ambiente, que se encontra consagrado no artigo 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, nas alíneas d) e e) do artigo 9.º, onde vêm reconhecidas como tarefas fundamentais do Estado a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo e a defesa da natureza e do ambiente.
Conforme se aduz no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 13/2015, de 15 de Outubro:
«O advento do Direito de mera ordenação social resulta de um desiderato legislativo de descriminalização de condutas censuráveis que não colidam necessariamente com o quadro valorativo fundamental da sociedade contemporânea, estabelecendo-se um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal.
O direito de mera ordenação social é uma consequência da confluência de duas ordens de factores: a superação definitiva do modelo do Estado liberal, por um lado, e o conhecido movimento de descriminalização, por outro.
Com a introdução do novo regime do ilícito de mera ordenação social assistiu-se à transformação dos então considerados ilícitos penais - as contravenções e as transgressões - em ilícitos não penais, para os quais passaram a ser cominadas sanções exclusivamente pecuniárias, mas de carácter não criminal».
A natureza dos ilícitos de mera ordenação social é consentânea com uma necessária tutela de antecipação de protecção dos bens jurídicos fundamentais, por obediência aos princípios da subsidiariedade e necessidade enformadores do direito criminal.
E note-se, até o direito criminal contempla a punibilidade de ilícitos de perigo (concreto e abstracto), assumindo-se a censurabilidade criminal de comportamentos, independentemente da ocorrência de um desvalor de resultado, sendo já ampla a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de decidir pela não inconstitucionalidade dos crimes de perigo.
Pois bem, conforme doutamente explicado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 591/2015, relatado pela Senhora Conselheira Ana Guerra Martins:
«E a protecção do bem jurídico ambiente de que aqui se fala é pautada pela ideia de prevenção do perigo que possa vir a afectar o meio ambiente (sobre a prevenção de perigo, cfr., por exemplo, Miguel Nogueira de Brito, “Direito Administrativo de Polícia”, in Paulo Otero/Pedro Costa Gonçalves (Coords.), Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2009, p. 306 ss.; Jorge Silva Sampaio, O dever de protecção policial de direitos, liberdades e garantias, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pp. 61 ss.).
Neste sentido, um dos fundamentos para o estabelecimento de ilícitos contraordenacionais em matéria ambiental é justamente a prevenção de perigos e eventuais danos que possam vir a incidir sobre bens ambientais, como os que advêm das operações de gestão de resíduos.
Explicitada a justificação constitucional do estabelecimento de infracções contraordenacionais e respectivas coimas em sede ambiental, que evidencia a sua relevância, importa referir que o legislador ordinário estabeleceu vários critérios para a determinação das coimas aplicáveis. De facto, nos termos do disposto no artigo 21.º da LQCOA, para determinação da coima aplicável e tendo em conta os direitos e interesses violados, as contraordenações classificam-se em leves, graves e muito graves, definindo o subsequente artigo 22.º os escalões classificativos de gravidade das contra-ordenações, consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau de culpa.
A isto acresce, à luz do estabelecido nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 20.º, que a determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto, sendo atendíveis ainda a conduta anterior e posterior do agente e as exigências da prevenção e outras circunstâncias atinentes à prática do ilícito».
*
Entender-se-á o que se pretende rebater na argumentária da recorrente: existe acolhimento constitucional na previsão e punição de ilícitos de mera ordenação social, de natureza ambiental, ainda que o comportamento punível se traduza na inobservância de regras procedimentais e, na aparência burocráticas, mas que permitem garantir a prevenção de perigos para o ambiente, advientes de actividades produtivas (e outras) susceptíveis de atentar contra aquele, que se encontram – nos termos da lei nacional (e legislação europeia), sujeitas a escrupuloso controlo estadual, através dos mais variados mecanismos, de entre os quais se destaca a Licença Ambiental e todas as condições e restrições dela advientes.
Quando o legislador ou a própria Licença Ambiental define prazos peremptórios para a prática de actos declarativos e existe a omissão na prática tempestiva de tais actos, tem-se por consumada a contra-ordenação assim que ultrapassado o prazo para a prática do acto, como de resto, se verifica numa miríade de ilícitos de mera ordenação social, sendo paradigmáticas do que se afirma as contraordenações tributárias (e até crimes fiscais como o abuso de confiança fiscal).
O preenchimento dos ilícitos contra-ordenacionais ambientais dispensa, a mais das vezes, a verificação de qualquer consequência ambiental, tal como previsto pelo legislador, como é o caso de todas as contra-ordenações pelas quais foi a recorrente condenada.
A verificação ou não de um desvalor de resultado há de ser atendido, nas contra-ordenações de perigo concreto ou abstracto, como condicionante da concreta coima aplicada, nos termos do disposto no artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.
Assim como atendível será, nos mesmos termos legais, a prática de actos declarativos após o respectivo prazo, o que é circunstância a considerar na concreta medida da coima.”
Tal como nessa resposta, também aqui concluímos pela conformidade constitucional da punibilidade contraordenacional dos ilícitos pelos quais foi a recorrente condenada.

Outro dos aspectos que a recorrente elege para afirmar a inconstitucionalidade “na interpretação que lhes foi dada pela Decisão Recorrida” mostra-se feita ao montante da coima cumulada e que, aponta, viola o art.º 2.º, 18.º/2.º e o art.º 266.º/2 da Constituição, devendo ser desaplicados (art. 204.º CRP).
Dirige a recorrente esta concreta alegação quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar.
A resposta apresentada pelo M.º P.º rebate de uma forma cristalina o conjunto de argumentos da recorrente em termos que, por merecer a nossa inteira adesão, passamos a citar:
Conforme aduzido no já mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 591/2015:
«Ora, o Tribunal Constitucional tem salientado, em diversas ocasiões, que o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar, pelas razões explicitadas no Acórdão n.º 574/95 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):
“Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é – no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua nonde legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.”
No mesmo sentido pronunciaram-se, mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 62/2011, 67/2011, 132/2011, 360/2011, e 110/2012 (disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). A título de exemplo, pode ler -se no Acórdão n.º 360/2011 que:
“(…) o legislador ordinário, na área do direito de mera ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal Constitucional apenas emitir um juízo de censura, relativamente às soluções legislativas que cominem sanções que sejam manifesta e claramente desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, neste campo, há de gozar de uma confortável liberdade de conformação, ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade.”
Por outro lado, reportando-se especificamente à norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 22.º da LQCOA, que prevê para as contra-ordenações ambientais muito graves, quando praticadas por pessoas singulares, a quantia de € 20 000 como montante mínimo coima, o Tribunal através do Acórdão n.º 557/2011 não julgou inconstitucional da tal norma, com os seguintes fundamentos:
No caso em apreço, o legislador estabeleceu um quadro de contra-ordenações ambientais graduadas como infracções leves, graves e muito graves (como a aqui em causa), em que os limites mínimos dos montantes das coimas aplicáveis variam consoante sejam aplicáveis a pessoas singulares ou a pessoas colectivas e em função do grau da culpa (artigos 21.º e 22.º do RCOA). O citado limite mínimo foi fixado para as pessoas singulares, a título de negligência, em € 200 (leves), € 2000 (graves) e € 20 000 (muito graves) – cfr. artigo 22.º, n.ºs 2, 3 e 4 do RCOA.
Assim, forçoso é concluir por considerar que o limite mínimo da coima aqui em causa não é arbitrário, antes tem subjacente um critério legal assente na gravidade da infracção e no grau da culpa e que o montante nele fixado não se revela inadmissível ou manifestamente excessivo. Pois tal limite resulta de uma escala gradativa assente na classificação tripartida da gravidade das infracções ambientais e insere-se num quadro legal em que a negligência é sempre punível (artigo 9.º, n.º 2, do RCOA); e não se mostra, em si mesmo, desadequado ou manifestamente desproporcionado relativamente à natureza dos bens tutelados e à gravidade da infracção que se destina a sancionar.”
Esta argumentação é inteiramente transponível para o caso em apreciação, em que estão em causa as correspondentes normas constantes da alínea b) do n.º 4 do e da alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da LQCOA, que definem o montante das coimas para as contraordenações muito graves e graves, quando se trate de infracções praticadas por pessoas colectivas.
Em relação ao facto de decorrerem dos referidos preceitos normas que elevam consideravelmente a coima mínima aplicável a pessoas colectivas, relativamente ao limite mínimo estabelecido para o mesmo tipo de infracção e o mesmo grau de culpa, quando cometido por pessoas singulares, é de notar que a distinção encontra a sua razão de ser no próprio princípio da igualdade.
Com efeito, conforme se afirmou no Acórdão n.º 569/98 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), não é possível estabelecer, à luz do disposto no artigo 12.º da CRP, um princípio de equiparação ou presunção de igualdade entre personalidade singular e personalidade colectiva. Pelo contrário, como se escreveu no Acórdão n.º 110/2012:
“(…) o legislador pode instituir tratamento diferenciado em relação a pessoas colectivas com base justamente na específica natureza e características dessas entidades no confronto com as pessoas físicas que detenham personalidade individual. Essa fundamental distinção explica que se tenha assistido no âmbito do direito sancionatório, e em especial no domínio do direito de mera ordenação social, a uma progressiva responsabilização das pessoas colectivas, que se tem caracterizado também pelo estabelecimento de coimas de montantes mais elevados do que os determinados para as pessoas singulares em relação ao mesmo tipo de infracção. Nesse sentido, o agravamento da moldura abstracta das coimas aplicáveis às pessoas colectivas foi consagrado como princípio geral no Regime Geral das Contra-ordenações, como ressalta do seu artigo 17º, que prevê como montante máximo da coima € 44 891,81 ou € 22 445,91, em caso de negligência, por contraponto aos limites de € 3 740,98 e € 1 870,49, para as pessoas singulares (cfr. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, págs. 76-77).
A norma em questão insere-se, por conseguinte, na lógica do sistema e na tradição legislativa adoptada em sede de punição de contra-ordenações, com diferenciação dos limites aplicáveis, consoante se esteja perante pessoas colectivas ou singulares. E como também se assinala no citado acórdão n.º 569/98, essa diferenciação justifica-se pela inexistência de uma igualdade fáctica entre os agentes do ilícito contra-ordenacional quando se trate de pessoas colectivas e pessoas singulares, e também se explica, numa perspectiva de prevenção geral dos comportamentos ilícitos, pela necessidade de evitar a diluição da responsabilidade individual quando a infracção seja imputável a uma entidade com personalidade colectiva.”
Quanto ao argumento aduzido pela recorrente de que o legislador teria desconsiderado, “relativamente às contra-ordenações ambientais, as enormes diferenças quanto à ofensividade e necessidade de tutela existentes entre o direito penal e o direito de mera ordenação social”, em face das diferenças existentes entre as duas realidades, não é possível aferir da proporcionalidade da medida da coima tomando por termo de referência a medida das penas criminais de natureza pecuniária.
Nesse sentido, é completamente transponível para o presente caso as considerações feitas no Acórdão n.º 110/2012:
Em primeiro lugar há que ter em consideração que as diferenças existentes entre a ilicitude de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social obstam a que se proceda a uma simples transposição, sem mais, dos princípios constitucionais aplicáveis em matéria de definição de penas criminais para o espaço sancionatório do ilícito de mera ordenação social.
Como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 336/2008, citando FIGUEIREDO DIAS, existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção, sendo que a diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.
E por isso, se o direito das contra-ordenações não deixa de ser um direito sancionatório de carácter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica «se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…)
A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contra-ordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância.
Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização» (Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 144-152).
Assim se compreende também que o n.º 1 do artigo 18º do Regime Geral das Contraordenações, e a correspondente norma do n.º 1 do artigo 20º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, aplicável às contra-ordenações ambientais, defina como critérios da determinação da medida da coima, não apenas a gravidade da contra-ordenação, a culpa e a situação económica do agente, mas também o «benefício que este retirou da prática da contraordenação », o que permite elevar o limite máximo da coima, como prevê o n.º 2 daquele artigo, ao montante do benefício que o agente retirou da infracção (ainda que este não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido).
Assim se vê que a perda do benefício económico resultante do ato ilícito é um critério fundamental da determinação da medida da coima, pelo qual se pretende impedir que o infractor possa ter um incentivo para repetir a conduta ilícita, inserindo-se nos fins da prevenção especial negativa. Como escreve Paulo Pinto Albuquerque (ob. cit., págs. 84-85), «a coima não tem um fim retributivo da culpa ética do agente, pois não visa o castigo de uma personalidade deformada reflectida no facto ilícito, nem tem um fim de prevenção especial positiva, pois não visa a ressocialização de uma personalidade deformada do agente» e tem antes um «fim de prevenção especial negativa, isto é, visa evitar que o agente repita a conduta infractora, bem como um fim de prevenção geral negativa, ou seja, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta».”
Também aqui concluímos ser a questão da inconstitucionalidade suscitada improcedente.

Da nulidade da sentença e dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal:
Suscita a recorrente que a sentença enferma de todos os vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410º CPP, numa tentativa de fazer reverter a decisão de facto, isto “face à prova documental junta aos autos e à prova produzida em audiência de julgamento”, “não considerou toda a documentação junta pela Recorrente que demonstrava a inexistência de qualquer perigo para o ambiente e as diligencias feitas pelo Recorrente para cumprir, inclusivamente provando as razões justificativas do incumprimento.”, “Dos documentos juntos pelo Recorrente fica provado que os atrasos nos reportes de informação se deveram exclusivamente a problemas técnicos da plataforma da APA, e a alterações substanciais nos fornos que impediam a recolha e reporte de informação, tudo do conhecimento da APA e da CCDR competente. Prova também, que a APA teve acesso à informação por outra via (reportes anuais), demonstrando ter esse conhecimento, por até cobrar à Recorrente as taxas devidas com base nessa informação.” , “No entanto, a Recorrente está ciente de que o recurso de Sentença de 1.ª Instância, em processo de recurso de Contraordenação, se tem que restringir à matéria de direito (v. art. 75.º do RGCOC), até porque não existe gravação da prova, o que, aliás, constitui uma grave limitação do direito de defesa e do direito ao recurso, especialmente face à relevância que pode assumir actualmente um processo contraordenacional atendendo ao valor extremamente elevado das coimas máximas aplicáveis”, alegações e argumentos estes que apontam para uma tentativa de impugnação da matéria de facto provada sem contudo fazer menção expressa ao regime impugnativo estabelecido no art.º 412º n.ºs 3 e 4 do CPP.
Face à restrição que acima apontámos, decorrente do disposto no art.º 75.º RGCO, apenas nos debruçaremos sobre a existência dos vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410º CPP: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Porém, percorrendo a motivação de recurso nela não se vislumbra um mínimo de concreta indicação em que aspectos da sentença recorrida se evidenciam os vícios em questão.
A jurisprudência mostra-se unânime, até com base no próprio texto legal do n.º 2 do art.º 410º CPP, no sentido de que qualquer um dos vícios ali previstos terão de resultar do texto da decisão recorrida, mostrando-se vedada a utilização para a demostrações dos mesmos a qualquer elemento estranhos aquele texto, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Quanto aos vícios propriamente ditos:
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de
modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir -se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado
como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Percorrido o texto da decisão recorrida tais vícios não se mostram ali revelados porquanto, não só o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada e não provada, de forma minuciosa, enumerando os elementos probatórios em que se baseou para formar a sua convicção, com indicação dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência, e do porquê da relevância/credibilidade que lhe foi atribuída, com critérios lógicos e objectivos, e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, bem como nos documentos juntos aos autos e invocados na motivação da matéria de facto, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente, como inexiste qualquer contradição, insanável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e, finalmente, é manifesto que a matéria de facto acima descrita, dada como provada, preenche todos os elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos contraordenacionais imputados à arguida e contém todos os elementos necessários à graduação da culpa desta.
A sentença não padece, pois, de qualquer vício nem se observa qualquer nulidade.

Se bem que não se mostre inserido na invocação dos vícios a que aludimos, manifesta a recorrente que, em sede de “factos provados” constam afirmações conclusivas, apontando ao facto provado 15 “ao atuar da forma descrita supra nos pontos 1-9 e 14, a sociedade arguida agiu sem a prudência e diligência a que estava obrigada e de que era capaz, mormente de conhecimento e cumprimento dos deveres supra referidos que sobre si impendiam”, concluindo estarmos perante conclusões de facto da 1.ª instância e não perante factos concretos.
Com o devido respeito pela leitura que faz do invocado facto provado, o mesmo não é conclusivo como afirma a recorrente. Na verdade, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o dolo ou a negligência têm como substracto um fenómeno psicológico, representado por uma certa posição do agente perante o ilícito capaz de ligar um ao outro; ora esses fenómenos psicológicos, eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial, ou emocional do indivíduo, cabem ainda dentro da vasta categoria dos factos processualmente relevantes. Dado que o dolo, o qual se pode, abreviadamente, definir como a consciência e vontade de cometer o facto ilícito, ou similarmente a negligência, pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, podendo, ainda, comprovar-se a sua verificação por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência V. acs. da RP de 18/11/98, in CJ, T. V, p. 140, e de 23/02/83, in BMJ 342, p. 620.
Nessa perspectiva, o facto em questão não poderia ser formulado de outro modo nem obtido a não ser como resultado do comportamento objectivo que se mostra revelado nos demais factos provados, pois o conhecimento do seu sentido ou significação, acaba por ser dado por provado por presunção do julgador, sem que haja testemunhas — nem as há disso mesmo. O elemento subjectivo da infração com que somos confrontados nos autos, em função da sua natureza e na generalidade dos casos, surge provado como circunstância conatural dos factos que constituem os elementos objectivos do ilícito em si.
Assim, sendo, nenhuma razão existe para a pretensão da recorrente de ver esse facto relegado para os não provados ou deixado de ser tido em consideração.


Da não subsunção dos factos provados às normas integradoras dos ilícitos contraordenacionais pelos quais foi a recorrente condenada:
Manifesta a recorrente a sua discordância quanto à matéria de direito vertida na sentença ao nível da integração jurídica dos factos nos ilícitos contraordenacionais, apontando, em primeiro lugar, para a aplicação dos art.ºs 48º e 67º n.º 2 al. r) do DL 178/2006 com a consideração de que aquele primeiro normativo apenas impõe uma obrigação de registo, não impondo nenhuma data para o efeito e como tal, face ao facto provado 5 [A empresa não submeteu até 31 de março de 2015 no MIRR os dados relativos aos resíduos por si produzidos em 2014], nunca poderia ser incriminada por não submissão da informação em determinado prazo no MIRR, mas eventualmente apenas, por não registo em absoluto, o que não vem alegado, nem foi provado, pelo contrário.
Contudo, a recorrente evidencia uma incompleta leitura do texto da sentença recorrida no segmento relativo à integração jurídica dos factos uma vez que ali se refere, para além do art.º 48º acima posto em destaque na alegação: “O art.º 49.º-B, n.º 2, do referido diploma legal, sob a epígrafe “prazo de inscrição e de registo” determina que “[o] prazo para registo anual da informação relativa aos resíduos e aos produtos colocados no mercado termina no dia 31 de Março do ano seguinte ao do ano a reportar”.
Ou seja, apesar da obrigação declarativa constar do art.º 48º , o prazo de efectivação da mesa mostra-se estabelecido nesta art.º 49º e o seu não cumprimento mostra-se sancionado, como contraordenação, no art.º 67º, n.º 2, alínea r), do mesmo diploma legal, estabelecendo-se a moldura sancionatória da coima nos art.ºs 21º e 22º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, com a coima de € 12.000,00 a € 72.000,00, em caso de negligência.
Para cabal esclarecimento da recorrente cita-se aquele segmento da sentença:
Relativamente à primeira das contra-ordenações imputadas à sociedade arguida (contraordenação ambiental grave), importa ter desde logo em vista o Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro (Regime Geral da Gestão de Resíduos), o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e a Directiva n.º 91/689/CEE, do Conselho de 12 de Dezembro, e que estabeleceu o regime geral aplicável à prevenção, produção e gestão de resíduos. Dispõe o art.º 48.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, sob a epígrafe “obrigatoriedade de inscrição e de registo”, que:
1 - Estão sujeitos a inscrição e a registo de dados no SIRER:
a) As pessoas singulares ou colectivas responsáveis por estabelecimentos que empreguem mais de 10 trabalhadores e que produzam resíduos não urbanos; (…)
e) As entidades responsáveis pelos sistemas de gestão de resíduos urbanos (…).
O art.º 49.º-B, n.º 2, do referido diploma legal, sob a epígrafe “prazo de inscrição e de registo” determina que “[o] prazo para registo anual da informação relativa aos resíduos e aos produtos colocados no mercado termina no dia 31 de Março do ano seguinte ao do ano a reportar”.
Por seu turno, dispõe o art.º 67.º, n.º 2, alínea r), do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “contra-ordenações ambientais”, que “[c]onstitui contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro, a prática dos seguintes actos: (…) r) O incumprimento da obrigação de inscrição e registo de dados no SIRER, em violação do disposto no artigo 48.º.”.
A tentativa e a negligência são puníveis, de acordo com o n.º 4 do citado artigo.
Sendo que o incumprimento de tal obrigação é sancionável como contra-ordenação grave, nos termos do disposto nos artigos 21.º e 22.º, n.º 4, alínea b) , da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com a coima de € 12.000,00 a € 72.000,00, em caso de negligência, ou € 240.000,00 a € 5.000.000,00, em caso de dolo.”
Neste concreto aspecto, argumenta a recorrente ainda que, no seguimento do não estabelecimento no art.º 48º de qualquer prazo para cumprimento da obrigação declarativa, o reporte da informação referida foi efetivamente realizado na submissão do Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas aos resíduos produzidos e enviados pela Arguida (cfr. Doc. n.º 3, junto à Impugnação da Recorrente).
Esta submissão do Relatório Ambiental não se mostra reflectido na matéria de facto provada.
Depois a alegação de que seria apenas leve, nos termos do artigo 67.º/3.,a contraordenação prevista na lei para a violação do artigo 49.º-B/2 também não merece o nosso acolhimento pois o cerne da imputação, aqui feita, do ilícito contraordenacional não diz respeito a uma qualquer ultrapassagem de prazo de registo dos dados relativos aos resíduos por si produzidos em 2014, mas sim a uma completa omissão desse registo, o que foi aferido, como se depreende do facto provado 5, por relação à data de 31 de Março de 2015.
A argumentação da recorrente seria quando muito atendível se nos factos provados constasse que esse registo acabou por ser feito, embora em data posterior à data atrás referido, o que não sucede, como se disse.

Neste concreto aspecto impugnativo da sentença, desenvolve ainda a recorrente a tese de que aquela decisão recorrida não cumpre o disposto no artigo 58.º/1c) do RGCO, aplicável por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, omitindo normas jurídicas fundamentais para a possível incriminação da Arguida, o que constituiria, conclui, constitui uma nulidade da decisão de harmonia com o preceituado nos arts. 374.º/2 e 3 e 379.º/1a) do C.P.P..
Com o devido respeito, a alegação dessa nulidade baseada na omissão apontada – que nos parece mostra-se revelada com a omissão de que a norma dos arts. 48.º e 67.º/2r) DL 178/2006 diziam respeito à violação do prazo de submissão do reporte - apenas resulta da menção factual avançada pala recorrente de que o reporte da informação referida foi efetivamente realizado na submissão do Relatório Ambiental Anual que continha todas as informações relativas aos resíduos produzidos e enviados pela Arguida. Porém, como já se disse, esse concreto facto comissivo não consta da matéria de facto provada e, consequentemente, não poderia ser valorado pelo tribunal recorrido nem por este tribunal de recurso dada a restrição apreciativa já apontada derivada do art.º 75º RGCO.
Sobre esse facto comissivo que a recorrente alongadamente invoca neste ponto, com a invocação de dificuldades/impossibilidades técnicas por parte da APA diremos que o tribunal teve o cuidado de se manifestar no sentido da sua não prova quando diz, na motivação da decisão: “Os pontos a) e b) da matéria de facto dada como não provada resultam da manifesta falta de prova da sua verificação, sendo de salientar o depoimento prestado pela testemunha AA que, identificando-se como o responsável pelo tratamento e transmissão da informação em apreço, acabou por admitir – após tentativa forçada de corroborar a tese apresentada pela arguida/recorrente de uma alegada “falha técnica” que manifestamente não logrou provar ter existido, e da qual se foi afastando ao longo do seu relato – que não procedeu ao envio da informação na base de dados respetiva dentro do prazo, resultando ainda inequivocamente do teor da devolução da mensagem de correio eletrónico apresentadas pela arguida/recorrente como doc. n.º ... com o seu recurso (fls. 245 do Vol. I dos autos físicos) que o endereço de correio eletrónico alegadamente pertencente à APA, para onde alegou ter remetido informação sobre as dificuldades técnicas (“sirapa@apambiente.pt”) nem sequer existe, o que, de resto, foi confirmado pela testemunha BB.” Esclarecedor.
Nenhuma nulidade se mostra assim que afecte a decisão recorrida, mormente dos art.ºs 58.º/1c) do RGCO, 374.º/2 e 3 e 379.º/1a) do C.P.P.

Em segundo lugar, discorda a recorrente da integração, na contraordenação ambiental grave prevista no artigo 81.º, n.º 2, alínea g) do DL n.º 226-a/2007, de 31 de Maio, dos pontos 6 a 9 dos factos provados, argumentando que a mesma só pode ser tida como grave (e não muito grave como foi decidido), com o argumento de que o dispositivo que prevê a contraordenação ambiental muito grave (artigo 81.º/3a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007) não se refere a obrigações de reporte e de informação, estas têm consagração no art. 81.º/2 do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, que contempla contraordenações graves, “2 - Constitui contra-ordenação ambiental grave:
a) A não prestação de informações, a prestação de informações falsas ou inexactas e a ocultação de elementos de informação pelos utilizadores;
(...)
g) A falta de envio dos dados do sistema de autocontrolo de acordo com a periodicidade exigida, nos termos do artigo 5.º;” .
Vejamos:
Dispõe o artigo 81.º, n.º 2, alínea g) do DL n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, que:
«Constitui contra-ordenação ambiental grave, a falta de envio dos dados do sistema de autocontrolo de acordo com a periodicidade exigida, nos termos do artigo 5.º».
Dispõe o artigo 5.º do mesmo diploma, que:
«1- O titular de licença ou o concessionário deve instalar um sistema de autocontrolo ou programas de monitorização adequados às respectivas utilizações sempre que essa instalação seja exigida com a emissão do respectivo título.
2 - As características, os procedimentos e a periodicidade de envio de registos à autoridade competente fazem parte integrante do conteúdo do respectivo título.
3 - Os encargos decorrentes da instalação e exploração do sistema de autocontrolo ou dos programas de monitorização são da responsabilidade do titular da licença ou da concessão.
4 - O titular da licença ou da concessão mantém um registo actualizado dos valores do autocontrolo ou dos programas de monitorização, para efeitos de inspecção ou fiscalização por parte das autoridades competentes.
5 - Os utilizadores que explorem instalações susceptíveis de causar impacte significativo sobre o estado das águas ficam ainda obrigados a definir medidas de prevenção de acidentes e planos de emergência que minimizem os seus impactes.
6 - Qualquer acidente ou anomalia grave no funcionamento das instalações, nomeadamente com influência nas condições de rejeição de águas residuais ou no estado das massas de água, deve ser comunicada pelo utilizador à autoridade competente no prazo de vinte e quatro horas a contar da sua ocorrência».
Por sua vez, dispõe o artigo 81.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, que:
«Constitui contra-ordenação ambiental muito grave, o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título».
Conforme fundamento pelo Tribunal a quo, o que resulta demonstrado na prova documental produzida, a recorrente estava obrigada, por força dos respectivos títulos de utilização de recursos hídricos, a enviar à Agência Portuguesa do Ambiente – Administração de Região Hidrográfica do Tejo e Oeste, trimestralmente, os volumes de água captados mensalmente.
Daqui resultando um caso de concurso aparente, numa relação de consumpção, devendo a recorrente ser punida pela contraordenação mais gravemente punível, como ocorreu.
Atente-se, a título meramente exemplificativo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-10-2008, assim parcialmente sumariado: «Se numa determinada situação de facto acontece que a reacção contra a valoração concreta do bem jurídico realizada pelo tipo enformado pelo valor menos lato se efectiva já pela aplicação do preceito que tem em vista a defesa de bens jurídicos mais extensos ocorre uma relação de consumpção em que a norma que mais extensamente proteger o complexo jurídico-penal em presença consome a norma que em menor amplitude o fizer».
No caso, diversamente do que afirma a recorrente, não está em causa qualquer alegada violação dos prazos de reporte, mas sim a sua integral omissão de reporte.
Mais uma vez, na tentativa de demonstração de cabal cumprimento desse reporte traz a recorrente à discussão que procedeu ao envio completo e atempado dos referidos dados via Plataforma TRH, o que seria corroborado pela emissão das competentes guias para pagamento por parte da APA, que têm por referência os volumes captados e comunicados pela Recorrente, de que terá resultado a emissão de taxas pela APA à recorrente pelo exato montante de volumes de captação reportados, o que significa que a APA teve acesso aos exatos volumes de captação e água, ou que mesma teria sido incluída no Relatório Ambiental Anual.
Também mais uma vez, porque tais realidades não consta do elenco dos factos provados, as mesmas não poderiam ser atendidas pelo tribunal recorrido, nem a mesma se mostra passível de ser aditada, nesta fase de recurso, vedada que se mostra a alteração da matéria de facto por via impugnativa como decorre do art.º 75º RGCO.
Assim se conclui não assistir razão à recorrente.

Outro dos aspectos relativos à integração jurídica dos factos refere-se a um erro de aplicação do art. 111.º/2e) do DL n.º 127/2013 – por decorrência do que se mostra inserido no facto provado 14 – alegando inviabilização de qualquer monitorização em virtude de em 2015 ter ocorrido uma alteração substancial ambientalmente relevante nas caldeiras da fábrica, passando as mesmas de fuelóleo para gás natural, de que a CCDR foi atempadamente notificada.
Para além desta notificação, nem as realidades subsequentemente afirmadas pela recorrente no ponto 35 da motivação e a inoperacionalidade das caldeiras, não constar do elenco dos factos provados, o que inviabiliza, só por si, a pretensão da recorrente de ser absolvida da contraordenação em causa, vejamos o que a sentença refere quanto a esta concreta integração jurídica:
Finalmente, e no que respeita à quarta contraordenação imputada à sociedade arguida (contraordenação ambiental grave), importa relevar o Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, que estabelece o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição, bem como as regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos, transpondo a Diretiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição), cujo art.º 7.º, n.º 1, alínea a), sob a epígrafe “obrigações gerais do operador”, que “[s]ão obrigações gerais do operador, no âmbito da exploração da instalação: a) Cumprir o disposto no presente decreto-lei e as condições de licenciamento especificamente estabelecidas (…).
Por seu turno, dispõe o art.º 111.º, n.º 2, alínea c), do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “contraordenações”, que:
“(…) 2-Constitui contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, a prática dos seguintes atos: (…) c) O incumprimento da obrigação de requerer a atualização da licença sempre que a APA, I.P., o determine nos termos do n.º 7 do artigo 19.º (…).
A tentativa e a negligência são puníveis, de acordo com o n.º 4 do citado artigo.
Sendo que o incumprimento de tal obrigação é sancionável como contraordenação grave, nos termos do disposto nos artigos 21.º e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, com a coima de € 12.000,00 a € 72.000,00, em caso de negligência, ou € 240.000,00 a € 5.000.000,00, em caso de dolo.”.
Como se indica na sentença - facto provado 14 – existiu violação das obrigações que constam do ponto 2.2.1.2 da sua Licença Ambiental que obriga à caracterização, duas vezes por ano, daquelas fontes por forma a verificar o cumprimento dos valores limite de emissão relativos aos parâmetros dióxido de enxofre, óxidos de azoto, monóxido de carbono, sulfureto de hidrogénio, metais I, metais II, metais III, metais pesados totais, compostos orgânicos voláteis e partículas fixados no ponto 2.2.1.2. da Licença Ambiental residindo aí o cerne da verificação dos elementos do tipo contraordenacional.

Ainda nesta matéria da definição da responsabilidade contraordenacional da recorrente, defende a mesma no recurso que inexiste culpa, em qualquer dos seus graus, pois actuou com toda a devida diligência.
Muito liminarmente, diremos que não assiste razão à recorrente, sendo a sentença perfeitamente cristalina na definição da negligência com que a arguida agiu, isto com base no facto provado 15 [Ao atuar da forma descrita supra nos pontos 1-9 e 14, a sociedade arguida agiu sem a prudência e diligência a que estava obrigada e de que era capaz, mormente de conhecimento e cumprimento dos deveres supra referidos que sobre si pendiam] como, mais à frente na fundamentação, se mostra desenvolvido quando se afirma: “O ponto 15 da matéria de facto provada resulta dos factos objetivamente dados como provados sob os pontos 1-9 e 14 da matéria de facto provada, tendo o Tribunal necessariamente que dar como provado, em face dos referidos factos, da organização, relevância da sua produção e escopo comercial, que a sociedade arguida agiu de forma descuidada, sem a prudência e diligência a que estava obrigada e de que era capaz, mormente de conhecimento e cumprimento dos deveres que sobre si pendiam.
Mas a sentença faz mais que isso. No segmento da integração jurídica dos factos mostra-se apreciada a imputação subjectiva dos ilícitos em presença, afirmando-se: “Ao contrário do procedimento criminal, em que se exige uma censura ética ao agente, no âmbito contraordenacional apenas se exige uma imputação do facto à responsabilidade social do respetivo agente.
Mas, ainda assim, carece de demonstração a prática dos factos com culpa por parte do agente, por via da demonstração da atuação deste com dolo ou negligência (artigos 8.º do RGCOC e 14.º e 15.º do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCOC).
Conforme limpidamente se explica no AcTRP de 2008/03/28, proc. n.º 0810356, in www.dgsi.pt/, “(…) o princípio da culpa é um dos princípio basilares, não só do C. Penal, mas também do RGCO, como decorre claramente (entre outros) do n.º 1 do art.º 6.º deste diploma, no qual se admite que o nexo de imputação subjetiva possa traduzir-se na forma de dolo ou, excecionalmente, na de negligência. Pelo que, para que exista culpabilidade do agente no cometimento de um facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência. No ilícito de mera ordenação, a culpa, diferentemente do que sucede no ilícito criminal, em que se funda na censura ética do agente, traduz-se na imputação do facto à responsabilidade social do respetivo agente. Sendo, pois, imprescindível determinar a que título é feita a imputação da conduta ilícita à recorrente para que esta possa ser condenada pela sua prática”.
Importa salientar em que circunstâncias o agente atua com dolo ou negligência.
Assim, e nos termos do art.º 14.º do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCOC:
1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização”.
O dolo é a vontade, mas vontade do agente dirigida para o facto descrito como ilícito (o facto típico), podendo definir-se o dolo como a conduta do agente adequada à realização de um facto típico que representou e quis4.
São assim elementos estruturais do dolo (1) o elemento cognitivo (conhecimento e consciência do facto ilícito) e (2) o elemento volitivo (vontade de praticar aquele facto).
O art.º 14.º do Código Penal prevê ainda três formas de dolo: o dolo direto (ou intencional), o dolo necessário e o dolo eventual, as quais vêm sendo diferenciados pela doutrina nos seguintes moldes5:
- o dolo direto ou intencional é aquele em que o fim subjetivo do agente é o próprio facto tipicamente ilícito, ou seja, o facto representado é o facto querido e o agente atua com vontade de realizar esse mesmo facto;
- no dolo necessário o facto tipicamente ilícito não constitui o fim a que o agente se propõe, mas é consequência necessária da realização do fim (lícito ou ilícito) que se propõe;
- no dolo eventual o agente prevê o facto como consequência possível da sua conduta e mesmo assim age, assumindo o risco, conformando-se com a sua realização.
Por seu turno, e nos termos do art.º 15.º do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCOC:
“Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.
A negligência consiste numa atuação do agente em que este não representou ou representou imperfeitamente a realização do tipo quando devia e podia representá-lo ou representá-lo perfeitamente, ou porque embora o tivesse representado não o quis realizar6.
São elementos estruturais da negligência (1) a conduta humana voluntária por ação ou omissão, (2) a violação de um dever de cuidado ou diligência, (3) a previsão ou previsibilidade do facto ilícito, (4) a imputação objetiva nos ilícitos de resultado e (5) a realização involuntária do facto típico.
O art.º 15.º do Código Penal prevê ainda duas formas de negligência: a negligência consciente e a negligência inconsciente, as quais vêm sendo diferenciados pela doutrina nos seguintes moldes7:
- na negligência consciente o agente prevê o facto típico, embora não o queria ver realizado;
- na negligência inconsciente o agente nem sequer prevê a realização do facto típico, apesar de ser previsível na circunstância concreta.
Sendo que, nos termos do disposto no art.º 17.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, ex vi art.º art.º 32.º do RGCOC:
1 - Age sem culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2 - Se o erro lhe for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respetivo, a qual pode ser especialmente atenuada
4 Germano Marques da Silva, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português Direito Penal Português –– Teoria do CrimeTeoria do Crime, 2.ª edição, UCE, págs. 100 e ss., 2.ª edição, UCE, págs. 100 e ss.
5 Germano Marques da Silva, Germano Marques da Silva, op. cit.op. cit., págs. 100 e ss., págs. 100 e ss.
6 Germano Marques da SGermano Marques da Silva, ilva, op. cit.op. cit., págs. 125 e ss., págs. 125 e ss.
7 Germano Marques da Silva, Germano Marques da Silva, op. cit.op. cit., págs. 100 e ss., págs. 100 e ss.
tudo para chegar à conclusão de que agiu com negligência – como veio a dizer quando se pronuncia sobre a medida da coima [note-se atuou com negligência].
O conjunto das considerações acabadas de citar merecem a nossa inteira adesão, não assistindo razão à recorrente.

Da medida da coima:
Insurgindo-se quanto aos montantes das coimas aplicadas, manifesta a recorrente que, quando a sentença indicou “Apesar da gravidade das contraordenações em apreço, e não obstante a situação económica favorável identificada à arguida, importa reter que todos os comportamentos imputados à arguida resultam da omissão circunstancial da adoção de procedimentos de reduzida importância (v.g. a ultrapassagem de prazos para prestação de informações, a não atualização atempada da Licença Ambiental), pelo que se deverá situar o grau de culpa da arguida num plano meramente baixo, que, note-se atuou com negligência, in casu, levando-se ainda em linha de conta que não se identificou para si qualquer concreto benefício económico da atuação em apreço”, se imporia uma condenação pelo valor mínimo, o que teve repercussões na determinação da coima única por força do art.º 19.º do RGCOC.
Ultrapassando o argumento também esgrimido da pretensão, não atendida, de ver diminuída a classificação dos ilícitos em termos de uma contraordenação grave só poderia ser punida como leve e uma contraordenação muito grave só poderia ser punida como grave, vejamos o que se se mostra desenvolvido na sentença quanto á determinação das coimas parcelares, depois de anteriormente a propósito de cada uma das contraordenações ter mencionado a respectiva moldura da coima [contraordenação grave, nos termos do disposto nos artigos 21.º e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, com a coima de € 12.000,00 a € 72.000,00, em caso de negligência, contraordenação muito grave, nos termos do disposto nos artigos 21.º e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, com a coima de € 24.000,00 a € 144.000,00, em caso de negligência, contraordenação grave, nos termos do disposto nos artigos 21.º e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, com a coima de € 12.000,00 a € 72.000,00, em caso de negligência, respectivamente]:
Conforme resulta do disposto no art.º 18.º, n.º 1, do RGCOC, “[a] determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação”.
Apesar da gravidade das contraordenações em apreço, e não obstante a situação económica favorável identificada à arguida, importa reter que todos os comportamentos imputados à arguida resultam da omissão circunstancial da adoção de procedimentos de reduzida importância (v.g. a ultrapassagem de prazos para prestação de informações, a não atualização atempada da Licença Ambiental), pelo que se deverá situar o grau de culpa da arguida num plano meramente baixo, que, note-se atuou com negligência, in casu, levando-se ainda em linha de conta que não se identificou para si qualquer concreto benefício económico da atuação em apreço.
Assim, considera o Tribunal como proporcional, justa e adequada a medida das coimas fixada pela autoridade administrativa pelo seu valor mínimo, a saber:
- coima parcelar de € 12.000,00 pela prática a título negligente de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto;
- coima parcelar de € 24.000,00 pela prática a título negligente de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto; e
- coima parcelar de € 12.000,00 pela prática a título negligente de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 111.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na coima parcelar de € 12.000,00.”
e única:
Prevê ainda o art.º 19.º do RGCOC, sob a epígrafe “concurso de contraordenações”, que:
1 - Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações”.
Assim, procedendo à elaboração da moldura abstratamente aplicável ao concurso de contraordenações em apreço, temos que o mínimo se situará em € 24.000,00 e o máximo em € 48.000,00.
Em face de tudo quanto se expôs supra, entende o Tribunal que, em face da baixa ilicitude das contraordenações praticadas e da inexistência de benefício económico das mesmas para a arguida, por um lado, e da situação socioeconómica favorável da arguida e do grau baixo da culpa à mesma assinalada, por outro, é de fixar a coima única dentro do primeiro quarto do intervalo da moldura, no valor de € 30.000,00.”
Dos excertos citados concluímos que a fixação do quantum parcelar de cada uma das coimas se mostra feito pelo mínimo da moldura aplicável de cada uma das contraordenações em presença e, quanto ao montante da coima única, a respectiva determinação se mostra feita situando a coima pouco acima do limite mínimo da moldura do concurso, ou seja com um acréscimo de ¼ do montante mínimo da mesma.
Diz-nos isto que, face aos critérios estabelecidos no art.º 20º da Lei 50/2006 de 29.08 [a gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto, a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção], e malgrado o ponto posto em relevo pela recorrente acerca da natureza de reduzida importância dos procedimentos em falta, o grau de culpa da arguida se situar num plano meramente baixo, pois atuou com negligência, in casu, não se identificou para si qualquer concreto benefício económico da actuação em apreço, ainda assim, o conjunto das omissões em que radicam a essência dos ilícitos impõem que a fixação da coima única nãos e fique pelo mínimo pretendido, mostrando-se a mesma proporcional à culpa negligente, adequada às necessidades preventivas e criteriosamente fixada pelo que se mantém a mesma.

III.
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela arguida N..., Lda. e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário.

Évora, 10 de Janeiro de 2023
João Carrola
Maria Leonor Esteves
Gomes de Sousa