Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
106/13.6TBBNV.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: DEFEITOS DA OBRA
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
REPARAÇÃO DOS DEFEITOS
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 106/13.6TBBNV.E1
Apelação – 1ª Secção

Recorrente:
(…).
Recorrido:
(…).
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Relatório[1]

(…), casado, Contribuinte Fiscal n.º (…), residente na E.N. 114, n.º 934 – (…), (…), com os demais sinais dos autos, intentou a presente acção de condenação sob a forma de processo sumário, contra (…), residente no (…), (…), alegando, em síntese, que no início de 2008 celebrou com o Réu um contrato de empreitada para reconstrução do telheiro da habitação do Autor e que no inicio de Fevereiro de 2008, data de conclusão da obra surgiram na habitação deficiências entrando água em quantidades consideráveis nos dias de intempérie, tendo surgido infiltrações provocadas pela humidade, fungos e bolores, fissuras nas paredes, danos nas pinturas e destruição e mobiliário. Tais defeitos devem-se ao facto de a construção do telhado não ter sido realizada com a inclinação necessária ao escoamento das águas das chuvas. Mais alega que deu conhecimento ao Réu das anomalias verificadas, tendo alertado para a ausência de inclinação do telhado aquando a sua construção, tendo o Réu assumido o compromisso de reparação que não veio a realizar. Requer que o Réu seja condenado à eliminação dos defeitos e ao pagamento de indemnização no valor de € 2.750,00 por danos não patrimoniais e caso não repare os defeitos devera ser condenado em quantia a determinar em sede de execução de sentença correspondente ao custo da eliminação dos referidos defeitos.
Regularmente citado, o Réu contestou a acção impugnando os factos alegados pelo Réu. Alega que não foi celebrado qualquer contrato de empreitada mas antes um contrato de trabalho, tendo trabalhados sob ordens e fiscalização do Autor, sendo este quem comprou os materiais e dirigiu toda a obra. Quanto aos defeitos verificados afirma que só teve conhecimento dos mesmos aquando da citação para a presente acção. Em qualquer caso, caso se considere a existência de um contrato de empreitada, certo é que caducou o direito de eliminação dos defeitos e indemnização porquanto não foi tempestiva a denúncia dos defeitos da obra por banda do Autor, uma vez que tal denúncia deveria ter ocorrido até Março de 2009 o que não ocorreu.
Em resposta à excepção invocada pelo Réu diz o Autor que denunciou em tempo os defeitos da obra, tendo o Réu reconhecido os mesmos o que equivale a denúncia. Em qualquer caso, uma vez que o Autor pediu apoio judiciário em 29/12/2008, deve ser essa a data tida como boa para a interposição da acção apesar de o primeiro patrono não ter interposto atempadamente a acção para a qual foi nomeado. Conclui que deve a excepção de caducidade ser julgada improcedente por não provada.
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Foi proferido o despacho a que alude o 596º do Código de Processo Civil.
Procedeu-se à selecção dos factos relevantes já assentes e os que constituem a base instrutória da causa.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, por fim, foi proferida sentença onde se decidiu «julgar improcedente por não provada a acção e absolver o Réu dos pedidos deduzidos pelo Autor».
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Inconformado veio o R. interpor recurso de apelação. Nas suas alegações o recorrente formulou as seguintes
Conclusões:

«1. A obra objecto da empreitada em apreço deverá considerar-se defeituosa independentemente da prova de qualquer vício específico;
2. Foi violada a legis artis de forma grosseira, não tendo a obra a qualidade a que se refere o artigo 1210º/2 do Código Civil, em particular, quanto ao grau de inclinação do telhado;
3. A denúncia dos vícios foi efectuada de forma eficaz, tendo-se por concretizada com a citação do Réu,
4. E de forma tempestiva, uma vez que a acção se considera proposta na data do pedido de apoio judiciário, com nomeação de patrono;
Nestes termos, requer que seja revogada a decisão proferida, e substituída por outra que julgue a presente acção procedente, por provada, condenado o Réu a eliminar os defeitos de construção, e a indemnizar pelos prejuízos causados».
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ).
Das conclusões acabadas de transcrever, se é que se podem denominar conclusões, retira-se que o objecto do recurso é circunscrito à aplicação do direito e à divergência quanto á decisão jurídica, máxima a falta de denúncia dos defeitos da obra.
Dos factos
Na primeira instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
«Factos provados
A. Autor e Reu acordaram que este procederia à reconstrução do telhado da habitação do Autor;
B. O telhado não foi construído com a inclinação necessária o que impede o escoamento normal das águas da chuva;
C. Permitindo, assim, a sua entrada dentro da habitação;
D. Atendendo à altura das passagens interiores (portas) e dos beirados existentes, a margem para alterar a inclinação do telhado é muito pequena. A manter-se a solução construtiva adoptada (telha cerâmica apoiada em ripas de betão armado pré-esforçado) uma alteração significativa da inclinação obrigaria à criação de uma caleira e a uma intervenção nos telhados contíguos;
E. Caso fosse utilizada uma cobertura continua (chapa de cimento ou metálica) a inclinação era suficiente;
F. O telhado apresenta uma inclinação de 10,5% equivalente a cerca de 6º;
G. Atendendo ao tipo de telha utilizada – telha lusa da cerâmica torriense – à localização da construção – zona 2 – e À exposição da cobertura, o fabricante recomenda uma inclinação mínima de 28% o que corresponde a 15,6º.
Factos não provados
H. Em inícios de Fevereiro de 2008, data da conclusão da obra, surgiram na habitação do A. algumas deficiências, entrando água, em quantidades consideráveis, nos dias de intempérie.
I. Desde essa altura que a habitação começou a sofrer de infiltrações de água que, provocam humidade e grandes concentrações de fungos e bolores,
J. O que determinou a formação de fissuras nas paredes,
K. Danos nas pinturas,
L. E destruição do mobiliário por acção da humidade;
M. A existência de infiltrações deve-se a defeitos de construção do telhado.
N. O A. foi dando conhecimento ao R. das anomalias verificadas, tendo, inclusivamente, chamado a atenção para a quase inexistência de inclinação do telhado aquando da sua construção;
O. Por diversas vezes o R., em face da denúncia dos defeitos invocados, se comprometeu a efectuar as competentes reparações, sucessivamente adiadas ou proteladas;
P. O A., sempre que se verificam condições de maior pluviosidade, interpela o R. para a necessidade e urgência da reparação da obra efectuada, o que até à data não se verificou;
Q. Tais defeitos de construção foram pondo em causa as condições mínimas de habitabilidade, segurança e durabilidade da habitação, afectando gravemente a qualidade de vida e a saúde do A. e dos seus familiares.
R. Não obstante o conhecimento, pelo R., dos danos causados pelo trabalho que realizara deficientemente;
S. Mantendo-se a habitação com graves problemas relacionados com a má drenagem das águas».
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Do Direito
Está em causa na presente acção a efectivação da responsabilidade contratual visando a eliminação de defeitos numa obra realizada no âmbito de um contrato de empreitada e o ressarcimento de alegados danos não patrimoniais. Como se observa na sentença recorrida, ninguém discorda que o contrato celebrado entre A. e R. é um contrato de empreitada ou seja um contrato pelo qual “uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço”. (art.º 1207 do Código Civil).
Em matéria de defeitos e quanto à sua eliminação e como bem se escreveu na decisão recorrida, «o artigo 1221º, n.º 1, do Código Civil prescreve que “se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção.” Caso as despesas sejam desproporcionadas em relação ao proveito, cessam os direitos antes enunciados (artigo 1221º, n.º 2, do Código Civil).
“Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina” (artigo 1222º, n.º 1, do Código Civil)»
E prossegue:
«A análise do regime jurídico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada permite constatar que o legislador facultou ao dono da obra uma série de direitos a exercer sequencialmente. Assim, em primeira mão, o dono da obra goza do direito de exigir a eliminação dos defeitos e, caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito.
Apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
O exercício dos direitos conferidos nos artigos 1221º e 1222º do Código Civil não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais (artigo 1223º do Código Civil) nem a possibilidade de resolução do contrato por incumprimento definitivo, independentemente da existência ou não de defeitos na obra ou da possibilidade da sua eliminação e consequente ressarcimento baseado na responsabilidade civil contratual.
Segundo Pedro Romano Martinez, in Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada – Almedina – pág. 122 e seg. «O não cumprimento definitivo é uma das formas que pode revestir a responsabilidade contratual do devedor. E, como responsabilidade civil que é, baseia-se na culpa, só que, presumida (art. 799º, nº 1). Em termos gerais, admite-se a existência do incumprimento definitivo sempre que a prestação não tenha sido cumprida e já não possa vir a sê-lo posteriormente. São três as causas que podem estar na origem de tal situação. A impossibilidade da prestação, a perda de interesse por parte do credor e o decurso de um prazo suplementar de cumprimento estabelecido pelo accipiens (arts. 801º, nº 1 e 808º). Certa doutrina acrescenta ainda uma quarta causa, a qual consistiria na declaração expressa do devedor em não querer cumprir.
Tanto a impossibilidade física, como a jurídica (p. ex.., por confisco do bem) não permitem que a prestação venha a ser efectuada e, sendo imputáveis ao devedor, constituem causa de responsabilidade deste. Se o credor perder o interesse na prestação, não se justifica que o solvens a pretenda realizar, na medida em que, sendo a satisfação do interesse do accipiens o fim para o qual a obrigação foi constituída, se este não se pode obter por culpa do devedor, estar-se-á perante um caso de incumprimento definitivo. A perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente (art. 808°, n° 2).
O credor pode estabelecer um prazo razoável para o devedor realizar a prestação após o seu vencimento, findo o qual esta se considera definitivamente incumprida. De outra forma, o credor, que não tivesse perdido o interesse na prestação, ficaria indefinidamente adstrito à relação obrigacional que o ligava à contraparte e, principalmente em contratos sinalagmáticos, tal indeterminação poderia acarretar consequências nefastas para a parte adimplente. Quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver um incumprimento definitivo. A declaração do devedor é suficiente. Mas se o solvens manifestou a sua intenção clara de não cumprir antes do vencimento, e não estão preenchidos os pressupostos da perda do benefício do prazo (art. 780º, nº 1), por via de regra, o não cumprimento definitivo só se verifica na data do vencimento se, na realidade, até esse momento o devedor não tiver realizado a sua prestação. Este princípio poderá, porém, ser alterado por força das regras da boa-fé.
Nestes últimos dois casos, o regime do não cumprimento definitivo funciona em termos optativos. Se a prestação for impossível, ou se o credor perder o interesse, já não se poderá recorrer à realização coactiva da prestação (arts.º 817º ss.); diferentemente, se o prazo razoável estabelecido pelo credor não for respeitado, ou se o devedor declarar que não vai cumprir, o accipiens pode optar entre as regras do incumprimento definitivo e as da acção de cumprimento e de execução específica.
No plano dos conceitos, verifica-se que a impossibilidade culposa não corresponde ao incumprimento. Para haver incumprimento torna-se necessário que haja uma prestação devida e possível. Em pura lógica, dir-se-á que só se pode estar adstrito ao que é possível e só se pode deixar de cumprir aquilo a que se está adstrito. Todavia, o legislador, no art. 801º, nº 1, equiparou o regime da impossibilidade culposa ao da falta de cumprimento. Assim sendo, tanto a impossibilidade imputável, como a falta de cumprimento acarretam a responsabilidade do devedor».
Quanto aos defeitos, porque estamos na fase da execução da obra, o dono da obra não podia, sem exigir a sua reparação, resolver a empreitada impondo-se-lhe ainda provar que os defeitos tornavam a obra inadequada ao fim a que se destinava.
Não se nos depara no caso vertente uma execução da obra realizada com tanta violação das regras da arte que o dono da obra, face a tais violações desrespeitadoras do artigo 1208º do Código Civil, perdesse interesse na realização da empreitada por ser manifesto que a empreitada não seria seguramente realizada em condições minimamente satisfatórias (artigo 808º do Código Civil).
Por isso o dono da obra não poderia deixar de fixar prazo para conclusão da obra recorrendo, na falta de acordo, ao disposto no artigo 777º do Código Civil e não poderia deixar, relativamente aos defeitos, de exigir a sua reparação só então se lhe abrindo caminho para a resolução do contrato (artigo 1222º do Código Civil)».
Não podemos deixar de concordar com esta análise e vistos os factos também é forçoso concluir que a acção não poderia deixar de improceder, porquanto o A. nem sequer provou, como era seu ónus, que tivesse denunciado a existência de defeitos na obra. Ora não tendo provado ter feito a denúncia dos defeitos, como pode exigir a sua eliminação? O pedido de eliminação dos defeitos pressupõe a denúncia destes e o A. nem sequer provou tal denuncia, e a interposição da acção não pode valer como tal porquanto o pedido é de eliminação dos defeitos. Por outro lado nem sequer se provou a existência de qualquer defeito. Assim a acção não poderia ter tido outro desfecho.
Concluindo

Pelo exposto acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, em 12 de Março de 2015
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo
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[1] Transcrito da sentença.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.