Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2549/16.4T8PTM-B.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CITAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - A citação de pessoa colectiva deve fazer-se nos termos do artigo 246.º do Código de Processo Civil, o que significa que deve ser endereçada para a sede da mesma que consta do registo nacional de pessoas colectivas;
II – Constando-se que a sede da pessoa colectiva constante de tal registo é demasiado genérica, o que dificultaria ou até inviabilizaria a sua citação, não deixa a citação de se considerar enviada para a sede social (genérica) da Ré e, assim, considerar-se válida e eficaz, se o foi para um apartado registado pela Ré, situado na localidade/sede, sendo que nos documentos que assinou com o trabalhador, em carimbos próprios, e até perante terceiros, sempre mencionou como sua sede a referida localidade, com inclusão do referido apartado.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2549/16.4T8PTM-B.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
CC, Lda., por apenso ao Proc. n.º 2549/16.4T8PTM, em que foi Ré, e Autora BB, deduziu recurso extraordinário de revisão da sentença ali proferida, pedindo a final que seja julgada procedente a revisão, decretando-se a nulidade da citação da sociedade Ré, aqui recorrente, e anulando-se os termos posteriores à citação da Ré.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que na referida acção foi enviada carta registada a citá-la para a morada sita em Sitio do …, apartado …, Alzejur, que foi devolvida com a menção “não reclamado”, o mesmo tendo sucedido com posteriores notificações, sendo que a sede da sociedade se situa Sítio do…, distrito de Faro, concelho de Aljezur, freguesia de Aljezur, 8670 Aljezur, sem indicação de qualquer apartado, sendo que só veio a ter conhecimento da acção em meados de Março de 2017, quando o seu gerente se deslocou àquele apartado.

A recorrida (Autora na acção principal) respondeu, a pugnar pela improcedência do recurso.

Por sentença de 09 de Junho de 2017, o recurso extraordinário de revisão veio a ser julgado improcedente.

Inconformada com a mesma, a recorrente/Ré interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso vem interposto da Douta sentença proferida em 09 de junho de 2017, pela qual o Douto Tribunal a quo julgou improcedente, por não provado, o recurso extraordinário de revisão que havia sido interposto pela sociedade Ré, ora Recorrente na ação declarativa nº 2549/16.4T8PTM com fundamento na nulidade da citação.
B. A referida sentença deverá ser revogada conquanto, o ali decidido viola o regime processual da citação das pessoas coletivas consagrado no art. 246, nº 2, bem como o art. 191.º, nº 1, ambos do CPC.
C. Na ação declarativa nº 2549/16.4T8PTM (processo apenso), após a devolução da primeira carta para citação postal da Ré enviada em 11.11.2016 com indicação de “não reclamado” (cf. fls. 37 do processo apenso), foi remetida segunda citação postal em 28.11.2016 para a morada do Apartado…, 8670 Aljezur com prova de depósito, que ficou depositada na caixa daquele apartado postal no dia 29.11.2016 (cf. fls. 45 e 47 do processo apenso).
D. Estabelece o art. 246° do CPC que a citação de pessoas coletivas é realizada por via postal, através de carta registada com aviso de receção (art. 228°, n° 1), feita por carta endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (art. 246°, n.º 2).
E. A sede da Ré/Recorrente que se encontra inscrita do ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC e da matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Aljezur situa-se no Sítio do …, distrito de Faro, concelho de Aljezur, freguesia de Aljezur, 8670 Aljezur (cf. fls. 18 destes autos de recurso),
F. Na referida ação a citação da sociedade Ré, ora Recorrente foi efetuada mediante o depósito do respetivo expediente do Tribunal no apartado postal …, 8670 Aljezur, nos termos do art. 246.º, nº 4 do CPC, sendo que aquele apartado postal não corresponde à sede da Ré/Recorrente.
G. Com efeito, na sede social da Ré/Recorrente inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC não consta a existência de qualquer apartado postal, nem a este é feita qualquer menção.
H. In casu tendo a sociedade Ré, ora Recorrente sido citada quer na primeira tentativa de citação postal quer na segunda remessa para o Apartado …, cujo depósito no seu receptáculo postal foi certificado pelo distribuidor do serviço postal e ao abrigo do qual a Ré/Recorrente foi considerada validamente citada, nos termos do art. 246.º, nº 4, entendemos que a citação da sociedade Ré não observou as formalidades prescritas na lei para a realização da citação de pessoas coletivas nos termos do nº 2 daquela disposição legal.
I. A citação feita à sociedade Ré na referida ação viola assim as formalidades que são estabelecidas no art. 246.º, nº 2 do CPC para a citação de pessoas coletivas que acarreta a nulidade da mesma nos termos do art. 191.º no seu nº 1 do mesmo diploma, assim como a invalidade de todos os atos praticados no processo após a citação da sociedade Ré e a própria sentença, por violação do princípio do contraditório da parte demandada.
J. Para efeitos de citação previstos no art. 223, nºs 1 e 3 e do art. 246.º do CPC não se pode atribuir àquele apartado postal os efeitos nem as consequências legais que são atribuídas à sede social inscrita da sociedade Ré, nem se pode estabelecer com aquele apartado postal qualquer correspondência física e/ou legal com a sede oficial da Ré/Recorrente registada no RNPC.
K. No presente caso, do que vem dito, temos que, a citação postal da sociedade Ré foi realizada em local diferente daquele onde se situa a sede social da mesma ou, mesmo de qualquer estabelecimento da sociedade.
L. Estabelecendo a lei de processo que a citação de “pessoa coletiva” se faça por reporte à sede constante do ficheiro central do RNPC (art. 246.º CPC), assim abandonando a consideração da sede de facto – e não estando em causa uma situação de domiciliação convencionada para efeitos de citação previsto no art.229º, do CPC, no caso em apreço e para a questão em apreço da citação da Ré era irrelevante a utilização pela sociedade Ré de um apartado de correio, ainda que, nos seus próprios documentos.
M. Contrariamente àquilo que se afigura ter sido o entendimento da Mmª Juiz a quo para fundamentar a decisão recorrida, não se alcança em que medida é que a utilização ou a menção daquele apartado pela sociedade Ré, ainda que, nos documentos que trocou com a Autora, permite concluir que o apartado em causa faz parte integrante da sua sede social para efeitos de citação, previsto no artigo 223.º e 246.º do CPC.
N. Em matéria de citação de “pessoas coletivas” a morada da sede a considerar é a morada inscrita no ficheiro do RNPC (art. 246.º, nº 2) e não a sede de facto, conceito que a lei não reconhece, cfr. Ac. do TRL datados de 12.05.2015 e 07.12.2016 e Ac. TRE datado de 26.03.2015 disponíveis em www.dgsi.pt.
O. No primeiro aresto citado, pode ler-se no seu sumário: «Uma das especialidades previstas na lei para citação das pessoas colectivas é que a citação realizada por via postal, através de carta registada com aviso de recepção (artº 228º, nº 1), é feita por carta «endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas» (artº 246º, nº 2) e não na sede de facto, conceito que a lei não reconhece.», cfr. Ac. do TRL datado de 12.05.2015.
P. Em sentido idêntico, no segundo aresto citado é dito: «I–O novo Código de Processo Civil, em matéria de citação de “pessoas coletivas”, abandonou a anterior alternativa sede estatutária/sede de facto, admitindo apenas a citação na primeira.» cfr. Ac. do TRL datado de 07.12.2016.
Q. Resulta, assim, do exposto, que a sentença recorrida não poderá manter-se, impondo-se, portanto, a sua revogação.
(…)
Nestes termos e no mais de Direito que V.Exas., Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, Requer-se seja concedido provimento ao presente recurso e seja revogada a sentença recorrida, julgando-se procedente o recurso de revisão interposto pela Ré/Recorrente na ação declarativa nº 2549/16.4T8PTM com a declaração de nulidade da citação, com as inerentes consequências legais.
Assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!».

A recorrida respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência, assim concluindo:
«1- Vem a Ré/Recorrente recorrer da Douta Sentença que julgou improcedente o recurso extraordinário de Revisão baseado na nulidade da citação que lhe foi dirigida, em virtude de esta ter sido depositada num apartado que não corresponde à sua sede social, alegando, para o efeito, que a sua citação padece de vício formal que importa a nulidade e a invalidade de todos os actos praticados após a citação.
2- Referindo, a Recorrente, exaustivamente, ao longo das suas alegações de Recurso que, em virtude de a Ré, ora Recorrente, ter sido citada na morada “Sítio do …, apartado …, 8700-000 Aljezur” e, em virtude de o apartado …, não se mostrar indicado na morada constante do registo nacional de pessoas colectivas, a R., ora Recorrente, não teve conhecimento atempado do processo, incluindo da própria sentença.
3- Ora, se a morada que a Recorrente fazia constar em todos os documentos entregues e enviados à ora Recorrida, mencionava sempre este apartado como sendo parte integrante da sua sede social,
4- Incluindo até o próprio contrato de trabalho celebrado entre a ora Recorrente e a ora Recorrida, junto com a petição inicial (p.i.) e aí identificado como Doc. n.º 1, onde consta como sede social da ora Recorrente, a seguinte morada: “Sítio do …, Apartado …, 8670 Aljezur”.
5- O mesmo se passando com “a carta rescisão de contrato (desvinculo) ”, bem como, com a “declaração de rescisão” e, ainda, com a “Nota de Culpa”, enviadas pela ora Recorrente à ora Recorrida, juntos com a p.i. e aí identificados como Doc. n.º 2, Doc. n.º 3 e Doc. n.º 4, respectivamente;
6- Onde a ora Recorrente menciona sempre o Apartado 1098, para onde foi citada e, onde a ora Recorrente faz sempre constar a morada que corresponde à morada para onde foi citada no âmbito da presente acção.
7- Qual era então realmente a sua intenção? Porque é que fazia constar de todos os seus documentos uma morada imprópria para, segundo a mesma, receber a correspondência que lhe era dirigida?
8- Pelo que, a conduta da ora Recorrente, ao invocar esta falta de citação e a sua consequente falta de intervenção na acção, quando na realidade, foi sempre a própria quem indicou este apartado em toda a correspondência e comunicações enviadas à ora Recorrida, traduz-se assim, numa clara má fé por parte da mesma.
9- Pois, se invoca que a sua citação não observou as formalidades prescritas na lei, ao ser realizada para este apartado, então porque é que o indica sempre como parte integrante da sua morada/sede social?
10- O que faz, pasme-se, até no próprio contrato de trabalho que celebrou com a ora Recorrida!
11- Pelo que, se a Recorrente não recepcionou atempadamente a correspondência, foi por não ter tido a diligência devida, ou porque não o quis fazer.
12- Não nos parecendo, por isso, minimamente aceitável é que após ter feito sempre constar a identificação do apartado em todos os documentos e comunicações enviadas à Recorrida, como parte da sua sede social, venha agora a Recorrente alegar que a morada que indicou não era a morada onde receberia a correspondência!
13- Então se assim é, porque é que faz constar este mesmo apartado até nos seus próprios carimbos?
14- Pois, se analisarmos o Doc. n.º 1 e o Doc.n.º 4, juntos com a p.i., na presente Acção de Processo Comum, o carimbo da ora Recorrente menciona também este apartado, ou seja, menciona exactamente a mesma morada para onde esta foi citada.
15- Pelo que se a Ré, ora Recorrente, não teve conhecimento da presente acção, foi apenas porque não teve a diligência devida de levantar o correio, ou de verificar se tinha correspondência no apartado que sempre indicou como fazendo parte integrante da sua sede social.
16- E que sempre fez constar em toda a correspondência e comunicações que enviou à Autora, ora Recorrida, e que consta, inclusivamente, dos seus carimbos.
17- Ora, se este apartado não se encontrava incluído na sua sede social, ou se era impróprio para receber correspondência, porque é que a Recorrente sempre o mencionou (se até no próprio contrato de trabalho celebrado entre as partes, o menciona como parte da sua sede social)?
18- Pelo que, a citação foi devidamente efectuada nos termos legais, apesar de a Ré, ora Recorrente, só ter “encontrado” a carta para citação da sociedade (como a própria menciona), quando se dirigiu ao apartado, o que fez já fora de prazo.
19- Dado que a mesma foi remetida para o apartado de que esta é titular e que sempre indicou, e se não “encontrou” a carta antes, foi por não ter verificado o correio atempadamente.
20- Não podendo, por isso, vir agora referir que não teve atempadamente conhecimento da acção em causa e que foi, por isso, julgada à revelia.
21- Ora, se tal sucedeu é apenas imputável à conduta da própria Recorrente e decorrente dos seus actos.
22- Não se podendo também aceitar que a Recorrente venha referir que “(…) era irrelevante para a questão em apreço, a utilização pela sociedade Ré de um apartado de correio, ainda que nos seus próprios documentos.”
23- Ora, será que era assim tão irrelevante?
24- Tão irrelevante ao ponto de a fazer constar no contrato de trabalho celebrado com a A., ora Recorrida? Ou nos seus próprios carimbos, para, depois de o fazer, vir a Recorrente alegar que a morada que a própria indica como fazendo parte da sua sede social, afinal já não o era?
25- Então, apenas nos resta concluir que a actuação da R., ora Recorrente pautou-se sempre por uma clara e patente má fé, ao indicar sempre, como fazendo parte integrante da sua sede social, uma morada que agora refere que não é própria para receber correspondência.
26- Tendo ainda, a ousadia de referir que tal facto “é irrelevante” para a questão em apreço!
27- Assim, e tendo em conta os fundamentos supra expostos, parece-nos que a Ré, ora Recorrente se mostra devidamente citada, visto que, não se mostraram omitidas as formalidades legalmente previstas para a citação da ré, sendo que, foi-lhe enviada a carta a que o art. 228º,n.º 1 do CPC faz referência, que veio a ser devolvida por não reclamada,
28- Tendo, posteriormente, sido enviada nova carta, conforme prescreve o art. 229º, n.º 5 do CPC, a qual, conforme atestado pelo distribuidor postal, ficou devidamente depositada.
29- Assim, e se a ora Recorrente não recepcionou a correspondência na morada que sempre indicou como sua sede social, não resulta de facto que não lhe seja imputável.
30- Devendo, em consequência, o presente recurso ser julgado improcedente.
Termos em que se requer a V. Ex.as., que seja julgado improcedente o presente Recurso de Apelação e, consequentemente, seja considerada válida a citação da Ré, ora Recorrente, com as legais consequências.
Fazendo-se assim, a costumada JUSTIÇA!

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

Neste tribunal, a exma. Prcuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.

Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade, que não vem posta em causa e que se aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
a) BB intentou, em 07.11.2016, ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC, Ldª, que identificou com o número de pessoa coletiva … e sede no Sítio do …, Apartado …, 8670 Aljezur;
b) Por despacho proferido em 10.11.2016 (cf. fls. 35 do processo apenso), foi designada data para a realização de audiência de partes e ordenada a citação da ré;
c) Tal despacho foi cumprido em 11.11.2016, tendo-se remetido ofício postal para citação da ré, para a morada “Sítio do …, Apartado …, Aljezur, 8670-000 Aljezur” (cf. fls. 37 do processo apenso);
d) Tal correspondência veio a ser devolvida, com a indicação “não reclamado”, em 24.11.2016 (cf. fls. 40 do processo apenso);
e) Em 28.11.2016, foi remetida nova citação postal, para a mesma morada, desta feita acompanhada de prova de depósito, a qual veio a ser devolvida ao processo em 09.12.2016, com indicação de que a correspondência ficara depositada no dia 29.11.2016 (cf. fls. 45 e 47 do processo apenso);
f) A ré não esteve presente, nem se fez representar, na audiência de partes realizada em 11.01.2017 (cf. fls. 53 do processo apenso);
g) Decorrido o prazo para apresentação de contestação, sem que a mesma tivesse sido deduzida, foi proferida sentença, em 06.02.2017, que julgou a ação parcialmente procedente e, reconhecendo a ilicitude do despedimento da autora, condenou a ré no pagamento à autora, a título de indemnização por despedimento ilícito, da quantia de € 1.590,00; no pagamento de todas as retribuições que a autora deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da ação até à data do trânsito em julgado da decisão, sendo a retribuição a considerar de € 530,00 mensais, a que acrescem os proporcionais relativos a subsídio de férias e de Natal, nesse mesmo período; e no pagamento dos créditos laborais decorrentes do despedimento, no valor global de € 883,20 (cf. fls. 57 e segs. do processo apenso);
h) Esta sentença foi notificada às partes por ofício expedido em 08.02.2017, sendo que, no caso da ré, tal notificação foi enviada para a morada referida em a) e c) supra (cf. fls. 67 a 70 do processo apenso);
i) Da matrícula da ré na Conservatória do Registo Comercial de Aljezur consta que a sede da mesma se situa em: Sítio do …, distrito de Faro, concelho de Aljezur, freguesia de Aljezur, 8670 Aljezur (cf. fls. 18 destes autos de recurso);
j) No documento intitulado «Contrato de Trabalho a Termo Certo», a fls. 17 do processo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta a identificação da ré enquanto entidade patronal, aí se indicando como sede da mesma “Sítio do …, Apartado …, 8670 Aljezur”;
k) No carimbo aposto no supra referido contrato constam os dizeres: “CC, L.D.A.; Cont: …; Sítio do … Apt. …; Aljezur”;
l) No documento com a epígrafe «Rescisão de Contrato (DESVINCULO)», a fls. 18 do processo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta a identificação “CC, Ldª; Sítio do …– Apartado … – 8670 Aljezur”;
m) Na carta reproduzida a fls. 20 do processo apenso, subscrita pela gerência da ré, consta a identificação “CC, Lda.; Sítio do … – Apartado …; 8670-145 Aljezur” e está aposto carimbo idêntico ao referido em k) supra.

III. Fundamentação de direito
Como resulta do relatório, a recorrente fundamentou o recurso extraordinário de revisão na nulidade da sua citação na acção principal, uma vez que aquela foi feita no “Sítio do … – Apartado …; 8670-000 Aljezur”, quando o deveria ter sido na sede que consta do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, ou seja, “Sítio do …, distrito de Faro, concelho de Aljezur, freguesia de Aljezur, 8670 Aljezur”.
A 1.ª instância, no que merece o aplauso da recorrida, bem como da exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação, negou provimento à pretensão da recorrente.
Para tanto escreveu-se na fundamentação da sentença recorrida:
«Sendo a ré uma pessoa coletiva, a respetiva citação deve efetuar-se em conformidade com o disposto no artigo 246º do Código de Processo Civil, que manda aplicar as regras relativas à citação das pessoas singulares, com as necessárias adaptações, designadamente, a carta a que se refere o nº 1 do artigo 228º deve ser endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (cf. nº 2 do referido artigo 246º).
Prevê-se, ainda, na mencionada disposição legal, que se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efectuada face à certificação da ocorrência (nº 3) e, nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do nº 2 do artigo 230º do Código de Processo Civil, observando-se o disposto no nº 5 do artigo 229º do mesmo diploma legal (nº 4).
No caso em apreço, a ré limitou-se a alegar que o apartado para o qual foi enviada a correspondência para citação não faz parte da sua sede social e que o seu legal representante só acedeu ao mesmo tardiamente, ao regressar a Portugal, após um período de férias.
Não alegou que existissem na sua sede social (a que consta do Registo Comercial) pessoas que pudessem receber a citação – ou sequer que a mesma teria sido recebida se não tivesse sido enviada para o aludido apartado.
Na verdade, o que se observa em face dos elementos constantes dos autos, é que a sede da ré, conforme consta do Registo Comercial, se situa no Sítio do …, em Aljezur – e que foi para o Sítio do …, em Aljezur que foram enviadas as cartas para citação, ainda que para o Apartado … daquela localidade.
Mais: a ré fez constar, em todos os documentos que trocou com a autora (maxime, o contrato de trabalho, no qual figura como legal representante da ré …, que é o mesmo legal representante que subscreve a procuração passada aos advogados da ré e que é identificado como gerente na matrícula comercial da referida sociedade), o apartado em causa como parte integrante da sua sede social.
Não é sério, e excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pretender que a ré não tomou conhecimento da existência da presente ação porque a mesma não foi enviada para a sua sede, quando a própria ré admite que o apartado em questão lhe pertence – e é evidente que a autora tinha razões para considerar que aquele apartado era, precisamente, o local onde seria recebida toda a correspondência destinada à ré.
Parece-nos claro que, se a ré não tomou conhecimento da pendência da presente ação, tal decorre, necessariamente, de ato que só à mesma pode ser imputado, já que não cuidou de recolher a correspondência depositada no seu apartado.
E, por isso, entendemos que não foram omitidas as formalidades legalmente previstas para a citação da ré (foi enviada a carta a que alude o artigo 228º, nº 1 do Código de Processo Civil, a qual foi devolvida por não reclamada, após o que foi enviada nova carta, desta feita em conformidade com o disposto no artigo 229º, nº 5 do Código de Processo Civil, a qual ficou devidamente depositada, conforme atestado pelo distribuidor postal) e que a eventual falta de conhecimento do ato pela ré não resulta de facto que não lhe seja imputável – e, nesta conformidade, não pode considerar-se que exista falta de citação ou que a mesma esteja ferida de nulidade».
No presente recurso, a recorrente continua a sustentar a nulidade da citação, uma vez que a sua sede que consta do registo comercial não contém a indicação de apartado e a morada para a qual foi enviada a citação contém essa indicação.
Analisemos, então, a questão.

Como é consabido, o recurso de revisão encontra-se delimitado pelos fundamentos taxativamente previstos no artigo 696.º do Código de Processo Civil, prendendo-se com a prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da segurança.
Assim, enquanto com a interposição do recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, com o recurso de revisão visa-se a modificação de uma decisão transitada em julgado, como meio de reparar eventuais injustiças ou erros.
Como a propósito, para justificar a razão de ser de tais recursos, no domínio de anterior legislação escrevia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1985, pág. 336), (…) estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio.”
E mais adiante (pág. 337), citando Mortara, escreveu:
“Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao místico princípio da intangibilidade do julgado”.
Por isso, em situações especiais, mais concretamente naquelas que se encontram previstas no artigo 696.º do Código de Processo Civil, em que a subsistência da decisão, rectius, a certeza da segurança, abale clamorosamente a exigência de justiça material, permite-se que através do recurso de revisão se venha a alterar uma decisão já transitada em julgado.
De entre essas situações especiais encontra-se a prevista na alínea e), do mencionado artigo, aqui convocada pela recorrente: “Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita”.
Recorde-se que nos termos previstos na alínea a) do artigo 187.º do Código de Processo Civil, é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o Réu não tenha sido citado; e nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º, há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
Finalmente, de acordo com o n.º 1 do artigo 191.º do Código de Processo Civil, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
Tratando-se de pessoa colectiva – como é o caso da aqui recorrente –, a citação deve fazer-se nos termos do artigo 246.º: assim, e desde logo, a carta registada com aviso de recepção dirigida à citanda é endereçada para a sede desta que se encontra inscrita no ficheiro Central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
Verificando-se a devolução do expediente – como aqui sucedeu – é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção e advertindo-a que a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados (n.º 4 do referido artigo).
No caso, a citação da recorrente foi enviada para “Sítio do …, Apartado …, Aljezur, 8670-000 Aljezur”; e tendo sido devolvida com a indicação de “não reclamado” repetiu-se a citação, para a mesma morada, com prova do depósito.
Todavia, constata-se que a sede da recorrente que consta do registo nacional de pessoas colectivas é “Sítio do …, distrito de Faro, concelho de Aljezur, freguesia de Aljezur, 8670 Aljezur”, ou seja, sem menção ao “Apartado …”.
Diga-se que se afigura medianamente aceite, e resulta do “Manual de Endereçamento” dos CTT (disponível em www.ctt.pt), que para efeitos de indicação de morada do destinatário torna-se desnecessária a menção do distrito, concelho e freguesia, o que significa, no caso, que a sede da Ré constante do registo comercial e para efeitos de correspondência, é “Sítio do …, 8670 Aljezur”.
Ora, a menção do apartado na morada do destinatário implicou que a citação não tivesse sido endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas?
À primeira vista assim parece, na medida em que, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2007 (Proc. n.º 359/07, disponível em www.dgsi.pt) [o] apartado postal funciona como se fosse a sede ou domicilio do destinatário, sendo a correspondência para ele dirigida “apartada” por forma a que lhe seja entregue num determinado estabelecimento postal, em local aí reservado e concessionado ao destinatário”.
Contudo, não deixa de impressionar que a morada da sede da recorrente, constante do registo comercial é demasiado genérica, indicando apenas um “sítio” (do …), numa localidade com alguma dimensão (Aljezur), o que o dificultaria, ou até inviabilizaria, a entrega da correspondência à destinatária: porventura por a recorrente ter já sido constituída em 1998 (de acordos com os elementos constantes de sítios na internet a ela referentes) a sede social ali constante apresenta-se demasiado genérica, quiçá insuficiente, o que terá justificado que a própria recorrente tivesse necessidade de se registar num apartado, … (que indubitavelmente reconhece pertencer-lhe), de forma a que lhe chegasse a correspondência que lhe era endereçada.
Aliás, não deixa de impressionar que fazendo uma simples pesquisa no Google, em diversas referências à morada da Ré surge nela a indicação de “apartado …”: por exemplo em …
Por isso, não se afigura desprovido de fundamento legal que se afirme, como o faz a sentença recorrida, que (…) o que se observa em face dos elementos constantes dos autos, é que a sede da ré, conforme consta do Registo Comercial, se situa no Sítio do …, em Aljezur – e que foi para o Sítio do …, em Aljezur que foram enviadas as cartas para citação, ainda que para o Apartado … daquela localidade” e, assim, que a recorrente foi citada na sua sede constante do registo comercial; ou seja, dada a morada da sede social constante do registo comercial ser demasiado genérica, houve necessidade de precisar a mesma ou, se se quiser, de na entrega da correspondência se precisar aquela morada, criando um apartado.
Daí que a correspondência enviada, com referência ao apartado não deixa de se considerar enviada para a sede social (genérica) da Ré.
Porém, ainda que assim se não entenda, não pode deixar de se constatar que o alegado pela recorrente viola os princípios da boa fé.
Com efeito, como estabelece o artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.
Ora, no caso em apreciação, a aqui recorrente/empregadora referiu no contrato que celebrou com a aqui recorrida/trabalhadora, a sua morada como sendo o “Sítio do …, apartado…, 8670 Aljezur” [alínea j) dos factos provados].
Também no carimbo aposto no contrato de trabalho consta tal morada [alínea k)].
Ainda no documento denominado “Rescisão do contrato” mencionou essa morada [alínea l)].
Ou seja, nos documentos de celebração e cessação do contrato de trabalho a empregadora sempre mencionou ser essa a sua morada; inclusive, no carimbo que coloca em documentos que lhe dizem respeito, bem como, tal como já assinalado, em sítios da internet, vem indicada essa morada da recorrente.
Pois bem: tendo em conta a concepção ético-jurídica dominante não deixa de impressionar, e ser violador dos princípios da boa fé por que as partes se devem nortear, que a empregadora nos documentos que apresentou à trabalhadora refira sempre uma morada, com indicação de um apartado – surgindo mesmo essa morada perante terceiros – e venha agora na presente acção, invocando que a sua morada que consta do registo comercial, e que é a que releva para efeitos de citação, não contém a menção do apartado…!
Se a empregadora sempre mencionou perante a trabalhadora a morada com indicação do apartado, sendo, inclusive, a que em sítios na internet é dada a conhecer, só por facto que lhe é imputável (v.g. desinteresse, ou outro) é que não tomou conhecimento da citação.
Por isso, também por esta via, sempre seria de considerar a recorrente devidamente citada para a acção.
E assim sendo, como se entende, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões das alegações do recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

As custas do recurso deverão ser suportadas pela recorrente, atento o seu decaimento na acção (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por CC, Lda., e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*

Évora, 06 de Dezembro de 2017
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva
__________________________________________________

[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Pereira da Silva.