Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
140/15.1GBABF.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
CONVERSAS INFORMAIS
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A propósito de “declarações de arguido” e “conversas informais” é imperativo recordar o acórdão do STJ de 15-02-2007 (Proc. 06P4593) que delimita de forma clara uma outra questão que ganha enorme relevo e secundariza – e menoriza – as abordagens que apenas se preocupam com a caracterização do depoimento/declaração e atribui o devido e inicial relevo ao regime previsto no artigo 58º do Código de Processo Penal.
Se ocorre denúncia pelas 08.00 h por testemunha - que é agente policial – que fora informada pelos camaradas da apreensão de um polo de sua propriedade, depoimento dessa testemunha pelas 11.50 h, declarações de arguido formalizadas, constituição como arguido e prestação de TIR até às 12.00 h, a “conversa informal” do arguido com essa testemunha nesse mesmo período acarreta a proibição de inquirição da testemunha em audiência de julgamento.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n. 140/15.1GBABF.E1


Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório:
No Tribunal Judicial de Faro – Juízo Local Criminal de Albufeira- J 2 - correu termos o processo comum singular supra numerado, no qual é arguido BB, …imputando-lhe a prática de um crime de introdução em lugar vedado, previsto e punido pelo art. 191.° do Código Penal e um crime de furto, previsto e punido n." 1 do art. 203.° (ex vi al. e) do n." 2 e n." 4 do art. 204.°) do Código Penal
A final foi lavrada sentença em 19-06-2017 que absolveu o arguido.
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Inconformada, interpôs o presente recurso, a Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados, no que tange à absolvição do arguido BB da prática de um crime de introdução em local vedado ao público e um crime de furto, p. e p. pelos arts. 191.° e n." 1 do art. 203.°, n." 1 (ex vi al. e) do n." 2 e n. 4 do art. 204.°), respectivamente, ambos do Código Penal;
2. Deveriam ter sido dados como provados os factos constantes da acusação e enumerados de alíneas a) a e) dos factos não provados, com excepção do ponto ii.;
3. Tal resulta do depoimento da testemunha CC, o qual deveria ter sido valorado, conjugado com a demais prova documental constante dos autos, em consonância com os princípios penais;
4. A testemunha CC, que por acaso é militar da GNR, na sessão realizada a 23.05.2017, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10 horas e 07 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 25 minutos, a instâncias da Magistrada do Ministério Público, disse entre o minuto 01:20 e 02:20: MP: É capaz de me relatar o que é que aconteceu, quando? Test.: Foi de um furto de um pólo da GNR, foi o mês de Janeiro de 2015, não sei precisar o dia, já tinha dado pela falta do pólo (. . .)
5. Entretanto na altura, nesse mês de Janeiro de 2015, uma patrulha deslocou-se a minha casa com esse Sr. BB e ele perante mim, perguntaram se me faltava um pólo, eu disse que sim e o Sr. BB lá na minha residência disse que tinha sido dali que tinha retirado o pólo da Guarda (. . .).
6. Entre o minuto 02:50 a 04:42: MP: Onde é que mora, morava? Test.: Morava na Rua … nessa altura. (. . .) MP: A sua residência fica num local murado, fechado? Test.: Fechado. MP: Percebeu, consegue-nos descrever como é que ele poderá ter ido lá buscar o seu pólo, percebeu como é que isso aconteceu? Test.: Porque o prédio tem muro à volta, e tem um portão, mas o portão está sempre fechado. MP: Olhe o muro tem que altura, mais ou menos? Test.: Cerca de 1,50 m MP: 1,50 e tem um portão? Test.: Tem um portão. MP: Está equipado com fechadura? Test.: Sim, sim. MP: Costuma estar fechado? Test.: Sim, Sim. MP: Então como é que ele se poderia ter introduzido? Test.: Pronto, a única forma é saltar o muro e secar o pólo que estava a secar, normalmente (. . .) No estendal.
7. Depois, disse entre o minuto 09:49 a 10:33: MP: "Tudo o que sabe relativamente aos factos em SI, a forma como ocorreram foi aquilo que o próprio arguido lhe relatou, o próprio Sr. BB que esteve perante si? Test.: Sim, Sim. MP: Olhe, ele pediu-lhe desculpa ou alguma coisa? Test.: Sim. Quando eu me desloquei posteriormente ao Posto ele pediu-me desculpa. MP: Apresentou-lhe alguma justificação para o ter feito, por ser o pólo da GNR? Test.: Não. Não disse nada. Só pediu desculpa pelo que aconteceu, explicou como o tinha feito, tinha tirado do estendal juntamente com outras peças. MP: Mas isso em conversa directa consigo? Test.: Sim, sim, comigo e pediu desculpa pelo que tinha acontecido, mais nada. Seguidamente, questionada pela defesa sobre o conhecimento que tinha dos factos, se apenas sabia dos factos por causa da confissão do arguido, do minuto 12:20 a 13:04, disse: Test.: Apenas sei que a patrulha tinha feito a apreensão do polo, que estava na posse do Sr. BB e que o pólo era meu e portanto que já tinha dado falta e que o pólo que eu tinha dado falta realmente era esse. Não sei como é que ele o fez, não ui, é só baseado no que ele realmente me disse e dele ter ado atrulha porque a patrulha perguntou-lhe de onde é que era o pólo, de onde é que ele o tinha retirado, colocaram o Sr. dentro da viatura e ele deu indicações, levou-os à minha casa, à minha residência."
8. O estendal, conforme o depoimento integral da testemunha encontrava-se colocado à porta de entrada da sua fracção, dentro da propriedade horizontal onde a mesma habita, devidamente murada em toda a sua extensão e cujo acesso se faz por um portão que se encontra fechado, só podendo ser aberto com uma chave. Mais acrescentou que nunca viu ou encontrou tal portão aberto;
9. Assim, do depoimento resulta, salvo o devido respeito, que o arguido, muito antes de assumir a qualidade de arguido e enquanto se indagava a origem e eventual propriedade do pólo, conversou directamente com a ofendida e testemunha CC, quando conduziu os militares da patrulha a casa desta e aí a informou que se tinha dirigido anteriormente e retirado do seu estendal várias peças de roupa, entre as quais, o referido pólo de manga comprida da GNR;
10. Logo, não estamos perante qualquer conversa, indirecta, que não possa ser valorada, ao contrário do que o Mmo. Juiz a quo entendeu na sua motivação;
11. Destarte, no tocante ao crime de furto e introdução em local vedado, o órgão de polícia indagava se efectivamente podia ter sido cometido um ilícito, em que circunstâncias e se por aquele indivíduo, sequer havia queixa, posteriormente apurou-se tratar-se de ilícitos penais, os quais são crimes de natureza semi-pública, mas poderia até não ter sido praticado nenhum crime ou não ser apresentada queixa-crime;
12. E, nesse sentido, ainda que estivéssemos efectivamente a falar de uma conversa mantida pelo arguido, à data ainda eventual suspeito a confirmar, podia ser valorada, por estarmos numa fase de eventual recolha de indícios da prática de ilícito e seu autor, como resulta do próprio trecho transcrito do Ac. do STJ de 15.02.2007, proc. 06P4593, em www.dgsi.pt. na sentença recorrida;
13. Ademais, o facto é que o arguido, à data poderia ser eventual suspeito, mas confessou os factos directamente à testemunha e ofendida CC. Assumiu a sua prática, explicou como o fez e, inclusive, pediu desculpa por o ter feito.
14. Destarte, não é uma conversa informal nos termos da lei processual penal e, consequentemente pode e deve ser devidamente valorada.
15. Não é meio indirecto de prova, de depoimento de ouvir dizer aos militares da patrulha que se deslocaram com o arguido ao local. Saliente-se, foi dito directamente pelo arguido à ofendida e testemunha, ainda que na presença dos militares;
16. Não há qualquer violação do disposto no art. 129.° do cód. Prac. Penal, pelo contrário, foi prestado depoimento em cumprimento, entre o mais, do disposto nos arts. 124.°, 125.°, 128.° e 131.°, todos do Cód. Prac. Penal e o próprio Mmo. considerou o depoimento "de sindicância impossível quanto à fiabilidade do que a mesma ouviu ", "dotado de muita genuinidade, sendo evidente a boa-fé da testemunha";
17. Deverão assim ser dados como provados os seguintes os factos constantes da acusação e que onsta da sentença recorrida como factos não provados, a saber, elencados da alínea a) a e), com excepção do ponto ii.;
18. Por outro lado, os factos considerados não provados encontram-se em contradição com a fundamentação dos mesmos, a qual em si própria também entra em contradição em alguns pontos, não sendo coerente;
19. Com efeito, o Mmo. Juiz a quo diz que não pode valorar o depoimento de CC por ser por meio indirecto e, como tal, meio de prova proibido, no seu entendimento; uma vez que o que sabe é porque ouviu o agora arguido, na altura ainda eventual suspeito, em conversa com aquele OPC enquanto confessava a autoria e prática dos factos, entendendo que naquele momento o mesmo já deveria assumir a qualidade de arguido e tal confissão não pode por isso ser valorada sem violação do direito ao silêncio
20. Todavia, em nota de rodapé com o n." 6, ao invés de na fundamentação e por referência a este facto, apresenta uma conclusão que mais não revela do que um pré-juízo, suposições lançadas pelo julgador para justificar e sustentar as razões pelas quais considera que se trata de uma conversa informal mantida entre OPC e o arguido;
21. Com efeito, da única prova testemunhal ouvida em sede de audiência de julgamento resultou que o ora arguido, então ainda suspeito, conduziu a patrulha até ao local de onde teria subtraído as peças de vestuário, desconhecendo estes assim como a própria ofendida, o local de onde este teria retirado o referido pólo até ao momento em que aí chegaram;
22. Tal conclusão é muito mais verosímil, face ao teor do depoimento prestado pela testemunha, assim como da própria postura de surpresa desta face à presença dos OPC e do arguido, até da própria prática do ilícito e do local do mesmo sobre a sua propriedade do que a do Mmo. Juiz a quo;
23. Saliente-se que a ofendida já tinha efectivamente dado pela falta do pólo, mas desconhecia de onde teria este desaparecido, se no local de trabalho, se em casa ou outro local como seja do estendal e se teria algum colega, inclusive, levado o mesmo por engano;
24. Acresce que, o Mmo. Juiz a quo na fundamentação entende que ficou provado que o pólo da testemunha CC e outra peça de roupa foram efectivamente levados do seu estendal "e tendo em conta as características do local descritas pela testemunha, não nos parece possível que as duas peças de roupa tenham ido parar à posse de um terceiro sem que tenha ocorrido um ilícito.";
25. Desde logo, tal facto não consta da matéria de facto dada como provada, embora conste da fundamentação, o que é contraditório;
26. Ora, não é possível firmar convicção de que o pólo foi levado do estendal, se não valorarmos as declarações da testemunha, a qual só tem conhecimento deste facto porque o suspeito, e depois arguido, lhe contou;
27. Tudo isto faz sentido, claro, se valorarmos o depoimento da testemunha integralmente, tendo de ser dados como provados os factos constantes da acusação, mais uma vez, tal como pugnamos, o que no fundo o Mmo. Juiz a quo fez e utilizou para formar esta convicção;
28. No tocante ao crime de introdução em local vedado ao público, a testemunha CC explicou que o prédio onde vivia era murado em toda a sua extensão, fazendo-se o acesso ao interior através de um portão de entrada ou então pelo portão da garagem, através de chave, o qual se encontra sempre fechado, nunca o tendo visto ou encontrado aberto;
29. Todavia, mais uma vez é dado o salto na fundamentação, com suposições lançadas para justificar a posição assumida de que não foi feita prova que no momento estava fechado, mas também ninguém lançou sequer a dúvida que não estivesse e ainda que assim fosse, ainda assim estaria o ilícito consumado;
30. Tal conclusão não se compreende face à ausência de sustentabilidade fáctica da qual se possa depreender a mesma, salvo da opinião do julgador ou, e aí mais uma vez em nítida contradição, do depoimento da testemunha Magda Augusto, o qual segundo o mesmo não foi valorado;
31. Logo, o que é facto, é que de modo indeterminado, o arguido para aceder ao estendal que se encontrava junto à porta de entrada da fracção habitada pela testemunha, no corredor, e daí retirar as peças de roupa, entre as quais, o pólo, teria de transpor de algum modo a barreira física que delimita e impede o acesso ao condomínio e que não seja pelos seus legítimos proprietários ou pessoas autorizadas. E, ainda, que conjecturássemos que o portão estava aberto, o que de forma nenhuma se pode concluir, não deixava o arguido de estar a introduzir-se num local vedado e de propriedade privada, consumando-se assim o crime, p. e p. pelo art. 191.0 do Cód. Penal;
32. Da conjugação de toda a prova produzida, não pode pois deixar de se concluir que a autoria do ilícito tem de ser atribuída ao arguido BB, pois que a sua prática não põe o Mmo. Juiz em causa;
33. Deverá a prova ser reapreciada, ouvidas as referidas declarações em conjugação com a demais e reapreciada a documentação junta aos autos, ser valorado o depoimento da testemunha, provas estas que impõem necessariamente uma decisão diversa da recorrida, dando os factos constantes da acusação como provados;
34. E, consequentemente, sendo o arguido condenado pelos 2 Crimes de que vinha acusado.
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O Exmº. Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penala.
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B - Fundamentação:
B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. Por sentença transitada em julgado em 04/06/2015, proferida no processo n° 274/15.2GBABF do Tribunal Judicial de Albufeira, o arguido BB foi condenado pela prática, em 17/02/2015, de um crime de furto qualificado e um crime de condução sem habilitação legal na pena de 215 dias de multa.
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B.1.2 - E como não provados os seguintes factos:
a) No dia 15 de Janeiro de 2015, pelas 9h, o arguido BB escalou o muro e introduziu-se no espaço comum do condomínio sito na Rua …, onde habita CC.
b) Do estendal de CC o arguido retirou e fez seus:
1. um polo azul de manga comprida do fardamento da Guarda Nacional Republicana, com a inscrição "GNR" com o valor de € 20;
2. uma camisola cinzenta da marca "Pull & Bear" com o valor de € 10.
c) CC era dona da camisola da marca "Pull & Bear".
d) O arguido causou à ofendida um prejuízo correspondente ao valor das peças de roupa subtraídas, do valor global de € 30.
e) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se introduzir no espaço do condomínio e daí retirar todos os objectos e valores do seu interesse, o que logrou conseguir, bem sabendo que para tal não se encontrava autorizado que os objectos descritos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da ofendida.
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B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto:
«Para a formação da convicção quanto aos factos provados, o Tribunal baseou-se na apreciação crítica da prova produzida em audiência de julgamento ponderada, à luz das regras da experiência comum, em conjunto com a prova documental constante dos autos.
Os meios de prova pesados foram os seguintes:
Testemunho de CC,
Documentos de fls. 17 (auto de apreensão), 36 (auto de denúncia), 49 (auto de apreensão), 51 (auto de apreensão), 68 (auto de reconhecimento de objectos), 71 (auto de avaliação), 74 (aditamento a auto de denúncia), 76 (auto de ocorrência), e 219 (certificado do registo criminal).
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Antes do que se segue, faça-se um apontamento sobre a delimitação concreta das provas a que atendemos na decisão sobre os factos. A testemunha ouvida (CC, a militar da GNR a quem foi furtado o polo do facto b), referiu no depoimento prestado em audiência que o arguido, durante o inquérito, se deslocou a sua casa acompanhado de uma patrulha de militares da GNR e, nessa ocasião, disse aos presentes que havia sido ele o autor do furto.
Como é entendimento, cremos, uniforme na jurisprudência e doutrina, as habitualmente chamadas "conversas informais" são meio de prova que não pode ser valorado pelo Tribunal. Cabem neste conceito os meios de prova que constituam em substância declarações de arguido mas que, afinal, defraudam as regras processuais de formalização e reprodução permitida de tais declarações (art. 3570 do Código de Processo Penal, CPP), caindo frequentemente também no âmbito do depoimento indirecto proibido (art. 1290 do CPP). Tentando fazer um recorte do problema respeitante à valoração das declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias impostas pela lei processual, e no que importa ao caso sub iudice, convocamos as palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2007 (processo n° 06P4593, publicado em www.dgsi.pt):
( ... )Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas "conversas ", que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria "colmatado" ilegitimamente através da "confissão por ouvir dizer" relatada pelas testemunhas.
Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. Compete então às autoridades, nos termos do art. 2490 do CPP, praticar "os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime". Estas "providências cautelares" são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial devam praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249~ n° 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo (pode até não vir a haver, como por exemplo se o crime for semi-público e não for apresentada queixa).
Completamente diferente é o que se passa com as ditas "conversas informais" ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende "suprir" o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a "confissão" informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
O que o art. 1290 do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 2490 do CPP.
Numa palavra: a lei processual veda a valoração de meios de prova que na prática frustrem o direito ao silêncio do arguido e as normas processuais que o tutelam directa ou indirectamente (E sob esta capa protectora estão somente o que sejam meras declarações, ou seja, o meio de prova que somente tem o seguinte alcance: o visado do inquérito disse isto), mas não impede que se tomem em consideração os meios de prova (testemunhos, documentos, etc) que, mau grado assentem em relatos do arguido, se elevam para além das meras declarações (Por exemplo, um auto de reconstituição (art. 1500 do CPP), em que o arguido exemplifica como foi levado a cabo um ilícito, e a coerência de tal modus operandi com a demais prova convence o julgador num certo sentido; Ou o depoimento de um órgão de polícia (art. 1280 e seguintes do CPP) que versa sobre a forma como se encontrou um objecto furtado e relata que tal conclusão decorreu de o arguido ter contado onde se podia encontrar o objecto).
O caso dos autos, em nosso entender, preenche claramente a primeira das hipóteses. Desde logo, o arguido recusou prestar declarações em sede de inquérito (fls. 98). Poderá (ou deverá) valorar-se o que disse a testemunha CC em audiência? Cremos que não. E assim porque a testemunha ouviu a confissão do arguido durante uma diligência de inquérito, não documentada, levada a cabo por órgão de polícia, e em que ­manifestamente- BB já tinha de assumir a qualidade de arguido [Porque se desconhece a data concreta em que a testemunha ouviu o arguido confessar o crime (como se disse a diligência policial em causa não foi documentada) desconhece-se se efectivamente já havia ocorrido a formalização da constituição de arguido, que tanto quanto decorre dos autos ocorreu em 23/02/2015 pelas llh39m. Todavia, dos autos resulta, a nosso ver inequivocamente, que aquela diligência policial teve lugar depois de verificada a condição do art. 580 n° 1 al. a) do CPP: evidentemente que não haveria nenhum motivo para os guardas levarem o arguido à residência de CC se não suspeitassem já fortemente que o mesmo havia furtado o seu polo] perante o estatuído na lei processual (art. 58° n° 1 do CPP). Uma vez que tal confissão levada a cabo na referida diligência de inquérito não respeita as formalidades processuais de que depende a sua valoração não pode ser tida em conta pelo tribunal. E aceitar tal valoração somente porque a testemunha que relatou a confissão não assumiu nos presentes autos a qualidade de órgão de polícia corresponderia a contornar, na prática, o estatuído no art. 357° n° 3 do CPP (a não ser assim, qualquer confissão de arguido prestada durante uma diligência de inquérito perante um órgão policial que fosse presenciada por uma terceira testemunha poderia valer como prova em audiência de julgamento).
Pelos motivos expostos, desconsideramos o testemunho de CC na parte em que a mesma relatou que o arguido confessou a prática dos factos quando se deslocou a sua casa acompanhado de militares da GNR.
Sem prejuízo do que antecede, acrescentamos que a confissão relatada pela testemunha nos pareceu de sindicância impossível quanto à fiabilidade do que a mesma ouviu dizer ao arguido. Com efeito, a confissão que a testemunha relatou não passou disso mesmo, mera declaração de que havia sido o arguido a praticar o furto da roupa do estendal, sem que do teor dessa confissão reportada resulte qualquer corroboração autónoma do sucedido (por exemplo, coerência do teor da confissão com o modus operandi resultante da demais prova recolhida). Isto para dizer: mesmo que se valorasse aquela parte do testemunho, a força de tal meio de prova para convencer o tribunal não seria particularmente elevada.
Posto o que precede, valorámos as provas do modo que a seguir descrevemos.
O quadro circunstancial que resulta dos elementos instrutórios valorados é, no essencial, o seguinte: um polo da GNR, que mais tarde se souber pertencer a CC (Em face do auto de fls. 68 e do testemunho da ofendida, não restou dúvida que o polo encontrado era mesmo o seu, e não apenas uma peça de roupa igual. A solidez da prova neste particular é manifesta: à assertividade da testemunha junta-se a facto de o polo ter sido encontrado junto de outra peça de roupa que também esteve no mesmo estendal) foi encontrado num apartamento junto de uma série de objectos estranhos àquela casa (O apartamento em questão era de …, e foi o local onde teriam ocorrido os demais ilícitos inicialmente imputados ao arguido sobre os quais o processo já não versa por se ter homologado a respectiva desistência de queixa); Entre esses objectos encontrava-se, entre o mais, um contrato de trabalho relativo ao arguido e um passaporte do arguido.
O depoimento ouvido pareceu-nos dotado de muita genuinidade, sendo evidente a boa-fé da testemunha. Todavia, expurgado o depoimento do que a testemunha ouviu dizer ao arguido (nos termos que supra expusemos), e pesado o mesmo em conjunto com a demais prova, o relato não foi apto a, suficientemente, sustentar os factos imputados no libelo acusatório.
Da concatenação da prova (no que ora releva, o testemunho ouvido e a apreensão feita no apartamento de …) ficámos suficientemente convencidos que o polo de CC foi efectivamente levado do seu estendal. Embora a testemunha não se tenha apercebido da subtracção -como contou, deu conta que lhe faltava aquela peça de roupa, mas não percebeu logo que a mesma havia sido levada do estendal- a ponderação conjunta da prova leva a uma conclusão muito evidente: tanto o polo desaparecido como uma segunda peça de roupa que estava a secar no mesmo estendal foram encontrados, juntos, guardados num apartamento. Face a este quadro, é manifesto que as peças de roupa não estavam juntas por acaso, foram ambas retiradas do dito estendal. Assente o que antecede, e tendo em conta as características do local descritas pela testemunha, não nos parece possível que as duas peças de roupa tenham ido parar à posse de um terceiro sem que tenha ocorrido um ilícito (Não parece possível, por exemplo, que tenham ambas voado do estendal pelo vento, e tenham sido levadas para fora do perímetro do condomínio da casa de CC).
No que toca à autoria de tal ilícito, todavia, é absolutamente evidente, por um lado, que há indícios de que foi o arguido o seu autor mas, por outro, que a prova que suscita tal suspeita é insuficiente para concluir que foi ele o autor do ilícito (Mais ainda se se pesar que os documentos respeitantes ao arguido não foram a única documentação encontrada in loco com os demais objectos estranhos ao apartamento; Como decorre de fls. 77, na casa foi também encontrado um contrato respeitante a uma "Anna", onde se menciona a sua morada, número de telefone e inclusive a respectiva identificação fiscal); havia documentos do arguido junto do objecto subtraído; O local onde o objecto foi encontrado tem uma única ligação ao arguido: estarem ali presentes esses documentos.
Sublinhamos ainda que, sem prejuízo das insuficiências instrutórias antes referidas, nenhuma prova sustentou com fiabilidade suficiente que o portão do prédio onde existia o estendal de roupa estava fechado quando o autor da subtracção aí se deslocou para levar as camisolas, pelo que não ficamos convencidos da ocorrência de um crime de introdução em lugar vedado. Neste ponto, a testemunha ouvida contou (com a espontaneidade que antes referimos) que o portão costumava estar fechado (evidenciando que nada sabia sobre se no dia do ilícito estava efectivamente fechado ou não), não podendo sequer assegurar se para o abrir é preciso usar uma chave ou não. Assim sendo, de nenhuma prova resulta como é que o autor da subtracção se introduziu no local, designadamente se escalou o muro, se abriu o portão ou se simplesmente aproveitou uma oportunidade em que o mesmo estava aberto. Todas estas hipóteses são possíveis e perfeitamente razoáveis, e a prova produzida não exclui nenhuma delas.
Por fim, o único facto que se deu como provado assentou no documento de fls. 219.»
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Cumpre decidir.
B.2 – São várias as questões tratadas no conjunto decisão/recurso que temos que sistematizar por peças processuais, a começar pelo recurso interposto, visto ser ele a delimitar o campo de acção de conhecimento.
Haverá que apreciar desde logo, com precedência, como matéria suscitada pela recorrente nas suas conclusões, a não consideração na apreciação probatória da testemunha CC. Só em função do resultado dessa análise se imporá – ou não – saber se há justificação para a invocação de erro notório na apreciação probatória e contradição insanável na fundamentação factual, tal como invocado em conclusões.
Assim, a primeira questão suscitada pela recorrente centra-se no saber se o tribunal recorrido, ao não considerar aquele depoimento de CC, violou o direito vigente.
Esta questão implica saber em que campo jurídico deverá ser colocada a admissibilidade ou não admissibilidade do depoimento. É claro que o cerne da decisão é a consideração de tal depoimento como prova lícita/ilícita, mas essa é apenas a conclusão que supõe uma análise da sua prestabilidade.
Habitualmente esta questão é tratada no contorno a dar à caracterização do “depoimento/declaração do arguido seja como depoimento indirecto, seja como conversa informal ou, finalmente, como declarações de arguido prestadas em inquérito não cumprindo a forma legal.
Esta a questão como habitualmente colocada, à primeira impressão. Só após a decisão sobre esta questão se imporia apurar se o tribunal pode conhecer dos alegados vícios de facto.
Nestes casos de fronteira, no entanto, a impressão prima facie é, geralmente errada ou mal caracterizada na base factual que lhe serve de fundamento e, de questão de caracterização factual que inicialmente é, transforma-se frequentemente na discussão estéril de direito, ou seja, na sua caracterização como depoimento indirecto ou conversas informais.
É nossa convicção que – a terem existido - não estamos perante depoimento indirecto, nem “conversa informal” (com o significado habitual), sim perante declarações do ora arguido – antes de ser constituído formalmente como arguido - percepcionadas directamente pelos agentes policiais no momento da intercepção.
Visando a economia de esforços e a máxima sintetização do raciocínio, seguiremos de perto o já por nós relatado nos acórdãos desta Relação de Évora de 04 de Junho de 2013 (proc. nº 40/11-4GTPTG.E1) e de 21 de Outubro de 2014 (proc. nº 40/11-4GTPTG.E2), no mesmo processo, portanto, a propósito de momento de constituição de arguido, de depoimento indirecto e de “conversas informais”.
No primeiro acórdão (de 06/04/2013) lavrado no primeiro recurso interposto nesse pocesso sumariámos:
1. Se os agentes policiais percepcionaram directamente os factos – mesmo que os “factos” sejam o declarado pelo ainda não arguido – não há depoimento indirecto.
2. O meio de prova “declarações de arguido” tem que ser veiculado através de um “interrogatório” previsto nos artigos 140-º- a 144-º do CPP. O meio de prova “declarações de arguido” não pode ser veiculado por “conversas informais”.
3. O formalismo dos interrogatórios de arguido é uma questão central no próprio valor do meio de prova, uma vinculação à forma querida pelo legislador, produto ou resultado de uma evolução histórica processual que concluiu ser este formalismo do interrogatório a melhor forma de acautelar direitos.
4. As “conversas informais” são um expediente para tornear direitos em nome de uma suposta verdade “descoberta” pelo investigador policial que, dessa forma, pretende determinar o resultado do julgamento. São, portanto, um expediente de má policia. Um abuso. Uma fraude à lei e ao Direito.
5. Se o meio de prova “declarações de arguido” não cumpre a regra da “tipicidade de interrogatório” de arguido e surge através, de “conversa informal” ocorre o vício processual da inexistência do meio de prova “declarações de arguido”.
6. Mas as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, o que cria situações de facto de fronteira e de difícil solução.
7. Quando o ainda não arguido não foi constituído arguido, podendo considerar-que que há motivo para tal, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal qualquer declaração daquele não pode ser utilizada como prova.
8. Mas esta proibição de prova não abrange as declarações ouvidas pelos agentes policiais ao arguido, antes de este o ser ou haver obrigação de constituição, se não houver culpa das forças policiais no atrasar da formalização daquela constituição.
9. Face ao ordenamento português parece indubitável que o simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válida se ainda não havia obrigação de constituição como arguido.
10. Se as entidades policiais agem dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.
11. Por isso que a questão não se centra em saber se a proibição de “conversas informais” deve abranger afirmações anteriores ou posteriores à constituição de arguido, já que são sempre proibidas após a constituição como arguido. E nunca são antes da constituição como arguido, excepto se a má-fé policial tiver ilegalmente atrasado essa constituição.
12. Se o arguido é interceptado na prática de uma contra-ordenação (excesso de velocidade) e não de um crime, nem sequer há atraso na constituição de arguido em processo crime para os efeitos do artigo 58º, nº 5 C.P.P. no momento em que, interceptado, faz uma afirmação que revela um hipotético crime.
13. Nesse caso a declaração do ainda não arguido não passa de uma denúncia de um crime nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 241º e seguintes do Código de Processo Penal.
(…)
No segundo, de 21-10-2014, resumimos:
I - Se um arguido afirma a três agentes da GNR - quando interceptado por excesso de velocidade em 2011 – que no ano anterior havia praticado um crime e dado azo à prática de outro –, isso apenas prova que ele disse aquilo que as testemunhas lhe ouviram dizer nesse local e nesse momento, aceitando o tribunal como credíveis esses depoimentos.
II - Mas esses depoimentos das testemunhas da GNR não provam que o arguido tenha praticado em 2010 os factos que veio dizer ter praticado na “conversa” em 2011.
III - Assim se o arguido, antes de o ser, foi o denunciante do seu próprio e eventual crime, impunha-se investigar o afirmado pelo arguido na medida em que este afirmou a prática de um crime e denunciou outros suspeitos de outro crime.
IV - Tais “verbalizações”, sendo a notícia do crime, exigem um percurso probatório que não pode passar pela promoção do “dito” (conversa pré-processual que deu notícia do crime) a “confessado”, exercendo o arguido ou não o seu direito ao silêncio.
V - Bastarmo-nos com as palavras ditas pelo arguido e fazer operar sobre elas - e apenas sobre elas – regras de experiência comum, é elevá-las à categoria de “confissão” pré-processual. E isso está vedado ao tribunal.
VI - Desde logo pela natureza do dito, depois pelas cautelas de que o efeito confessório é rodeado pela ordem jurídica, por fim, porque aceitar o verbalizado como equiparado a “confissão” é inviabilizar direitos, designadamente o direito ao silêncio e, aliás, ao próprio direito a um julgamento em audiência pública, redundando em completa negação da imediação e da oralidade e, “máxime”, do acusatório.

Não obstante ainda não termos fixado de forma insofismável a situação de facto que, pensamos, dirá da solução do caso concreto, impõe-se recordar o acórdão do STJ de 15-02-2007 (Proc. 06P4593) onde o Cons. Maia Costa delimita de forma clara uma outra questão que ganha enorme relevo e secundariza – e menoriza – as abordagens que apenas se preocupam com a caracterização do depoimento/declaração e atribui o devido e inicial relevo ao regime previsto no artigo 58º do Código de Processo Penal.
Este acórdão por nós citado no supra indicado acórdão de 2013 e igualmente citado pelo tribunal recorrido, apesar da sua “idade”, mantém todo o seu valor, havendo alguma jurisprudência algo imprecisa quanto à delimitação conceptual dos institutos supra citados, que ainda não lhe atribuiu – por disso não se ter apercebido ou por não ter valorado devidamente – o devido valor.
Porque, não temos muitas dúvidas, é este dispostivo – o artigo 58º do C.P.P. - o determinante para regular o caso sub iudicio.
I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito”.
Neste sumário – que não no texto do acórdão – só falta a referência à nulidade resultante para a prova da ausência da constituição de arguido quando ela já era devida. Isto é, o regime das conversas informais pode ter que se aplicar a momento anterior à constituição de arguido se a força policial não procedeu – devendo proceder – a essa constituição.
Destarte é imperioso começar por estabelecer isso mesmo em termos factuais! Saber quando houve constituição como arguido, se deveria ter ocorrido antes e, por via disso impera a proibição de uso de prova (nulidade probatória) correspondente (as declarações da pessoa visada, depoimento, portanto) contida no n. 5 daquele preceito.
No essencial assevera o tribunal recorrido que se trata de “conversa informal” com o arguido por parte da testemunha e ofendida CC, elemento da GNR, como tal prova proibida; a Digna recorrente, por seu turno, garante que se não trata de depoimento indirecto e, portanto, o dito pela testemunha que o ouviu ao ainda não arguido é prova lícita.
Dito assim, não se percebe a questão de facto e a delimitação clara desta é essencial para a resposta a dar à questão de direito. Deste modo e apesar de o inquérito não ser um modelo de procedimento e clareza e ser repetitiva ad nauseam a sucessão em triplicado e/ou quadruplicado das mesmas peças processuais, sistematizemos:
- Em 22-01-2015 surge no NUIPC 140/15.1GBABF um auto de denúncia e apreensão na sequência de denúncia verbal de um arrombamento de uma residência sita em Rua …entre ns. 18 e 20, com indicação de ausência de furto e colocação no interior de vários objectos. Faz a denúncia … – fls. 3;
- Entre os objectos apreendidos está um contrato de trabalho a termo certo em nome de BB, vários catões SIM e dois CD, um de Da Weasel outro de Kanye West – fls. 5;
- No auto não há referência a polo da GNR ou camisola Pull & Bear, sim a um “saco desportivo contendo vários artigos de higiene”;
- Em 23-02-2015 sobrevém o NUIPC 307/15.2GBABF num auto de denúncia de um furto de um polo de manga comprida da GNR e uma camisola Pull & Bear. Faz a denúncia CC – fls. 36 (dado como ocorrido às 08.00h);
- Em 23-02-2015 BB é constituído arguido, é interrogado e recusa prestar declarações – fls. 43 e 46 (dados como ocorridos às 12.00h);
- Em 23-02-2015 brota um auto de apreensão em local não indicado – fls. 51 – onde surge apreendido um polo de manga comprida da GNR e uma camisola Pull & Bear.
- Em 23-01-2015 surge no NUIPC 307/15.2GBABF um aditamento ao auto anterior onde se faz referência ao NUIPC 140/15.1GBABF e onde se acrescenta que a patrulha que foi ao local onde ocorreu o arrombamento de uma residência na Rua … e onde se não apreendeu um “saco desportivo” e várias peças de roupa “envoltas num lençol de cor rouxa” onde se realça (01) polo de manga comprida, modelo GNR e roupa de cama – fls. 74;
- Nesta data e nesse aditamento foram então apreendidos os objectos que já se encontravam no local referido no auto de 22-01-2015 no NUIPC 140/15.1GBABF, mas que se não referiram naquele auto como apreendidos;
- Os objectos que foram agora apreendidos encontravam-se, como não apreendidos, no … SubDestacamento Territorial de Albufeira da GNR – mesmo aditamento;
- A fls. 76 emerge um auto de ocorrência, o n. 16/2015, datado de 21-01-2015, documentando a actuação da patrulha que foi ao local de arrombamento supra indicado (NUIPC 140/15.1GBABF) com indicação dos objectos ali encontrados e constantes do auto de apreensão de fls. 3, incluindo a indicação de polo de manga comprida da GNR.
E só assim os dados de facto começam a fazer sentido - e a ganhar relevo para a nossa questão - se considerarmos que a inquirição da ofendida ocorreu pelas 11.50h e que só nesse dia os seus camaradas lhe comunicaram que no posto estava um polo da GNR apreendido.
Mas onde deveriam fazer mais sentido não fazem na medida em que se escondeu o essencial: em que data e circunstâncias se deu a “conversa” entre o arguido e a aqui testemunha CC? Porque, é certo, interrogatório de arguido só houve um!
E assim sendo, coincidindo o interrogatório de arguido e a denúncia da ofendida no dia (23-02-2015) e entre as 08.00h (denúncia) e as 12.00h (interrogatório, notificação e TIR), com a ofendida a prestar declarações às 11.50 horas é certo que se tal conversa ocorreu antes da constituição de arguido, já havia a obrigação da sua constituição como tal. Simples.
Daí que se deva concluir ser aplicável o disposto no artigo 58º, nºs. 1 e 5 do C.P.P. às eventuais declarações do arguido nessa manhã no posto da GNR de Albufeira. São prova nula, caso existam.
Como consequência, a ilicitude da sua consideração como prova é manifesta, com a agravante de se estar a pretender passar como conversas informais declarações do arguido hipotéticamente prestadas na mesma manhã em que foi, logo após, ouvido regularmente como arguido pelas 12.00h.
E repetimo-nos:
«… em função da qualidade do agente policial e dos deveres que lhe incumbem de formalização em actos processuais das declarações do arguido, o legislador estabelece uma barreira de proibição de valoração, a resultante do regime decorrente dos artigos 356º, nº 7 e 357º, nº 2 do Código de Processo Penal.
É óbvio que essa barreira se concretiza na proibição da sua produção e valoração em audiência de julgamento, mas daí decorre a proibição da sua prática em inquérito.
O que o legislador pretende é instituir a exclusividade de produção (realização) do meio de prova “declarações do arguido” através de uma forma vinculada, taxativa, típica, prevista ao pormenor nos artigos 140 a 144º do Código de Processo Penal, com o nome “interrogatório de arguido”, com exclusão de qualquer outra forma.
Há, portanto, uma vinculação formal, uma taxatividade, uma tipicidade de forma nos interrogatórios de arguido, detido ou não.
O meio de prova “declarações de arguido” tem que ser veiculado através de um “interrogatório” previsto nos artigos 140 a 144. O meio de prova “declarações de arguido” não pode ser veiculado por “conversas informais”.
Dito de outra forma, o formalismo dos interrogatórios de arguido é uma questão central no próprio valor do meio de prova, uma vinculação à forma querida pelo legislador, produto ou resultado de uma evolução histórica processual que concluiu ser este formalismo do interrogatório a melhor forma de acautelar direitos.
Portanto o que se pretende é evitar que as forças policiais consigam introduzir em audiência de julgamento um elemento de prova cujo cumprimento normativo é inexistente e, consequentemente, cuja falta de fiabilidade é patente».
Daí que as “conversas informais” sejam habitualmente – com pouca ambição - consideradas prova nula, não apreciável em sede de livre apreciação e vedada como base motivacional de facto.
Em nossa opinião devem ser mais (pelo que se acaba de dizer em sede de “tipicidade de interrogatório” de arguido), conduzindo à inexistência do meio de prova declarações de arguido, se estas surgirem através de uma “conversa informal”. [1]
Porque, de facto, só a invalidade processual “inexistência” parece ser suficiente para caracterizar a pretensão de produção de um meio de prova em tão flagrante violação das normas de produção desse meio de prova.
Por outro lado, a sua consideração como prova válida conduziria ao abuso policial como sistema, ao descrédito da Justiça e à violação de direitos do arguido em inquérito – “declarações” não controladas (se é que o são pois que podem ser simulações ou falsidades) – que se podem reflectir em audiência de julgamento (“Direito ao Silêncio” ali exercido).
Há variadíssima jurisprudência sobre a matéria mas limitamo-nos a afirmar que a posição praticamente unânime vai no sentido da proibição de valoração das “conversas informais” desde o acórdão do STJ de 29-01-1992 (CJ, I, pag. 20-24). A doutrina segue no mesmo sentido.[2]» - nosso relato supra citado no acórdão de 04 de Junho de 2013.
*
B.3 – Como se torna evidente e em razão da proibição de prova supra exposta, a invocação de existência de erros de facto de conhecimento oficioso naufraga por se mostrarem prejudicados.
A apenas aparente contradição na fundamentação de facto deve-se à circunstância de se ter fundamentado a não consideração do depoimento na parte da sentença relativa à fundamentação factual. Ou seja, ponderou uma regra de produção e ponderação da prova em sede de apreciação de factos.
É uma metodologia aceitável na medida em que faz parte da fundamentação factual a indicação dos meios de prova que conduziram à convicção do tribunal. E isso não se discute quando é feito pela afirmativa, isto é, quando se indicam os meios de prova usados com peso na convicção.
Mas igual critério pode ser seguido quando um meio de prova não pode ser usado – por imposição legal – para sustentar a convicção do tribunal, sob pena de esta se tornar incompreensível para os destinatários da decisão.
As razões expostas conduzem, portanto, à improcedência do recurso.
*
C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.
Sem custas (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 12 de Julho de 2018
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso
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[1] - Ver a este propósito o acórdão da Relação de Lisboa de 04-03-2009 (Proc. 1592/99.OSXLSB.L1, rel. Rui Gonçalves) – “VI – Não é possível, à luz do processo penal português, criar-se uma nova categoria processual de “conversas” ou de actos “informais” (inexistente numa teoria dos actos processuais-penais), sendo que tal categoria seria, de todo, incongruente com o estatuto processual conferido ao arguido.”
[2] - V. g. José Damião da Cunha, in “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento” in RPCC, ano 7, fasc. 3, pag. 422 e segs.